1-) Introdução: conceito de reclamação constitucional.
A reclamação constitucional é um remédio que objetiva preservar a competência e garantir a autoridade das decisões dos Tribunais Superiores, quais sejam, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça (STF e STJ), sendo de competência originária daqueles Tribunais, com previsão na Constituição Federal de 1988 (CF).
Relativamente à Fazenda pública, ela pode se valer da reclamação para impugnar a concessão de tutela antecipada ao arrepio da Lei n. 9494/97 (Ação Direta de Constitucionalidade n. 4), ou, anteriormente à Lei n. 12016/2009, no caso de sequestro de verbas públicas pelo não pagamento ou pela não inclusão delas no orçamento.
2-) Natureza jurídica:
A reclamação correicional (administrativa, para rever atividade tumultuária do Juiz, não passível de recurso, aplicável quando do Código de Processo Civil (CPC) de 1939, em que nem toda decisão interlocutória desafiava agravo de instrumento, mas somente as expressamente previstas na lei) difere de reclamação constitucional (judicial: exige provocação judicial pelas partes ou MP, pode cassar a decisão – e não anular ou reformar -, capacidade postulatória, enseja coisa julgada, desafia recursos (agravo interno e embargos de declaração), admite cautelar).
Portanto, reclamação é medida judicial, não sendo procedimento de jurisdição voluntária, pois não objetiva ato autorizativo, homologatório ou constitutivo de direitos (administração pública de interesses privados), mas sim procedimento de jurisdição contenciosa.
A reclamação constitucional não é recurso (sem previsão em lei como tal, sem prazo, independe de sucumbência, gravame ou prejuízo), e se submete à jurisdição contenciosa (interesses contrapostos). A reclamação constitucional não é, ainda, incidente processual, pois não pressupõe um processo anterior.
Para o autor, a reclamação constitucional é uma AÇÃO, com todos os seus elementos: partes, causa de pedir e objeto, somente podendo ser disciplinada por lei federal, fazendo coisa julgada material.
Contudo, para o STF, conforme decidido na ADI 2212/CE, a reclamação constitucional não é recurso, sucedâneo recursal e nem ação, mas MERO DIREITO DE PETIÇÃO, que, em razão do princípio da simetria, pode ser previsto pelas Constituições Estaduais, para preservar a competência dos Tribunais de Justiça, que podem prever a competência e o procedimento em seus Regimentos Internos, sem ofensa à competência legislativa privativa da União acerca do direito processual.
De acordo com o STF, não cabe reclamação para preservar decisões de Tribunal Regional Federal (TRF) e de outros Tribunais que não sejam o STF e o STJ, pois estão submetidos à CF, que só prevê reclamação para estes últimos.
Na realidade, a posição do STF é contraditória, pois a reclamação, sendo direito de petição, poderia ser intentada na esfera administrativa, e em relação a qualquer Tribunal. Ademais, sendo mero direito de petição, não caberia configuração de coisa julgada, e tampouco exigir-se capacidade postulatória, contraditório, manifestação do Ministério Público, pagamento de custas para ajuizamento, etc.
Não cabe reclamação contra decisão judicial transitada em julgado, pois ela não é rescisória. Súmula 734 do STF. Ajuizada antes do trânsito em julgado, a sua superveniência não torna a reclamação incabível.
3-) Hipóteses de cabimento e de não cabimento da reclamação constitucional:
A reclamação é demanda típica de fundamentação vinculada, sendo admissível nos casos de: a) preservação da competência; e b) garantia da autoridade das decisões de Tribunal.
3.1-) Casos de usurpação de competência: não cabe reclamação para resguardar decisão de Juiz de primeiro grau, mas só para Tribunais. Cabe em regra contra atos comissivos, mas também pode caber contra 1 ato omissivo: o do Presidente ou Vice-presidente que se recuse ao Juízo de admissibilidade de recurso especial (REsp) ou recurso extraordinário (RE), ou que se recuse a encaminhar ao STF ou ao STJ o agravo de instrumento contra o despacho denegatório do REsp e do RE = caberá reclamação ao STJ ou STF.
Exemplos de cabimento da reclamação por usurpação de competência: a) impetrar MS contra ato do Presidente da República perante o Juiz de primeiro grau, e não o STF; b) decisão do Juiz de primeiro grau (e não do Tribunal) que suspende a execução em razão de pendência de ação rescisória; c) propor demanda que se refere a interesse de TODA a magistratura em juízo que não seja o STF; d) propor demanda perante outro Juízo que não o STF relativa a matéria cujo Tribunal reconheceu, expressamente, o impedimento ou a suspeição de mais da metade de seus membros.
3.2-) Casos de garantia da autoridade de decisões de Tribunal: não cabe reclamação para impugnar ato do próprio Tribunal, mas somente se houver desobediência por algum outro órgão jurisdicional ou administrativo.
Diferença importante: no caso de decisão proferida em processo subjetivo perante o STJ (recurso especial) ou STF (recurso extraordinário), ou em ação originária perante esses Tribunais, só caberá reclamação em face de ato de autoridade JUDICIAL, e não administrativa. Para a autoridade administrativa, caberá simples petição para impor o cumprimento da ordem. No caso de processos objetivos, de controle abstrato de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, a solução é diversa, pois a decisão produz efeitos vinculantes contra TODOS (exceto Poder Legislativo), sendo cabível reclamação em face de ato jurisdicional OU administrativo, por qualquer pessoa juridicamente interessada.
