Resumo: Neste estudo, são analisados aspectos controvertidos do procedimento de julgamento por amostragem do recurso extraordinário na sistemática da repercussão geral. Ao final, duas propostas legislativas objetivam solucionar os principais problemas identificados.
Abstract: In this study, they are analyzed controversial aspects of the trial process by sampling of the extraordinary appeal in the scheme of general repercussion. At the end, two legislative proposals aim to solve the major problems identified.
1. Introdução
A EC n.º 45, de 30 de dezembro de 2004, introduziu um § 3º ao art. 102, da CF/88, [1] o qual restringiu o cabimento do recurso extraordinário para as hipóteses em que fosse demonstrada a “repercussão geral” das questões discutidas no caso concreto (BRASIL, 1988, p. 1). A norma constitucional relegou à legislação ordinária a definição do que viria a ser o conteúdo do novo requisito de admissibilidade, tendo a matéria sido regulamentada pela Lei n.º 11.418, de 19 de dezembro de 2006, que incluiu o art. 543-A ao CPC [2] (BRASIL, 1973, p. 1).
O instituto procedeu a verdadeiro corte na competência do Supremo Tribunal Federal, que deixou de ser instância regular de julgamento para os casos que comportem questão constitucional para, tão somente, admitir controvérsias cujo interesse discutido ultrapasse os limites subjetivos da causa. Passou a ser ônus do recorrente demonstrar, em preliminar do recurso, e para a apreciação exclusiva do STF, a existência da repercussão geral, consubstanciada na presença de “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico” com reflexo em sujeitos não integrantes do processo (BRASIL, 1973, p. 1). O encargo se manifesta inclusive sob o aspecto formal: nos termos do art. 327, caput, do RISTF, inexistindo preliminar explícita nas razões do extraordinário sustentando a ocorrência da repercussão geral, o recurso não será conhecido (BRASIL, 2013, p. 148). [3]
2. Conceito de repercussão geral. Delimitação teleológica a partir do contexto histórico de formação do instituto
A repercussão geral pode ser conceituada como uma das principais estratégias de objetivação da jurisdição superior (WOLKART, 2013, p. 35), desenvolvida a partir da na necessidade de desafogar o STF. Pela abrangência nacional de sua competência territorial, o Supremo se encontrava, à época da edição da EC n.º 45/2004, sobrecarregado com um número excessivo de recursos oriundos de todas as regiões do País. A irracionalidade do quadro se mostrava evidente quando se considerasse que os recursos que entravavam a pauta da Suprema Corte brasileira tinham por objeto, no mais das vezes, questão jurídicas já resolvidas em pronunciamentos anteriores do pleno, nas denominadas demandas de massa ou repetitivas, a exemplo das questões tributárias, previdenciárias, relativas ao direito do consumidor, a procedimentos administrativos e à competência legislativa de Estados e Municípios. Conforme leciona Tiago Asfor Rocha Lima,
não foi outro o intuito do legislador reformista que não o de reduzir a quantidade de recursos extraordinários que deságuam anualmente na Suprema Corte brasileira, a qual conseguiu baixar brutalmente a quantidade de processos distribuídos a partir do ano de 2007 (justamente quando entrou em vigor a Lei n.º 11.418/2006), já tendo caído quase pela metade o número entre o ano de 2006 e o ano de 2010. Ademais, (...) a explosão dos denominados processos de massa, em que milhares de ações versam sobre matérias juridicamente idênticas, mas com pluralidade de partes e consequentemente recursos individuais, despertou no legislador a necessidade de um instrumento de contenção nos tribunais superiores, a fim de que a atividade jurisdicional não fosse inviabilizada por força de uma completa obstrução dos tribunais. (LIMA, 2013 , p. 280-281)
Com efeito, a difusão do conhecimento da lei e da ideia de direito, operada nos últimos anos, resultou em verdadeira crise material do Judiciário brasileiro, o qual viu aumentar sobremaneira os índices de litigiosidade da população, forçando tribunais e juízos de primeira instância a elevarem a produção e a produtividade, tanto pela ampliação do quadro de pessoal quanto pela adoção de técnicas mais aprimoradas de gestão. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o reflexo dessa elevação drástica na carga de trabalho foi a verdadeira supressão da atividade primordial do pretório excelso, o qual praticamente deixou de exercer o papel de corte constitucional para pronunciar, repetidas vezes, a mesma ratio decidendi, ante a resistência de partes e advogados em deixar de provocar a última instância na forma do recurso extraordinário, apesar de cientes do provável insucesso da pretensão, à luz da jurisprudência dominante da corte.
Tornou-se necessário, pois, limitar o acesso das partes ao Supremo Tribunal Federal, de sorte a permitir um exercício racionalizado da jurisdição da Corte Maior em face dos novos contornos assumidos pelos litígios sociais. O desiderato somente poderia ser alcançado pela instituição de um sistema de precedentes, nos quais as decisões prolatadas pelo Supremo em sede de demandas comprovadamente repetitivas fossem aplicáveis aos demais feitos que tivessem por objeto questão idêntica de direito. Uma solução nesses moldes, para além de promover evidente economia processual, com reflexos na celeridade da prestação jurisdicional, proporcionaria maior previsibilidade e unidade ao direito. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni pondera:
A função do instituto da repercussão geral é permitir a seleção dos recursos que devem ser conhecidos pelo Supremo Tribunal Federal, permitindo-lhe, assim, o desempenho da missão de outorga de unidade ao direito mediante a compreensão da Constituição. Trata-se de busca de unidade prospectiva e retrospectiva – na última hipótese a compatibilização das decisões judiciais e, na primeira, o desenvolvimento do direito de maneira constitucionalmente adequada aos novos problemas sociais. Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal, par poder desempenhar a sua função, deve examinar apenas as questões que lhe pareçam de maior impacto para a obtenção da unidade do direito. A simples “intenção da justiça quanto à decisão do caso jurídico concreto – e, com ela, também o interesse das partes na causa” – por si só, não justifica a abertura de uma terceira (e, eventualmente, quarta) instância judiciária. O que está por detrás da repercussão é o interesse na concretização da unidade do direito: é a possibilidade que se adjudica à Corte suprema de “clarifer ou orienter le droit”, em função ou a partir de determinada questão levada ao seu conhecimento. Daí a necessidade e a oportunidade de instituir-se a repercussão geral da controvérsia constitucional como requisito para sua admissibilidade. (MARINONI, 2013, p. 471-472) [4]
De sorte que, regulamentando a Emenda Constitucional que tornou possível a seleção de recursos pelo Supremo Tribunal Federal, a legislação reformadora do Código de Processo Civil estabeleceu que o recurso extraordinário somente seria admitido quando, a juízo do Supremo, a demanda versasse sobre “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico” que ultrapassassem o interesse particular das partes (BRASIL, 1973, p. 1). A iniciativa encontra raízes na vetusta “arguição de relevância”, vigente ao tempo da CF/1969. Sob a égide dessa carta política, de viés nitidamente autoritário, o STF, com amparo em norma regimental (art. 308, do RISTF/1970) [5] decidia, em sessão sigilosa e sem motivação, pela admissão ou não do recurso extraordinário, o qual somente teria o mérito apreciado se o tribunal considerasse haver “relevância da questão federal” (DIDIER JÚNIOR; CUNHA, 2009, p. 335). Atualmente, em face do disposto no art. 93, IX, da CF/88, [6] que opera a vedação genérica ao sigilo das deliberações do Poder Judiciário, a decisão relativa à repercussão geral, além de necessariamente motivada, é proferida em sessão pública (BRASIL, 1973, p. 1).
