RESUMO: Este artigo tem por objetivo tratar do direito inglês, analisando e detalhando sua estrutura. Assim, o trabalho se destina, de modo geral, à explanação daquele ordenamento jurídico, com todas as suas nuances; para tanto, serão observados os seguintes objetivos específicos: examinar sua progressiva evolução, apresentando a trajetória desde o período anglo-saxônico, passando pela formação da common law e da equity até chegar aos dias atuais; discorrer sobre a estrutura do direito inglês, incluindo suas divisões, o processo, conceitos e fontes – jurisprudência, legislação, costume, doutrina e razão. A pesquisa empreendida tem caráter sócio-jurídico, é essencialmente bibliográfica e jurisprudencial e utiliza o método de abordagem dedutivo, bem como os métodos de procedimento histórico, comparativo e hermenêutico. Inicialmente, realiza-se a análise do ordenamento jurídico inglês, a partir de sua evolução histórica e configuração atual; em seguida, é feito um estudo acerca de sua organização estrutural. O estudo deve contribuir para esclarecer os juristas acerca de um direito tão diferente do brasileiro, dando-lhes uma noção de direito comparado, a fim de aumentar-lhes os horizontes do conhecimento.
Palavras-chave: Direito Inglês. Common Law. Equity. Estrutura.
1. INTRODUÇÃO
No artigo que ora se apresenta, cuidar-se-á do direito aplicado na Inglaterra, tendo em vista a enorme diferença com o direito brasileiro, uma vez que o primeiro decorre do sistema anglo-saxônico ao passo que o segundo se originou do romano-germânico.
A relevância desta investigação se desdobra em duas vertentes, pois que tanto permite um maior conhecimento acerca daquele ordenamento jurídico alienígena, quanto permite uma avaliação individual do leitor acerca dos acertos e erros do supracitado direito e de que modo este pode influenciar positivamente o sistema adotado no Brasil.
Nesse diapasão, pretender-se-á, de um modo geral, analisar o direito inglês, com base em sua evolução histórica, nos (poucos) corpos legais que os tutelam e no entendimento dos tribunais, além de trazer a exposição doutrinária existente sobre a temática.
Com relação à natureza da pesquisa, realmente é de cunho sócio-jurídico, uma vez que o aspecto social emerge da importância de se ter uma noção sobre direito comparado, especialmente no mundo globalizado dos dias atuais.
No que tange ao método de abordagem, será utilizado essencialmente o indutivo, porque através dele serão analisadas decisões jurisprudenciais tomadas em casos concretos, bem como proceder-se-á ao estudo das teorias existentes, com o fito de estabelecer as regras gerais que tutelam o mencionado direito.
Os métodos de procedimento utilizados serão: o histórico, mediante o qual será feita a análise pormenorizada da evolução do ordenamento jurídico da Inglaterra e das consequências decorrentes de tal progresso; o comparativo, que permitirá verificar as diferenças em relação ao sistema romano-germânico e o hermenêutico, considerado essencial em todo desenvolvimento de pesquisas jurídicas.
A técnica de coleta de dados será, em suma, a pesquisa bibliográfica, através da qual serão selecionadas informações sobre o tema, aglutinadas em livros e artigos jurídicos.
3. HISTÓRIA
3.1. Período Anglo-saxônico
Foi um período marcado por dominações estrangeiras, quando o direito não era muito conhecido nem comum aos povos ingleses. Acabou com a invasão normanda em 1066.
Cessado o domínio romano sobre a ilha – o qual durou quatro séculos, mas não deixou muitos vestígios –, houve a invasão dos povos bárbaros, que dividiram entre si a Inglaterra.
As leis dessa época foram feitas após a conversão ao Cristianismo, mas são poucas e muito limitadas. Sua peculiaridade é serem escritas na língua local, ao invés de usarem o latim, como de praxe.
3.2. Período da formação da Common Law (1066-1485)
Iniciou-se com a invasão normanda (em 1066) e permaneceu até a dinastia Tudor (em 1485), sendo marcado principalmente pela formação do direito unificado da Common Law.
A conquista da Inglaterra pelos normandos não modificou imediatamente a condição da ilha, pois o rei Guilherme proclamou que o direito existente até então não seria alterado.
