RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de trazer à baila o conceito de auxílio acidente e sua finalidade, sua previsão no ordenamento jurídico brasileiro, fazer alguns apontamentos importantes acerca do referido benefício, e, em especial, defender a tese da inconstitucionalidade do §1º, do artigo 18, da lei 8.213/91, que exclui a classe de contribuinte individual do direito de perceber o referido auxílio.
PALAVRAS-CHAVE: AUXÍLIO-ACIDENTE – CONTRIBUINTE INDIVIDUAL – TRABALHADOR AUTÔNOMO - INCONSTITUCIONALIDADE
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Aspectos gerais da Previdência Social; 3 Conceitos: contribuinte individual e auxílio-acidente e a finalidade jurídica do referido auxílio; 4 Da inconstitucionalidade do §1º, do artigo 18, da Lei 8213/91 e do direito do contribuinte individual perceber o auxílio acidente; 5 Considerações Finais; Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho, por meio de pesquisa de revisão bibliográfica e da legislação vigente, tem a intenção de trazer à baila o conceito de auxílio acidente e sua finalidade, sua previsão no ordenamento jurídico brasileiro e demonstrar a inconstitucionalidade do §1º, do artigo 18, da lei 8.213/91, que exclui do direito de perceber o referido auxílio a categoria de segurado “contribuinte individual”.
A presente questão é de suma importância, pois todo indivíduo pode ser vítima de um acontecimento inesperado que caracterize um infortúnio na sua vida, e, bem por isso muitos cidadãos vertem contribuições ao Regime Geral de Previdência Social para se verem guarnecidos de algum benefício caso isso aconteça. Qualquer pessoa pode ser vítima de algum acidente ou alguma enfermidade pode lhe acometer no futuro, resultando em sua incapacidade total ou parcial, temporária ou permanente para a execução das atividades laborais habituais, ou mesmo resultando na diminuição de sua capacidade para realização destas, em virtude de sequelas deixadas pelo acidente.
O número de segurados do regime de previdência social classificado na categoria de contribuinte individual, ou seja, aquele que trabalha por conta própria (autônomo) está cada vez maior, diante do aumento de número de desempregados na atual conjuntura econômica-política-social do país, que os fazem se aventurar em atividades autônomas.
A pesquisa é teórica, pois discute o tema através da análise da literatura já publicada sobre o assunto, em normas, livros, revistas, imprensa escrita e artigos eletrônicos, bem como da análise da letra da Lei 8.213/91. Após pesquisa, constatou-se que pouco se discute sobre esse ponto específico na doutrina de direito previdenciário e na jurisprudência.
A Lei 8.213/91 prevê vedação à concessão do referido benefício ao contribuinte individual. Entretanto, como se pretende demonstrar, essa categoria de contribuinte verte contribuições ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS como todas as outras previstas na Lei 8.213/91, não fazendo qualquer sentido e inexistindo qualquer lógica jurídica para lhe negar o direito a perceber um benefício previdenciário acidentário, caso ele preencha todos os requisitos legais.
Ao final do artigo, chega-se à conclusão de que o benefício do auxílio-acidente é devido ao contribuinte individual por uma questão de respeito aos princípios constitucionais da isonomia, da dignidade da pessoa humana e em observância aos direitos sociais garantidos a todos os indivíduos pela Carta Magna, não obstante existir norma legal prevendo o contrário, a qual se classifica como inconstitucional.
2 ASPECTOS GERAIS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
A seguridade social é definida na Constituição Federal, no artigo 194, caput, como um “conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
Os três programas sociais ou subsistemas de maior relevância e que configuram um sistema de proteção social são: a previdência social, a assistência social e a saúde.
O presente trabalho restringir-se-á a analisar aspectos apenas do primeiro programa social citado, qual seja, a previdência social. A Previdência Social encontra fundamento nos artigos 40, 201 e 202 do texto constitucional. O Regime Geral de Previdência Social, em sede infraconstitucional, está regulamentado pela lei 8.212/1991, que trata do custeio e a lei 8.213/1991, que trata do plano de benefícios desse regime.
O artigo 201 da Constituição Federal de 1988, em especial, prevê que o sistema deverá cobrir, no mínimo, os riscos sociais relativos a eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; proteção à maternidade, especialmente à gestante; proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda e pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.
A proteção previdenciária no âmbito do Regime Geral de Previdência Social é prestada através de benefícios e serviços, os quais são gerenciados e mantidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, autarquia federal ligada ao Ministério da Previdência e Assistência Social.
