RESUMO: O presente artigo visa analisar um dos um dos recursos previstos atualmente no Código de Processo Civil: a apelação, seu papel dentro do sistema processual brasileiro e quais as consequências da sua interposição. Intenta ainda, a observação pormenorizada do artigo 520 do Código de Processo Civil, que cuida das regras referentes aos efeitos em que o referido recurso é recebido, notadamente o efeito suspensivo, e o que ele gera quando a apelação é recebida com ou sem o mesmo; será discutida ainda as implicações que referido efeito pode gerar no tocante à eficiência da prestação jurisdicional, analisando-se o PL n° 3.605/2004, que modifica a sistemática para a concessão do efeito suspensivo ao recurso de apelação, promovendo significativas mudanças no atual artigo 520 do Código de Processo Civil, justificando-se com o argumento de que referida reforma proporcionará maior efetividade e celeridade ao processo. Feito isto, visa-se ainda observar em que medida esta nova alteração seria de fato eficaz, trazendo a tona princípios que regem o direito processual brasileiro e os meios de impugnação às decisões judiciais.
PALAVRAS-CHAVE: recurso, apelação, efeito suspensivo
ABSTRACT: This article aims to examine one of a set of resources currently in the Code of Civil Procedure, the appeal, its role within the Brazilian legal system and the consequences of its filing. He attempts also the detailed analysis of Article 520 of the Code of Civil Procedure, which takes care of the rules regarding the effects on which such appeal is received, notably the suspensive effect, and it generates when the appeal is received with or without the same; will be discussed further the implications that this effect can generate in terms of efficiency of adjudication, by analyzing the PL No. 3.605/2004, which modifies the system for the granting of suspensive effect to the appeal, promoting significant changes in the current article 520 of the Code of Civil Procedure, justified with the argument that such reform will provide greater effectiveness and speed the process. This done, the aim is still to observe to what extent this new change would actually be effective, bringing out the principles governing the Brazilian procedural law and the means of challenge to judicial decisions.
KEY WORDS: action, appeal, suspensive effect.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. O RECURSO DE APELAÇÃO 3. O EFEITO SUSPENSIVO. 3.1 A atual redação do artigo 520 do Código de Processo Civil. 3.2 As implicações do efeito suspensivo no recurso de apelação. 4. O PROJETO DE LEI N° 3.605/2004: nova redação ao artigo 520. 5. A BUSCA PARA EFETIVIDADE E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E O EFEITO SUSPENSIVO COMO EXCEÇÃO. 6. CONCLUSÃO. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
É sabido que o sistema processual brasileiro tem por escopo princípios que na verdade, se configuram como clásulas pétreas, garantias fundamentais da Carta Magna do nosso país, sendo eles o princípio do devido processo legal, o contraditório, e a ampla defesa. De acordo com estes axiomas, assegura-se às partes não apenas o direito de pedir e defender-se , mas também, se necessário, de recorrer das decisões já proferidas.
Recurso, segundo o mestre José Carlos Barbosa Moreira ''é o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento, ou a integração de decisão judicial que se impugna.'' Cassio Scarpinella Bueno assevera ainda que '' os recursos são um verdadeiro desdobramento do direito de ação (e do direito de defesa) que permeia o desenvolvimento de todo o processo até a obtenção da tutela jurisdicional para aquele que, na ótica dos órgãos jurisdicionais, detém em face de outrem posição jurídica de vantagem no plano material''. Assim, o sistema recursal brasileiro visa a anulação, a reforma ou o aclaramento da decisão judicial impuganda dando com isso pronta e efetiva reforma às demandas que lhe são apresentadas.
O recurso dito por excelência é a apelação já que, a partir dela ''a própria teoria geral dos recursos foi e pode ser construída''(Scarpinella Bueno). José Carlos Barbosa Moreira assevera que a oportunidade ao exercício de ampla atividade congnitiva pelo órgão ad quem permite considerar a apelação como o principal instrumento por meio do qual atua o princípio do duplo grau de jurisdição.