Todavia, aqueles povos trouxeram um poder mais centralizado, tanto que o feudalismo inglês diferiu dos demais, pois, por mais que os senhores feudais fossem fortes, o rei cuidou para que nenhum deles pudesse ser uma ameaça, colocando-se como suserano único.
Enquanto os ingleses foram governados por Guilherme I, a lei era aplicada pelos senhores feudais, em assembléias chamadas County Court ou Hundred Court. O rei apenas participava da justiça em casos especiais, como quando a paz do reino estava ameaçada.
Quando Henrique II assumiu, em 1154, planejou criar um sistema jurídico que aplicasse uma lei comum para a Inglaterra toda, sem exceções. Ele sabia que não poderia mudar os costumes do local sem causar um desastre, então pensou que seria mais seguro pegar os princípios já existentes, os costumes, e fazer com que eles adquirissem novos significados.
O rei criou os Tribunais Reais (ou Tribunais de Westminster) e, para atrair os casos para eles, utilizou diferentes táticas, dependendo da matéria. Para os casos criminais, existia o conceito de “Paz do Rei”, partindo da premissa de que cada homem teria a sua paz, ocorrendo crime quando esta era violada.
O delito mais grave consistia em perturbar a paz do rei (o homem mais importante do reino). O Rei Henrique II defendia que a Paz do Rei estava em toda a Inglaterra e que todos os crimes ocorridos deveriam ser julgados pelos Tribunais Reais.
Para os casos civis, o rei estabeleceu o júri, mas apenas os seus tribunais poderiam utilizá-lo e quem não quisesse submeter-se aos julgamentos antigos (duelo ou prova – algumas impossíveis, como andar pelo fogo e não se queimar) poderia procurar o rei. Em geral, os jurados eram pessoas que conheciam o caso, mas também poderiam ser circumstantibus[1].
Com essas mudanças efetuadas pelo rei, utilizar a justiça real tornou-se popular e Henrique II teve de criar novos Tribunais Reais para absorver a demanda, dando força ao novel sistema, que passou a contar com juízes itinerantes e mais especializados.
Além disso, Henrique II criou os writs (ou mandados reais) como instrumento para que os súditos transferissem suas causas do Tribunal dos Lordes para o Real. Consistiam em fórmulas rígidas para cada tipo de causa.
Conseguia-se um writ através dos Chanceleres, oficiais da coroa que verificavam se o caso deveria ou não ir aos Tribunais. Cada mandado seguia um rito especial, que indicava como se julgaria, a sequência dos atos, as possibilidades de representação, meios de executar a decisão e até o vocabulário.
O formalismo era decisivo no resultado final do writ e, ainda hoje, tal característica é considerada relevante. Dessa conjuntura, nasceu a frase do direito inglês “Remedies precede Rights”, ou seja, o processo é mais importante que o direito.
Destarte, o rei Henrique II ficou conhecido como aquele que conseguiu unificar as leis da Inglaterra e criar o sistema da common law, deixando várias consequências importantes para a forma atual do direito inglês, como a diminuição do direito privado[2], a incompatibilidade com o direito ocidental[3] e o fortalecimento do processo[4].
3.3. Formação da Equity (1485-1832)
A common law, marcada pela rigidez formal, não permitia ao sistema a liberdade de se adaptar às necessidades sociais que surgiam com o decorrer do tempo, gerando injustiças e, inevitavelmente, envelhecendo. Nessa conjuntura, surgiu um sistema rival chamado equity.
Quando acontecia alguma injustiça durante um julgamento dos Tribunais Reais, a parte perdedora tinha a chance de apelar para o rei. Assim, o sucumbente deveria não só apelar aos Tribunais de Westminster, como também dirigir-se aos Chanceleres e pedir para levar seu caso ao monarca que, junto com o Conselho, decidia.
Ocorre que, durante a Guerra das Duas Rosas, o rei não tinha mais tempo para deliberar sobre cada lide, atribuindo essa tarefa ao Chanceler, que ganhou mais autoridade e autonomia.
