A prática constante de jogos de azar está prevista na CLT como uma causa suficiente para a extinção do contrato de trabalho por culpa do empregado, configurando-se em justa causa.
Antes de adentrar-se ao tema específico referente à prática de jogos de azar, importante salientar o que vem a ser a rescisão do contrato de trabalho por parte do empregador com fundamento em justa causa do empregado.
Conforme leciona Amauri Mascaro Nascimento, "justa causa é a ação ou omissão de um dos sujeitos da relação de emprego, ou de ambos, contrária aos deveres normais impostos pelas regras de conduta que disciplinam as suas obrigações resultantes do vínculo jurídico".[1]
De acordo com o autor, para se caracterizar a justa causa devem estar presentes três requisitos: atualidade, gravidade e causalidade. Ora, assim que o empregador toma conhecimento da falta praticada pelo empregado, deve de imediato providenciar nas medidas cabíveis, sob pena do chamado perdão tácito. Não parece correto o empregador despedir determinado empregado alegando falta que ocasione rescisão por justa causa ocorrida há mais de um ano por exemplo. A gravidade da falta deverá ser analisada no caso concreto considerando todos os elementos envolvidos na conduta questionada, como tempo, costumes e condições pessoais do agente dentre outras. Também se faz necessária a existência de uma relação de causa e efeito, ou seja, aquele ato praticado pelo empregado que é considerado como falta, deve ser a causa do fim do contrato; a rescisão seria a consequência do modo como o empregado agiu.[1]
Embora tenha sido mencionado apenas o caso de justa causa por parte do empregado, essa figura jurídica pode ocorrer também por culpa do empregador, o que se chama de rescisão indireta do contrato de trabalho, mas para o presente artigo interessa apenas a falta cometida pelo empregado.
Reza o art. 482 da CLT in verbis: Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho: l) prática constante de jogos de azar.[2]
O conceito do que se entende por jogos de azar encontra-se no decreto-lei nº 3.688 (Lei das Contravenções Penais) em seu art. 50 §3º como a seguir exposto:
“Consideram-se jogos de azar: a) o jogo em que o ganho e a perda dependam exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora do hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva”.[3]
Mencionado o conceito referente aos jogos de azar, passa-se a analisar sua incidência na esfera trabalhista, os motivos que podem dar suporte para uma eventual despedida do empregado com fundamento na justa causa do art. 482, l da CLT. São muitos os questionamentos a respeito do tema, o fato da necessidade do lucro no jogo ou aposta ser necessário para caracterizar a falta, a habitualidade da falta, a ocorrência ou não da prática ser cometida no ambiente de trabalho, bem como a legalidade do jogo praticado. Portanto, para se chegar a uma conclusão deve-se analisar cada um desses apontamentos, o que será feito a partir desse momento.
Gustavo Filipe Barbosa Garcia afirma que:
São exemplos de jogos exclusivamente dependentes da sorte: roleta e dados, pois a vitória ou a derrota, nesses casos, não é influenciada por qualquer outro fator (como a habilidade), que não a sorte de uns e o azar de outros jogadores. Jogos que dependam principalmente da sorte são os jogos de cartas, pois embora o fator sorte ou azar seja o preponderante para se chegar ao resultado, alguma habilidade pode influenciar na vitória. Nos jogos de bingo, o resultado depende exclusivamente da sorte, ou ao menos está é a principal determinante do resultado. Já os chamados jogos de habilidade, não são considerados jogos de azar, mas sim lícitos, como ocorre com as competições esportivas, bem como os jogos de dama e xadrez, que dependem da inteligência, da perspicácia e do raciocínio. Entretanto a aposta em si (feita por terceiros) sobre o futuro resultado de em tais jogos lícitos é considerada jogo de azar.[4]
Existe divergência na doutrina quando se questiona a possibilidade de existir falta ou não do empregado no caso da prática de jogos de azar ser realizada fora do ambiente laboral, inclusive nos períodos de intervalo para repouso e alimentação. Para Renato Saraiva só se configura a justa causa se a prática constante de jogos de azar ocorrer no ambiente de trabalho, durante a jornada, importunando e prejudicando o trabalho como no caso de empregados que jogam dominó apostando dinheiro. Quando for realizado fora do ambiente de trabalho sem acarretar prejuízo ou qualquer consequência não há de se falar em justa causa.[5]
Nesse sentido Mauricio Godinho Delgado aduz que:
