INTRODUÇÃO
A Lei n.º 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 - mais conhecida como a “lei de falências” -, ao revogar o Decreto-Lei n.º 7.661, de 21 de junho de 1945, pôs fim à concordata, havendo instituído a figura da recuperação judicial.
Dentre as disposições da Lei n.º 11.101/2005, tem-se, no particular, o seu artigo 52, inciso II, segundo o qual o juiz, ao deferir o processamento da recuperação judicial, determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor venha a exercer suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
Uma interpretação literal desse dispositivo poderia indicar a ineficácia do mencionado instituto perante a Administração Pública, vez que, ainda quando sob recuperação judicial, as empresas deveriam apresentar as certidões negativas necessárias para contratação com o Poder Público - inclusive a chamada Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) -, do que poderia decorrer a eventual inabilitação das empresas ao longo do processo licitatório, bem assim, num momento posterior, a rescisão de contratos administrativos celebrados pela não manutenção das condições de habilitação exigidas no certame (art. 55, inciso XIII, e art. 78, inciso I, da Lei n.º 8.666/1993,).
Por outro lado, considerando que constitui objetivo da Lei n.º 11.101/2005 a manutenção de empregos, a sustentabilidade e o estímulo à atividade econômica, poder-se-ia admitir que, no caso de contrato administrativo mantido com empresa em recuperação judicial, seria possível à Administração deixar de exigir as certidões negativas, inclusive a CNDT, ao longo da execução da avença, com fundamento na supremacia do interesse público e na função social da empresa.
O presente trabalho tem por objetivo analisar exatamente se as empresas em recuperação judicial estão dispensadas, ou não, da apresentação de Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas durante a vigência do contrato administrativo.
DESENVOLVIMENTO
O Decreto-Lei n.º 7.661, de 21 de junho de 1945, previa em seus arts. 139 e seguintes a figura da chamada concordata, pretensão jurídica da qual se utilizava o devedor comerciante para reorganizar e reestruturar a situação econômica e financeira da empresa, evitando (concordata preventiva) ou suspendendo (concordata suspensiva) a falência. Por tal medida, restrita aos créditos quirografários, o devedor poderia conseguir uma remissão parcial de suas dívidas, uma dilatação nos prazos de vencimento, ou, ainda, ambos os benefícios de uma só vez. A concordata, portanto, presumia uma situação de instabilidade, de crise econômico-financeira da empresa.
Com o decorrer do tempo, entretanto, o instituto da concordata deixou de atender às suas finalidades de recuperação do devedor comerciante e de preservação da atividade por ele desenvolvida, uma vez que as exigências impostas pela legislação inviabilizavam o êxito do concordatário (e.g., somente os créditos quirografários ficavam sujeitos à concordata; inexistência de protesto; a excessiva carga tributária etc.). Tornou-se, assim, muito mais um instrumento para burlar a legislação falimentar do que para recuperar a empresa (SARAMAGO, Manuel, in Falência, recuperação judicial e recuperação extrajudicial do empresário e da sociedade empresária, segundo a Lei nº 11.101, de 09.02.2005, disponível em http://www.tjmg.jus.br/data/files/47/D0/11/C3/469D8310DACF8D83180808FF/falencia.pdf. Acesso em 04/11/2014).
Assim é que, em 09 de fevereiro de 2005, foi publicada a Lei n.º 11.101, a qual, revogando o Decreto-Lei n.º 7.661/1945, passou a regular a falência do empresário e da sociedade empresária. O novel diploma pôs fim à concordata, estabelecendo, lado outro, a recuperação judicial ou extrajudicial da empresa.
A recuperação judicial da empresa consiste em ação proposta pelo próprio devedor (pessoa física ou jurídica) e cujo objetivo, nos termos do art. 47 da Lei n.º 11.101/2005, é “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
A lei contempla, em seu art. 50, uma lista exemplificativa dos meios de recuperação judicial, que devem ser analisados para se definir qual poderá ser eficaz no reerguimento da atividade empresarial. O recuperando deverá elaborar e apresentar o plano de recuperação, a ser aprovado pela assembleia-geral de credores e cumprido pelo devedor, sob pena de ter sua recuperação convolada em falência.