Como eram, em geral, clérigos, decidiam com base na equidade, ou seja, de acordo com o que era justo, seguindo a lei moral, olhando para cada caso particularmente, inspirando-se no direito canônico.o surgindo com o passar do tempo, gerando ijustiçtando ava se o caso deveria ou nbases da common law.e dependia o resultado fi
Com o passar do tempo, a jurisdição dos Chanceleres cresceu e estes passaram a ser juristas, não mais clérigos, apesar de ainda seguirem um processo baseado nos direitos canônico e romano, aproximando suas decisões ao ideal de justiça e satisfazendo a população. A Chancelaria tinha poderes para forçar a execução de sanções ou a apresentação de provas e documentos, sendo mais eficiente.
Durante um período, parecia que a common law seria trocada pela equity, um novo sistema, apoiado pelos reis e pela população, mas isso não aconteceu, principalmente pela resistência dos juristas e do Parlamento, que apoiavam a common law contra os reis.
Após um grande conflito entre os dois tipos de tribunais, decidiu-se estabelecer um meio termo, onde os dois sistemas coexistiriam, mas não perfeitamente, pois a equity teria que se adaptar, não poderia ir contra as decisões tomadas pelos tribunais da common law, devendo obedecer à jurisprudência – equit follows the law[5].
Assim, a equity é vista hoje como algo que veio aperfeiçoar o sistema inglês e integrá-lo, não substituí-lo.
Por essa junção de sistemas, hoje se diz que o direito inglês possui uma estrutura dualista. Existiam tribunais separados, uns para aplicar a common law, outros para a equity, com regras diferentes para cada e advogados que atuavam especificamente em um ou no outro[6].
3.4. Período Moderno (1832-)
Entre 1873-1875 as organizações judiciárias mudaram em razão dos Judicature Acts, que unificaram as jurisdições inglesas, permitindo que todos os tribunais pudessem aplicar tanto as regras da common law quanto as da equity – antes, em um mesmo assunto, podia ser necessário intentar duas ações: uma no tribunal de common law e outra no Tribunal da Chancelaria.
Convencionou-se também que, em caso de conflito, seriam aplicadas as soluções da equity. Ainda assim, a estrutura dualista é forte, existindo assuntos deixados na competência dos common lawyers e outros nas dos equity lawyers, enquanto os juízes possuem competência para atuar nos dois casos.
Houve também uma ordenação maior das regras, mas não uma codificação no sentido francês, pois ainda predomina a obra dos tribunais. São apenas indicações, orientações, pois os juristas ingleses permanecem fieis ao direito tradicional, baseando-se nos law reports, que mostram a jurisprudência.
4. ESTRUTURA
4.1. Divisões do Direito
O direito de matriz romano-germânica foi dividido em dois grandes grupos, Direito Público e Privado, além de outras subdivisões, enquanto que, no direito inglês, a grande divisão existente é entre a common law e a equity.
4.2. Processo Inglês Atual
Na evolução histórica do direito inglês, o processo tomou uma posição central. O jurista inglês não precisava ser formado nas universidades, pois ele aprendia na praxis a levar o processo, sendo considerado um direito de processualistas e práticos.
Hoje em dia, o processo inglês ainda é fundamental, mas mudou bastante. Os advogados agora devem passar pela universidade e o processo tornou-se mais simples, o que não significa que empobreceu, pois enriqueceu quanto à essência e tornou-se mais rigoroso.
O que mais se modificou nos tribunais de justiça foi a presença do júri, que não é mais essencial. O processo é preparado para destacar os desacordos para que, durante a audiência pública (the day in Court) esses pontos sejam elucidados por técnicas de prova orais, como testemunhas, e a decisão deve ser imediatamente tomada.
Diz-se que os juristas ingleses não se preocupam com o resultado ou com a decisão e sim com o processo. Essa declaração não pode ser considerada completamente verdadeira, pois uma das ideias centrais é que todos devem ter um processo regular e justo, com base na lealdade dos dois lados, assim, acreditam que alcançam o resultado mais correto.
4.3. Conceitos
Enquanto no direito de tradição romana tudo foi racionalizado, dividido de acordo com temas, como direito de família, na Inglaterra o que existem são divisões históricas que vieram de casos concretos e que, muitas vezes, não podem nem ser traduzidas para outras línguas, como a noção de trust[7].