A apelação é o recurso que se permite que se impugne a ilegalidade ou a injustiça da sentença, bem como propicia o reexame de toda prova produzida no processo. Tem portanto, dois efeitos, devolutivo e suspensivo.
O efeito devolutivo é essencial e inerente a todos os recursos, atribuindo ao juízo recursal o exame da matéria analisada pelo órgão jurisdicional recorrido. Já o efeito suspensivo, evita que a decisão produza efeitos até o julgamento do recurso. O artigo do código de Processo Civil que trata dos citados efeitos é o artigo 520 que diz que : ''A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que: I - homologar a divisão ou a demarcação; II - condenar à prestação de alimentos; III - julgar a liquidação de sentença; IV - decidir o processo cautelar; V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes; VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem;VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela.'' Portanto, a atribuição do efeito suspensivo no recurso de apelação, no atual Código de Processo Civil é regra, sendo exceção os casos em que tal efeito não é atrubuído, sendo estes especificados em lei.
Tal artigo foi alvo de modificações por um motivo principal: celeridade processual. Assim, o PL n° 3.605/2004, propõe uma inversão na regra dos efeitos, de forma que a concessão do efeito suspensivo passe a ser exceção, e não mais regra geral devendo, em princípio, o recurso ser recebido apenas no efeito devulutivo.
Se faz necessária, porém, antes de mais nada, uma análise minuciosa sobre o recurso de apelação, mostrando seu objetivo, suas peculiaridades e os efeitos que sua interposição pode causar.
2. O RECURSO DE APELAÇÃO
A apelação é o primeiro, e mais genérico, recurso previsto pelo Código de Processo Civil. Trata-se de recurso padrão, no sentido de que sua disciplina aplica-se no que for cabível, também aos demais recursos. (Luiz Guilherme Marinoni). É o recurso cabível contra toda e qualquer sentença dos juízes de primeiro grau de jurisdição, para levar a causa ao reexame dos tribunais de segundo grau, visando a obter a reforma total ou parcial da decisão impugnada, ou mesmo sua invalidação. Tal de finição é de Humberto Theodoro Junior, aludindo e reiterando a definição de Moacyr Amaral dos Santos.
O recurso de apelação é tratado pelo Capítulo II, artigos 513 a 521 do Código de Processo Civil, sendo que o art.513 diz que: '' Da sentença caberá apelação (arts. 267 e 269). ''
Sentença, de acordo com o artigo 162, § 1º, do Código de Processo Civil, " é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei". O artigo 267 assevera que ''Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: I - quando o juiz indeferir a petição inicial; II - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III - quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada; VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual; VII - pela convenção de arbitragem;VIII - quando o autor desistir da ação; IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal; X - quando ocorrer confusão entre autor e réu; XI - nos demais casos prescritos neste Código''; o artigo 269 assevera ainda que: ''Haverá resolução de mérito: I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor; II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido; III - quando as partes transigirem; IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação. Portanto, o artigo 162, que sofreu profundas modificações com o advento da Lei 11.232/2005, admite sentenças dadas no curso do processo (sem encerrar o procedimento).
A apelação é um recurso que permite a impugnação de qualquer vício encontrado na sentença; tem, pois, devolutividade ampla. O vício pode ser em relação ao julgamento ou ainda pode ser vício de forma, sendo que estes últimos, se existentes, trarão a nulidade da sentença pelo tribunal, retornando os autos ao primeiro grau para que seja elaborada uma nova sentença.