A referida Lei 8.213/91, com objetivo de dar concretude ao dispositivo constitucional (art. 201), instituiu os seguintes benefícios: aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria por invalidez e aposentadoria especial; auxílio acidente, auxílio-doença e auxílio-reclusão; salário família, salário maternidade e pensão por morte. Criaram-se também os serviços de reabilitação profissional e assistência social.
Segundo a Constituição Federal de 1988, os princípios basilares da Previdência Social são os seguintes: a) Compulsoriedade: só existe para aqueles que têm atividade laboral remunerada, sendo estes segurados obrigatórios da Previdência Social; b) Contributividade: é obrigatória para todos os inscritos no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), indistintamente; c) Solidariedade: é ampla e para todos. Por exemplo, a contribuições pagas pelos segurados, hoje, servem para custear os benefícios concedidos aos que contribuíram no passado.
Pelo que foi dito, fácil concluir que todos aqueles que exercem uma atividade remunerada estarão automática e compulsoriamente vinculados ao Regime Geral de Previdência Social, ou seja, a vontade do segurado de pertencer ou não ao regime, salvo o segurado facultativo, é irrelevante.
Os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social estão elencados na lei 8.213/91 e são de duas ordens: segurados e dependentes. Segundo o art. 11 da lei 8.213/91 os segurados obrigatórios agrupam-se em cinco categorias: a) segurado empregado, b) segurado empregado doméstico, c) segurado trabalhador avulso, d) segurado contribuinte individual, e) segurado especial.
Não se pode olvidar que o Direito Previdenciário é regido pelos "princípios da hipossuficiência" e do "in dubio pro misero", exigindo-se sensibilidade e prudência na aferição da questão deduzida em juízo, considerando-se "o fim social da Legislação Previdenciária".
Por meio desses dois princípios, pode-se afirmar que, na dúvida se o segurado tem ou não direito a algum benefício ou outro direito previsto nas leis previdenciárias, considerando que ele é a parte mais frágil quando demanda contra o sistema previdenciário, deve-se agraciá-lo.
A propósito, o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil determina que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Não há dúvida de que a essência das normas previdenciárias é publicista e carregada de finalidade social.
Dito isso, passemos à análise dos conceitos de contribuinte individual, de auxílio-acidente e a finalidade deste último.
3 CONCEITOS: CONTRIBUINTE INDIVIDUAL E AUXÍLIO-ACIDENTE E A FINALIDADE JURÍDICA DO REFERIDO AUXÍLIO
Contribuinte individual é aquele que trabalha por conta própria (autônomo), como por exemplo, os empresários, os prestadores de serviços de natureza eventual a empresas, cirurgiões-dentistas, médicos, psicólogos que não possuem vínculo empregatício e que trabalham exclusivamente em seus consultórios, etc. Enfim, são todos aqueles que recebem remunerações decorrentes de suas atividades (urbana ou rural), sem subordinação a um terceiro e que exercem suas atividades por sua própria conta e risco.
Esses profissionais não só podem como devem, pelo princípio da compulsoriedade, inscreverem-se no Sistema da Previdência Social pública e recolherem suas contribuições de recursos próprios, conforme determina o princípio da contributividade, estando assim amparados pelo sistema previdenciário público (INSS), obrigando-se a cumprir as regras estabelecidas pelo sistema.
O auxílio-acidente é benefício de natureza indenizatória devido a algumas categorias de segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia, conforme prescreve o artigo 86[1], caput, da Lei de Benefícios da Previdência Social nº 8.213/91, com redação alterada pelas Leis nº 9.032/95 e nº 9.528/97.
Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa, aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda, ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.
Como se pode notar, o fator condicionante para que o segurado faça jus ao referido auxílio é a perda ou redução da capacidade de trabalho, que não se confunde com a invalidez permanente. Há que se demonstrar o nexo de causalidade entre o infortúnio e a efetiva redução da capacidade laborativa, sob pena de indeferimento do pedido de concessão do referido benefício.
Assim, se o acidentado ficar com sequela que implique uma redução da capacidade para o trabalho que exercia, não importando nem ao menos o grau dessa diminuição da capacidade, podendo ser mínima, terá direito ao auxílio acidente. Note-se que a lei não exige nem ao menos a mudança de função ou atividade, bastando o dispêndio de maior esforço.