3. Competência e quorum para a inadmissão do recurso
Um primeiro aspecto a examinar em torno do tema diz respeito à competência para o juízo de admissibilidade negativo dos recursos extraordinários com fundamento na ausência de repercussão geral. Nos termos do art. 102, § 3º, da CF/88, o recurso somente poderá ser inadmitido por inexistência de repercussão geral pelo voto de dois terços dos membros do STF (BRASIL, 1988, p. 1). Tal regra implica duas conclusões: a) a apreciação do novel requisito de admissibilidade é da competência exclusiva do Supremo, não podendo ser decidido pelo Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal a quo; [7] b) a decisão é da competência do pleno do STF e não de qualquer de suas turmas, vez que somente o tribunal em sua integralidade é capaz de satisfazer a maioria qualificada especificada no texto constitucional.
Apesar disso, há exceções: o § 4º, do art. 543-A, do CPC, estabelece que, “se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.” (BRASIL, 1973, p. 1) Note-se que a desnecessidade de manifestação do plenário é para reconhecer a existência da repercussão geral e jamais para não caracterizá-la, vez que é a própria norma constitucional que estabelece quorum qualificado para inadmitir o recurso. Para receber a impugnação, concluindo-se pela ocorrência da repercussão geral, contudo, o legislador ordinário houve por bem autorizar o Supremo a não ocupar o plenário quando 4 (quatro) ministros já se tenham posicionado favoravelmente à satisfação do requisito. A regra é razoável e plenamente possível, dado que, em verdade, da norma constitucional se infere uma presunção de existência da repercussão geral em todos os recursos extraordinários que possuam preliminar expressa demonstrando a satisfação do requisito, já que o STF somente pode afastá-la “pela manifestação de dois terços de seus membros” (BRASIL, 1973, p. 1).
Isto é: todo recurso extraordinário interposto com preliminar fundamentada acerca da ocorrência da repercussão geral, salvo manifestação judicial expressa em contrário, é, presumivelmente, admissível no Supremo sob esse fundamento (DIDIER JÚNIOR; CUNHA, 2009, p. 332). A rejeição do recurso por não satisfação do requisito exige a manifestação desfavorável de dois terços dos membros do tribunal, mas, para o reconhecimento da existência da repercussão geral, autoriza-se deliberação por turma, sendo desnecessária a remessa ao plenário quando houver o mínimo de 4 (quatro) votos a favor da admissão do apelo extremo.
4. Julgamento da preliminar de repercussão geral com fundamento em precedente do STF
Outra circunstância apta a dispensar a participação do plenário no julgamento da repercussão geral, desta feita sendo possível a inadmissão do extraordinário, é a hipótese de feito que versa sobre matéria idêntica à já reconhecida como carente do mencionado requisito de admissibilidade por decisão pretérita do Supremo. Dispõe o art. 543-A, § 5º, do CPC, que, “Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.” (BRASIL, 1973, p. 1). Aqui, há, de fato, como assevera Marinoni (2013, p. 474), um efeito formalmente vinculante do precedente relativo à ocorrência da repercussão geral no nível do próprio STF (vinculação horizontal). Com efeito, no dizer da lei, “a decisão valerá” para todos os demais recursos sobre matéria idêntica, determinando o legislador, ainda, que, os recursos que eventualmente desconsiderem o paradigma serão “indeferidos liminarmente”, na forma do RISTF (BRASIL, 1973, p, 1). Logo, chegando ao Supremo recurso extraordinário versando sobre tema cuja repercussão geral já foi afastada por decisão do pleno, cumpre ao relator, no STF, negar liminarmente seguimento ao RE, dispensada uma segunda manifestação da inteira corte sobre o assunto.
A existência de tal precedente, contudo, não autoriza o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local, em processos futuros, a inadmitir o recurso extraordinário por inocorrência de repercussão geral, já que, no dizer da lei (art. 543-A, § 2º, do CPC), a análise do requisito é da competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal (MARINONI, 2013, p. 474). É prerrogativa do relator no STF negar seguimento ao recurso com fundamento no precedente do pleno acerca da inexistência de repercussão geral de uma questão jurídica específica, lastreado no art. 543-A, § 5º, do CPC, c/c art. 327, caput, do RISTF. [8] A única hipótese em que a presidência do tribunal a quo é autorizada a deixar de receber o RE por questões relacionadas ao novel requisito de admissibilidade é o caso da inadequação formal do recurso que sequer apresenta explicitamente a preliminar obrigatória da repercussão geral nas razões recursais (LIMA, 2013, p. 282). Em situações do tipo, entende a doutrina e a jurisprudência que o RE pode ser inadmitido na origem. Nesse sentido, decidiu a 1ª Turma do STF, no julgamento do AgR no RE com Agravo n.º 713080, da relatoria do Min. Luiz Fux, in verbis:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. FAMÍLIA. ALIMENTOS. EXECUÇÃO. EXCESSO DE EXECUÇÃO. DISCUSSÃO SOBRE CÁLCULOS JUDICIAIS. AUSÊNCIA DA PRELIMINAR FUNDAMENTADA DE REPERCUSSÃO GERAL. ARTIGO 543-A, § 2º, DO C PC E ART. 327, § 1º, DO RISTF. 1. A repercussão geral é requisito de admissibilidade do apelo extremo, por isso que o recurso extraordinário é inadmissível quando não apresentar preliminar formal de transcendência geral ou quando esta não for suficientemente fundamentada. (Questão de Ordem no AI n. 664.567, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ d e 6.9.07). 2. A jurisprudência do Supremo fixou entendimento no sentido de ser necessário que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral nos termos previstos em lei, conforme assentado no julgamento da Questão de Ordem no AI n. 66 4.567, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6.9.07: “II. Recurso extraordinário: repercussão geral: juízo de admissibilidade: competência. 1. Inclui-se no âmbito do juízo de admissibilidade – seja na origem, seja no Supremo Tribunal – verificar se o recorrente, em preliminar do recurso extraordinário, desenvolveu fundamentação especificamente voltada para a demonstração, no caso concreto, da existência de repercussão geral (C. Pr. Civil, art. 543-A, § 2º; RISTF, art. 327). 2. Cuida-se de requisito formal, ônus do recorrente, que, se dele não se desincumbir, impede a análise da efetiva existência da repercussão geral, esta sim sujeita “à apreciação exclusiva do Supre mo Tribunal Federal” (Art. 543-A, § 2º).” 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: “EMBARGOS À EXECUÇÃO - PENSÃO ALIMENTÍCIA - ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE EXECUÇÃO NÃO COMPROVADA PELA DESISTÊNCIA EXPRESSA DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL - CÁLCULOS APRESENTADOS QUE RESTARAM NÃO IMPUGNADOS - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO.” 4. Agravo Regimental desprovido. (BRASIL, 2012, p. 1) – Grifo acrescentado
Entende-se, aqui, a esse respeito, que, não somente é acertado o não recebimento do RE pelo tribunal de segunda instância quando da ausência da preliminar de repercussão geral, como, também, deveria ter sido outorgado ao tribunal a quo o poder de inadmitir o recurso extraordinário na hipótese de haver prévia manifestação do STF acerca da inexistência da repercussão geral em determinada questão jurídica. É que, ao que nos parece, o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal recorrido – incumbido, na forma do art. 541, do CPC, [9] de receber e encaminhar o recurso extraordinário ao Supremo – não pode aplicar o art. 557 do diploma processual, vez que a normativa ali estipulada é voltada para o relator no órgão ad quem. Além disso, há disposição expressa no § 2º, do art. 543-A, do CPC, no sentido de que a arguição de repercussão geral é da “apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal” (BRASIL, 1973, p. 1), o que reforça a ideia de que, estando formalizada a referida preliminar, descabe ao tribunal local manifestar-se acerca da satisfação ou não do requisito no caso específico dos autos em exame. Tal quadro normativo resulta em que, ainda que depois do pronunciamento do STF acerca da inocorrência de repercussão geral em determinada controvérsia, sobrevindo recursos extraordinários sobre o mesmo tema, não poderá a presidência do tribunal recorrido deixar de receber o recurso, sendo necessária a remessa dos autos ao Supremo para, aí sim, ser inadmitido o recurso pelo relator.