A recuperação judicial, portanto, é instituto que, assim como a concordata preventiva, pressupõe a crise econômico-financeira da empresa e é intentada previamente e com vistas a evitar eventual decretação de falência; porém, apresenta caráter mais amplo que o do vetusto instituto, abrangendo todos os créditos existentes na data do pedido e contemplando uma gama maior de medidas a serem adotadas a fim de solucionar a instabilidade da empresa.
Nesse contexto, dispõem o art. 52, inciso II, e o art. 69, ambos da Lei n.º 11.101/2005, in verbis:
Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:
(...)
II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei;
Art. 69. Em todos os atos, contratos e documentos firmados pelo devedor sujeito ao procedimento de recuperação judicial deverá ser acrescida, após o nome empresarial, a expressão "em Recuperação Judicial".
Parágrafo único. O juiz determinará ao Registro Público de Empresas a anotação da recuperação judicial no registro correspondente.
Da leitura do art. 52, inciso II, da Lei n.º 11.101/2005, percebe-se que, se, por um lado, o dispositivo parece autorizar a contratação com o Poder Público, de outro, ele não dispensa a Administração de, para tanto, exigir certidões negativas da empresa em recuperação judicial.
A ratio essendi desse dispositivo reside no evidente risco que a contratação de uma empresa em recuperação judicial representa para o interesse público e para o próprio erário.
Com efeito, a recuperação judicial, como visto, pressupõe a existência de uma crise econômico-financeira da empresa. Assim, muito embora a adoção dessa medida tenha por objetivo sanar essas dificuldades e manter a atividade empresarial, não se pode ter certeza de que a recuperação judicial da empresa será sempre exitosa. Não é por outra razão, aliás, que a própria Lei n.º 11.101/2005, em seu art. 56, § 4º, prevê que, sendo o plano de recuperação rejeitado pela assembleia-geral de credores, o juiz decretará a falência do devedor.
Dessa forma, em se tratando de contrato administrativo celebrado com empresa que venha a requerer a recuperação judicial, é possível que, ao longo da execução contratual, a Administração constate que a empresa não possui condições econômico-financeiras de suportar a completa execução do objeto do contrato, ou, até mesmo, que seja decretada a falência da contratada. Em hipóteses que tais, a Administração poderá ser compelida a assumir o controle de determinadas atividades de serviços essenciais (art. 80, § 2º, da Lei n.º 8.666/93), ou até mesmo a rescindir o contrato (art. 78, incisos I a V e IX, da Lei n.º 8.666/93), com o ônus de promover nova contratação para concluir a execução do objeto licitado.
Restaria, pois, claramente prejudicado o interesse da coletividade, traduzido no objeto licitado e contratado pela Administração, face à inadequada prestação do serviço público ou fornecimento de bens, ou à interrupção dessas atividades, acarretando, ainda, maiores custos e prejuízos à Administração.
Destarte, a despeito da relevância dos princípios da livre iniciativa e concorrência, da valorização do trabalho e da função social da empresa, não se afigura juridicamente razoável ao Poder Público promover a contratação de empresa em recuperação judicial, a pretexto de contribuir para sua reabilitação econômico-financeira, e, consequentemente, expor a coletividade e o interesse público ao iminente e concreto risco de lesão ao longo do contrato administrativo, pela eventual interrupção do contrato ou cumprimento irregular de suas cláusulas (PANIZZON, Suelen Breda. In O empresário em recuperação judicial e as implicações decorrentes de sua participação em licitações e em contratos de concessão de serviço público. Disponível em http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2011_1/suelen_panizzon.pdf. Acesso em 04/11/2014).
O interesse público, por óbvio, não deve ceder em prol da satisfação do interesse do empresário ou da empresa, pois o princípio que prega a sua supremacia impõe que “o norte obrigatório de quaisquer decisões atinentes ao serviço serão as conveniências da coletividade; jamais os interesses secundários do Estado ou dos que hajam sido investidos no direito de prestá-los” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 657).
Igualmente, o risco de paralisação contratual, em virtude da ausência de condições econômico-financeiras da empresa em recuperação judicial, tem o condão de afrontar, ainda, o princípio da continuidade do serviço público, segundo o qual a prestação do serviço contratado pela Administração não deve ser interrompida, tendo os administrados o pleno direito à sua execução contínua, sob pena de frustração do interesse dos milhares de usuários do serviço público, com prejuízos evidentes à coletividade e à Administração.