3.3-) Reclamação contra Enunciado de Súmula Vinculante (SV): do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar SV, ou que a aplique indevidamente, caberá reclamação ao STF, que anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da Súmula, conforme o caso. Não se aplica ao Legislativo, pois contra lei caberá ADI, e não reclamação.
A utilização de reclamação não exclui a possibilidade da utilização dos recursos cabíveis, inclusive para impedir o trânsito em julgado da decisão judicial. No caso de ato administrativo, a lei exige que o ajuizamento da reclamação por descumprimento de SV tenha por pressuposto o esgotamento das vias administrativas. Trata-se da segunda hipótese em que se exige tal esgotamento (ao lado das competições esportivas, art. 217 da CF), prevista no art. 7º da Lei n. 11417. No caso de recurso administrativo contra descumprimento de SV por autoridade administrativa, caberá a esta, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à instância superior, as razões da aplicabilidade ou não da SV, conforme o caso. Provida a reclamação pelo STF, a autoridade administrativa será cientificada, devendo adequar suas futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilidade penal, civil e administrativa. A reclamação não pode servir como meio para o cancelamento e a revisão de SV, pois, para tal finalidade, há procedimento próprio.
3.4-) Hipótese específica anunciada pelo Plenário do STF: reclamação contra decisão de Juizados Especiais Cíveis Estaduais que atenta contra entendimento do STJ.
A uniformização da jurisprudência permite que as demandas de massa tenham soluções de massa, observando-se os princípios da isonomia, do tratamento prioritário, e da previsibilidade das decisões judiciais. Como não cabe REsp de acórdão proferido em Juizados Especiais Cíveis (OBS: nos Juizados Especiais Federais ou da Fazenda Pública cabe pedido de uniformização da interpretação da legislação federal), o STF entendeu ser cabível reclamação, em face da teoria dos poderes implícitos e da competência constitucional atribuída ao STJ de garantir a uniformidade na interpretação da lei federal. O STJ, inicialmente reticente quanto à idéia, posteriormente passou a admitir a reclamação contra decisão de Juizado Especial Cível estadual que descumpram suas decisões, editando inclusive a Resolução n. 12 de 2009, que prevê o ajuizamento da reclamação no prazo de 15 dias, da ciência da decisão. Contudo, o STJ restringiu o cabimento da reclamação para: a) divergência da decisão reclamada com precedentes proferidos em sede de recurso repetitivo ou Enunciado de Súmula do STJ; b) divergência relativa à interpretação de texto normativo de natureza material, excluídos os de natureza processual.
4-) Procedimento da reclamação constitucional: Lei n. 8038/90.
A reclamação é admissível nas hipóteses constitucionais, normas procedimentais na lei n. 8038, e nos termos do regimento interno do STJ e do STF (RISTJ e RISTF).
O seu ajuizamento ocorre por provocação da parte ou MP, com prova documental, sendo distribuída de preferência ao Relator da causa principal, que pode inclusive decidir monocraticamente, em analogia ao art. 557 do CPC.
Assemelha-se ao mandado de segurança (MS), não admite dilação probatória, devendo haver prova documental pré-constituída. O Relator pode suspender liminarmente o processo ou o ato impugnado (tutela antecipada, depende de requerimento expresso da parte ou MP), e/ou solicitar informações em 10 dias à autoridade coatora (Lei n. 8038 – 10 dias x RISTF – 5 dias), sendo que qualquer interessado pode impugnar o pedido do reclamante (em 15 dias), e a parte interessada não beneficiária do ato é assistente litisconsorcial facultativa. Já a parte interessada beneficiária do ato é assistente litisconsorcial obrigatória. O MP, se não ajuizar a reclamação, terá vista dos autos por 5 dias. Julgada procedente a reclamação, o Relator determina seu imediato cumprimento, lavrando o acórdão posteriormente.
Por fim, consigne-se que, da decisão proferida na reclamação não cabem embargos infringentes e de divergência, recurso ordinário constitucional (ROC) e agravo de instrumento. São cabíveis agravo regimental de decisão unitária do Relator, embargos de declaração, RESP (quanto julgada por Tribunal de Justiça) e RE. Custas e honorários advocatícios NÃO são cabíveis, pois a reclamação não é ação, mas direito de petição.
5-) Conclusão:
A reclamação, remédio previsto na Constituição Federal, na Lei n. 8038/90 e no regimento interno dos Tribunais Superiores, constitui mero direito de petição, de acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal, sendo cabível, em síntese, para preservar a competência a garantir a autoridade das decisões dos Tribunais, sendo digno de nota o seu cabimento contra descumprimento de Súmula Vinculante e contra decisão de Juizados Especiais Cíveis Estaduais que atenta contra entendimento do STJ.
6-) Bibliografia:
- Cunha, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda pública em juízo. Editora Dialética. 12a. Edição: 2012.
- Rocha Sobrinho, Délio José. Prerrogativas da Fazenda Pública em juízo. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999.
- Lei n. 9469/97. Endereço eletrônico: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9469.htm
PROCURADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO (PGE/SP). JUIZ TITULAR DO TRIBUNAL DE IMPOSTOS E TAXAS DE SÃO PAULO. EX-ADVOGADO DA UNIÃO. EX-ASSESSOR DE MINISTRO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PÓS GRADUADO EM DIREITO PÚBLICO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO TRIBUTÁRIO. PALESTRANTE DA OAB/SP. AUTOR DE LIVROS E DE ARTIGOS JURÍDICOS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVEIRA, Artur Barbosa da. Reclamação Constitucional: breves linhas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 fev 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/33929/reclamacao-constitucional-breves-linhas. Acesso em: 06 nov 2024.
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