Verifica-se, pois, que o legislador cometeu grave lapso ao não regulamentar a possibilidade de o tribunal de segunda instância inadmitir o RE com fundamento em precedente do STF que negou a existência da repercussão geral. Deveria o Código ter previsto essa prerrogativa, a qual poderia ser exercida por decisão passível de agravo para o Supremo, que, na pessoa do relator, [10] corrigiria eventual equívoco. Em grande parte dos casos, a situação se resolveria no plano local, vez que é perfeitamente possível que a parte autora do recurso estivesse apenas desavisada da existência do precedente no STF e, reconhecendo tratar-se o seu caso de situação idêntica à do paradigma, deixaria transcorrer in albis o prazo para o agravo acima proposto. Atualmente, ante a ausência de previsão legal nesse sentido, apesar de ciente do insucesso da pretensão, o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local é obrigado a remeter os autos ao STF, que terá de se manifestar acerca da insatisfação do requisito de admissibilidade na espécie, em evidente descompasso com a lógica da sistemática da repercussão geral.
No Projeto de Lei do Novo CPC, o problema não foi solucionado. O texto constante do Relatório-Geral do Senador Valter Pereira mantém disposição semelhante à do atual Código de Processo Civil, estatuindo que, “Negada a repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.” A referência ao RISTF deixa claro que o dispositivo remete ao Supremo a competência para apreciar a ocorrência da repercussão geral nos feitos futuros, mesmo depois de já se ter pronunciado o plenário relativamente à insatisfação do requisito de admissibilidade por determinada questão jurídica. Estabelece, ainda, que no caso de recurso extraordinário processado segundo o procedimento de demandas repetitivas, “negada a existência de repercussão geral no recurso representativo da controvérsia, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.” (BRASIL, 2010, p. 542). [11] Tal como a legislação atualmente vigente, o Projeto regulamenta, apenas, a inadmissão, na origem, dos feitos sobrestados enquanto da pendência de julgamento da preliminar de repercussão geral no Supremo, silenciando quanto aos recursos eventualmente interpostos após o julgamento do RE representativo da controvérsia no qual tenha o STF negado a existência de repercussão geral. Visando a corrigir tal omissão do legislador, elaborou-se a proposta legislativa constante do Apêndice A deste trabalho – “Proposta de regulamentação da competência do tribunal local para aplicar o precedente do STF que negou a existência de repercussão geral”.
5. Repercussão geral e julgamento por amostragem do mérito de recursos extraordinários
Há ainda uma segunda situação na qual o recurso extraordinário poderá ser inadmitido por ausência de repercussão geral sem deliberação direta do pleno do STF. O art. 543-B, do CPC, [12] estabelece que, havendo “multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia”, a análise da repercussão geral será efetuada por amostragem, a exemplo do que já ocorria com os recursos do Juizado Especial Federal (BRASIL, 1973, p. 1). O tribunal local seleciona um ou mais recursos representativos da questão jurídica e os remete ao STF, sobrestando os demais na origem até o julgamento definitivo pelo Supremo. Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados consideram-se inadmitidos por expressa disposição legal, em interessante eficácia extraprocessual da decisão relativa à repercussão geral.
Caso entenda o STF, contudo, pela satisfação do requisito de admissibilidade, o resultado do juízo de mérito será publicado para apreciação dos tribunais de segunda instância, os quais, retomando o andamento dos feitos sobrestados, poderão declarar prejudicados os recursos extraordinários (caso de a decisão do STF ser consentânea com o acórdão recorrido) ou retratar-se (hipótese de o decidido no julgamento do RE contrariar a decisão do tribunal local), já que essa última situação, ante a vinculação horizontal do precedente sobre a repercussão geral, apontaria para o necessário provimento do extraordinário caso viessem os autos a subir para a apreciação do Supremo (BRASIL, 1973, p. 1).
Assim, o julgamento pelo pleno do STF somente ocorrerá, diretamente, para os feitos representativos da controvérsia, sendo que os demais processos que versem sobre questão idêntica permanecerão sobrestados na origem, aguardando, no caso de concordância do acórdão local com a orientação proclamada pelo Supremo, a aplicação da decisão do STF pelo tribunal de segunda instância, o qual declarará prejudicado o recurso e, em caso de divergência entre o entendimento do tribunal local e o precedente de mérito da Corte Maior, uma forma especial de efeito regressivo do RE, consistente na possibilidade de retratação do acórdão já publicado pelo membros do tribunal a quo (DIDIER JÚNIOR; CUNHA, 2009, p. 340).
Nessas circunstâncias, como se vê, para os processos não selecionados como representativos da controvérsia, não haverá manifestação direta do STF sobre a existência da repercussão geral. Quando o Supremo fixar que determinada hipótese não é caso de repercussão geral, a insatisfação do requisito, para os feitos que ficaram sobrestados, será declarada pelo relator do tribunal recorrido (art. 543-A, § 3º, do CPC), [13] o qual aplicará o precedente do STF, inadmitindo os extraordinários na origem (BRASIL, 1973, p. 1). Do mesmo modo, quando decidir o STF que uma específica questão jurídica comporta repercussão geral, a admissibilidade do recurso será declarada, após o julgamento de mérito no Supremo e findo o sobrestamento na origem, pelo relator do feito no tribunal a quo, que aplicará o precedente de mérito. Note-se que aqui não há, absolutamente, qualquer usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, vez que o relator do tribunal de segunda instância, em verdade, apenas reproduz os termos do acórdão emanado pelo Supremo, limitando-se sua participação à verificação da adequação do feito sobrestado à hipótese de repercussão geral suscitada pela corte.
6. Ausência de manifestação do Supremo sobre a “identidade” entre os feitos sobrestado e representativo da controvérsia: negativa de prestação jurisdicional e conveniência de intervenção legislativa
Neste ponto, surge o problema acerca do errôneo sobrestamento do feito pelo tribunal a quo com fundamento na sistemática do julgamento por amostragem da repercussão geral. O art. 543-B, caput, do CPC, estabelece que a seleção dos processos indicativos da querela jurídica e a consequente suspensão dos demais somente se legitima quando estes últimos versarem sobre “idêntica controvérsia” (BRASIL, 1973, p. 1). Se a questão discutida em determinada demanda, em verdade, é outra, cumpre à parte, sob pena de preclusão, no momento da equivocada decisão de sobrestamento, arguir o necessário “distinguishing antecipado” (WOLKART, 2013, p. 47), assim denominado porque prévio à formação do precedente no Supremo Tribunal Federal.
A doutrina majoritária sustenta que o recurso cabível nessa hipótese é o agravo de instrumento (DANTAS, 2008, p. 320; MEDINA, 2009, p. 106; ARRUDA ALVIM WAMBIER, 2001, p. 304 apud WOLKART, 2013, p. 46). Tal perspectiva encontra óbice no fato de que, ao momento da prolação da decisão de sobrestamento, ainda não houve o juízo de admissibilidade do RE na origem, de sorte que não se aplica o disposto no art. 544, do CPC. [14] Com efeito, efetuado o sobrestamento previsto no art. 543-B, do CPC, a decisão acerca do recebimento do recurso extraordinário pelo tribunal de segunda instância somente ocorrerá quando do julgamento da questão relativa à repercussão geral no STF, e, sendo este positivo, quando da apreciação do mérito do RE representativo da controvérsia pela Corte Maior. Somente então os tribunais locais poderão: a) declarar prejudicado o recurso extraordinário, o que consubstancia juízo de admissibilidade negativo, seja pela ausência de repercussão geral, seja pela satisfação do requisito associada à concordância, no mérito, do julgamento do STF com o acórdão local recorrido, restando o RE prejudicado por expressa disposição legal; ou b) retratar-se, hipótese em que, satisfeitos os demais requisitos formais, haverá juízo de admissibilidade positivo para o recurso extraordinário, com posterior adequação do posicionamento local à orientação do Supremo.