Para a concessão desse benefício não se exige carência, entretanto, a percepção do mesmo está condicionada à qualidade de segurado[2] do requerente ou, ao menos, que o mesmo esteja gozando do “período de graça”[3] concedido pela entidade autárquica, pela inteligência do artigo 15, da Lei nº 8.213/91. O auxílio-acidente deverá ser precedido de auxílio-doença e será concedido no dia seguinte ao da cessação deste.
Atualmente a renda mensal do auxílio acidente corresponde a 50% (cinquenta por cento) do salário de benefício que deu origem ao auxílio doença do segurado (não se deve confundir , porém, com 50% do auxílio doença) e será devido até a véspera do início de uma aposentadoria ou até a data do óbito. Uma vez que o referido auxílio equivale a 50% do salário de benefício, ele poderá ser inferior ao valor do salário mínimo, se o salário de benefício que serviu de base para seu cálculo for fixado naquele patamar. Esse valor será pago e reajustado conforme o reajustamento dos benefícios em geral. Importante mencionar que o retorno ao trabalho ou o recolhimento de contribuição ao INSS não são óbices ao recebimento do auxílio-acidente. Segundo (MARTINEZ, 2006, p.108) “o auxílio-acidente é o único benefício por incapacidade, inaptidão ainda que parcial, mas permanente, que admite a volta ao trabalho ou permanência na empresa”.
Mesmo não havendo recolhimento da contribuição previdenciária, o segurado em gozo de auxílio acidente mantém a qualidade de segurado, entretanto, esse período não é computado para efeitos de carência e tempo de serviço.
Fazem jus ao auxílio-acidente o segurado empregado – urbano ou rural -, o empregado doméstico (a partir da promulgação da Lei Complementar 150 de 2015), o trabalhador avulso e o segurado especial, conforme predispõe o artigo 18, parágrafo primeiro[4], da Lei de Benefícios Previdenciários. Cumpre notar, pela simples leitura do artigo 18 da Lei 8.213/91, que o legislador excluiu o contribuinte individual da lista dos beneficiários do auxílio-acidente.
Sobre a justificativa da referida exclusão, cabe fazer uma rápida digressão histórica legislativa. Na redação original da Lei 8.213/91, no artigo que dispunha sobre o auxílio-acidente, este benefício era restrito a acidente do trabalho (e equiparados – artigos 20 e 21, ambos da Lei nº 8.213/91). Assim, a natureza da restrição desse benefício é oriunda da origem do benefício, o antigo auxílio acidente ou auxílio suplementar, previsto na Lei 6.367/76. Na época, esse benefício era restrito à sequela produzida por acidente de trabalho, e daí a limitação aos segurados que são objeto de tutela do seguro de acidentes do trabalho. Atualmente, especificamente a partir da Lei nº 9.032/95, o auxílio acidente não se limita mais a acidentes de trabalho, de forma que os acidentes de qualquer natureza dão ensejo ao auxílio-acidente. Dessa maneira torna-se injustificável retirar dos segurados contribuintes individuais a possibilidade de recebê-lo.
Deve-se ter em mente que a lesão ou sequela constituída possui um aspecto social significativamente excludente, uma vez que tem o condão de deprimir o indivíduo, além de, em regra, ocasionar, ainda, a redução de sua renda, pois não conseguirá executar o mesmo trabalho de antes e/ou com a mesma eficiência. Nesse momento, o trabalhador é colocado à margem do seu próprio processo produtivo, bem como do da empresa, e, muitas vezes, quando ainda se encontra no auge de sua idade produtiva.
Dito isso, possível concluir que o legislador, ao instituir este benefício, presumiu que este segurado terá uma provável perda remuneratória, cabendo ao Seguro Social, por meio do sistema da previdência, ressarci-lo deste potencial dano objetivo do auxílio acidente. Por isso diz-se que a finalidade do auxílio-acidente é indenizar e compensar o segurado.
A exclusão do contribuinte individual da lista dos beneficiários do auxílio-acidente, conforme se demonstrará a seguir, afronta de morte princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, o que é suficiente para classificar tal norma como inconstitucional.
4 DA INCONSTITUCIONALIDADE DO §1º, DO ARTIGO 18, DA LEI 8213/91 E DIREITO DO CONTRIBUINTE INDIVIDUAL PERCEBER O AUXÍLIO ACIDENTE
Para dar início à argumentação sobre a inconstitucionalidade da norma que exclui o contribuinte individual da lista dos beneficiários do auxílio-acidente, importante tecer breves comentários acerca da importância dos princípios no ordenamento jurídico pátrio.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo, in verbis:
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico” (MELLO, 1991, p.230).
