RESUMO: Os direitos sociais, direitos fundamentais de segunda dimensão, visam conceder aos indivíduos uma vida digna, como pressupostos para a concretização dos demais direitos. Estão positivados, em sua maioria, em normas de eficácia limitada, cuja maior parte não estão regulamentados infraconstitucionalmente. Todas as normas constitucionais possuem efeitos. Os direitos fundamentais detêm posição de destaque na constituição. Nenhum direito fundamental é absoluto, inclusive os de eficácia plena. O art. 5º, § 1º, da Constituição Federal estabelece o princípio da máxima efetividade e aplicação imediata dos direitos fundamentais. Inobstante ausência de regulamentação, os direitos fundamentais sociais não podem ser negados pelo fato de não terem sido regulamentados infraconstitucionalmente. Diferentes facetas na aplicação do princípio da máxima efetividade e aplicação imediata dos direitos fundamentais.
Palavras-chaves: 1) Direitos fundamentais sociais; 2) Eficácia; 3) Aplicabilidade imediata; 4) Princípio da máxima efetividade.
INTRODUÇÃO
Após a Revolução Francesa, a sociedade passou a viver em um Estado Constitucional, voltado para a proteção dos direitos fundamentais, sobretudo os de liberdade. Saiu-se, assim, de um período em que os direitos individuais não eram respeitados e o destino dos indivíduos encontrava-se condicionado aos caprichos do soberano. Por isso é que as Constituições desse período tiveram a principal preocupação em garantir os direitos de liberdade, pessoal e patrimonial, em face do Estado que, até então, era visto de forma negativa, como algoz da sociedade.
Foi deflagrada, então, a proclamação dos direitos fundamentais em sua primeira dimensão. A partir de então, defendeu-se a ideia de não intervenção do Estado, o qual deveria exercer influência mínima na sociedade. Ainda, pela teoria da tripartição dos poderes idealizada por Montesquieu, pode perceber-se a ânsia de desvinculação com o antigo regime. Por esta teoria, os três poderes deveriam ser independentes entre si, de modo que não se admitia influência alguma de uns sobre outros, ou seja, pugnava-se por uma ideia de rígida separação de poderes, a fim de que um Poder não se tornasse superior ao outro. O legislativo era o poder principal, posto que ao administrativo cabia apenas executar as leis e ao judiciário competia dizer a vontade do parlamento.
O período estava inundando pelo pensamento liberal, devido à ruptura do regime absolutista, à ascensão da burguesia ao poder e, acima de tudo, ao crescimento capitalista pós Revolução Industrial. Pregava-se uma igualdade absoluta, em que o mercado por si só bastaria para definir os rumos da sociedade. A mão invisível do mercado, da lei da oferta e da procura, preconizada por Adam Smith, era a base filosófico-econômica que apoiava o liberalismo da época.
Entretanto, com o decorrer do tempo, houve a percepção de que esta ideia de igualdade absoluta não poderia prosperar, sob pena de acarretar consequências catastróficas. Percebeu-se que, por serem as pessoas diferentes, deviam elas ser tratadas distintamente, exigindo-se, assim, uma intervenção estatal na sociedade de modo a garantir a efetiva igualdade entre os indivíduos. As imperfeições do liberalismo, associadas à incapacidade de auto-regulação dos mercados, conduziram à atribuição de uma nova função ao Estado (GRAU, 2000). Nesse contexto surgem os direitos fundamentais de segunda dimensão, destinados a promover as prestações positivas pelo Estado em prol dos cidadãos, ressaltando-se que dito período teve como base econômica fundamental o pensamento de Keynes. Esclarecedor, nesse sentido, é o escólio do insigne Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello:
Sob essa perspectiva, a chamada liberdade-autonomia, que impõe ao Estado um dever de abstenção na esfera de atuação dos indivíduos, nenhuma importância passaria a ter se o Estado, previamente, se não criasse condições materiais adequadas que satisfizessem as necessidades vitais de indivíduo, como o direito à alimentação, o direito à habitação, o direito à saúde, o direito à educação, o direito ao lazer, etc. Impunha-se ao Estado, portanto, cumprir, em favor das pessoas, uma série de encargos, prestações ou deveres, que, adimplidos, tornariam possível, então, o gozo das chamadas liberdades clássicas.