O referido recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias (art. 508, CPC), contados da ciência oficial da sentença, ressalvados os casos de prazo especial por privilégios da Defensoria Pública e do Ministério Público (prazos em dobro) e da Fazenda Pública, que tem prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (art. 188, CPC) como também no litisconsórcio, desde que o pólo ativo ou passivo tenha procuradores diferentes (art. 191, CPC)
A parte contrária pode responder ofererecer contra-razões em quinze dias (réplica). A apelação deve ser interposta mediante petição escrita, não sendo aceita a forma oral, devendo ser dirigida ao juiz de primeira instância que proferiu a sentença que se pretende reformar (art. 514 do CPC). A parte que interpõe o recurso deve indicar os nomes e a qualificação das partes, os fundamentos de fato e de direito e fazer pedido de nova decisão, não podendo ser genérica, devendo especificar quais os pontos da sentença devem ser anulados ou reformados pelo Tribunal. O recurso deve ser subscrito por advogado com mandato e instruído com o comprovante de recolhimento das custas processuais.
O juiz de primeiro grau deve se manifestar observando se estão presentes os requisitos de admissibilidade que são o cabimento, a legitimidade e o interesse recursal, a inexistência de fato extintivo ou impeditivo, a tempestividade, a regularidade formal e o pagamento das custas processuais. O magistrado deve ainda declarar os efeitos que recebe o recurso. Em regra, é recebida nos efeitos devolutivo (já que toda a matéria de 1ª instância é devolvida á apreciação do Judiciário) e suspensivo. A apelação deve conter o pedido para que seja remetida ao Tribunal, onde será distribuída entre as Turmas ou Câmaras Cíveis.
No Tribunal, a apelação é distribuída a um dos Desembargadores que exercerá a função de relator e este fará nos autos uma exposição dos pontos controvertidos sobre que versar o recurso (art. 549, parágrafo único do CPC). Feito isso, o recurso é remetido ao Desembargador revisor que deve sugerir ao relator medidas ordinatórias do processo que tenham sido omitidas, confirmar, completar ou retificar o relatório e pedir dia para julgamento dos feitos nos quais estiver habilitado a proferir voto (art. 551 do CPC). O processo é incluído na pauta de julgamento que deve ser publicada no órgão oficial de imprensa com antecedência mínima de 48 horas.
Após a leitura do relatório, o presidente da Turma ou Câmara Cível concede a palavra aos advogados do recorrente e recorrido para apresentarem sustentação oral durante o prazo de 15 minutos (art. 554 do CPC).
Durante o curso do julgamento, vota primeiro o Desembargador relator, seguido do revisor e do Desembargador vogal; dando seguimento, o presidente da Turma ou Câmara divulga o resultado do recurso. A decisão colegiada é registrada em um acórdão.
O relator pode monocraticamente rejeitar recursos manifestamente inadmissíveis ou antecipar os efeitos do provimento (art. 557, caput e 1º-A, CPC). Em ambos os casos o recurso cabível, no prazo de 5 dias, é o agravo interno (art. 557, §1º, CPC).
Em relação aos efeitos, como já dito anteriormente, a apelação é recebida com efeitos devolutivo e suspensivo, via de regra, especificado pelo artigo 520 do Código de Processo Civil, que já no caput prescreve: ''A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo (...)''. Existem situações, porém, que a apelação é recebida apenas no seu efeito devolutivo; estas hipóteses estão elencadas nos incisos I ao VII, do artigo 520 do Código de Processo Civil; no artigo 1.184 do mesmo codex, que trata da sentença que decreta a interdição, e que produz efeito de imediato, embora sujeita à apelação; aos casos previstos em legislação especial, tais como: Lei 8.245/91, que trata do despejo por falta de pagamento; Decreto-Lei n° 7.661/45, que trata das Falências e Concordatas, das Sentenças que julga as habilitações de crédito; na Lei 1.533/51, que trata do Mandado de Segurança, quando a ordem for concessiva, dentre outras.
Devido ao efeito devolutivo, o tribunal, ao examinar o recurso, ficará adstrito à matéria impugnada , devendo decidir o recurso nos limites do pedido sendo, contudo, que a devolutividade das questões relativas a esse pedido é ampla, segundo os § § 1° e 2° do artigo 515 do Código de Processo Civil.