Logo, não é o agravo de instrumento – nos termos do art. 544, do CPC, agravo nos próprios autos – o meio processual adequado à impugnação do sobrestamento equivocado do feito para fins de análise por amostragem da repercussão geral. Aliás, ainda que formalmente o fosse, como assevera Erik Wolkart (2013, p. 46), tal medida iria de encontro aos fundamentos e objetivos da sistemática da repercussão geral, que busca, precisamente, desafogar a Corte Suprema. Caso se admitisse o agravo para o STF na situação em comento, a pretendida objetivação das decisões do Supremo pela seleção de feitos representativos restaria comprometida pela subida paralela de processos particulares, arguindo situações de distinguishing, talvez de forma temerária.
Adotando essa perspectiva, decidiu o Supremo, nos autos da Reclamação n.º 7.569, [15] julgada em 19 de novembro de 2009, que não cabe reclamação constitucional ou agravo para o STF da decisão do Presidente ou Vice-Presidente de tribunal local que suspende processo na origem com fundamento na pendência do julgamento de RE, para fins de aplicação da sistemática de repercussão geral (LIMA, 2013, p. 287). Na oportunidade, constou da ementa lavrada pela relatora, Min. Ellen Gracie, que, “se não houve juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, não é cabível a interposição do agravo de instrumento previsto no art. 544, do Código de Processo Civil”. Declarou, ainda, que, consoante precedentes assentados pela corte, “a jurisdição do Supremo Tribunal Federal somente se inicia com a manutenção, pelo Tribunal de origem, de decisão contrária ao entendimento firmado no julgamento da repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 543-B, do CPC” e que, “fora dessa específica hipótese, não há previsão legal de cabimento de recurso ou outro remédio processual para o Supremo Tribunal Federal”. Por conseguinte, a orientação firmada pelo STF no julgado em comento é que a parte que considerar equivocada a aplicação da sistemática de repercussão geral a um feito específico interponha “agravo interno perante o tribunal local” (BRASIL, 2009, p. 1).
Não obstante o alinhamento da decisão com as finalidades do instituto da repercussão geral, notadamente, a blindagem do Supremo em relação a artifícios aptos a sobrecarregarem a corte, frustrando as estratégias de liberação do colegiado para o cumprimento de sua função de tribunal constitucional, afigura-se perigoso, ilógico e contraditório à própria Teoria Geral do Processo que um recurso dirigido ao Supremo Tribunal Federal, por força de uma estratégia de contenção de demandas repetitivas – algo que, em verdade, é um problema que diz respeito à administração do Poder Judiciário, e não ao jurisdicionado – sequer tenha a possibilidade de chegar à referida corte para apreciação dos requisitos de admissibilidade, e isso, nem mesmo, ante uma alegação de equivocada aplicação de precedente por outro órgão jurisdicional (distinguishing). De fato, o que ocorre no sobrestamento indevido do processo não é outra coisa senão a aplicação antecipada de um precedente do STF em vias de formação, vez que o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local considera que os feitos sobrestado e representativo da controvérsia, este último outrora encaminhado ao Supremo Tribunal, versam sobre “idêntica controvérsia”. A ausência dessa “identidade” entre as questões jurídicas discutidas implicará, quando do julgamento da repercussão geral ou do mérito do RE pelo STF, inevitável aplicação incorreta de precedente da corte. O que o entendimento prevalecente no Supremo estabelece é que, não obstante esse error in judicando, não há instrumento apto a submeter a questão ao crivo do STF.
Ora, não se pode admitir que uma corte constitucional tenha sua jurisdição privada por decisão definitiva de tribunal de hierarquia inferior. Em última instância, é o STF – ao menos na pessoa do relator – quem deve se pronunciar acerca de sua competência para a apreciação de determinada questão. Chega a ser assustador verificar, pois, que foi o próprio Supremo – em regra, tão cioso de suas competências constitucionais – quem declarou que “não há previsão legal de cabimento de recurso ou outro remédio processual para o Supremo Tribunal Federal” (BRASIL, 2009, p. 1). O desespero em não frustrar uma sistemática de julgamento unificado de demandas repetitivas, no afã de evitar a atração de certo volume de processos à corte, fez o Supremo atropelar a lógica e o bom senso. Registre-se, nesse sentido, que, nos autos do referido reclamo constitucional, consta parecer do Procurador-Geral da República “pelo provimento da reclamação, para adoção de medida adequada à preservação de competência do STF”, o que indica a discutibilidade da perspectiva que prevaleceu na corte.
De fato, não há previsão legal de recurso (stricto sensu) para o STF decidir a questão da má vinculação de processo sobrestado pelo tribunal a quo a feito representativo da controvérsia em sede de repercussão geral; tal omissão do legislador, contudo, não se pode sobrepor à clara disposição constitucional, segundo a qual compete ao Supremo julgar o recurso extraordinário (art. 102, III, da CF/88). [16] Até que ponto não se pode afirmar que está havendo negativa de prestação jurisdicional pelo STF, se, para um RE individual interposto, não há sequer a possibilidade de manifestação da corte sobre a admissibilidade do recurso, ainda que após sucessivas barreiras legais? Não obstante a inexistência de previsão legal quanto a uma espécie recursal apta a submeter ao Supremo a questão, não se pode dizer que não há “outro remédio processual” capaz de dirimir a problemática.
Tal “remédio processual” existe e não é outro senão a reclamação constitucional, instrumento previsto no art. 102, I, “l”, da CF/88, [17] para, assegurar a competência constitucional e a autoridade das decisões do STF. O fundamento para a resolução da questão via reclamação é a interpretação do art. 102, § 3º, da CF/88, [18] no sentido de que o juízo de admissibilidade do recurso individual com fundamento no requisito da repercussão geral, em última instância, cabe ao Supremo Tribunal Federal. Partindo dessa premissa, se da sistemática prevista no art. 543-B, § 1º, do CPC [19] resultar divergência entre o recorrente e o tribunal a quo acerca do processo que efetivamente representa a controvérsia no Supremo Tribunal Federal, tal questão deve ser dirimida pelo próprio STF (juízo ad quem), pois, do contrário, a admissibilidade do extraordinário estaria sendo decidida, em caráter definitivo, pelo tribunal recorrido, o qual estabelece a conexão entre um feito específico, no qual foi interposto o RE, e outro, em trâmite no Supremo, alegadamente representativo da controvérsia.
