RESUMO: Diante das teorias que questionam a legitimidade democrática do controle judicial de constitucionalidade das leis e a necessidade de se concretizar o anseio do Poder Constituinte, qual o papel do Supremo Tribunal Federal na análise das omissões inconstitucionais, especialmente no que diz respeito aos limites deste ativismo judicial? Em que pese a existência de críticas acerca da atuação do Poder Judiciário no controle da atuação legislativa e administrativa, especialmente sob o prisma da omissão (inércia), é forçoso reconhecer que a jurisdição constitucional, sob os mais variados matizes de atuação nas diversas democracias constitucionais, tem avançado no sentido de se imprimir comportamento incisivo no controle da atuação dos Poderes Executivo e Legislativo.
Palavras-chaves: supremo tribunal federal, jurisdição constitucional, ativismo judicial.
ABSTRACT: Given the theories that question the democratic legitimacy of judicial review of constitutionality of laws and the need to fulfill the desire of the constituent, what is the role of the Supreme Court in analyzing the unconstitutional omissions, especially with regard to the limits of judicial activism? Despite the existence of criticism about the judiciary in controlling the legislative and administrative action, especially from the perspective of default (inertia), it is clear that the constitutional jurisdiction, under the most varied hues of activity in the various constitutional democracies has advanced in the direction of printing behavior incisive control the performance of the executive and legislative branches.
Key words: supreme federal court, constitutional court, judicial activism.
No Brasil, a atuação da Corte Constitucional, principalmente nos últimos anos, pelos mais diversificados motivos (necessidade de implementação de políticas públicas, verificação de injustificável mora do legislador infraconstitucional, etc.), tomou contornos nunca verificados anteriormente, a implicar em nítida tensão institucional. Cada vez mais, o Supremo Tribunal Federal brasileiro passa a atuar em espaço classicamente reconhecido como monopólio do Executivo e, especialmente, do Parlamento, responsabilizando-se pela resolução de questões controvertidas com decisiva influência no destino de toda a sociedade brasileira.
O presente estudo justifica-se pela importância da atuação do Supremo Tribunal Federal nas mais variadas situações em que a omissão inconstitucional é capaz de trazer sérios prejuízos de ordem política, econômica e social a toda a comunidade nacional, notadamente naquilo em que o Poder Constituinte elegeu como pilar da sociedade brasileira: a efetivação dos direitos e garantias fundamentais.
Trata-se de tema ainda atual, a despeito da repercussão que já ostenta na área jurídica e social. Os debates científicos, na maior parte das vezes acalorados, não conseguiram convergir sobre as balizas e tolerabilidade do ativismo. Basta atentar para o fato de ser possível identificar, sem muito esforço, a existência de teorias que infirmam a legitimidade democrática desta espécie de controle judicial.
O movimento histórico de transvaloração (importando-se, aqui, terminologia nietzschiana[1]) da jurisdição constitucional foi estabelecido no Pós – II Guerra, período em que se vivenciou a ascensão das constituições democráticas nos ordenamentos jurídicos modernos e uma verdadeira transição entre o que se tinha como Estado de Direito para o Estado Constitucional Democrático de Direito[2] (ruptura dos sistemas totalitários).
A nova configuração constitucional, que demarcou novos projetos políticos, sociais e econômicos, a orientar programas de flagrante conteúdo ético, também precisou ser remodelada para fazer frente as aspirações e promessas da sociedade da época. Disto, desaguou verdadeira revolução do que se concebia como jurisdição constitucional, delineada para superar a difícil missão de resguardar a normatividade superior da lei fundamental.
Esse novo modelo de Constituição reclama imperatividade e observância de todo o ordenamento jurídico, vinculando e limitando todos os Poderes do Estado. Agiganta-se o papel das cortes constitucionais, na exata medida em que, como guardiães da (última) interpretação constitucional, lhes cabe a análise e controle de todo e qualquer ato estatal que atente contra o conteúdo formal e substancial da norma máxima, seja pela via da ação ou omissão.