Processou-se, daí, uma evolução jurídico-política na própria concepção de Estado. Do Estado Liberal evoluiu-se para o Estado Social, caracterizando-se este por sua ação interventiva na ordem econômica e social. De simples espectador da cena sócio-econômica, o Estado passou a ser um de seus mais importantes protagonistas (STF. Trecho do voto do Ministro Celso de Mello na ADI nº 319-4, DJU 10.03.1993).
Destaque-se que os direitos fundamentais de segunda dimensão tornaram-se, desta maneira, em verdadeiros pressupostos para a concretização dos demais direitos fundamentais, especificamente os da igualdade e da liberdade. Com maestria, Sarlet leciona sobre os direitos fundamentais de segunda dimensão:
Enquanto os direitos de defesa se identificam por sua natureza preponderantemente negativa, tendo por objeto abstenções do Estado, no sentido de proteger o indivíduo contra ingerência na sua autonomia pessoal, os direitos sociais prestacionais têm por objeto conduta positiva do Estado (ou particulares destinatários da norma), consistente numa prestação de natureza fática. Enquanto a função precípua dos direitos de defesa é a de limitar o poder estatal, os direitos sociais (como direitos a prestações) reclamam uma crescente posição ativa do Estado na esfera econômica e social. Diversamente dos direitos de defesa, mediante os quais se cuida de preservar e proteger determinada posição (conservação de uma situação existente), os direitos sociais de natureza positiva (prestacional) pressupõem seja criada ou colocada à disposição a prestação que constitui seu objeto, já que objetivam a realização da igualdade [...] (SARLET, 2001, p. 261).
Incontestável a importância dos direitos fundamentais sociais, consoante demonstra José Afonso da Silva, citando Perez Luño:
[...] se estima que, mais que uma categoria de direitos fundamentais, constituem um meio positivo para dar um conteúdo real e uma possibilidade de exercício eficaz a todos os direitos e liberdades e sua proclamação supõe uma autêntica garantia para a democracia, ou seja, para o efetivo desfrute das liberdades civis e políticas. (SILVA, 2002, p.2).
Os direitos fundamentais integram uma Constituição, formal e materialmente, revelando a sua posição de destaque no âmbito da normativa constitucional. São normas imprescindíveis à criação da própria Carta Constitucional.
De seu turno, a Constituição alemã de Weimar de 1919 foi considerada a mais importante como garantidora dos direitos fundamentais de segunda geração. Contudo, em razão da falta de efetividade desses direitos, a aludida Carta foi considerada um fracasso pelos alemães. Nesse sentido, resolveu-se não inserir os direitos subjetivos a prestações positivas do Estado na Constituição de 1949, buscando-se, com isso, a garantia da efetividade das normas constitucionais (KRELL, 2002).
Contemporaneamente, são percebidos e detectados os problemas relacionados à falta de eficácia social – efetividade - dos direitos fundamentais sociais. Significa dizer, inúmeras Constituições preveem os direitos fundamentais de segunda dimensão, porém, na grande maioria dos casos, estes não saem do papel, ou seja, não se tornam realidade, mesmo diante da sociedade sequiosa e carente por vivenciá-los.
A Constituição do Brasil de 1988 é rica em direitos fundamentais, conferindo especial destaque aos de cunho sociais na ordem jurídica brasileira. Nessa linha, merece realce o artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, que estabelece que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que seja parte a República Federativa do Brasil.
Ressalta-se, nesse contexto, a existência do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 591, de 6 de julho de 2012. Referido pacto é um dos três instrumentos que constituem a Carta Internacional de Direitos Humanos e estabelece vários deveres aos Estados aderentes, no intuito de garantir aos cidadãos a fruição plena dos direitos nele reconhecidos.
Nada obstante a positivação dos direitos fundamentais, é perceptível a alarmante desigualdade social, por certo decorrente da inaplicabilidade de certos direitos fundamentais na vida da maioria da população brasileira, que carece de condições mínimas para uma existência digna A experiência constitucional brasileira tem demonstrado que a reiterada afirmação dos direitos fundamentais nos textos constitucionais não tem sido garantia necessária e suficiente à sua plena e desejável efetividade.
DELIMITAÇÕES CONCEITUAIS
Antes de se adentrar na questão específica da eficácia e aplicabilidade dos direitos fundamentais sociais, é importante fixar uma delimitação conceitual de certos termos, ressaltando que não há consenso doutrinário sobre o tema (SARLET, 2011).