Nos dizeres de Renata Malta Vilas-Bôas:
“Chegamos à concepção de que o princípio – sua idéia ou conceituação – vem a ser a fonte, o ponto de partida que devemos seguir em todo o percurso; ao mesmo tempo em que é o início, também é o meio a ser percorrido e o fim a ser atingido. Dessa forma, todo o ordenamento jurídico deve estar de acordo com os princípios, pois só eles permitem que o próprio ordenamento jurídico se sustente, se mantenha e se desenvolva.”
Os princípios são, pois, a coluna vertebral do Direito, tudo parte deles e tudo neles se encerram. Orientam e definem os critérios para a perfeita interpretação das normas, pois determina a lógica e a racionalidade do aparelho normativo, dando sentido harmônico ao ordenamento jurídico. Os princípios são verdadeiras garantias do próprio Estado Democrático de direito.
Feita essa breve pontuação acerca da inquestionável relevância dos princípios, fundamental avocar o princípio constitucional da isonomia para justificar o direito do contribuinte individual fazer jus ao auxílio-acidente.
A Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 5º, caput, sobre o princípio constitucional da igualdade perante a lei, nos seguintes termos:
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
Cumpre notar que o princípio da igualdade atua em duas vertentes: perante a lei e na lei. Por igualdade perante a lei compreende-se o dever de aplicar o direito no caso concreto; por sua vez, a igualdade na lei pressupõe que as normas jurídicas não devem conhecer distinções, exceto as constitucionalmente autorizadas.
Segundo Alexandre de Moraes (MORAES, 2002, p. 65), o princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio Poder Executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situação idêntica. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social.
Acerca da importância do princípio da igualdade explica Paulo Bonavides:
“O centro medular do Estado social e de todos os direitos de sua ordem jurídica é indubitavelmente o princípio da igualdade. Com efeito, materializa ele a liberdade da herança clássica. Com esta compõe um eixo ao redor do qual gira toda a concepção estrutural do Estado democrático contemporâneo. De todos os direitos fundamentais a igualdade é aquele que mais tem subido de importância no Direito Constitucional de nossos dias, sendo, como não poderia deixar de ser, o direito-chave, o direito-guardião do Estado social.” (2001, p. 340-341)
Isso significa dizer que o legislador não poderá editar normas que se afastem do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade, posto ser o direito à igualdade um direito fundamental. O intérprete e a autoridade política não podem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades.
Diante do exposto, conclui-se que, ao excluir o contribuinte individual do direito de perceber auxílio-acidente, o legislador criou uma exceção injustificada que não se mantém, sendo flagrantemente inconstitucional.
Assim, em que pese a Lei 8.213/91 excluir expressamente da proteção acidentária o trabalhador autônomo (incluindo aqui o titular de firma individual, o sócio e o diretor etc), não significa dizer que em caso de infortúnio laboral, eles não devam receber os benefícios e tratamentos previstos na legislação infortunística. No âmbito das ações acidentárias, em virtude do seu caráter protecionista e eminentemente social, não se pode, por puro formalismo, agravar ainda mais a situação do segurado.
Importante se ter em mente que o Direito Previdenciário visa à melhoria no ambiente público e na população, assegurando-lhe segurança em relação à família e aos dependentes na intenção de prestar serviços, acolher e de mostrar que há uma justiça que lhe assegure trabalho com segurança. Qualquer norma que vá de encontro a esse propósito, como a regra do §1º, do artigo 18, da Lei 8.213/91, que cria uma exclusão injusta dos contribuintes individuais, deve ser declarada inconstitucional com sua consequente exclusão do sistema jurídico pátrio.
A Constituição Federal enumerou os chamados direitos sociais, entre os quais os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, consoante discriminação constante no art. 6º.
Dispõe também o artigo 7º, da CF/88, em seu inciso XXVIII, que:
" São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social ":
"XXVIII: seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização, a que este está obrigado.
Essa regra que garante o seguro contra acidente do trabalho, a cargo do empregador, vem complementada pelo disposto no art. 201, I, da mesma Carta Política, que atribui à previdência social a cobertura dos eventos resultantes de acidente do trabalho, in verbis:
"Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a:
"I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão.