Trata-se, portanto, de imperiosa ponderação entre os princípios da livre iniciativa, da valorização do trabalho, da livre concorrência e da função social da empresa, de um lado, e de outro, os princípios da supremacia do interesse público e da continuidade do serviço público, concluindo-se que o sacrifício desses últimos princípios não se afigura razoável, não sendo dado à Administração proceder em contrariedade a esses ditames.
Observe-se, ademais, que o risco que exsurge da contratação/manutenção do contrato celebrado com empresa em recuperação judicial ultrapassa a álea ordinária dos contratos, uma vez que, nessas hipóteses, a continuidade da sociedade empresária é duvidosa e as suas dificuldades econômico-financeiras são reais e declaradas pela própria empresa. Deve a Administração, portanto, em homenagem aos princípios já invocados, atuar com cautela nesse tipo de situação, evitando se dispor a essas contratações e aos riscos a elas inerentes, em prol do interesse público e da plena continuidade dos serviços contratados.
Nesse sentido, afirma Raquel Sztajn que os contratos administrativos, usualmente, “serão de longo prazo, de execução continuada ou diferida. O risco inerente a tais contratos não deve ser agravado mediante a admissão de o contratante particular ser sociedade cuja existência, a continuidade, é, sabidamente, incerta. Não se trata, no caso de pedido de recuperação, de risco ordinário, e sim dos efeitos negativos da concretização de tal risco” (In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro [Org.]. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 258-259.)
E é exatamente visando a evitar a exposição da Administração aos riscos que decorrem da contratação de empresa em recuperação judicial que a Lei n.º 11.101/2005, em seu art. 52, inciso II, estabelece que o juiz, ao deferir o processamento da recuperação, “determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público (...)”.
O dispositivo é bastante claro ao excepcionar as contratações com o Poder Público - e, ipso facto, a manutenção de contratos celebrados com a Administração -, da hipótese de dispensa de apresentação de certidões negativas para o exercício das atividades da empresa em recuperação judicial. Desse modo, é lícito à Administração exigir, durante a vigência dos contratos celebrados com empresas que venham a requerer recuperação judicial, a apresentação de certidões negativas, mormente em se considerando o disposto no art. 55, inciso XIII, da Lei n.º 8.666/1993, que obriga as contratadas a “manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”.
Nesse panorama, a Lei n.º 12. 440/2011 alterou a redação conferida ao art. 29 da Lei n.º 8.666/1993, para acrescentar às exigências legais para fins de habilitação das licitantes a prova da regularidade trabalhista da empresa, nos seguintes termos:
Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em: (Redação dada pela Lei nº 12.440, de 2011)
(...)
V – prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n o 5.452, de 1 o de maio de 1943. (Incluído pela Lei nº 12.440, de 2011)
A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, por sua vez, também fora alterada pela Lei n.º 12.440/2011, com a inclusão do art. 642-A, in verbis:
Art. 642-A. É instituída a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), expedida gratuita e eletronicamente, para comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho. (Incluído pela Lei nº 12.440, de 2011)
§ 1o O interessado não obterá a certidão quando em seu nome constar: (Incluído pela Lei nº 12.440, de 2011)
I – o inadimplemento de obrigações estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado proferida pela Justiça do Trabalho ou em acordos judiciais trabalhistas, inclusive no concernente aos recolhimentos previdenciários, a honorários, a custas, a emolumentos ou a recolhimentos determinados em lei; ou (Incluído pela Lei nº 12.440, de 2011)
II – o inadimplemento de obrigações decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia. (Incluído pela Lei nº 12.440, de 2011)
§ 2o Verificada a existência de débitos garantidos por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, será expedida Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas em nome do interessado com os mesmos efeitos da CNDT. (Incluído pela Lei nº 12.440, de 2011)
§ 3o A CNDT certificará a empresa em relação a todos os seus estabelecimentos, agências e filiais. (Incluído pela Lei nº 12.440, de 2011)
§ 4o O prazo de validade da CNDT é de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de sua emissão.(Incluído pela Lei nº 12.440, de 2011)
Tendo em vista que o art. 55, inciso XIII, da Lei nº 8.666/93 impõe à contratada a manutenção, durante toda a execução contratual, das condições de habilitação exigidas na licitação e considerando que a regularidade trabalhista insere-se no rol de habilitação previsto na Lei n.º 8.666/1993, deve a contratada manter-se em compatibilidade com essa exigência legal ao longo da vigência contratual, sendo dado à Administração, portanto, exigir da empresa a renovação da chamada Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas - CNDT, respeitado o respectivo prazo de validade.