O conceito de vigência está relacionado com a existência da norma. Após passar pelas etapas do processo de “produção”: (i) promulgação – ato no qual se declara a norma obrigatória; (ii) publicação – ato de tornar a norma conhecida a todos; e o (iii) decurso da vacatio legis – período temporal entre a publicação e a vigência, a norma terá entrado em vigor no ordenamento jurídico, e dessa forma, será considerada existente. Em síntese, a norma após ter obedecido às condições técnico-formais de sua elaboração, passa a ter vigência no ordenamento jurídico.
Já o conceito de validade se refere à conformidade da norma com o ordenamento jurídico. Em outras palavras, a validade da norma está presente quando se constata sua conformidade, formal e material, com a Constituição. Sobre a validade das normas, importante trazer à colação os seguintes ensinamentos, in verbis:
Dentro da ordem de ideia aqui expostas, uma lei que contraria a Constituição, por vício formal ou material, não é inexistente. Ela ingressou no mundo jurídico e, em muitos casos, terá tido aplicação efetiva, gerando situações que terão de ser recompostas. Norma inconstitucional é norma inválida, por desconformidade com regramento superior, por desatender os requisitos impostos pela norma maior (BARROSO, 2009, p. 80-81).
Com efeito, para que se possa predicar validade ou invalidade de uma norma encartada em dado direito positivo, cumpre antes, lógica e juridicamente, qual tal norma exista naquele sistema. (MELLO, 2006, p. 5.)
A eficácia jurídica é a potencialidade, a aptidão da norma de produzir efeitos. Já a aplicabilidade é a realizabilidade da norma, a incidência in concreto do preceito normativo.
Segundo lição de José Afonso da Silva, em sua aclamada obra “Aplicabilidade das normas constitucionais”, a eficácia jurídica e aplicabilidade são fenômenos conexos, aspectos talvez do mesmo fenômeno, encarados por prismas diferentes: aquela como potencialidade; esta como realizabilidade, praticidade (SILVA, 2005).
De seu turno, o eminente professor Uadi Lammêgo Bulos (2009) explica que para a aplicabilidade constitucional realizar-se é preciso que as normas de uma Constituição, além de vigentes e válidas, sejam juridicamente eficazes. Dessa maneira, a aplicabilidade da norma é decorrência direta de sua eficácia.
Meirelles (2008) assevera que a eficácia é apreendida na análise da norma abstratamente falando; a aplicabilidade, no entanto, é verificada diante do caso concreto. Assim, uma norma eficaz poderá não ter aplicabilidade em determinado caso concreto, haja vista a existência, por exemplo, de um princípio oposto que, na ponderação, veio a prevalecer.
O conceito de eficácia adjetivado do termo jurídico não é sem razão de ser. Fala-se em eficácia jurídica em distinção à eficácia social, esta última também denominada de efetividade. A primeira está relacionada ao “dever ser”, ao passo que a última, ao “ser” da norma. Assim, enquanto a eficácia jurídica está relacionada à potencialidade da norma de produzir efeitos, a eficácia social – efetividade – está ligada a concretização do comando normativo, sua força operativa no mundo dos fatos.
Ressalta-se, entretanto, que uma norma pode ser vigente, válida e eficaz juridicamente, mas não ter eficácia social – efetividade. O não cumprimento da norma no plano fático retira-lhe a eficácia social – efetividade, em que pese possuir eficácia jurídica.
Verifica-se, v.g., que a Constituição Federal possui normas que determinam a vinculação de recursos públicos, para a aplicação nas áreas de saúde e educação, conforme estipulam o artigo 198, §§ 1º e 2º e os arts. 212 e 213, § 1°, respectivamente. Entretanto, não raras vezes, têm os Tribunais de Contas detectado que Estados e Municípios não aplicam os mínimos exigidos em tão importantes áreas. Significa dizer, a norma constitucional é vigente, válida e eficaz, mas carece, por vezes, de efetividade ou realizabilidade prática.
É bem verdade que na análise da eficácia social dos direitos fundamentais entra em questão aspectos não jurídicos que influenciam na real aplicação da norma em uma determinada sociedade, como por exemplo, a insuficiência de recursos públicos para aplicação em áreas sociais prioritárias, seja em decorrência de uma baixa arrecadação tributária, situação mais comum em pequenas municipalidades, ou pela ocorrência de desvio de verbas públicas fomentada pela corrupção endêmica, que assola o país.