Outro exemplo da diferença entre os sistemas romano-germânico e anglo-saxônico é legal rule e regra de direito que, apenas em teoria, são correspondentes. Para o jurista que vem do primeiro sistema, a regra de direito é o principal guia, sempre geral e abstrata, dirigindo a conduta do cidadão, muitas vezes ligadas à moral e com o escopo de estabelecer a ordem social.
Já no sistema inglês, por ser essencialmente jurisprudencial, a legal rule se aplica apenas para o caso concreto com que se está lidando e para cuja resolução ela foi emitida.
5. FONTES DO DIREITO INGLÊS
A principal fonte do direito inglês é a jurisprudência, seguida da lei. Desempenhando papel secundário, estão o costume, a doutrina e a razão.
5.1. Jurisprudência
Os ingleses distinguem as jurisdições em dois tipos: a alta justiça, administrada pelos Tribunais Superiores, e a baixa justiça, administrada por uma série de jurisdições
inferiores ou por organismos “quase judiciários”.
Os Tribunais Superiores não se limitam a resolver processos: suas decisões constituem precedentes que devem ser seguidos no futuro. Originalmente, aquelas cortes existiam em quantidade significativa, mas foram suprimidas e reunidas em um novo tribunal superior único – o Supremo Tribunal de Justiça – através dos Atos de Justiça de 1873-1875.
A organização posta em funcionamento por eles foi modificada várias vezes, sendo composta atualmente por três organizações: o Alto Tribunal de Justiça, o Tribunal da Coroa e o Tribunal de Apelo.
O primeiro é formado de três seções – Banco da Rainha, Chancelaria e Família – por questão de conveniência, pois cada uma das seções é competente para estatuir sobre qualquer causa que seja da alçada do Alto Tribunal de Justiça, podendo, entretanto, existir juízes especializados em certas regras especiais de processo para o exame de diferentes tipos de assunto.
Esses magistrados são recrutados entre os advogados para os quais a elevação à dignidade de juiz de Sua Majestade constitui o coroamento do sucesso profissional e social. As questões são submetidas, em primeira instância, ao julgamento de um único árbitro, que pode ser assistido por um júri, dependendo da matéria.
Ao Tribunal da Coroa compete o julgamento da matéria criminal. A justiça poder ser aí feita segundo a natureza da infração, tanto por um juiz do Alto Tribunal de Justiça, quanto por um juiz de circuito (magistrado profissional, que exerce sua atividade em tempo integral), como também por um advogado investido temporariamente das funções de árbitro. Ao lado deste, encontra-se o júri, caso o acusado se declare inocente.
O Tribunal de Apelo constitui um segundo grau de jurisdição. As questões são submetidas lá, em princípio, a um colégio de três juízes: o recurso é rejeitado caso não se estabeleça uma maioria para modificar a decisão contra a qual foi formado.
As decisões tomadas pelo Tribunal de Apelo podem ser revisadas mediante recurso para o Comitê de Apelo da Câmara dos Lordes, a qual não profere mais de trinta a quarenta decisões por ano, possuindo caráter excepcional.
A pendência é normalmente examinada por no máximo cinco e no mínimo três Lordes. Cada um destes exprime separadamente sua opinião, chamada speech (discurso, fala), e o recurso é rejeitado se não se formar uma maioria para admiti-lo.
A Câmara dos Lordes consiste na jurisdição suprema para todo o Reino Unido e seus juízes têm de aplicar frequentemente outros direitos, distintos do inglês.
Há ainda a Comissão Judiciária do Conselho Privado, a qual, teoricamente, dá simples pareceres à Coroa para guiar o exercício de sua prerrogativa e cujas decisões têm, quando se referem a questões de common law, uma autoridade praticamente idêntica aos acórdãos da Câmara dos Lordes.
A maior parte dos assuntos é resolvida, no entanto, fora da alçada daqueles tribunais, por jurisdições inferiores ou organismos quase judiciários. Estes não participam do Poder Judiciário e as sentenças que proferem têm seu interesse limitado à espécie por eles julgada.