O Tribunal de Contas da União – TCU, inclusive, por força de solicitação do Tribunal Superior do Trabalho – TST, recomendou aos órgãos e entidades da Administração Pública que exijam das empresas contratadas, por ocasião de cada ato de pagamento, a apresentação da CNDT, nos seguintes termos:
Os órgãos e entidades da administração pública estão obrigados a exigir das empresas contratadas, por ocasião de cada ato de pagamento, a apresentação da certidão negativa de débitos trabalhistas, de modo a dar efetivo cumprimento às disposições constantes dos artigos 27, IV, 29, V, e 55, XIII, da Lei nº 8.666/1993, c/c os artigos 1º e 4º da Lei nº 12.440/2011
O Tribunal Superior do Trabalho encaminhou Solicitação no sentido de que o TCU avaliasse a possibilidade de recomendar aos órgãos e entidades da administração direta e indireta da União que passem a fazer constar dos editais de licitação a exigência da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT, instituída pela Lei nº 12.440/2011, em vigor desde 4/1/2012. O relator, ao examinar o mérito da matéria, transcreveu os comandos contidos no art. 27, inciso IV, e no art. 29, inciso V, da Lei nº 8.666/1993, que foram alterados pela Lei nº 12.440/2011: “Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: (...). IV – regularidade fiscal e trabalhista; (...) Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em: (...) V – prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa ...”. Registrou também a inserção do art. 642-A na CLT, pela Lei nº 12.440/2011, que dispõe sobre o conteúdo material e o procedimento de obtenção da referida CNDT. E que não seria pertinente expedir determinações nem recomendações genéricas à administração para que observe as citadas normas, visto que essa necessidade decorre da lei. Considerou, porém, plausível a preocupação do consulente, “mormente sob o ponto de vista do exercício do controle externo financeiro, até mesmo porque – não é demais lembrar – a Lei nº 8.666, de 1993, estabelece, ao teor da disposição contida no inciso XIII do seu art. 55, que o contratado deverá manter, durante a execução contratual, todas as condições de habilitação e de qualificação exigidas na licitação”. Lembrou ainda da responsabilidade subsidiária dos entes integrantes da administração pública, em face do inadimplemento das obrigações trabalhistas das empresas por eles contratadas, consoante disposto no Enunciado nº 331 da Súmula de Jurisprudência do TST. E arrematou: “a exigência da certidão negativa de débitos trabalhista (CNDT) ao longo da execução contratual deve contribuir para reduzir ou mesmo afastar eventuais condenações subsidiárias da administração pública federal ...”. O Tribunal, então, ao acolher proposta do relator, decidiu: I) conhecer da Solicitação; II) no mérito, determinar “a todas as unidades centrais e setoriais do Sistema de Controle Interno dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União que orientem os órgãos e entidades a eles vinculados no sentido de que exijam das empresas contratadas, por ocasião de cada ato de pagamento, a apresentação da devida certidão negativa de débitos trabalhistas, de modo a dar efetivo cumprimento às disposições constantes dos artigos 27, IV, 29, V, e 55, XIII, da Lei nº 8.666, de 1993, c/c os artigos 1º e 4º da Lei nº 12.440, de 7 de julho de 2011, atentando, em especial, para o salutar efeito do cumprimento desta nova regra sobre o novo Enunciado 331 da Súmula de Jurisprudência do TST, sem prejuízo de que a Segecex oriente as unidades técnicas do TCU nesse mesmo sentido”. Acórdão n.º 1054/2012-Plenário, TC 002.741/2012-1, rel. Min. André Luís de Carvalho, 2.5.2012. (Inf. 104)
No âmbito da Advocacia-Geral da União, o Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal (PGF) emitiu o PARECER N.º 09/2013/CPCL/DEPCONSU/PGF/AGU, aprovado pelo Procurador-Geral Federal, dando origem à CONCLUSÃO DEPCONSU/PGF/AGU Nº 51/2013, a seguir transcrita:
I - A CNDT deve ser exigida em todos os objetos e licitações públicas independentemente da modalidade licitatória utilizada, bem como as contratações diretas (dispensa e inexigibilidade), ressalvadas as hipóteses previstas no art. 32, § 1º, da Lei nº 8.666/93, que terão a pertinência de sua exigência avaliada diante do caso concreto, na fase interna da licitação ou contratação;