Nas lições de Sarlet (2011), a eficácia jurídica é definida como a possibilidade (no sentido de aptidão) de a norma vigente (juridicamente existente) ser aplicada aos casos concretos e de – na medida de sua aplicabilidade – gerar efeitos jurídicos, ao passo que a eficácia social (ou efetividade) pode ser considerada como englobando tanto a decisão pela efetiva aplicação da norma (juridicamente eficaz), quanto o resultado concreto decorrente – ou não – desta aplicação. Ambas – a exemplo do que ocorre com a eficácia e a aplicabilidade – constituem aspectos diversos do mesmo fenômeno, já que situados em planos distintos (o do dever-ser e o do ser), mas que se encontram intimamente ligados entre si, na medida em que ambos servem e são indispensáveis à realização integral do direito.
A exemplo do que ocorre com a aplicabilidade, a eficácia social – efetividade - é decorrência da eficácia jurídica, afinal, uma norma constitucional não se realiza (efetividade) se inexistir a mínima chance de ser aplicada (eficácia jurídica).
O que se busca com a eficácia social – efetividade - é o sucesso da Constituição, no sentido de cumprimento de suas normas. Afinal, norma constitucional efetiva é aquela obedecida, seguida e aplicada, correspondendo aos fatores reais de poder que regem a sociedade (BULOS, 2009).
EFICÁCIA E APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
No âmbito constitucional brasileiro, a classificação mais difundida das normas constitucionais quanto a sua eficácia é a do professor José Afonso da Silva. Ressalta-se que, apesar das criticas e de outras classificações elaboradas por respeitáveis constitucionalistas[1], será utilizada a classificação por ele defendida, por ser a mais usual e a que maior receptividade angariou entre os juristas pátrios, inclusive no Pretório Excelso.
Segundo o eminente constitucionalista, em sua já citada obra “Aplicabilidade das normas constitucionais”, as normas constitucionais podem ser classificadas em normas de eficácia plena, normas de eficácia contida e normas de eficácia limitada, estas últimas divididas em normas de princípio institutivo e normas de princípio programático (SILVA, 2007).
As normas de eficácia plena são aquelas aptas a, desde já, produzirem todos os seus efeitos. Têm aplicabilidade direta, imediata e integral. Não necessitam de nenhuma complementação infraconstitucional para que possam ter seu cumprimento exigido, criam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, sendo, desde logo, exigíveis (SILVA, 2007). Como exemplo desta espécie de normas, pode ser citado o artigo 2º da Constituição Federal.
As normas de eficácia contida, à semelhança das normas de eficácia plena, são aptas a, desde já, produzirem todos os seus efeitos, mas podem, no futuro, terem seus efeitos restringidos (contidos) por atuação do Poder Público. Têm aplicação direta, imediata, mas possivelmente não integral (SILVA, 2007). Como exemplo, tem-se o artigo 5º, XIII, da Carta Magna.
Já as normas de eficácia limitada tem sua aplicabilidade diferida e reduzida, com seus efeitos jurídicos condicionados à complementação por norma infraconstitucional. A aplicabilidade da norma está latente, esperando regulação infraconstitucional – interpositivo legislatoris - para produzir efeitos. Sobre estas normas, esclarece:
São todas as que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão (SILVA, 2007, p. 82).
As normas constitucionais de eficácia limitada de princípio institutivo contém esquemas gerais, referindo-se a início de estruturação de instituições, órgãos ou entidades, pelo que também poderiam chamar-se normas de princípio orgânico ou organizativo. Complementa o autor: traçam esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgão, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei (SILVA, 2007). Como exemplo, cita-se o artigo 113 da Carta Maior.
Por fim, as normas constitucionais de eficácia limitada de princípio programático são aquelas que fixam políticas públicas, que preveem a implementação de programas estatais destinados à concretização dos fins sociais do Estado.
São normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos, como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. Como exemplo, o art. 215 da Lei Maior (SILVA, 2007, p. 138).
Nesse passo é importante registrar que, independentemente da classificação adotada, percebe-se que a doutrina é unânime em afirmar que todas as normas constitucionais possuem sempre um mínimo de eficácia, sendo esta variável consoante seu grau de densidade normativa. Os dispositivos do texto constitucional são normas, possuem normatividade, e, dessa maneira, vinculam toda a sociedade. Corrobora esse entendimento a lição de Sarlet, ora colacionada:
[...] não se discute que cada norma constitucional possui um mínimo de eficácia e aplicabilidade, dependente, por sua vez, de sua suficiente normatividade. [...] Não é outro o entendimento que se recolhe do direito comparado, razão pela qual cumpre aproveitar a oportunidade para referir a abalizada e paradigmática lição do renomado publicista espanhol García de Enterría, que, partindo de uma concepção substancial da Constituição e reconhecendo o caráter vinculante reforçado e geral das suas normas, sustenta que na Lei Fundamental não existem declarações (sejam elas oportunas ou inoportunas, felizes ou desafortunadas, precisas ou indeterminadas) destituídas de conteúdo normativo, sendo que apenas o conteúdo concreto de cada norma poderá precisar, em cada caso, qual o alcance específico de sua carga eficacial (SARLET, 2011, p. 255).