Fredie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha também consideram cabível a reclamação constitucional para solver a problemática. No seu entendimento, o fundamento da utilização do instituto é o retardo indevido no encaminhamento dos autos ao Supremo Tribunal Federal, o que, em última análise, representa restrição ou usurpação de competência. Na medida em que o feito sobrestado não guarda relação com o representativo da controvérsia, há uma demora equivocada no encaminhamento dos autos ao Supremo para o julgamento regular do RE, que, por não se enquadrar na questão repetitiva, não deveria ter sido submetido ao procedimento de apreciação por amostragem. Em palavras dos autores:
Selecionado um ou mais casos para análise pelo STF, os demais, como visto, ficam sobrestados na origem, aguardando a solução que a Corte Suprema der quanto aos recursos para lá encaminhados. E se o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem determinar o sobrestamento de recurso que não se identifique com aquele(s) que foi(ram) selecionado(s) e encaminhado(s) ao STF? Qual medida a ser adotada? Nesse caso, o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local está deixando de determinar o seguimento do recurso ou omitindo-se na sua remessa ao tribunal superior, o que acarreta, em última análise, uma usurpação de competência do STF, a permitir o ajuizamento de uma reclamação constitucional. (...) O Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem, na hipótese ora aventada, determina o sobrestamento de um recurso que não tem qualquer semelhança com o que está no STF para ser examinada a repercussão geral. Nesse caso, ao determinar o sobrestamento, o Presidente do Tribunal de origem restou por impedir o encaminhamento do caso para o STF. Cabível, então, a reclamação constitucional. Em homenagem ao princípio da instrumentalidade das formas (que, em tema de recursos, costuma ser aplicado sob a rubrica do princípio da fungibilidade), é razoável admitir agravo de instrumento (CPC, art. 544) ou, até mesmo, a medida cautelar, da mesma forma que sucede com a retenção ordenada indevidamente (CPC, art. 542, § 3º). Tudo isso também se aplica, mutatis mutandis, no caso de “escolha” dos recursos especiais em causas repetitivas (CPC, art. 543-C, § 1º). (DIDIER JÚNIOR; CUNHA, 2009, p. 339)
O fato, porém, é que o STF não reconhece essa tese. Rejeita a reclamação constitucional como instrumento hábil a corrigir o errôneo sobrestamento do processo por vinculação inadequada a feito representativo da controvérsia. E, em surpreendente interpretação restritiva de sua competência constitucional, declara que não há previsão legal de instrumento hábil a submeter-lhe a questão (BRASIL, 2009, p. 1). Nessas circunstâncias, necessária a intervenção do legislador, corrigindo o equívoco para conferir um tratamento teoricamente adequado à situação. O ideal seria que tivesse sido previsto espécie recursal própria para a solução do problema. A bem da celeridade, e considerando a singeleza da impugnação, nada impediria que fosse autorizado ao relator, no STF, em decisão irrecorrível, resolver a divergência, com o que se preservaria a competência da Suprema Corte, ainda que na forma delegada ao juízo monocrático do relator. Objetivando evitar a ocupação do plenário com a questão, a lei poderia vedar o agravo interno a órgão colegiado, ainda que fracionário, do Supremo Tribunal e, como medida de contenção, de sorte a evitar que as partes interpusessem recursos temerários a respeito, poderia ser prevista a imposição de multa, de valor considerável e de cobrança obrigatória pelo representante judicial da União, no caso de improcedência do recurso. Nesse sentido, foi elaborada a proposta legislativa constante do Apêndice B deste trabalho, intitulada “Proposta de regulamentação do Incidente de diferenciação no procedimento de julgamento de demandas repetitivas”.
7. Participação do amicus curiae
No julgamento por amostragem da repercussão geral, admitiu o legislador, no art. 543-A, § 6º, do CPC, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado (BRASIL, 1973, p. 1). A medida se justifica em face da eficácia transcendente da decisão, em que, sem se ouvir os argumentos das partes e procuradores de outros feitos, tem-se a imposição, a todos os processos semelhantes, do resultado do julgamento da questão de ordem, considerada a controvérsia jurídica em tese. Logo, mostra-se apropriada a abertura conferida pela lei para a participação da sociedade, interessada na solução dos diversos outros processos com matéria idêntica, no julgamento desse pressuposto que, em verdade, mostra-se como o último entrave de natureza estritamente formal ao acesso da questão jurídica perante o STF, qual instância pacificadora da interpretação constitucional. Daniel Assumpção esclarece o ponto nos seguintes termos:
Reconhecendo que a decisão que nega a existência de repercussão geral extrapola o interesse das partes no recurso, até porque permite a aplicação desse entendimento a outros recursos extraordinários (art. 543-A, § 5º, do CPC e, em especial, o art. 543-B, do CPC), permite-se a admissão pelo Supremo Tribunal Federal de manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado (art. 543-A, § 6º, do CPC). Para que a decisão esteja o mais próximo possível da correção, a lei corretamente admite a intervenção no processo do amicus curiae, como forma de levar aos julgadores todos os conhecimentos técnico-jurídicos necessários para a prolação de uma decisão de qualidade, o que só será admitido até a data da remessa dos autos à mesa para julgamento. (NEVES, 2013, p. 752)
8. Repercussão geral como requisito de “relevância” e “transcendência” subjetiva da causa
No que diz respeito ao conteúdo propriamente dito da nova regra de admissibilidade, tem-se que, nos termos do § 1º, do art. 543-A, do CPC, para efeito da repercussão geral, “será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.” (BRASIL, 1973, p. 1) Utilizou-se o legislador, propositalmente, de conceitos jurídicos abertos ou indeterminados na indicação dos requisitos. Com isso, buscou-se conferir “maior elasticidade na interpretação dessa exigência, que, afinal, terá sua exata dimensão delimitada pela interpretação constitucional que fizer o Supremo Tribunal Federal” (DIDIER JÚNIOR; CUNHA, 2009, p. 333). Na prática, pois, caberá ao Supremo, em evidente discricionariedade judicial, decidir, casuisticamente, se as questões postas a julgamento atendem ao critério da “relevância” nos planos econômico, social, jurídico e político.
Não obstante a dificuldade em se estabelecer critérios a priori, a doutrina, em esforço de sistematização, sugere algumas hipóteses: a) por repercussão geral jurídica entender-se-ia o requisito presente nas demandas que exigissem, para seu julgamento, a definição de um instituto básico de nosso direito, de molde a que a decisão recorrida, se subsistisse, “pudesse significar perigoso e relevante precedente”; b) a repercussão geral política ocorreria quando “de uma causa pudesse emergir decisão capaz de influenciar relações com Estados estrangeiros ou organismos internacionais; c) repercussão geral social seria o caractere presente nos feitos em que a discussão envolvesse temas relacionados “à escola, à moradia, ou mesmo à legitimidade do MP para a propositura de certas ações”; d) a repercussão geral econômica, de sua vez, estaria presente quando se discutissem questões econômicas de envergadura nacional, tais como o sistema financeiro de habitação ou a privatização de serviços públicos essenciais (MEDINA; WAMBIER; WAMBIER apud DIDIER JÚNIOR; CUNHA, 2009, p. 336).
O certo, porém, é que a repercussão geral se constitui no atributo dos feitos que versem sobre questões de “extrema relevância”, compreendida esta como a “significativa transcendência” da controvérsia jurídica. Tal transcendência pode ser qualitativa, quando diga respeito à importância da questão para a sistematização e desenvolvimento do Direito, ou quantitativa, quando se relacione ao potencial da tese de aplicar-se a um elevado número de pessoas (NEVES, 2013, p. 750-751). Consoante informa Luiz Guilherme Marinoni,
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que têm repercussão geral as causas envolvendo as limitações constitucionais ao poder de tributar, que são verdadeiros direitos fundamentais dos contribuintes, e aquelas que dizem respeito à extensão do direito fundamental à saúde, notadamente no que concerne à existência ou não de direito a medicamento de alto custo a ser fornecido pelo Estado (STF, Repercussão Geral no RE 566.471/RN, rel. Min. Marco Aurélio, j. 15.11.2007, DJ 07.12.2007, p. 16). Quanto às causas envolvendo as limitações constitucionais ao poder de tributar, o Supremo já decidiu que têm repercussão geral a controvérsia atinente: a) à necessidade ou não de lei complementar para a disciplina da prescrição e decadência em matéria de contribuições previdenciárias (STF, Repercussão Geral no RE 559.943/RS, rel. Min. Carmen Lúcia, j. 23.10.2007, DJ 07.12.2007, p. 16); b) à incidência do imposto de renda pessoa física (STF, Repercussão Geral no RE 561.908/RS, rel. Min. Marco Aurélio j.08.11.2007, DJ 07.12.2007, p. 16); c) ao alcance da imunidade sobre o lucro na exportação em tema de contribuição social (STF, Repercussão Geral no RE 564.413/SC, rel. Min. Marco Aurélio, j. 29.11.2007, DJ 14.12.2007, p. 20); e d) à existência ou não de responsabilidade solidária do sócio sobre tributo devido pela empresa (STF, Repercussão Geral no RE 567.932/RS, rel. Min. Marco Aurélio, j. 29.11.2007, DJ 14.12.2007, p. 20) (cf. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010. art. 543-A). (MARINONI, 2013, p. 472-473)
Não obstante a regra geral seja a questão jurídica ultrapassar o interesse subjetivo das partes, nos termos do art. 543-A, § 3º, do CPC, há uma hipótese de presunção legal absoluta de existência da repercussão geral: é o caso de a decisão recorrida contrariar súmula ou jurisprudência dominante do STF (BRASIL, 1973, p. 1). Trata-se de cláusula de abertura que permite a substituição do acórdão recorrido por um consentâneo com a orientação do Supremo, o qual, na pessoa do relator, com fundamento no art. 557, do CPC, [20] poderá prover liminarmente o recurso, corrigindo, sem grandes custos processuais, a interpretação jurídica distorcida que prevaleceria na espécie caso o extraordinário não fosse admitido.