II - O momento para comprovação da regularidade trabalhista quando da realização do certame deverá observar, estritamente, as formalidades previstas em lei, especialmente aquela prevista no art. 43, § 5º, da Lei nº 8.666/93;
IM - Considerando a necessidade de uniformizar a atuação das Autarquias e Fundações, recomendamos que a Administração atue conforme orientado pela Mensagem SIASG n 9078847, de forma que a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas seja considerada apta a certificar a regularidade da interessada durante todo seu prazo de vigência, que deve ser aferido previamente a cada pagamento;
IV - Constatada a existência de CNDT positiva, a Administração não poderá habilitar, contratar ou prorrogar o ajuste. Nesta última hipótese, caso a constatação da irregularidade ocorra no transcurso da relação jurídica, será avaliada, conforme o caso, a necessidade de rescisão unilateral do contrato e a realização de novo certame, obedecendo ao disposto no art. 34-A da instrução Normativa SLTI/MPOG nº 02/2008 c.c. arts. 78, inc. li e 55, inc. XIII, ambos da Lei nº 8.666, de 1993;
V - No caso de haver registro no Banco nacional de Devedores Trabalhistas de contratadas prestadoras de Serviços Públicos em regime de monopólio, é recomendável utilizar a orientação normativa nº 9 da Advocacia-Geral da União, por analogia;
VI - Para os contratos formalizados antes do início da vigência da Lei nº 12.440/11, a introdução da exigência da CNDT no decurso da relação jurídica somente poderá ocorrer por acordo entre as partes. Caso não haja consenso, deve a Administração observar as orientações contidas no Parecer nº 065/2012/DECOR/CGU/AGU, em especial o item 26 do mencionado opinativo.
Por sua vez, o item 26 do Parecer nº 065/2012/DECOR/CGU/AGU, emitido pelo Departamento de Orientação e Coordenação de Órgãos Jurídicos (DECOR) da Consultoria-Geral da União (CGU), assim dispõe:
26. Ante o exposto, sem discrepar do Parecer n.º 81/2012/ACC/CJU-AL/CGU/AGU, entende-se que:
a) em regra, a exigência de comprovação de regularidade trabalhista para habilitação em li citações públicas imposta pela Lei nº 12.440/2011 só alcança os contratos celebrados a partir de sua vigência (cento e oitenta dias após 08/07/2011, conforme a vacatio legis prevista em seu art. 4.º);
b) a obrigação de a contratada manter a regularidade trabalhista pode ser ajustada nos casos de prorrogação de contratos de prestação de serviços a serem executados de forma contínua, conforme o art. 57. 11, da Lei n.° 8.666/93, celebrados antes da vigência da Lei n, 12.440/2011;
c) aceitar a prorrogação da vigência de contrato sem a apresentação da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas não é vantajoso para a Administração, que ficaria vulnerável diante do teor do Enunciado nº 331 da Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho[1];
d) se presentes as condições exigidas para a prorrogação de vigência prevista no art. 57, II, da Lei n.º 8.666/93, a Administração tem o dever de buscar a introdução da obrigação de manutenção da regularidade trabalhista no contrato por meio de termo aditivo; e
e) se a contratada não concordar com a inclusão de cláusula que exija sua regularidade trabalhista, haverá necessidade de realização de outro certame Licitatório.
Em suma, percebe-se que, de acordo com entendimento uniformizado pelo DECOR/CGU/AGU e pelo Departamento de Consultoria da PGF, a CNDT deve ser exigida pelo Poder Público, como prova da manutenção da regularidade trabalhista da empresa contratada durante todo o prazo de vigência contratual, o que deve ser aferido previamente a cada pagamento a ser efetuado. Caso se verifique a existência de CNDT positiva, a Administração não poderá habilitar, contratar ou prorrogar o ajuste. Nesta última hipótese, caso a constatação da irregularidade ocorra no transcurso da relação jurídica, será avaliada, conforme o caso, a necessidade de rescisão unilateral do contrato e a realização de novo certame.