Importante ressaltar que todas as normas constitucionais podem ter sua aplicação reduzida, de acordo com o caso concreto. É o que ocorre na colisão entre direitos fundamentais, devido ao fato de os direitos fundamentais não terem caráter absoluto, independentemente de sua classificação em normas de eficácia plena, contida ou limitada.
Por sua vez, os direitos fundamentais sociais estão previstos, em sua grande maioria, sob a roupagem de normas constitucionais de eficácia limitada, de princípio programático. Encontram-se, em grande parte, na latência de regulamentação infraconstitucional para poderem ter aplicação. Dessa maneira, a inércia do legislador infraconstitucional em regulamentar os direitos fundamentais de segunda dimensão acaba florescendo no povo um sentimento de não efetividade, de não cumprimento e desrespeito aos preceitos constitucionais, o que acaba levando, em última análise, a uma descrença da nação na própria Constituição.
Nesse momento, considera-se oportuno buscar o sentido e o alcance do artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal. Em relação a este dispositivo constitucional mostra-se razoável perquirir se ele é capaz de conferir maior efetividade aos direitos sociais.
SENTIDO E ALCANCE DO ARTIGO 5º, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Prima facie, mostra-se importante ressaltar que as normas constitucionais são divididas em normas-regras e normas-princípios. As primeiras possuem uma carga normativa mais densa, já que sua aplicação está ligada à ideia de subsunção, ao binômio “tudo ou nada”. Já as normas-princípios possuem uma carga normativa menos densa, porém mais carregadas de valores axiológicos, sendo sua aplicação graduada na medida das possibilidades jurídicas (DANTAS, 2010).
Assim, o sistema jurídico constitucional é um sistema aberto de regras e princípios. Ambos são espécies de normas: as regras contêm determinações no âmbito do fática e juridicamente possível e só podem ser cumpridas ou descumpridas (lógica binária do tudo ou nada), ao passo que os princípios são mandatos de otimização, caracterizados por permitirem o seu cumprimento em distintos graus e pelo fato de a medida de seu cumprimento depender não apenas das possibilidades reais, mas também do âmbito das possibilidades jurídicas, o qual é determinado pelos princípios e regras opostos no caso concreto, aferíveis por meio de ponderação. Os princípios, portanto, são aplicados na maior medida possível (ou, como se diz, de maneira ótima ou máxima, tanto quanto possível), não se submetendo à lógica do sim ou não (SARLET, 2011).
Esclarecidos os aspectos gerais do tema, faz-se mister transcrever o conteúdo do artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal: “As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata”.
Primeiramente, é importante esclarecer que o dispositivo em questão alcança todos os direitos fundamentais que o Brasil reconheça. Não apenas os contidos no artigo 5º, mas todos os outros direitos fundamentais, independentemente de sua localização na Constituição Federal, e, inclusive, os previstos fora desta. Isto em vista do caráter materialmente aberto do texto constitucional no que diz respeito aos direitos fundamentais, conforme preceitua o artigo 5º, § 2º, da Magna Carta, já mencionado. Esta é a interpretação que melhor se coaduna com a atual fase do Direito Constitucional, conhecida como “neoconstitucionalista”, que valoriza a efetividade dos preceitos constitucionais e, principalmente, dos direitos fundamentais.
A delimitação do significado e do alcance do dispositivo é um dos temas mais controvertidos do direito constitucional. Há quem defenda, em uma posição extremamente tímida, que a aplicação imediata preceituada no dispositivo em exame encontra-se condicionada ao interpositio legislatoris (FERREIRA FILHO, 1989). Há ainda, em posição totalmente oposta, quem defenda que até mesmo normas de cunho nitidamente programático podem ensejar, em virtude de sua imediata aplicabilidade, o gozo de direito subjetivo individual, independentemente de concretização legislativa (GRAU, 1997).