As jurisdições inferiores são formadas pelos tribunais de condado, cujos juízes, designados juízes de circuito, desempenham um papel essencial na administração da justiça civil inglesa, exercendo uma competência que lhes foi atribuída por lei.
O Alto Tribunal de Justiça, embora tenha competência ilimitada, recusa-se, em princípio, a apreciar questões nas quais o interesse em jogo seja inferior a duas mil libras esterlinas, e estas pendências são habitualmente julgadas pelos tribunais de condado, assim como as referentes ao divórcio.
Os assuntos de menor importância, menos de 200 libras, podem ser julgados por um auxiliar do juiz ou podem ser remetidas a árbitros que proferirão a decisão. O envio à arbitragem também pode ser feito se as partes assim decidirem.
Em matéria criminal, as infrações menores são julgadas por magistrados, simples cidadãos aos quais foi conferido o título de juiz da paz. Eles não são juristas: exercem suas funções com a assistência de um secretário, sem qualquer retribuição.
Os magistrados têm certa competência em matéria civil no domínio do direito da família e no caso de créditos de natureza previstos pela lei (taxas e rendas a coletividades públicas ou empresas de utilidade pública).
Em numerosos casos, os acusados têm a possibilidade de solicitar o seu julgamento pelos magistrados, encontrando aí a vantagem de não poderem ser condenados a uma prisão superior a seis meses, porque os poderes dos magistrados são limitados, porém, nessa hipótese, também não se beneficiarão da presença de um júri.
O recurso contra as decisões dos tribunais dos magistrados, quando autorizado, vai ou para o Tribunal da Coroa ou para a seção do Banco da Rainha.
Já em matéria administrativa e para as dificuldades surgidas na esfera de certas leis, há diversos organismos, muito variados na sua composição, bem como nas suas atribuições e nos seus poderes, denominados Bancadas, Comissões ou Tribunais.
Assim, uma competência quase judiciária é reconhecida, devendo os litígios ser apreciados por eles antes de poderem ser submetidos ao Supremo Tribunal de Justiça. São chamados a atuar apenas como tribunais inferiores, compostos, regra geral, por não juristas. Existem em matéria econômica, fiscal, de propriedade imobiliária, social, de inquilinato e militar, com o fito de descongestionar os verdadeiros tribunais de justiça.
Todos os organismos em questão funcionam sob o controle do Alto Tribunal de Justiça. Não existe, na Inglaterra, uma hierarquia das jurisdições ordinárias e nem qualquer tribunal superior especializado em litígios nas quais uma das partes é a administração.
Pode-se considerar como uma norma constitucional costumeira o princípio de que nenhuma decisão contenciosa possui condições de ser tomada sem que se submeta ao controle dos tribunais superiores de justiça, tendo o Poder Judiciário, de certa forma, o direito nato de controlar esse tipo de questão.
Todos os contenciosos são decididos, na Inglaterra, pelo Supremo Tribunal de Justiça, ou pelo menos sob seu controle. As partes podem se dirigir diretamente ao Alto Tribunal de Justiça ou ao Tribunal da Coroa, em todos os casos. Esses tribunais normalmente encaminharão o processo a uma jurisdição inferior, mas cabe-lhes se pronunciar sobre este ponto.
Quanto ao Poder Executivo, a presença de um agente que o represente aparenta ser incompatível, para os ingleses, com a autonomia e com a dignidade do Poder Judiciário. O estatuto reconhecido ao Ministério Púbico parece-lhes, por outro lado, que destrói a igualdade tão necessária em matéria penal, entre a acusação e o acusado. Por isso, não há, na Inglaterra, o Ministério Público, tampouco o Ministério da Justiça.
Nada obstante, as regras que as decisões judiciárias estabeleceram devem ser seguidas, sob pena de destruírem toda a certeza e comprometerem a própria existência da common law.
Contudo, a necessidade de certeza e de segurança só foi realmente sentida após a primeira metade do século XIX, quando a regra do precedente foi estabelecida, impondo aos juízes ingleses o recurso às regras criadas pelos seus predecessores.