O recebimento da apelação com efeito suspensivo é regra no codex atual, sendo, como analisado acima, exceções os casos em que o efeito suspensivo é suprimido.
3. O EFEITO SUSPENSIVO
Segundo Cassio Scarpinella Bueno, o real significado de efeito suspensivo não pode ser extraído de sua própria denominação, já que que pela terminologia, pode-se entender que com a interposição do recurso suspende-se todos os efeitos da decisão recorrida, o que já mostrou-se ser um entendimento insuficiente, pois, existem situações em que o efeito suspensivo significará que a interposição do recurso e, mais do que isso, a simples sujeição de uma dada decisão à interposição de um recurso, não têm aptidão para surtir seus efeitos principais. O efeito suspensivo é efeito recursal descrito por toda a doutrina; ainda pelas lições de Cassio Scarpinella Bueno o citado efeito é fruto de opções políticas de cada ordenamento jurídico.
Pelo efeito suspensivo portanto, o recurso funciona como condição suspensiva da eficácia da decisão, que não pode ser executada até que ocorra o seu julgamento; guarda relação direta e única com a aptidão de a decisão recorrida surtir, desde logo, seus efeitos ou, diversamente, ter a produção de seus efeitos diferida para um momento futuro: o do esgotamento in albis do prazo recursal ou, julgado o recurso com efeito suspensivo interposto, dado início a um segmento recursal que não tenha efeito suspensivo (Cassio Scarpinella Bueno). A lei deve prevê expressamente as hipóteses em que ocorre tal efeito; no seu silêncio, o recurso não impede a eficácia da decisão recorrida.
No sistema processual civil, certos recursos produzem efeito suspensivo em razão de expressa previsão legal (ex lege). É o caso da apelação, ressalvados, os casos do art. 520 do CPC (parte final). Outros recursos, a exemplo do agravo de instrumento (art. 527, III, do CPC), têm efeito suspensivo concedido caso a caso pelo magistrado. Finalmente, existem recursos destituídos do efeito em tela. É o caso dos recursos extraordinário e especial.
Se deve, ainda, analisar com minúcia o seguinte aspecto: quando um recurso possui efeito suspensivo ex lege, a decisão impugnada já surge destituída de eficácia. Ela somente se torna eficaz, caso o recurso seja rejeitado ou se torne temporalmente precluso. Vale dizer: a rigor, a impugnação nada suspende. Uma vez interposto o recurso, prolonga-se a ineficácia originária da decisão recorrida.
Na hipótese em que, caso a caso, o magistrado concede efeito suspensivo, a decisão é, desde o início, plenamente eficaz. A concessão do efeito suspensivo é que irá tolher essa eficácia originária. A natureza jurídica dessa concessão de efeito suspensivo é de tutela de urgência, especificamente, antecipação de tutela recursal.
Portanto, sob o manto do efeito suspensivo, duas situações diferentes estão albergadas: em certos casos, o que existe é a ineficácia originária da decisão (efeito suspensivo ex lege); em outros, estamos diante da antecipação de tutela recursal (efeito suspensivo caso a caso).
3.1) A atual redação do artigo 520 do Código de Processo Civil
''Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
I - homologar a divisão ou a demarcação;
II - condenar à prestação de alimentos;
IV - decidir o processo cautelar;
V - julgar improcedentes os embargos opostos à execução.
V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes;
VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem.
VII - confirmar a antecipação dos efeitos da tutela.''
É visto, com a análise do artigo acima, que o recurso de apelação produz ambos os efeitos, o devolutivo e o suspensivo, e excepcionalmente, apenas o efeito devolutivo. A apelação portanto, devolverá ao Tribunal a matéria questionada pelo apelante, na medida em que ele o tenha feito, isto é, deverá decidir o recurso dentro dos limites do pedido, sendo ampla a devolução das questões relativas a esse pedido, pois é possível ao tribunal rever ''todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro''; tratando-se de matéria sobre a qual é vedada a atuação oficiosa do magistrado, seu reexame depende da iniciativa do apelante.