Sarlet, adotando uma posição que pode ser considerada como moderada ou de natureza intermediária, adverte que para a análise do significado e do alcance da norma contida no § 1º do artigo 5º não há como desconsiderar acerca da função precípua dos direitos fundamentais (direito de defesa ou prestacional), nem da sua estrutura jurídico-normativa (forma de positivação) no texto constitucional, já que ambos os aspectos, a toda evidência, constituem fatores intimamente vinculados ao grau de eficácia e aplicabilidade dos direitos fundamentais (COSTA, 2011).
Entretanto, independentemente da análise dos aspectos citados, assevera Sarlet (2011) que a norma em referência, de índole principiológica, impõe aos órgãos estatais a tarefa de maximizar a eficácia dos direitos fundamentais, (como mandado de otimização à Alexy), inclusive mediante a promoção das condições para que os direitos e garantias fundamentais sejam reais e efetivos (COSTA, 2011,). Nesse diapasão, vale a pena transcrever a seguinte lição:
A melhor exegese da norma contida no art. 5º, parágrafo 1°, de nossa Constituição é a que parte da premissa de que se trata de norma de cunho inequivocamente principiológico, considerando-a, portanto, uma espécie de mandado de otimização (ou maximização), isto é, estabelecendo aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais [...] [sendo certo, por isto, que] seu alcance (isto é, o quantum em aplicabilidade e eficácia) dependerá do exame da hipótese em concreto, isto é, da norma de direito fundamental em pauta.
No caso dos direitos fundamentais, à luz do significado outorgado ao art. 5º, parágrafo 1º, de nossa Lei Fundamental, pode-se afirmar que aos poderes públicos incumbem a tarefa e o dever de extrair das normas que os consagram (os direitos fundamentais) a maior eficácia possível, outorgando-lhes, neste sentido, efeitos reforçados relativamente às demais normas constitucionais, já que não há como desconsiderar a circunstância de que a presunção da aplicabilidade imediata e plena eficácia que milita em favor dos direitos fundamentais constitui, em verdade, um dos esteios de sua fundamentalidade formal no âmbito da Constituição, o que induz à afirmação de que, em certo sentido, os direitos e princípios fundamentais regem e governam a própria ordem constitucional (SARLET, 2011, p. 270 – 271).
O preceito contido no artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal, tem uma natureza eminentemente principiológica, que impõe a todos – por ser norma constitucional – o dever de reconhecer e aplicar, cada um em sua função específica, a máxima eficácia aos direitos fundamentais sociais. Esta norma estabelece, então, o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais (COSTA, 2011).
Reconhece-se que quando o direito fundamental previsto em norma de eficácia limitada está regulamentado no âmbito infraconstitucional sua obrigatoriedade é muito maior, devido a sua maior densidade normativa. Os particulares possuem maiores meios de forçarem o cumprimento do disposto em regras legais. No entanto, em que pese não regulamentados infraconstitucionalmente, os direitos fundamentais de eficácia limitada, por serem normas constitucionais, na modalidade normas-princípios, também possuem uma carga eficacial passível de tutela (COSTA, 2011).
Portanto, é certo que todo e qualquer preceito da Constituição, em especial quando se trata de preceito referente a direitos fundamentais, ainda que de eficácia limitada, de cunho programático, é dotado de certo grau de eficácia jurídica e aplicabilidade e Sarlet (2011) elenca as seguintes cargas eficaciais comuns a todas as normas definidoras de direitos fundamentais: a) acarretam a revogação dos atos normativos anteriores e contrários ao conteúdo da norma definidora de direito fundamental, bem como a declaração de inconstitucionalidade de todos os atos normativos editados após a vigência da Constituição, caso colidentes com o conteúdo dos direitos fundamentais; b) contém imposições que vinculam o legislador, no sentido que este não apenas está obrigado a concretizar os programas, tarefas, fins e ordens, mas também que o legislador, ao cumprir seu desiderato, não pode afastar-se dos parâmetros estabelecidos nas normas definidoras de direitos fundamentais; e, particularmente quanto aos direitos prestacionais de cunho programático: c) condicionam a atividade da Administração e do Poder Judiciário na aplicação, interpretação e concretização de suas normas e das demais normas jurídicas; d) geram, no mínimo, direito subjetivo no sentido negativo, já que sempre possibilita ao indivíduo que exija do Estado que este se abstenha de atuar de forma contrária ao conteúdo da norma que consagra o direito fundamental. Reforça esse entendimento:
Em termos pragmáticos, o que importa destacar, neste contexto, é o fato de que um direito fundamental não poderá ter a sua proteção e fruição negada pura e simplesmente por conta do argumento de que se trata de direito positivada como norma programática e de eficácia meramente limitada, pelo menos não no sentido de que o reconhecimento de uma posição subjetiva se encontra na completa dependência de uma interposição legislativa (SARLET, MARIONI e MITIDIERO, 2012, p. 316).