Retirar ou fragilizar a concepção instrumental da jurisdição constitucional redundará em inevitável e nítido retrocesso pela subversão de valores (a norma constitucional estaria submetida a uma estranha força normativa infraconstitucional), na submissão dos direitos e garantias fundamentais a interesses menos nobres e, finalmente, no esvaziamento da própria vontade do detentor do poder estatal: o povo.
A amplificação da jurisdição constitucional deu-se especialmente pelo incremento de densidade dos direitos fundamentais, em movimento que se irradia de forma global, conforme bem explicita Walber de Moura Agra (2005, p.95):
O fator que mais força exerce para o alargamento da atuação da jurisdição constitucional é o fortalecimento dos direitos fundamentais, que ocorre de forma global, principalmente nas democracias ocidentais. Quanto maior for o recrudescimento dos direitos fundamentais, maior deverá ser a atuação da tutela da Carta Magna para garantir sua concretização. Ao mesmo tempo em que essa é uma de suas funções, é uma forma de legitimar a expansão de sua atuação, além de garantir um direcionamento para as decisões proferidas.
Nesse novo paradigma, vislumbra-se o desenvolvimento da missão da jurisdição constitucional para além da sua função apenas defensiva do ordenamento jurídico (eliminação das leis inconstitucionais). O papel a ser desempenhado torna-se muito mais árduo, penoso e profundo, haja vista a necessidade de se atuar de forma ativa e criativa, interpretando, conformando e suprindo (interpretação construtiva) as lacunas deixadas pelo gestor e legislador inertes, sobretudo nas ocasiões em que o constituinte clama por um facere (atuar legislativo ou administrativo).
Essa nova estatura conferida às cortes constitucionais busca desencadear incessante debate acerca dos valores que a Constituição protege e a forma mais adequada de resguardá-los. Somente assim se afigura possível realizar verdadeira concretização do comando constitucional, mediante diálogo permanente entre o positivado e os reclamos da realidade social, política e econômica da comunidade.
É justamente a interação entre Constituição e realidade, promovida pela jurisdição constitucional, que permitirá o alcance da desejada eficácia da norma fundamental e, em especial, a cristalização de sua força normativa, nos moldes proclamados por Hesse (1991, p.14-23):
A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade” (pretensão de eficácia). (p.14) [...] “A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. (p.15) [...] A Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia. (p.16) [...] A dinâmica existente na interpretação construtiva constitui condição fundamental da força normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua estabilidade. Caso ela venha a faltar, tornar-se-á inevitável, cedo ou tarde, a ruptura da situação jurídica vigente. (p.23)
Sendo assim, percebe-se a clara e ímpar importância do papel desempenhado pelas cortes constitucionais, na condição de intérpretes da norma constitucional, qual seja a autorização jurídica que possuem para estampar a vontade última do constituinte, seja eliminando dispositivos que afrontem o comando máximo, seja atuando diante do vazio deixado pela inércia dos demais poderes constituídos.
Seguindo esta nova concepção de jurisdição constitucional, inaugurada, no Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal tem experimentado inegável expansão de seu papel no fenômeno que, segundo Luís Roberto Barroso (2007, p.35), vincula-se ao evento da judicialização da vida (judicialização das questões políticas e sociais).
O ativismo, sem qualquer dúvida, guarda íntima relação com os reclamos da Constituição Dirigente, que impôs o deslocamento provisório do centro de decisão dos órgãos de direção política (Legislativo e Executivo) para o Judiciário, a fim de que este Poder possa suprir, como legislador positivo, inclusive, a indigna inércia dos outros poderes constituídos.