Incumbe frisar que, consoante o art. 543-A, caput, do CPC, a decisão relativa à repercussão geral no recurso extraordinário é irrecorrível – o que não significa dizer que não caiba agravo interno da decisão do relator que, com base em precedente da corte, negue seguimento ao recurso sob esse fundamento. A irrecorribilidade, à evidência, é da decisão do Supremo, que, em última instância, manifesta-se pelo tribunal pleno. Nesse sentido, Daniel Assumpção esclarece que o art. 327, § 2º, do RISTF [21] prevê expressamente o cabimento de agravo contra decisão monocrática do presidente ou relator que, com fundamento na ausência de repercussão geral, não conhecer do RE (NEVES, 2013, p. 752).
9. Viabilidade da negativa de desistência da demanda recursal no feito representativo da controvérsia. Mitigação do princípio dispositivo e da vedação à reformatio in pejus
Por último, cumpre registrar que o recurso extraordinário, na sistemática de julgamento por amostragem instituída pelo requisito da repercussão geral, restou dotado de evidente interesse público, o que repercute em determinadas prerrogativas das partes (WOLKART, 2013, p. 62). O interesse em ver julgado o RE, que propiciará a formação de precedente aplicável a um vasto número de demandas presentes e a um número indeterminável de demandas futuras, passou a ser da inteira sociedade, e não apenas das partes integrantes do feito representativo da controvérsia. Essa constatação ocasionou, na jurisprudência, o entendimento de que a nova sistemática mitigou a faculdade ordinariamente conferida ao recorrente de desistir do recurso (BRASIL, 2008, p. 1). [22]
De igual forma, a referida objetivação do recurso extraordinário operou mitigação à vedação da reformatio in pejus, que representa a impossibilidade, em regra de piora da situação do recorrente no silêncio da parte contrária. Ante o interesse público presente no controle difuso de constitucionalidade implementado pelo recurso extraordinário, possível é a reforma do acórdão recorrido para pior, pois, além de se prestigiar a supremacia da constituição no caso concreto, está-se a formar precedente aplicável ao inteiro território nacional, cuja corretude jurídica, por óbvio, não pode ceder lugar ao interesse particular do recorrente (WOLKART, 2013, p. 67-69). [23]
10. Conclusão
Instituída no âmbito da reforma introduzida pela EC n.º 45, de 30 de dezembro de 2004, a repercussão geral é o requisito de admissibilidade específico do recurso extraordinário no qual se exige a demonstração da presença de questões “relevantes” do ponto de vista econômico, social, político ou jurídico, que ultrapassem os limites subjetivos da causa. É medida de objetivação e racionalização do processo e da jurisdição do Supremo Tribunal Federal, o qual, pela nova sistemática, nas demandas repetitivas ou de massa, somente aprecia um ou alguns dos feitos representativos da controvérsia, decidindo, preliminarmente, acerca da existência da repercussão geral, e, admitido o recurso, no mérito, produzindo precedente de eficácia vinculante no âmbito do próprio STF (vinculação horizontal) e de eficácia altamente persuasiva para a inteira jurisdição nacional.
O instituto alterou significativamente a finalidade e o alcance do recurso extraordinário, que deixou de representar instrumento de acesso ao Supremo Tribunal Federal enquanto instância regular para questões de natureza constitucional para, efetivamente, permiti-lo cumprir o papel de corte constitucional, voltada à formação de precedentes e à fixação de teses jurídicas aplicáveis ao inteiro território nacional. Ante o caráter vinculante, salvo revisão de tese (overruling), da decisão do RE para o próprio STF, tornou-se absolutamente inútil que os tribunais inferiores mantenham acórdão em sentido diverso, vez que, caso o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal a quo deixe de negar seguimento ao extraordinário, remetendo os autos à Corte Maior, esta, necessariamente, teria de cassar ou reformar o acórdão recorrido. Logo, não obstante a opção do legislador por não implementar formalmente uma limitação à autonomia funcional de magistrados e tribunais de segunda instância – algo no que avança o Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil (PLNCPC) – por medida de ordem prática, e ressalvados os indesejáveis casos de flagrante desconhecimento da jurisprudência superior, as cortes de apelação passaram a seguir a orientação do STF, como se se houvesse sido instituído, efetivamente, um sistema de precedentes vinculantes no Brasil. A medida proporcionou significativa redução na quantidade de processos distribuídos no Supremo Tribunal Federal, sendo essa uma das razões pelas quais é contemplada e aprimorada no projeto do Novo Código de Processo Civil, atualmente em trâmite no Congresso Nacional.
A tabela abaixo demonstra a drástica redução no número de processos encaminhados ao Supremo Tribunal Federal desde a regulamentação por norma infraconstitucional do instituto da repercussão geral, no ano de 2006. No ápice da crise, o STF recebeu em seu protocolo 127.535 processos em um ano. Em 2012, decorridos seis anos de repercussão geral, o número caiu 43,4%, alcançando a soma de 72.148 feitos submetidos à apreciação da Suprema Corte brasileira. Trata-se de diminuição altamente significativa, que revela o sucesso da iniciativa enquanto estratégia de redução na taxa de congestionamento do tribunal.
Na proposta constante do Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, sendo o caso de demandas repetitivas, autoriza-se a remessa do feito representativo da controvérsia ao STF “independentemente de juízo de admissibilidade” (BRASIL, 2010, p. 1). O Supremo, admitindo o recurso por reconhecer a repercussão geral da questão jurídica (art. 989, do PLNCPC), formará precedente de observância obrigatória pelos tribunais locais e juízos de primeira instância. A tendência, pois, é a de que, sob a égide do Novo -Código, verifique-se redução ainda maior na quantidade de feitos submetidos ao crivo do STF, o que constitui inegável avanço em termos de racionalidade, economicidade e celeridade no processo judicial brasileiro.
Tabela 1 – Movimento processual no STF
Ano |
Processos Protocolados |
Processos Distribuídos |
Julgamentos |
Acórdãos Publicados |
1980 |
9.555 |
9.308 |
9.007 |
3.366 |
1990 |
18.564 |
16.226 |
16.449 |
1.067 |
2000 |
105.307 |
90.839 |
86.138 |
10.770 |
2006 |
127.535 |
116.216 |
110.284 |
11.421 |
2007 |
119.324 |
112.938 |
159.522 |
22.257 |
2008 |
100.781 |
66.873 |
130.747 |
19.377 |
2009 |
84.369 |
42.729 |
95.524 |
17.704 |
2010 |
71.670 |
41.014 |
103.869 |
10.814 |
2011 |
64.018 |
38.019 |
97.380 |
14.105 |
2012 |
72.148 |
46.392 |
87.784 |
11.794 |
Fonte: Supremo Tribunal Federal, 2014 [24]
[1] BRASIL, 1988, p. 1: “Art. 102. (...) § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
[2] BRASIL, 1973, p. 1: “Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. § 1º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. § 2º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral. § 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. § 4º Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. § 5º Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 6º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 7º A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.”