O eminente Sarlet cita alguns julgados em que Supremo Tribunal Federal aplica o princípio da máxima efetividade e da aplicação imediata dos direitos fundamentais, decorrente do artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal, os quais são trazidos à colação:
Ag nº 410-715/SP (assegura a aplicabilidade direta ao art. 208, IV, da CF/1988, no sentido de garantir o direito à creche para criança entre 0 e 6 anos de idade); RE nº 271286/RS (assegura a aplicabilidade direta ao art. 196 da CF/1988, garantido a eficácia plena e imediata do direito à saúde, declarando ser dever do Estado fornecer gratuitamente medicamentos às pessoas necessitadas); MI nº 585/TO (reconhece o direito constitucional de greve dos servidores públicos e o descumprimento da CF pelo Estado por não ter, até o presente momento, regulamentado o art. 37, VII, da CF/1988, alterando a orientação anterior no sentido da eficácia apenas limitada ao dispositivo); RE nº 377040/RS (assegura aplicabilidade direta aos arts. 5º, I, e 226, § 5º, ambos da CF/1988, garantido a eficácia plena e imediata dos princípios que preveem a igualdade entre o sexos, declarando o direito do marido ser incluído como dependente da mulher para fins previdenciários; no mesmo sentido RE nº 367089-RS, reforçando a autoaplicabilidade das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais entre os quais se situam os direitos sociais que englobam o direito à saúde e a previdência social); MS nº 26854/DF (assegura aplicabilidade direta e imediata ao art. 5º, LIV, da CF/1988, garantindo o direito ao devido processo legal, determinando o restabelecimento do pagamento de aposentadoria tida como irregular em processo administrativo no qual a impetrante sequer teve conhecimento); AI nº 222046/SP (assegura a aplicabilidade direta e imediata ao art. 7º, XVIII, da CF/1988, garantindo o direito de licença remunerada de 120 dias à gestante) (SARLET, MARIONI e MITIDIERO, 2012, p. 317-318, rodapé n. 228).
Dessa maneira, percebe-se que o simples fato de não haver regulamentação infraconstitucional sobre determinado preceito fundamental, não é motivo suficiente, por si só, para que o poder público possa furtar-se de seu dever constitucional. Os direitos fundamentais possuem uma posição de destaque no ordenamento constitucional, sendo materialmente abertos (artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal) e insuscetíveis de abolição, inclusive por emenda constitucional (artigo 60, § 4º, IV, da Constituição Federal). Além do mais, o princípio da máxima efetividade e da aplicação imediata dos direitos fundamentais, positivado no artigo 5º, § 1º, da Magna Carta, determina o dever de sua concretização imediata, da forma mais eficiente possível.
Sarlet (2011) explica que os referidos direitos sociais vinculam duas dimensões distintas: uma à prestação, e outra negativa. Assim, um mesmo direito fundamental social pode desembocar obrigações negativas e positivas, como, v.g., o direito fundamental social à saúde, que vincula o poder público a se abster de praticar determinados atos tendentes a violar a saúde, bem como, ao mesmo tempo, obriga o ente público a prestar políticas públicas voltadas à prevenção e proteção da saúde humana.
Assim, aclara-se que quando o direito fundamental social tiver obrigação negativa, seu cumprimento torna-se incontroverso, e o direito subjetivo à sua efetivação evidente.
Reconhece-se que quando o direito fundamental social, de ordem prestacional, está regulamentado infraconstitucionalmente, sua normatividade mais densa torna insuperável sua exigibilidade. No caso, eventual conflito resolve-se com base na aplicação das regras já estabelecidas pelo legislador sobre determinada política pública. Têm-se, aqui, os direitos derivados a prestações.
Diferentemente ocorre em relação aos direitos fundamentais sociais, de ordem prestacional, não disciplinados na ordem infraconstitucional, os denominados direitos originários prestacionais – que decorrem originariamente da Constituição Federal. Com relação a estes direitos, conforme exposto acima, a falta de regulamentação não pode ser evocada como subterfúgio para seu descumprimento. O princípio da máxima efetividade e da aplicação imediata dos direitos fundamentais (artigo 5º, §1º, da Constituição Federal) estabelece posições subjetivas passíveis de tutela.