3.2) As implicações do efeito suspensivo no recurso de apelação
Como regra, o recurso de apelação possui o efeito suspensivo (art. 520 do CPC). Isto implica dizer que, interposto o recurso de apelação, e sendo este recebido no juízo a quo, em ambos os efeitos, incluindo-se no caso o suspensivo, que interessa na presente análise, ficam contidos a produção imediata dos efeitos da sentença. O efeito suspensivo, portanto, é “aquele destinado a provocar a suspensão da imediata executividade da decisão impugnada, de modo a só lhe dar cumprimento após o julgamento do recurso” (Nelson Nery Júnior)
Segundo José Carlos Barbosa Moreira, “a expressão ‘efeito suspensivo’ é, de certo modo, equívoca, porque se presta a fazer supor que só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Na realidade, o contrário é que se verifica: mesmo antes de interpor o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que cessaria se não se interpusesse o recurso” (José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, pág. 255.).
Nas sábias lições de Pontes de Miranda, o mestre assevera que “o efeito suspensivo é mais efeito de recorribilidade do que de recurso”. A posição adotada pelo professor jusfica-se no sentido de que o efeito suspensivo na verdade já é preexistente, desde a prolação da sentença e de sua publicação e intimação das partes. Tal afirmação significa dizer que a simples circunstância de se trtar de sentença sujeita ao recurso de apelação munida de efeito suspensivo inibe que aquele ato processual surta os seus efeitos (Cassio Scarpinella Bueno). Dentro do prazo recursal, que no de recurso de apelação é de quinze dias, contados da intimação da decisão, a sentença tem os seus efeitos contidos e não pode ser executada, já que lhe falta um dos requisitos primordiais, próprio do títulos executivos judicial ou extrajudicial, que é a exigibilidade.
Neste prisma, pode-se afirmar que o efeito suspensivo, derivado do recurso de apelação, é produzido antes mesmo da interposição do recurso, ou seja, no prazo de interposição (dentro de 15 dias contados da intimação da sentença), já que nesse período a decisão proferida, sendo apelável, é ainda ineficaz. É importante de ser salientado, que o Juiz, na Primeira Instância, ao receber o recurso, está impossibilitado de inovar em relação aos efeitos da apelação; deve, por essa razão, limitar-se ao que estabelece a legislação própria.
Contudo, em hipóteses muito específicas previstas pelo próprio Código de Processo Civil, a sentença vem destituída de efeito suspensivo, permitindo assim a execução provisória, sendo a possibilidade de a sentença produzir seus regulares efeitos, independente de quais sejam, antes e independentemente de sua reapreciação pelo tribunal ad quem. São elas: homologação de divisão ou demarcação, prestação de alimentos, decisão do processo cautelar, julgar improcedentes os embargos opostos à execução, rejeição liminar de embargos à execução ou julgá-los improcedentes; pedido de instituição de arbitragem; sentença que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela. Outras hipóteses ainda prevêem que a apelação seja recebida somente em seu efeito devolutivo (sentenças de interdição - art. 1.184 do CPC - e concessiva de mandadode segurança - art.12, parágrafo único da Lei n° 1.533/51), sendo que, nestes casos, a parte pode requerer a concessão do efeito suspensivo, alegandoque os efeitos da sentença pode lhe causa prejuízos.
A autorização para se conceder o efeito suspensivo, em casos não expressos em lei, é dada ao juiz relator do recurso de apelação, conforme a previsão expressa no artigo 558, parágrafo único, do Código de Processo Civil, que assevera:
"Art. 558. O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara.
Parágrafo único. Aplicar-se-á o disposto neste artigo às hipóteses do art. 520.”