Anteriormente a esta época, houve a preocupação de assegurar a coesão da jurisprudência e considerou-se o que tinha sido julgado para encontrar a solução que comportava um litígio, mas nunca se tinha adotado o princípio de que fosse rigorosamente obrigatório seguir os precedentes.
A tendência legalista do século XIX conduziu, na Inglaterra, à submissão a uma regra mais estrita do precedente. Este só é obrigatório quando constituído pelas decisões emanadas dos tribunais superiores – do Supremo Tribunal de Justiça e da Câmara dos Lordes. As demais deliberações (emanadas de outros tribunais ou organismos quase judiciários) têm valor meramente de persuasivo.
A decisão inglesa está reduzida a um simples dispositivo que dá a conhecer a solução dada pelo juiz ao litígio, uma vez que os magistrados ingleses não têm de motivar as suas decisões.
Entretanto, ao menos nos tribunais superiores, o juiz, em um comentário, expõe, de forma dedutiva, as regras e os princípios do direito inglês, a propósito da decisão tomada. Nessa exposição, frequentemente, emprega fórmulas e anuncia regras que, por sua generalidade, ultrapassam o âmbito do processo.
Hodiernamente, a evolução da sociedade parece exigir mais flexibilidade, em razão do ritmo acelerado de transformação a que está submetida. Na Inglaterra, conservou-se a regra do precedente, mas fez-se a adaptação às necessidades da época atual, elaborando novas doutrinas e utilizando, sobretudo, a técnica das distinções.
Nas razões dadas pelos juízes em apoio das suas decisões, o jurista inglês deve distinguir aquilo que constitui o suporte necessário da decisão do que foi declarado sem absoluta necessidade. Só a primeira parte constitui uma regra jurisprudencial que se incorpora no direito inglês, devendo ser seguida no futuro.
A regra do precedente não pôde ser admitida rigorosamente na equity, senão quando esta perdeu a sua característica originária, deixando de ser equidade propriamente dita, para se tornar um agrupamento de regras de direito complementares ou retificadoras do sistema de common law.
Existem poucas diferenças entre o modo como funciona a norma supracitada, tanto na common law stricto sensu, como no da equity. A regra reveste o mesmo rigor em ambos os casos.
A aplicação do regulamento do precedente na interpretação das leis acaba sobrecarregando a estas com uma massa de decisões jurisprudenciais, cuja autoridade se substituiu à dos textos legais.
O espírito geral da disposição legal arrisca-se a ser esquecido e a finalidade que ela procurava atingir perde-se de vista, no emaranhado das decisões que se destinaram a resolver, cada uma delas, um ponto de pormenor particular. A exclusão do controle dos tribunais é, então, determinada pelo Parlamento, no exercício do seu poder soberano de legislar.
Estatisticamente falando, 75% dos acórdãos da Câmara dos Lordes, 25% dos acórdãos do Tribunal de Apelo e 10% das decisões do Alto Tribunal de Justiça são publicados, eliminando-se, assim, um grande número de decisões que não são dignas de se considerarem como precedentes, evitando-se que os juristas ingleses sejam submersos pela avalanche de precedentes.
5.2. Legislação
Uma segunda fonte do direito inglês é a lei, que pode ser dividida em lei propriamente dita e disposições regulamentares variadas tomadas para a execução da lei, pelas autoridades, e que os autores ingleses agrupam sob o nome genérico de legislação delegada ou de legislação subsidiárias.
A Constituição, na Inglaterra, é um conjunto de regras de origem legislativa ou, na maioria das vezes, jurisprudencial, que garantem as liberdades fundamentais e que concorrem para limitar o arbítrio das autoridades. Para o Parlamento, o único limite a sua onipotência é o controle exercido pela opinião pública.
Segundo a teoria clássica, a lei seria uma fonte secundária do direito, trazendo apenas corretivos e adjunções aos princípios, devendo ser interpretadas restritivamente.
Apesar de hoje sua função ser igual àquela desempenhada no continente europeu, a regra que contém a lei só será definitivamente admitida e plenamente incorporada no direito inglês na forma e na medida em que forem aplicadas e interpretadas pelos tribunais.
