O Conselho Nacional de Justiça aprovou no último dia 9 de Junho (2015) a criação de cotas de 20% para negros e pardos autodeclarados em concursos do Poder Judiciário.
A nova resolução do CNJ que fixa essas cotas é escorada na Lei 12.990/2014, no Estatuto da Igualdade Racial, na ADPF 186/Distrito Federal, no Primeiro Censo do Poder Judiciário e em várias deliberações anteriores do próprio CNJ.
Acontece que o vício de inconstitucionalidade formal da presente norma é manifesto. Nem o CNJ, muito menos a via de resolução, atendem ao disposto no texto da Constituição Federal sobre a iniciativa legiferante e a espécie normativa para dispor sobre ingresso na carreira de juiz substituto.
O Art. 93, Inciso I, da Constituição prescreve ser reservado somente à Lei Complementar regular o Estatuto da Magistratura e, assim, diretamente o próprio ingresso na carreira de juiz mediante concurso público de provas e títulos. Lei Complementar que, como se sabe, deve ser aprovadas por maioria absoluta do Congresso Nacional, após discussão e debates em cada uma de suas Casas legislativas, através de seus Deputados e Senadores eleitos pela vontade do povo.
O vigente Estatuto da Magistratura dispõe o seguinte sobre o ingresso na carreira de juiz de direito no País, esgotando a matéria:
“TÍTULO V
Da Magistratura de Carreira
CAPÍTULO I
Do Ingresso
Art. 78 - O ingresso na Magistratura de carreira dar-se-á mediante nomeação, após concurso público de provas e títulos, organizado e realizado com a participação do Conselho Secional da Ordem dos Advogados do Brasil.
§ 1º - A lei pode exigir dos candidatos, para a inscrição no concurso, título de habilitação em curso oficial de preparação para a Magistratura.
§ 2º - Os candidatos serão submetidos a investigação relativa aos aspectos moral e social, e a exame de sanidade física e mental, conforme dispuser a lei.
§ 3º - Serão indicados para nomeação, pela ordem de classificação, candidatos em número correspondente às vagas, mais dois, para cada vaga, sempre que possível.
Art. 79 - O Juiz, no ato da posse, deverá apresentar a declaração pública de seus bens, e prestará o compromisso de desempenhar com retidão as funções do cargo, cumprindo a Constituição e as leis”.
Como se vê, o Estatuto da Magistratura, bem ou mal, nada dispõe sobre qualquer tipo de cota racial para concurso público de ingresso na carreira de juiz. Esse diploma pode ser emendado respeitando-se o processo legislativo constitucional ou mesmo revogado dando lugar a nova Lei Complementar para se estabelecer a criação de cotas para negros e pardos autodeclarados. Mas resolução do CNJ, nem de longe, não possui essa força legislativa.
Outrossim, a iniciativa e discussão da matéria não cabe ao CNJ, mas, sim, ao Supremo Tribunal Federal, por força do próprio Art. 93 da Constituição. Somente os Eminentes Ministros do STF, Magistrados vitalícios, podem deflagrar o processo legislativo sobre Estatuto da Magistratura e, assim, o próprio ingresso na carreira de juiz mediante concurso público de provas e títulos. Ao Conselheiro do CNJ, investido de mandato de dois anos, é vedado constitucionalmente iniciar projeto de Lei Complementar dispondo sobre o Estatuto da Magistratura.
As regras do Estado Democrático de Direito, aqui, não podem ser vencidas. O CNJ quando estabelece política de cotas via resolução vai na contramão da Constituição Federal. O vício de iniciativa, assim como o da espécie normativa eleita, são flagrantemente inconstitucionais.
O CNJ pode muito, mas não pode tudo. A supremacia da Constituição Federal, o império da lei, a separação dos Poderes e o respeito ao Parlamento não podem ceder a nada e a ninguém. Em um passado não muito distante na História regimes totalitários nasceram a partir de ocasionais licenças legislativas para atender à uma suposta necessidade popular.
Cotas para negros e pardos autodeclarados em concursos do Judiciário sim, sempre, até atingirmos um patamar de igualdade racial pleno e inquestionável. Mas, jamais em desacordo com a Constituição Federal e a lei.
Nas palavras do Eminente Ministro Gilmar Ferreira Mendes, in verbis:
“As disposições da Lei Orgânica da Magistratura constituem um regime jurídico único para os magistrados brasileiros. Esse sistema normativo nacional está amparado em duas razões. Em primeiro lugar, o Poder Judiciário é um Poder nacional e, assim, seus membros devem estar submetidos a regras uniformes. Em segundo lugar, é possível vislumbrar que a alternativa de caracterização das normas da LOMAN como meramente programáticas ou não vinculantes para o legislador e o judiciário estaduais abriria uma via perigosa para a concessão ilimitada de privilégios e, ao fim e ao cabo, poderia dar ensejo a um quadro instável de ‘troca institucional de boas vontades’ entre os Poderes locais, incompatível com a independência assegurada constitucionalmente ao Poder Judiciário” (ADI 4042).
Precisa estar logado para fazer comentários.