Neste aspecto, a norma contida no artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal, de natureza eminentemente principiológica, deve nortear o operador do direito na análise in concreto e na aplicação da ponderação necessária, levando-se em conta, sempre, a relevância dos direitos fundamentais sociais e seu pórtico de máxima efetividade e aplicação imediata.
Ressalta-se, por outro lado, que quanto aos direitos fundamentais sociais prestacionais, tanto originários quanto derivados, o poder público geralmente evoca para o seu não cumprimento a questão da falta de recursos financeiros, a denominada reserva do possível. Em que pese esta temática, que também está intimamente relacionada à questão do mínimo existencial, transcender ao objeto do presente trabalho, obtempera-se que a solução deve ser pautada na ponderação de direitos, levando-se em consideração o princípio da máxima efetividade e aplicação imediata dos direitos fundamentais sociais (artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal). Corrobora esse entendimento o seguinte escólio:
Vários doutrinadores defendem que a máxima eficácia/aplicabilidade das normas constitucionais definidoras de direitos sociais encontra pelo menos dois limites: além da necessidade da interpositio legislatoris, de reservas financeiras quase sempre indisponíveis. Nesse sentido, dentre outros, Bucci (2006, p. 29); Krell (2002, p. 22).Todavia, quanto ao mínimo existencial, como direitos sociais básicos ligados à sobrevivência digna do indivíduo, a este deve ser conferido tratamento diferenciado, adotando-se certos temperamentos (COSTA, 2011). (Grifos no original).
Assim, o Estado deve pautar-se no princípio da máxima efetividade e aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, visando à concretização da vontade do constituinte, realizando no seio social os direitos fundamentais sociais, para um desenvolvimento pleno da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal).
CONCLUSÃO
À guisa de conclusão, pode afirmar-se que em qualquer situação envolvendo a aplicação dos direitos fundamentais sociais, sejam os originários ou derivados, prestacionais ou negativos, a ponderação dos direitos em jogo deve levar em consideração o princípio da máxima efetividade e aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, consoante estatui o artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal.
Ao cidadão, como destinatário dos direitos fundamentais sociais, cabe o pedido de tutela de sua violação ou inefetividade, utilizando-se para tanto, mormente, do Poder Judiciário. Constata-se que no âmbito da tutela judicial existem vários mecanismos processuais disponíveis para a implementação desses direitos, como, v.g., o mandado de injunção, o mandado de segurança e a ação civil pública. Assim, no caso de algum direito fundamental social ser violado ou ameaçado, deve o seu destinatário procurar o Poder Judiciário, com vistas à efetiva tutela de seus direitos (artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal).
Neste aspecto, e conforme amplamente exposto, o juiz não poderá alegar como empecilho à concessão do direito em toda e qualquer situação, a mera ausência de regulamentação infraconstitucional do direito fundamental social, pois este direito, embora frequentemente revestido sob a roupagem de normas programáticas, não são destituídos de qualquer eficácia jurídica ou eficácia social (efetividade).
Desta feita, cabe ao operador do direito, aplicar o princípio da máxima efetividade e aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais e zelar pela máxima efetivação dos preceitos constitucionais, em especial dos direitos fundamentais sociais, eis que neles estão consubstanciadas as prestações essenciais, como saúde, educação e assistência social, a serem fornecidas pelo Estado, a fim de que o cidadão tenha uma existência mais digna e, por que não dizer, mais feliz.
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[1] O eminente professor Ingo Wolfgang Sarlet sintetiza outras posições sobre a classificação das normas constitucionais, trazendo as posições de Ruy Barbosa, José Horácio Meirelles Teixeira, Celso Ribeiro Bastos, Carlos Ayres Britto, Maria Helena Diniz, Celso Antônio Bandeira de Mello e Luís Roberto Barroso. Defende, ainda, uma analise dos preceitos quanto à densidade normativa (SARLET, 2011, p. 242-256).
Mestrando em Direito e Políticas Públicas pela Universidade Federal de Goiás. Assessor de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Goiás. Acadêmico de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, PUC-GO. Técnico em Telecomunicações pelo Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia de Goiás, IFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Queops de Lourdes Barreto. A aplicabilidade imediata e a eficácia dos direitos fundamentais sociais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2012, 10:01. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/32139/a-aplicabilidade-imediata-e-a-eficacia-dos-direitos-fundamentais-sociais. Acesso em: 23 dez 2024.
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