Isto porque, conforme sintetiza Dirley da Cunha (2008, p.655):
A Constituição Dirigente se volta à garantia do existente aliada à instituição de um programa ou linha de direção para o futuro, sendo estas, portanto, as suas duas funções. [...]. Ela deve ser considerada, portanto, como uma ordem fundamental material, que pressupõe uma dimensão constitucional-constituinte, mista de ordem e programa de ação. É a função programática da Constituição Dirigente.
O enfraquecimento dos Poderes Legislativo e Executivo abre espaço para uma maior atuação do órgão jurisdicional. Exemplo recente desta constatação ocorreu no Brasil: a mora do Poder Legislativo, no aprofundamento da discussão acerca do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, permitiu que se levasse tal questão para o Altíssimo Pretório.
Apesar do judicial activism não ser bem aceito por parcela considerável da comunidade política e acadêmica (BICKEL, 1968; ELY, 1980, dentre outros), sendo muitos os que acusam o Supremo Tribunal Federal de excesso em sua atuação, uma conclusão é inegável: se a intenção é conferir real densidade normativa aos preceitos constitucionais (mesmo os programáticos), somente uma postura corajosa do Poder Judiciário pode evitar que o mandamento nuclear torne-se, no dizer do Ministro Celso de Mello, uma promessa constitucional inconseqüente[3].
Verificar o efetivo respeito à Constituição reclama cautela redobrada, pois a omissão inconstitucional revela maior dificuldade de ser observada e enfrentada. Não é toda e qualquer omissão do poder público que conduz à inconstitucionalidade. Omissão inconstitucional é somente aquela que consiste em uma abstenção indevida, ou seja, em não fazer aquilo que se estava constitucionalmente obrigado a fazer, por imposição de dispositivo constitucional certo e determinado, como bem destaca o Professor Dirley da Cunha (2008, p.123).
Insere-se, aqui, um dos limites para a atuação do Poder Judiciário, pinçado pela political question doctrine, ou seja, inviabiliza-se a sindicabilidade judicial nas questões políticas. Todavia, pode-se verificar que as hipóteses que permitem definir uma questão como política são alargadas ou restringidas, conforme o momento histórico-político vivido pela Suprema Corte. Quando o Judiciário adota uma postura de autocontenção, as hipóteses de questões políticas são alargadas; quando adota uma postura de ativismo judicial, diminuem os casos em que o pronunciamento judicial é negado, em respeito à competência privativa dos demais poderes (JORGE NETO, 2008, p.90-91).
O manancial de instrumentos colocados à disposição dos legitimados para o controle da omissão inconstitucional centraliza-se, basicamente, na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, no mandado de injunção e na argüição de descumprimento de preceito fundamental.
Assumindo-se, aqui, posição dogmática mais vanguardista, segundo a qual deve e pode o Judiciário emprestar ao direito fundamental, inclusive os sociais, desfrute imediato (afastamento da tese da reserva do possível), o Supremo Tribunal Federal tem avançado da mera ciência ao ente omisso, acerca da mora em adotar providência legislativa ou administrativa, para a implementação do direito reclamado no caso concreto[4]. Esta mudança de postura, todavia, tem reacendido os debates acerca da legitimidade deste tipo de atuação, além de provocar uma revisão acerca da teoria da separação dos poderes.
Os direitos fundamentais sociais (prestacionais), via de regra, exigem a implementação de políticas públicas. Estas, por sua vez, cabem prioritariamente aos Poderes Legislativo e Executivo (o primeiro decidirá acerca da destinação e aplicação dos recursos orçamentários, ao passo em que ao segundo incumbirá a tarefa de executar os projetos sociais necessários à sociedade).
Vê-se, pois, que a concretização das políticas públicas significa, em análise derradeira, na tomada de opções políticas, cuja legitimidade cabe precipuamente ao Executivo/Legislativo em virtude da legitimação democrática que os parlamentares e gestores públicos detêm através do voto popular.