Resta nítido, que o efeito suspensivo ao recurso de apelação, nos casos não contemplados em lei, depende do entendimento do juiz relator, a quem foi conferido poder de decisão, ao examinar cada caso concreto, desde que seja relevante e bem embasada a fundamentação do recorrente, ficando demonstrado que a imediata execução da sentença, mesmo que provisoriamente, possa causar lesão grave e de difícil reparação.
Entende-se, que nesse caso, ao receber o recurso na Primeira Instância, o Juiz a quo deve se limitar aos efeitos permitidos em lei, mesmo ocorrendo pedido expresso do recorrente, em sentido inverso.
Ao declinar os efeitos em que está recebendo o recurso, de conformidade com o artigo 518, do Código de Processo Civil, o juízo recorrido estará, ao nosso ver, possibilitando ao recorrente, a interposição de recurso de agravo de instrumento ao Juízo “ad quem”, com a fundamentação adequada, para buscar, na Segunda Instância, o efeito suspensivo não contemplado no ato da interposição, por falta de autorização legal.
Este procedimento se mostra essencial, para se evitar a executividade provisória da sentença recorrida. Caso contrário, é certo que o recurso de apelação recebido apenas no efeito devolutivo, demorará muito tempo até chegar à Instância Superior, ser distribuído, e encaminhado ao relator, o que poderá tornar muito tardia a apreciação do pedido de efeito suspensivo.
4. O PROJETO DE LEI N° 3.605/2004: nova redação ao artigo 520
Mesmo com as recentes modificações introduzidas no sistema processual civil brasileiro com o advento das Leis 11.232/2006 e 11.382/2006, que conferiram maior efetividade à prestação da tutela jurisdicional, tramita o Projeto de Lei 3.605/2004 de autoria do deputado federal Colbert Martins do PPS/BA que propõe, em síntese, prover maior efetividade e celeridade à satisfação das decisões de primeiro grau na medida em que estabelece como regra a imediata execução das sentenças, ainda que pendentes de recurso.
Este projeto de lei tem por objetivo a modificação do artigo 520 do CPC, e determina, como regra geral, o efeito devolutivo da apelação, sendo o efeito suspensivo concedido apenas em hipóteses especiais, com o objeitvo de evitar dano irreparável ou de difícil reparação, o que, de certa maneira, já se prevê no art. 558, § único, do Código de Processo Civil, alterando, assim, a regra geral do seu recebimento no seu duplo efeito (devolutivo e suspensivo).
Desta forma, ficará devidamente autorizado o imediato cumprimento do comando sentencial, excetuando-se as taxativas hipóteses previstas em lei ou quando se verifique a possibilidade de tal medida causar dano irreparável à parte.
O Projeto de lei n° 3.605/2004 portanto, propõe uma inversão na regra dos efeitos, de modo que a concessão do efeito suspensivo passe a ser exceção, e não mais a regara geral, devendo em princípio, o recurso ser recebido apenas no efeito devolutivo. A nova redação dada ao artigo 520 é a seguinte:
Art. 520. A apelação será recebida no efeito devolutivo, devendo, no entanto, ser recebida também no efeito suspensivo quando disposição expressa de lei assim o determinar, ou quando interposta de sentença:
I - proferida em ação relativa ao estado ou capacidade da pessoa;
II - diretamente conduncente à alteração em registro público;
III - cujo cumprimento necessariamente produza consequências práticas irreversíveis;
IV - que substitua declaração de vontade;
V - sujeita à reexame necessário.
O Projeto de Lei n° 3.605/2004 justica-se no sentido de que tem por objetivo principal corrgir incoerências no sistema processual civil brasileiro. Na 'justificação' do PL, é salientado que: '' É mais fácil alcançar a efetividade de uma decisão interlocutória que antecipa os efeitos da tutela do que a de uma senteça que concede essa mesma tutela, agora em sede de coginição plena e exauriente. Isso porque aquela é atacada via recurso de agravo, que de regra, não tem efeito suspensivo, ao passo que a última desafia apelação,onde a regra é inversa, ou seja,o recurso é recebido em ambos os efeitos.''