O que importa à infração trabalhista arrolada pela CLT tem de ser, é claro, a circunstância de ela afetar o contrato de trabalho, a prestação laborativa, ou o ambiente do estabelecimento ou da empresa, por culpa do empregado. A conduta do trabalhador, distante do âmbito laborativo, que não atinja efetivamente o contrato ou o ambiente de labor, não pode ser interpretada como infração trabalhista.[6]
Em sentido contrário Wagner Giglio sustenta que, mesmo se a prática de tais jogos ocorrer fora do ambiente de trabalho, estará configurada a falta e, portanto, a justa causa, isto porque pode ocorrer perda de confiança do empregador com seu empregado.[7]
No que tange a habitualidade da falta, a doutrina é pacífica no sentido de que a prática deve ser contínua e permanente, não bastando apenas algumas vezes para caracterizar a justa causa. Como bem ensina Sérgio Pinto Martins: "A falta grave ocorre quando o empregado continuamente pratica jogos de azar. Se a prática é isolada, uma única vez, ou poucas vezes, não há a justa causa. Há, por conseguinte, a necessidade da habitualidade para a confirmação da falta grave em comentário".[8]
Deste modo exige-se que para configuração da justa causa, que a prática desses jogos seja algo frequente na vida do trabalhador, devendo ser desconsiderado quando se der de maneira esporádica.[4]
Segundo Alice Monteiro de Barros quando a prática constante de jogos de azar tiver por objetivo o lucro, poderá ser considerada justa causa para extinção do contrato de trabalho.[9]
Esse é o entendimento majoritário entre os pesquisadores do tema, embora haja uma doutrina minoritária que defende configurar falta a prática habitual de jogos de azar mesmo sem o objetivo de lucrar, pouco importando se o jogo é ou não a dinheiro.
Como a CLT nada menciona acerca dos jogos de azar serem jogos permitidos ou proibidos, entende-se que para a configuração da falta essa distinção não é relevante na justiça trabalhista.[8] No entanto, existe posicionamento em sentido contrário que considera justa causa apenas quando o jogo de azar é proibido por lei como os descritos na Lei de Contravenções Penais.
Como bem frisa Délio Maranhão o empregado que pratica jogos de azar dentro do ambiente de trabalho pode ser despedido por justa causa, mas não pelo fundamento do art. 482, l da CLT e sim por indisciplina caso estiver desrespeitando ordem do empregador.[10] Pode também, o empregado ser despedido por mau procedimento, que consta da mesma forma no rol do art. 482 da CLT.
Importante salientar que para existir um contrato de trabalho, uma relação profissional entre empregador e trabalhador, é fundamental que exista confiança de ambos os lados. Os jogos de azar são fatores, ao lado de drogas e do álcool, que podem corromper um indivíduo, levando o mesmo a cometer crimes, à desonestidade, etc.
Com isso parece claro o motivo pelo qual o legislador elencou a prática constante de jogos de azar no rol do art. 482 da CLT, pois sem confiança não existe relação empregatícia.
REFERÊNCIAS:
1 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.772-9.
2 CLT Saraiva Acadêmica e Constituição Federal. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
3 ABREU FILHO, Nylson Paim de (org). Constituição Federal, Código Penal, Código de Processo Penal. 6.ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007.
4 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: Método, 2008. p.562-3.
5 SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. Editora. 11.ed. São Paulo: Método, 2010. p.258-9.
6 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10.ed. São Paulo: LTR, 2011. p.1145.
7 GIGLIO, Wagner. Justa Causa. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.333.
8 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 24.ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.363.
9 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2005. p.853.
10 MARANHÃO, Délio. Extinção do contrato de trabalho. In: SÜSSEKIND, Arnaldo; TEIXEIRA FILHO, João de Lima; VIANA, Segadas; MARANHÃO, Délio. Instituições de Direito do Trabalho. 21.ed. São Paulo: LTR, 2003. v.1. p.586.
Advogado militante (OAB/RS 73.357), trabalha nas áreas cível e trabalhista. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS no ano de 2007. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IDC-RS no ano de 2010. Mestre em Direito Processual Civil pela PUCRS no ano de 2014. Professor de Direito da Graduação e Pós-Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul -UNISC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KRIEGER, Mauricio Antonacci. A caracterização da justa causa baseada na prática constante de jogos de azar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 abr 2012, 10:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/28604/a-caracterizacao-da-justa-causa-baseada-na-pratica-constante-de-jogos-de-azar. Acesso em: 06 nov 2024.
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