Todavia, tal legitimidade democrática precípua, que cabe aos representantes máximos dos Poderes Executivo e Legislativo, não afasta a possibilidade de atuação do Poder Judiciário, especialmente nos casos em que se pretende salvaguardar os direitos sociais básicos (garantia do mínimo existencial e estrita observância ao encarecido princípio da dignidade da pessoa humana).
Cláudio Pereira de Souza Neto (2003, p.45) realiza interessante análise acerca do tema:
[...] se o Poder Judiciário tem legitimidade para invalidar normas produzidas pelo Poder Legislativo, mais facilmente pode se afirmar que é igualmente legítimo para agir diante da inércia dos demais poderes, quando essa inércia implicar um óbice ao funcionamento regular da vida democrática. Vale dizer: a concretização judicial de direitos sociais fundamentais, independentemente de mediação legislativa, é um minus em relação ao controle de constitucionalidade.
Portanto, nos casos de omissão inconstitucional estatal, com o escopo de se garantir o mínimo necessário à existência digna (realização dos direitos sociais fundamentais), cabe ao Poder Judiciário – excepcionalmente – intervir no sentido de garantir a aplicabilidade do direito demandado, ainda que tal intromissão implique em interferência no processo de implementação de políticas públicas (exemplo: internações em hospitais particulares nas situações emergenciais, nos casos em que inexistir vaga em nosocômio público; o fornecimento de medicamentos de comprovada eficácia que não sejam disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde; etc.).
No julgamento da ADPF nº 45[5], o Ministro Celso de Mello realçou a possibilidade de o Poder Judiciário se imiscuir na juridicidade de questões que envolvam políticas públicas, a fim de assegurar o mínimo existencial humano:
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.
É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.
Sob este prisma (garantia de direitos sociais fundamentais), verifica-se que o ativismo judicial pode ser a última trincheira de socorro do cidadão. Tal situação faz aumentar exponencialmente a responsabilidade do magistrado perante a sociedade. A parcimônia e o necessário equilíbrio do sistema de freios e contrapesos devem ser observados com extrema cautela.
Conforme visto acima, há autores que criticam acidamente a atividade jurisdicional criativa desempenhada pelo Poder Judiciário, notadamente pela Corte Constitucional, sob o argumento principal de que tal órgão carece de legitimidade democrática (os juízes não representam o povo) para preencher os espaços normativos deixados pela inércia do Poder Legislativo, ou, ainda, pela inação do Poder Executivo nas questões materiais e administrativas.
Os críticos do ativismo entendem, portanto, que a irradiação do Poder Judiciário em atuação que não lhe cabe precipuamente, sobretudo nas famigeradas discussões interna corporis, acabaria por criar uma ditadura de juízes (paternalismo judicial)[6].
A delicadeza do tema já foi enfrentada pela Corte Especial do STJ, no julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Liminar número 1427 (estado do Ceará), quando se procurou fincar os contornos da atuação do Poder Judiciário nas demandas em que se discute a ingerência judicial na atividade administrativa do Poder Público (puro mérito administrativo):
Ementa: PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. INTERFERÊNCIA DO JUDICIÁRIO NA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA. FLAGRANTE ILEGITIMIDADE E LESÃO À ORDEM PÚBLICA. Ao Judiciário cabe o controle da legalidade dos atos da Administração. O ativismo judicial pode legitimar-se para integrar a legislação onde não exista norma escrita, recorrendo-se, então, à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito (CPC, art. 126). Mas a atividade administrativa, propriamente tal, não pode ser pautada pelo Judiciário. [...].
(AgRg na SLS 1427 / CE. AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. 2011/0185577-1 Relator(a) Ministro ARI PARGENDLER (1104) Órgão Julgador CE - CORTE ESPECIAL Data do Julgamento 05/12/2011 Data da Publicação/Fonte DJe 29/02/2012. RSTJ vol. 226 p.36).
Em sentido contrário, existe a corrente doutrinária que reverencia a amplificação do ativismo judicial, a depender do momento histórico vivenciado, a exemplo dos momentos em que a sociedade perpassa por verdadeira crise de representatividade parlamentar ou, ainda, quando se observa a anêmica atuação dos Poderes Legislativo e Executivo.