Afastará, com isso, a contradição existente entre os efeitos do recurso de agravo por instrumento e da apelação: o primeiro — via recursal própria para combater decisão interlocutória quando presente o periculum in mora — em regra, não é dotado de efeito suspensivo, o que corrobora a possibilidade de se alcançar imediatamente a tutela pretendida; por outro lado, a apelação — meio hábil para hostilizar decisão de mérito — é dotada de efeito suspensivo que vem a obstar o imediato cumprimento da decisão.
Pretende-se ainda com o referido projeto de lei a diminuição da quantidade de recursos protelatórios. Ainda segundo a ''Justificação'' do PL: '' A par das propostas de alteração do sistema recursal, cremos que a possibilidade de efetivação das sentenças de primeiro grau, independentementede eventual revisão,em muito contribuiria para a diminuição dos recursos meramente protelatórios. Afinal, se a imediata execução da sentença passar a ser regra, o interesse recursal protelatório diminuirá, principalmente diante das novas regras de execução provisória.''
Concluindo, ao tornar exceção a concessão do efeito suspensivo ao recurso de apelação o Projeto de Lei n° 3.605/2004 pretende conferir à sentença maior efetividade.
5. A BUSCA PARA EFETIVIDADE E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E O EFEITO SUSPENSIVO COMO EXCEÇÃO
O princípio da razoável duração do processo, expressado na Carta Magna através da EmendaConstitucional nº 45/2004, no art. 5º, inciso LXXVIII, a nível de garantia fundamental, reflete a insatisfação da sociedade com a prestação da tutela jurisdicional e a busca de efetividade no serviço prestado pelo Estado através do Poder Judiciário. O art. 5º da Constituição Federal, ainda consagra, no rol dos direitos fundamentais, o direito de acesso à justiça: "inciso XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
Com o amadurecimento da noção de que o processo não é um fim em si mesmo, mas é algo que existe para - é instrumento - de salvaguarda do direito material lesado ou ameaçado, os processualistas tem de repensar o processo considerando todos os prismas da ordem jurídica (e da sociedade) na qual ele está inserido; portanto, desprende-se que estar em juízo vai muito além do exercício do direito de ação por meio do ajuizamento de um processo, e, nesse sentido, as discussões do novo texto processual devem partir do ponto de vista da necessidade de adaptar o processo civil ao tipo de litígio, analisar as características que diferenciam um litígio de outro e o grau de complexidade de solução das lides.
O escopo constitucional do processo exige uma ponderação constante entre tempo razoável e segurança jurídica para uma tutela jurisdicional justa. No Brasil, a regra é o duplo efeito da apelação, sendo a produção imediata dos efeitos da sentença uma exceção.
Historicamente, o processo civil brasilleiro é calcificado sob a perspectiva liberal e, parece defender uma idéia de que o autor - credor é ''mau'', e o réu - devedor é ''bom'', e para sua defesa merece este então toda proteção e cuidado antes que o Estado se intrometa na sua esfera individual, isto mesmo se fosse para fazê-lo cumprir uma obrigação que ele de má-fé não cumpriu e que de maneira desleal tenta ao longo do processo postergar ao máximo satisfazê-la, utilizando-se mesmo dos meios legais, a título de defesa como o recurso de apelação, já que é regra o efeito suspensivo, pois este obsta a produção dos efeitos da sentença, estimulando muitas vezes a interposição de recursos meramente protelatórios.
6. CONCLUSÃO
As reformas processuais ocorridas nos últimos anos visam objetivamente a a busca da efetividade do processo e o melhor cumprimento do “Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano” – assinado pelos três poderes da República em 15/12/2004.