[3] BRASIL, 2013, p. 148: “Art. 327. A Presidência do Tribunal recusará recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedente do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão.” Nesse sentido: LIMA, 2013, p. 282.
[4] O mesmo autor esclarece que a medida é recorrente no direito comparado: “Além da clássica prática da Supreme Court estadunidense do writ of certiorari (Regra 10 da Suprema Corte dos Estados Unidos), conhecido, em suma, apenas nos casos de “sufficient public importance”, muitos outros países praticam semelhante sistema de seleção de causas para exame pelas Cortes Supremas. No direito alemão, admite-se o acesso ao Supremo Tribunal, em recurso de revisão, quando a causa decidida ostentar uma “significação fundamental”. No direito argentino, a Corte Suprema pode não conhecer do recurso extraordinário “por falta de agravio federal suficiente o cuando las cuestiones planteadas resultaren insustanciales o carentes de transcendência” (art. 280, Código Procesal Civil y Comercial de la Nación Argentina). Em todos esses casos, a mesma razão se encontra presente: velar pela unidade do direito através do exame de casos significativos para a ótima realização dos fins do Estado Constitucional, sem sobrecarregar o Supremo Tribunal com o exame de casos sem relevância e transcendência (idem, ibidem). V. TRESOLINI, Rocco J. American constitutional law. 2. ed. New York: MacMillan, 1965, p. 33; BENETI, Sidnei Agostinho. O processo na Suprema Corte dos Estados Unidos. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (org.). O Judiciário e a Constituição. São Paulo: Saraiva, 1994.” (MARINONI, 2013, p. 471)
[5] BRASIL, 1970, p. 48: “Art. 308. Salvo nos casos de ofensa à Constituição ou relevância da questão federal, não caberá o recurso extraordinário, a que alude o seu art. 119, parágrafo único, das decisões proferidas: I – nos processos por crime ou contravenção a que sejam cominadas penas de multa, prisão simples ou detenção, isoladas, alternadas ou acumuladas, bem como as medidas de segurança com eles relacionadas; II – nos habeas corpus, quando não trancarem a ação penal, não lhe impedirem a instauração ou a renovação, nem declararem a extinção da punibilidade; (...) § 3º – Caberá privativamente ao Supremo Tribunal Federal o exame da arguição de relevância da questão federal. § 4° – A arguição de relevância da questão federal processar-se-á por instrumento, da seguinte forma: (...) VII – no Supremo Tribunal Federal, o instrumento será registrado como Arguição de Relevância (art. 60, VI), que prescindirá de relator, processando-se pela seguinte forma: a) preparar-se-á extrato para reprodução em cópias e distribuição a todos os Ministros, com indicação da sessão de Conselho, designada para sua apreciação; b) um dos exemplares do instrumento permanecerá à disposição dos Ministros; c) ao Presidente caberá apresentar a arguição à apreciação do Conselho; VIII - da ata da sessão do Conselho, que se publicará para ciência dos interessados, constará apenas a relação das arguições acolhidas e rejeitadas; IX - a apreciação em Conselho não comportará pedido de vista, dispensará motivação e será irrecorrível;”
[6] BRASIL, 1988, p. 1: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
[7] Como é cediço, o órgão jurisdicional recorrido efetua um juízo inicial de admissibilidade recursal, o qual é revisado pela corte ad quem, que ratifica ou não a deliberação pretérita. No caso da repercussão geral, descabe ao tribunal a quo manifestar-se sobre a ocorrência da repercussão geral quando o Supremo não o tenha efetuado previamente em demanda semelhante.
[8] BRASIL, 2013, p. 1: “Art. 327. A Presidência do Tribunal recusará recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedente do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão. § 1º Igual competência exercerá o(a) Relator(a) sorteado(a), quando o recurso não tiver sido liminarmente recusado pela Presidência.§ 2º Da decisão que recusar recurso, nos termos deste artigo, caberá agravo.”
[9] BRASIL, 1973, p. 1: “Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão: (Revigorado e com redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994) I - a exposição do fato e do direito; (Incluído pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994) Il - a demonstração do cabimento do recurso interposto; (Incluído pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994) III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida. (Incluído pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)”
[10] A sugestão de que, in casu, a lei outorgasse ao relator o poder de representar o tribunal na decidibilidade da questão, vedado o agravo interno, em mitigação ao princípio da colegialidade nos órgãos judiciários de revisão, dá-se, exclusivamente, por razões de economia processual, considerando a simplicidade da questão e o risco de, por via transversa, sobrecarregar-se o plenário da corte. Um resultado assim produzido seria diametralmente oposto ao que se pretendeu obter com a sistemática do julgamento por amostragem da repercussão geral e a concessão de efeito verticalmente vinculante à decisão do Supremo Tribunal Federal nos feitos representativos a controvérsia em recurso extraordinário. Paralelamente, contudo, não se defende que a decisão local sobre a matéria, na lege ferenda aqui considerada por hipótese, fosse reputada como irrecorrível. Tendo em vista o princípio do duplo grau de jurisdição e, sobretudo, a previsão constitucional de um recurso para o STF, afigura-se-nos ilegítima a supressão do direito de submeter-se ao juízo ad quem, ao menos, a apreciação da conformidade do caso sob julgamento com o paradigma invocado pelo órgão a quo para negar seguimento ou inadmitir o recurso.
[11] BRASIL, 2010, p. 542: “Art. 989. (...) § 4º Negada a repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 5º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 6º A súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no diário oficial e valerá como acórdão. § 7º No caso do recurso extraordinário processado na forma da Seção III deste Capítulo, negada a existência de repercussão geral no recurso representativo da controvérsia, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.”
[12] BRASIL, 1973, p. 1: “Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006). § 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. § 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. § 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. § 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.”
[13] BRASIL, 1973, p. 1: “Art. 543-A, § 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).”
[14] BRASIL, 1973, p. 1: “Art. 544. Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de 10 (dez) dias. (Redação dada pela Lei nº 12.322, de 2010)”
[15] BRASIL, 2009, p. 1: “RECLAMAÇÃO. SUPOSTA APLICAÇÃO INDEVIDA PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE ORIGEM DO INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL. DECISÃO PROFERIDA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 576.336-RG/RO. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DE AFRONTA À SÚMULA STF 727. INOCORRÊNCIA. 1. Se não houve juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, não é cabível a interposição do agravo de instrumento previsto no art. 544 do Código de Processo Civil, razão pela qual não há que falar em afronta à Súmula STF 727. 2. O Plenário desta Corte decidiu, no julgamento da Ação Cautelar 2.177-MC-QO/PE, que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal somente se inicia com a manutenção, pelo Tribunal de origem, de decisão contrária ao entendimento firmado no julgamento da repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 543-B do Código de Processo Civil. 3. Fora dessa específica hipótese não há previsão legal de cabimento de recurso ou de outro remédio processual para o Supremo Tribunal Federal. 4. Inteligência dos arts. 543-B do Código de Processo Civil e 328-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 5. Possibilidade de a parte que considerar equivocada a aplicação da repercussão geral interpor agravo interno perante o Tribunal de origem. 6. Oportunidade de correção, no próprio âmbito do Tribunal de origem, seja em juízo de retratação, seja por decisão colegiada, do eventual equívoco. 7. Não conhecimento da presente reclamação e cassação da liminar anteriormente deferida. 8. Determinação de envio dos autos ao Tribunal de origem para seu processamento como agravo interno. 9. Autorização concedida à Secretaria desta Suprema Corte para proceder à baixa imediata desta Reclamação.”
[16] BRASIL, 1988, p. 1: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...) III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
[17] BRASIL, 1988, p. 1: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;”
[18] BRASIL, 1988, p. 1: “Art. 102. (...) § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
[19] BRASIL, 1973, p. 1: “Art. 543-B. (...) § 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.”