Caso se trate de contrato celebrado antes do início em vigor da Lei n.º 12.440/2011, deverá a Administração buscar a introdução da obrigação de manutenção da regularidade trabalhista no contrato por meio de termo aditivo, mediante acordo entre as partes; em não havendo a concordância da contratada quanto ao assunto, entretanto, haverá a necessidade de rescisão contratual e de realização de nova licitação.
Evidente, pois, que, ao estabelecer como exigência habilitatória a regularidade trabalhista e como obrigação contratual a sua manutenção ao longo da vigência do ajuste, a lei impôs à Administração o dever correlato de exigir de suas contratadas a prova da regularidade trabalhista, por meio da apresentação da correspondente CNDT, na forma acima explanada.
Diante de todas as considerações formuladas, não se há falar em dispensa da exigência da CNDT em relação às contratadas que se apresentem em situação de recuperação judicial, já que, como visto, a Lei n.º 11.101/2005 exclui as contratações com o Poder Público da hipótese de dispensa de apresentação de certidões negativas para o exercício das atividades da empresa em recuperação judicial, e a Lei n.º 8.666/1993 impõe à Administração o dever de exigir de suas contratadas a manutenção da regularidade trabalhista ao longo da vigência do contrato celebrado, demonstrada por meio da CNDT, sob pena de aplicação de penalidades e, em última análise, de rescisão contratual e realização de novo certame.
Nesse sentido, inclusive, é de se ter em vista que, caso a Administração se abstenha de exigir de empresas em recuperação judicial a CNDT, estaria, com isso, deixando de fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais e legais da empresa como empregadora, incorrendo, consequentemente, em “conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993”, o que, a teor do inciso IV do Enunciado n.º 331 da Súmula do TST, acarreta a responsabilidade subsidiária da Administração pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas da empresa contratada.
Destarte, deve a Administração Pública Federal, por cautela e de forma preventiva, exigir da empresa em recuperação judicial, no âmbito do contrato administrativo com ela celebrado, a prova da regularidade trabalhista, por meio da apresentação, previamente a cada pagamento, da correspondente CNDT.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que deve a Administração Pública Federal exigir, durante a vigência dos contratos celebrados com empresas que venham a requerer recuperação judicial, a apresentação, previamente a cada pagamento a ser efetuado, da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas - CNDT, como prova da manutenção da regularidade trabalhista da contratada, em atenção ao disposto no art. 52, inciso II, da Lei n.º 11.101/2005, ao art. 27, inciso IV, ao art. 29, inciso V (com a redação conferida pela Lei n.º 12.440/2011) e ao art. 55, inciso XIII, da Lei nº 8.666/1993.
Eventual conclusão em sentido contrário implicaria violação aos princípios da supremacia do interesse público e da continuidade do serviço público, expondo a Administração aos riscos que exsurgem da manutenção do contrato celebrado com empresa em recuperação judicial, inclusive no que se refere à possibilidade de ser imputada à Administração a responsabilidade subsidiária pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas da empresa contratada, com esteio no inciso IV do Enunciado n.º 331 da Súmula do TST.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2007.
PANIZZON, Suelen Breda. In O empresário em recuperação judicial e as implicações decorrentes de sua participação em licitações e em contratos de concessão de serviço público. Disponível em http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2011_1/suelen_panizzon.pdf. Acesso em 02/11/2014.
SARAMAGO, Manuel. In Falência, recuperação judicial e recuperação extrajudicial do empresário e da sociedade empresária, segundo a Lei nº 11.101, de 09.02.2005, disponível em http://www.tjmg.jus.br/data/files/47/D0/11/C3/469D8310DACF8D83180808FF/falencia.pdf. Acesso em 04/11/2014).
SZTAJN, Rachel. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro (Org.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Procuradora Federal. Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Caroline Marinho Boaventura. Da exigibilidade da certidão negativa de débitos trabalhistas das empresas em recuperação judicial durante a vigência do contrato administrativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/41614/da-exigibilidade-da-certidao-negativa-de-debitos-trabalhistas-das-empresas-em-recuperacao-judicial-durante-a-vigencia-do-contrato-administrativo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.