Este último entendimento busca inspiração nas lições do jurista alemão Peter Häberle. Segundo este constitucionalista, o círculo dos intérpretes deve ser alargado para abranger além das autoridades públicas e as partes formais do controle de constitucionalidade, os cidadãos e grupos sociais que, de um modo ou de outro vivenciam a realidade constitucional. Logo, para o jurista alemão (1997, p.13), não pode existir um numerus clausulus de intérpretes da Constituição.
Assim, a interpretação constitucional deverá estar voltada para a dinâmica da vida social, passando a Constituição por um contínuo e perene processo de interpretação, que deve ser realizada por todos aqueles que vivenciam a realidade da Lei Maior. A concretização do mandamento constitucional, seguindo este raciocínio, pode ser realizada pelo Poder Judiciário, ainda que, para atingir tal desiderato, deva-se suprir a omissão de outro Poder constituído.
Vê-se, pois, que a alegada tensão institucional deve ser resolvida com a busca do necessário equilíbrio entre os Poderes constituídos, já que o Princípio da Separação dos Poderes não pode ser visualizado de forma estática. Todavia, acaso haja o descumprimento do texto maior (especialmente nas situações de inércia governamental), a busca pela vontade de se concretizar substancialmente o mandado constitucional autoriza (e obriga!) uma atuação ativa e criativa da Corte Constitucional (guardiã última da Carta Magna), incorporando realmente o sistema do checks and balances.
Este parecer ser o posicionamento do Ministro Celso de Mello[7]:
[...] Práticas de ativismo judicial, Senhor Presidente, embora moderadamente desempenhadas por esta corte em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não se pode reduzir a uma posição de pura passividade.
A lição ofertada pelo Ministro traduz a umbilical relação que se deve fincar entre o Princípio da Separação dos Poderes e o sistema de freios e contrapesos. A dimensão de análise do intérprete não pode descurar de nenhum dos dois elementos.
Como se vê, trata-se de temática que atrai grandes controvérsias no seio doutrinário e jurisprudencial. Não há, contudo, qualquer surpresa nisto, uma vez que, em última senda, encontra-se em jogo o sistema de equilíbrio entre os poderes constituídos, em que não se permite a intromissão indevida, tampouco a sujeição de uma esfera pela outra.
Em busca da supremacia e efetividade do texto constitucional, devem-se deixar de lado questões político-partidárias. A perniciosa omissão dos órgãos estatais (omissão inconstitucional) reclama jurisdição constitucional ativa, pois, somente assim, evitar-se-á o processo de esvaziamento material das normas constitucionais, especialmente as que destacam os direitos e garantias fundamentais.
Por outro lado, não se pode aceitar que, em nome de uma maioria parlamentar ou incorreta interpretação sobre o princípio da separação dos poderes, os direitos fundamentais sejam suprimidos, maculando a norma que mais se deve buscar reverência dentro do Estado Democrático e Constitucional de Direito: a Carta da República.
Deve, sim, o juiz constitucional fazer valer os direitos fundamentais existentes na constituição (cláusulas petrificadas), a partir da legítima provocação (princípio da inércia), por intermédio dos instrumentos jurídicos pertinentes (mandado de injunção, ação popular, ação civil pública, ações diretas, etc.), realizada pelos legitimados para tanto (em um espectro mais amplo possível, a fim de dar concretude ao que Häberle denominou de sociedade aberta dos intérpretes da Constituição).
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[1] A expressão cunhada pelo “filósofo dinamite” (Umwertung aller Werte), em tradução para a língua portuguesa, tem o significado aproximado de “transmutação ou transvaloração de todos os valores”. Portanto, há a “renovação” das “valorações dominantes e vigentes”.