Especialmente após a guerra de 1939, multiplicaram-se as leis de inspiração dirigista (que se opõe ao liberalismo), visando à construção de uma nova sociedade. Elas constituem regras tão estranhas ao sistema tradicional, que é impossível manter, no que lhes diz respeito, os princípios de interpretação tradicionais na Inglaterra.
Não existe, na Inglaterra, uma hierarquia de jurisdições administrativas opostas às jurisdições de ordem judiciária. O Poder Judiciário controla soberanamente a aplicação das novas leis.
Contudo, gerido por comissões administrativas de títulos diversos, o novo ordenamento jurídico pode constituir um direito de administração por oposição ao direito dos juristas, interessando mais diretamente aos particulares e à economia inglesa que o direito cuja aplicação continua inteiramente nas mãos dos juristas e das jurisdições tradicionais.
A lei desempenha, na Inglaterra de hoje, uma função que não é inferior à da jurisprudência. Contudo, o direito inglês continua a ser essencialmente jurisprudencial devido à tradição e ao fato de a jurisprudência orientar o seu desenvolvimento em certos setores que se mantêm muito importantes.
5.3. Costume
O direito inglês não é consuetudinário. Sempre foi uma ficção o costume geral imemorial do reino, sobre o qual teoricamente está fundada a common law. Esta pôde retirar algumas das suas regras dos vários costumes locais outrora em vigor, porém o seu processo de constituição baseou-se na elaboração de um direito jurisprudencial, fundado sobre a razão, que substituísse o direito da época anglo-saxônica, alicerçado no costume.
A common law teve por efeito fazer desaparecer o direito consuetudinário da Inglaterra, existente nos costumes locais. Toda importância destes lhes é retirada por uma regra que exige que sua existência seja anterior a1189, para ser obrigatório. Esse requerimento de antiguidade não se aplica ao âmbito comercial.
Quando um costume é consagrado pela lei ou pela jurisprudência, ele perde seu caráter consuetudinário, juntamente com a flexibilidade e as possibilidades de evolução, características que antes lhe eram conferidas, para se tornar uma norma jurisprudencial submetida à regra do precedente.
Em matéria constitucional, há as convenções da Constituição, um costume ao qual a teoria não reconhece caráter jurídico, mas que domina a vida política inglesa, sucedendo o mesmo no âmbito penal – o júri é apenas uma instituição para a qual o juiz tem livre liberdade de recorrer ou não para formar o seu juízo (o costume impõe, em diferentes casos, que se recorra a ele).
5.4. Doutrina e razão
Na Inglaterra, certas obras doutrinárias, escritas por juízes, receberam a qualificação de livros de autoridade, alcançando tal prestígio que, nos tribunais, se consideraram repositórios autorizados do direito da sua época, dotados de uma autoridade comparável à que a lei tem nos países de tradição romano-germânica. Depois da supressão do formalismo, no século XIX, a função da doutrina se ampliou.
Quanto à razão, esta serviu de base para a elaboração da common law. Enquanto regras mais acuradas não forem estabelecidas, a razão continua a ser a fonte inesgotável, a qual os tribunais recorrerão, tanto para preencher as lacunas do sistema de direito inglês como para guiar a evolução deste sistema.
Nos países em que o direito escrito se apresenta principalmente sob a forma de um direito legislativo, a razão, mais que completar uma ordem jurídica, desempenha uma função na interpretação da lei. Esta, no direito inglês, foi substituída pela técnica de distinções, a qual visa estabelecer novas regras, cada vez mais precisas, ao invés de aplicar uma regra preexistente.
Os sistemas de direito da família romano-germânica são fechados, ao passo que a common law é um sistema aberto, onde outras normas, baseadas na razão, são continuamente elaboradas. Porém, há uma tendência para colocar em primeiro plano, mais que a intervenção da razão, os princípios jurídicos que resultam do conjunto das decisões judiciárias.
Procurar uma solução razoável que comporta um litígio, quando na matéria não existe qualquer precedente, nem qualquer regra legislativa, nem qualquer costume obrigatório, é procurar a solução que está mais em harmonia com os dispositivos jurídicos existentes e que parece a mais satisfatória, em atenção à preocupação primária de segurança, temperada pela justiça, que é a base do direito.