No Brasil, apesar de sempre se ter previsto para a apelação a existência do efeito suspensivo como regra, a comissão que está elaborando o projeto do novo Código de Processo Civil já sinalizou que pretende inverter o sistema, para permitir a imediata produção dos efeitos da decisão como regra geral.
A mudança pois, do efeito suspensivo como regra ''seria capaz de contribuir para desestimular a interposição pelo réu vencido, como intuito meramente protelatório, harmonizando-se aliás com a propensão moderna à valorização do julgamento de primeiro grau.'' (José Carlos Barbosa Moreira). Nesse sentido, assevera Araken de Assis, ''a exeqüibilidade imediata da sentença é uma tendência mundial e a execução provisória tende a ser regra. Logo, tal modificação segue um modelo que já impera em outros países, além de permitir uma maior efetividade da prestação jurisdicional''. A execução provisória prestigia o caráter instrumental do processo protegendo o direito com maior celeridade. De fato, ela prestigia as decisões judiciais, conferindo-lhes maior efetividade.
Ainda segundo as sábias lições do mestre José Carlos Barbosa Moreira, ''parece aconselhável ampliar o elenco das hipóteses de apelação sem efeito suspensivo, ou até - com certas cautelas - inverter a regra, tornando excepcional a suspensividade.'' Essa afirmação do mestre se justifica no sentido de que os princípios que são base do processo civil brasileiro muitas vezes são feridos com o mau uso do efeitos suspensivo da apelação, já que esta pode ser utilizado de má-fé para protelar uma decisão que deve ser cumprida.
O anseio pela celeridade e efetividade processual proporcionada pela execução provisória, inclusive prestigiando-se as decisões já proferidas ao longo do processo de conhecimento é legítimo, mas sempre encontra limites no risco de lesão injustificada que sofre a outra parte, sendo preciso bom senso ao se analisar caso a caso. Se não, garantir-se-ia a celeridade em detrimento da segurança jurídica e isto seria um desrespeito constitucional tão grave quanto desconsiderar o direito ao processo sem dilações indevidas; portanto, qualquer mudança neste sentido, deve vir acompanhada de muita cautela.
Permitir ao credor a satisfação imediata da pretensão reconhecida em decisão sobre a qual paira recurso é uma forma de se garantir a efetividade da prestação jurisdicional; porém, é mister que não haja um descuido da segurança jurídica e dos interesses do executado, pois a efetividade não importa em esquecer ou mitigar o valor segurança jurídica, mas uma adequação deste às previsões constitucionais do processo.
José Carlos Barbosa Moreira afirma que '' qualquer mudança ou providência adotada no sentido de tornar excepcional a suspensividade deveria ser precedida de pesquisa destinada a verificar a quantidade de apelações providas, afim de permitir uma avaliação da relação custo/benefício,e também acompanhar-se de medidas tedentes ao aprimoramento da atividade jurisdicional de primeira instância, em ordem a justificar maior confiança na correção dos seus pronunciamentos''.
Na verdade, o que se espera de qualquer reforma no Código de Processo Civil brasileiro é que esta venha a concretizar o ideal de adequada e tempestiva prestação jurisdicional ao jurisdicionado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento, 7 ed. rev. e atul. São Paulo,: Editora Revisra dos Tribunais, 2008.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol V. Rio de Janeiro, Forense, 2010.
http://www.pinheironeto.com.br/upload/tb_pinheironeto_artigo/pdf/231007171953anexo_bi1981_a.pdf. Acessado em 03/07/2011.
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Acadêmica do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMILA GONçALVES DA SILVA ASSUNçãO, . O efeito suspensivo no recurso de apelação: implicações e contradições atuais e o PL n°3.605/2004 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2013, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/36252/o-efeito-suspensivo-no-recurso-de-apelacao-implicacoes-e-contradicoes-atuais-e-o-pl-n-3-605-2004. Acesso em: 08 nov 2024.
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