[20] BRASIL, 1973, p. 1: “Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998) § 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)”
[21] BRASIL, 2013, p. 148: “Art. 327. A Presidência do Tribunal recusará recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedente do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão. § 1º Igual competência exercerá o(a) Relator(a) sorteado(a), quando o recurso não tiver sido liminarmente recusado pela Presidência. § 2º Da decisão que recusar recurso, nos termos deste artigo, caberá agravo.”
[22] Nesse julgamento específico, discutia-se a possibilidade de desistência de recurso representativo da controvérsia em procedimento de julgamento unificado de recursos especiais repetitivos no STJ, tema que será abordado adiante neste trabalho. A essência do procedimento e, por conseguinte, o fundamento da decisão, contudo, como se verá, é o mesmo: supressão do direito de desistência em virtude do interesse público subjacente à objetivação do recurso repetitivo.
[23] Registre-se, a propósito, que parcela da doutrina considera que matérias de ordem pública, tais como as relativas à constitucionalidade, sempre autorizaram tribunais de todas as instâncias decidirem com reformatio in pejus, sendo essa uma exceção ao princípio dispositivo ou da demanda. Cf. ASSIS apud WOLKART, 2013, p. 66.
[24] Dados obtidos na seção de informações estatísticas do portal do Supremo Tribunal Federal na Internet. Cf. BRASIL, 2014, p.1
BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Projeto de Lei n.º 166, de 8 de junho de 2010. Dispõe sobre a reforma do Código de Processo Civil (texto consolidado após aprovação do Relatório-Geral do Senador Valter Pereira). Disponível em: <http://www.amperj.org.br/emails/relatorio-Valter-Pereira-24112010.pdf> Acesso em 12 set. 2013.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em 12 jul. 2013.
BRASIL. Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em: 17 abr. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso Especial n.º 1.071.622/RJ. Relator: Min. Nancy Andrighi. Brasília, 16 de dezembro de 2008. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica>. Acesso em: 12 set. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo n.º 713080. Relator: Min. Luiz Fux. Brasília, 12 de abril de 2012. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/juris/unificada>. Acesso em: 20 set. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Reclamação n.º 7569. Relator: Min. Ellen Gracie. Brasília, 19 de novembro de 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 12 set. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Regimento Interno de 1970. Consolidado até a ER n.º 5 e atualizado até a ER n.º 8). Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaRI/anexo/RegimentoInterno1970ConsolidadoAtualizado.pdf> Acesso em 12 set. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Regimento Interno. Atualizado até dezembro de 2013. Consolidado e atualizado até maio de 2002 por Eugênia Vitória Ribas. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF_Dezembro_2013_versao_eletronica.pdf> Acesso em 12 jan. 2014.
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 7. ed. Salvador: JusPodium, 2009.
LIMA, Tiago Asfor Rocha. Precedentes judiciais civis no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013.
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.
WOLKART, Erik Navarro. Precedente judicial no processo civil brasileiro: mecanismos de objetivação do processo. Salvador: JusPodium, 2013.
Emenda n.º _______
Dê-se a seguinte redação ao art. 989 do PLS n.º 166/2010, que dispõe institui o Novo Código de Processo Civil:
Art. 989. (...)
(...)
§ 2º – O recorrente deverá demonstrar, em preliminar formal, expressa e fundamentada, a existência da repercussão geral, sob pena de não conhecimento do recurso.
(...)
§ 8º – Sobrevindo recurso extraordinário sobre matéria acerca da qual já se tenha manifestado o Supremo Tribunal Federal pela inexistência de repercussão geral, o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local poderá inadmitir o recurso, aplicando o precedente.
§ 9º – Da decisão referida no parágrafo anterior cabe agravo para o Supremo Tribunal Federal, no prazo de 10 (dez) dias.
§ 10 – Recebido o agravo de que trata o parágrafo anterior, a parte contrária será intimada a manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, após o que subirão os autos à instância superior.
Seção XX
Do incidente de diferenciação no procedimento
de julgamento de demandas repetitivas
Art. 1º – No recurso especial e no recurso extraordinário repetitivos, se o recorrente entender que houve erro na decisão do tribunal local que determinou o sobrestamento do feito, por distinção substancial entre as questões jurídicas discutidas no processo em apreço e no feito representativo da controvérsia, caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, conforme o caso, para o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal.
§ 1º – O recurso previsto no caput independe de preparo e subirá nos próprios autos da ação principal.
§ 2º – Recebido o agravo, é facultado ao tribunal local retratar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, hipótese em que revogará o sobrestamento ou vinculará o processo a outro feito representativo.
§ 3º – Se não for interposto por ambas as partes, a parte contrária à agravante será intimada a manifestar-se no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 4º – Recebido o arrazoado de que trata o parágrafo anterior, o tribunal local encaminhará os autos incontinenti à corte de superposição.
Art. 2º – O agravo será julgado liminarmente pelo relator, em decisão irrecorrível, vedado o recurso, na forma do Regimento Interno, para órgão colegiado do tribunal, ainda que fracionário.
§ 1º – Julgado improcedente o agravo, o relator aplicará multa ao recorrente no valor equivalente a 10% do valor da causa, determinará a baixa do feito na distribuição e remeterá os autos ao tribunal de origem.
§ 2º – Considerando tratar-se de caso de difícil diferenciação, ou, ainda, tendo em vista o elevado valor da causa e a reduzida capacidade econômica do recorrente, é facultado ao relator dispensar a aplicação da multa ou aplicá-la em percentual inferior.
§ 3º – A irrecorribilidade de que trata o caput abrange a multa prevista nos parágrafos anteriores, a qual constituirá crédito da dívida ativa da União, incumbindo ao órgão administrativo do tribunal, na forma do Regimento Interno, encaminhar a documentação pertinente à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, para lavratura da certidão respectiva e promoção do executivo fiscal em procedimento específico.
§ 4º – É vedado à União deixar de promover a cobrança judicial da multa de que tratam os parágrafos anteriores sob o fundamento de perda de escala do órgão jurídico.
Art. 3º – Julgado procedente o agravo, o relator verificará se a questão jurídica objeto da ação principal já foi decidida ou se encontra pendente de julgamento no tribunal superior.
§ 1º – Sendo o caso de matéria já pacificada por súmula, jurisprudência dominante ou acórdão do tribunal superior em incidente de resolução de demandas repetitivas, o relator aplicará o precedente da corte, dando ou negando provimento ao recurso extraordinário ou especial.
§ 2º – Da decisão prevista no parágrafo anterior cabe agravo para o órgão fracionário colegiado da corte, na forma do Regimento Interno.
§ 3º – Estando a matéria discutida na ação pendente de julgamento no tribunal superior em incidente de resolução de demandas repetitivas, o relator, determinando a baixa na distribuição, remeterá os autos ao tribunal de origem, com indicação do feito ao qual ficará vinculado o processo, em sobrestamento.
§ 4º – Verificando, porém, tratar-se de controvérsia nova, não afeta ao colegiado e não pacificada pela jurisprudência da corte, o relator pedirá dia para julgamento no órgão fracionário colegiado do tribunal e processará o recurso na forma do Regimento Interno.
Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Pós-Graduado em Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Ex-Assessor judicial da Justiça Federal da 5ª Região (TRF-5). Ex-Assessor jurídico do Ministério Público Federal (MPF) na 1ª Região. Atualmente, é Oficial de Justiça do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CLáUDIO RICARDO SILVA LIMA JúNIOR, . Análise crítica da repercussão geral em recurso extraordinário: questões controvertidas e propostas legislativas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 ago 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/40335/analise-critica-da-repercussao-geral-em-recurso-extraordinario-questoes-controvertidas-e-propostas-legislativas. Acesso em: 23 dez 2024.
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