O trabalho implica que se procurem, para fazer aplicação deles, os princípios gerais que se destacam das regras existentes. Prestar-se-á atenção também à doutrina e às decisões judiciárias que não têm o caráter estrito de precedentes obrigatórios. O desejo de assegurar a coesão das decisões de justiça supõe, então, um recurso à lógica.
6. CONCLUSÃO
No período anglo-saxônico, a Inglaterra foi invadida por diversos povos e as poucas leis criadas nessa época não eram conhecidas nem comuns aos ingleses. Em seguida, houve a formação da common law, entre 1066 a 1485, marcada pela unificação do direito e pela transição de seus aplicadores – uma vez que os senhores feudais perderam espaço para os Tribunais Reais.
O excesso de formalismo da common law fez surgir um sistema rival chamado equity, baseado na lei moral e no direito canônico. Após certo conflito, estabeleceu-se a coexistência entre ambos e, atualmente, prevalece a unidade da jurisdição.
Quanto à estrutura, o direito inglês é centrado no processo, especialmente na regra do devido processo legal, ao passo que, em relação às fontes, a jurisprudência se destaca como personagem central, seguida da lei. Desempenhando papel secundário, estão o costume, a doutrina e a razão.
Destarte, procurou-se expor de forma detalhada e fundamentada, através desta pesquisa, a relevância do direito aplicado na Inglaterra para o mundo atual, especialmente pelo destaque assumido por esse país na História.
Nesse sentido, a common law influenciou o direito de diversos Estados, quer ex-colônias ou membros da Commonwealth[8], a exemplo dos Estados Unidos, Nova Zelândia, África, do Sul, País de Gales, Irlanda, Irlanda do Norte, etc.
7. REFERÊNCIAS
CHURCHILL, Winston. A History of The English-speaking Peoples. Vol. único. Henry Steele Commager, 1994.
DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Martis Fones, 1998.
Trusts (Administração de terceiros) em países estrangeiros. 18 de julho de 2006. Disponível em: <http://lexuniversal.com/pt/articles/1 248>. Acesso em: 24 de julho de 2014.
[1] Ver o caso através das evidências.
[2] O sistema formado pelas jurisdições reais extinguiu as jurisdições feudais/individuais que tratavam de litígios privados. Assim, toda a ação era, em certa medida, questão de direito público.
[3] O sistema inglês extraiu seus principais elementos da própria história e de suas tradições, não incorporando o direito romano nem o canônico, como os outros países fizeram.
[4] Considerando que a forma do writ, e não, o que era justo, determinava o andamento do processo, os juristas neste se concentraram, algo que é seguido até os dias atuais
[5] A equidade segue a lei (tradução livre).
[6] Os registros deixados pelos juristas dessa época encontram-se em peças como os English Reports – compilações judiciárias usadas para ver a jurisprudência.
[7] A palavra trust (fideicomisso) significa a custódia e administração de bens, interesses ou valores de terceiros. Trata-se de qualquer tipo de negócio jurídico que consista na entrega de um bem ou um valor a uma pessoa (fiduciário) para que seja administrado em favor do depositante ou de outra pessoa por ele indicada (beneficiário).
O trust tem sua origem no direito comum da Inglaterra, que permitia ao instituidor de um fundo ou benefício transferir bens para outra pessoa (fiduciário) a fim de ser administrado para o benefício de terceiros (beneficiários). Apesar de o fiduciário possuir o título da propriedade, ele é obrigado legalmente a administrar a propriedade em benefício de terceiros e não, próprio.
[8]A Commonwealth é uma organização intergovernamental composta por 53 países membros, todos independentes. À exceção de Moçambique e Ruanda, as demais nações que integram essa organização, faziam parte do Império Britânico, do qual se desenvolveram.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: QUEIROGA, Ana Beatriz Ximenes de. A união homoafetiva: novo paradigma do matrimônio brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 ago 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/40518/a-uniao-homoafetiva-novo-paradigma-do-matrimonio-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: isabella maria rabelo gontijo
Por: Sandra Karla Silva de Castro
Por: MARIA CLARA MADUREIRO QUEIROZ NETO
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