[2] A expressão, utilizada pelo Professor Dirley da Cunha (2011, p. 267), bem explicita a reverência que o ordenamento jurídico deve manter diante da Carta Magna.
[3] RE 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9-2000, Segunda Turma, DJ de 24-11-2000.
[4] Foi o que ocorreu, por exemplo, nos julgamentos dos Mandados de Injunção 670/ES, 708/DF e 712/PA, nos quais se reconheceu o exercício do direito de greve aos agentes públicos, aplicando-se, no que couber, a Lei 7.783/1989. Já nas demandas relativas à contagem diferenciada do tempo de serviço, em decorrência de atividade em trabalho insalubre prevista no § 4º do art. 40 da CF, adotando como parâmetro o sistema do regime geral de previdência social (Lei 8.213/1991, art. 57), que dispõe sobre a aposentadoria especial na iniciativa privada, o Altíssimo Pretório, ante a prolongada mora legislativa, viabilizou a fruição desse direito, conforme se depreende dos seguintes julgados: MI 721/DF, MI 758/DF, MI 788/DF, MI 795/DF, MI 796/DF, MI 797/DF, MI 808/DF, MI 809/DF, MI 815/DF, MI 825/DF, MI 828/DF, MI 841/DF, MI 850/DF, MI 857/DF, MI 879/DF, MI 905/DF, MI 927/DF, MI 938/DF, MI 962/DF, MI 998/DF, MI 835/DF, MI 885/DF, MI 923/DF, MI 957/DF, MI 975/DF, MI 991/DF, MI 1.083/DF, MI 1.128/DF, MI 1.152/DF; MI 1.182/DF; MI 1.270/DF; MI 1.440/DF; MI 1.660/DF; MI 1.681/DF; MI 1.682/DF; MI 1.700/DF; MI 1.747/DF; MI 1.797/DF; MI 1.800/DF; MI 1.835/DF.
[5] STF – ADPF nº 45 MC/DF, Relator: Ministro Celso de Mello, Diário da Justiça da União, 04 maio 2004.
[6] No particular, calha rememorar a recente liminar concedida pelo ministro Luiz Fux no Mandado de Segurança (MS) 31816, no qual se questionava a apreciação, pelo Congresso Nacional, do veto parcial da presidenta Dilma Rousseff ao Projeto de Lei 2.565/2011 (convertido na Lei 12.734/2012), que trata da partilha de royalties relativos à exploração de petróleo e gás natural. Embora a decisão monocrática não tenha sido confirmada pelo plenário do STF, o ministro Luiz Fux manteve a posição firmada na liminar, pela qual o veto parcial ao Projeto de Lei 2.565/2011 só poderia ser apreciado após todos os vetos pendentes de apreciação no Congresso Nacional fossem analisados, em ordem cronológica. No mesmo sentido, em recente episódio de “tensão institucional”, o ministro Gilmar Mendes, no MS 32.033, deferiu liminar que suspende a tramitação, no Congresso, do PL 4470/12, que estabelece restrições à criação de novos partidos.
[7] Posicionamento exposto por ocasião da posse do Ministro Gilmar Mendes como presidente da Corte brasileira.
Promotor de Justiça no estado da Bahia. Professor de Direito Constitucional no Programa de Pós-Doutorado na Mediterranea International Centre for Human Rights Research (MICHR), Italy. Realizou pesquisa de Pós-Doutorado na Mediterranea International Centre for Human Rights Research (MICHR), Reggio Calabria (Italy) e no Programa de Pós-Graduação em Direito na Universidade Federal da Bahia. Doutor em Políticas Sociais e Cidadania (UCSAL). Mestre em Segurança Pública, Justiça e Cidadania (UFBA).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMADO, Marco Aurelio Nascimento. O Supremo Tribunal Federal no desempenho da jurisdição constitucional e o ativismo judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/41110/o-supremo-tribunal-federal-no-desempenho-da-jurisdicao-constitucional-e-o-ativismo-judicial. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
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