Dessa forma, as normas que criam diferenciações abusivas e arbitrárias, como a exposta do §1º, do art. 18, da Lei 8.213/91, via de regra, são incompatíveis com a Constituição Federal, devendo o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional, dizer o direito no caso em concreto, utilizando os mecanismos constitucionais necessários a interpretar de forma única e igualitária as normas jurídicas.
Nessa toada, os aplicadores e intérpretes do direito, em especial os juízes, devem interpretar e aplicar a norma previdenciária em comento de forma a ajudar na organização da sociedade, para evitar que haja injustiças e desconforto em relação a alguns participantes da sociedade. O intérprete deve utilizar-se de mecanismos que dêem um sentido, ou uma interpretação única e igualitária às normas, sob pena de gerar desigualdades e causar insegurança na sociedade. Quase não se encontra jurisprudência acerca do assunto, tendo-se constatado apenas um julgado no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (AC 169000 SC 2005.016900-0), no qual foi deferido auxílio-acidente para um trabalhador autônomo.
Importante tecer comentário, também, acerca do disposto na Constituição Federal em seu artigo 1º, III, que consagra como princípio universal, como seu fundamento, a dignidade da pessoa humana, resultando na obrigação do Estado em garantir um patamar mínimo de recursos, capaz de prover-lhes a subsistência.
Obstar o pagamento de benefício acidentário como o auxílio acidente a uma categoria específica de beneficiário do RGPS, in casu, o trabalhador autônomo, que se encontra em posição semelhante à das outras categorias de trabalhador e contribuinte, é negar a estes os recurso mínimos necessários à sua sobrevivência, ferindo de morte a sua dignidade.
Assim, em razão de todos os cidadãos possuírem tratamento idêntico pela lei e por se tratar de um direito fundamental abrangido por uma legislação hierarquicamente superior, afigura-se inarredável o direito de qualquer cidadão que contribua para os cofres da Previdência a todos os benefícios por ela garantidos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do sistema da seguridade social, em todo o seu espectro de atuação, com as devidas particularidades de cada uma delas, permite-nos o entendimento de todos os programas sobre os quais são voltadas as suas ações. Importante lembrar que tais programas têm por finalidade a proteção do trabalhador e seus dependentes, bem como a assistência aos necessitados, mediante a contribuição de toda a sociedade.
A constituição Federal procurou organizar o sistema previdenciário de forma que a proteção fosse estendida à maior parte possível da população, considerando as peculiaridades de cada segmento social. A Previdência Social Brasileira está organizada em diversos regimes, sendo que cada um deles possui regras próprias tanto em sede constitucional como infraconstitucional. O regime previdenciário não é perfeito, mas é essencial ao ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que se adota um modelo de proteção social assentado na proposta da Seguridade Social.
A proteção previdenciária é prestada de acordo com a previsão legal onde estão determinados os respectivos beneficiários, a forma de financiamento e as prestações a que fazem jus os segurados.
A atual redação do § 1º do art. 18 da lei 8.213/91, dada pela Lei 9.528/97, quanto à proibição da concessão do auxílio-acidente ao contribuinte individual é inconstitucional na medida em que restringe o benefício do seguro acidentário previsto no art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, a uma categoria de segurado, sem um fator discriminante que se justifique legalmente. A expressa vedação legal acima apontada mostra-se injusta, porque fere o princípio constitucional da isonomia, dando tratamento diferenciado ao trabalhador autônomo da que é dada às outras categorias de segurados obrigatórios previstas na Lei 8.213/91.
O contribuinte individual verte a mesma espécie de contribuição ao Regime de Previdência Social do que as outras categorias de segurados obrigatórios. Esse sistema contributivo não faz diferenciação no momento de invadir a esfera patrimonial do trabalhador autônomo, assim, também não deve fazê-lo no momento de agraciá-lo com o benefício de auxílio-acidente. A mera diferença de categoria de beneficiário não pode ser impeditiva à percepção do referido benefício, sob pena de se estar pecando por um excesso de formalismo desarrazoado.
Se há previsão de custeio e efetivo recolhimento das contribuições no que tange ao seguro de acidente do trabalho aos cofres da Previdência Social, também dos autônomos, na condição de contribuintes individuais, não faz sentido lógico restringir-lhes o direito ao auxílio-acidente, caso ocorra um acidente do trabalho que resulte em sequelas que impliquem a redução da sua capacidade laborativa.
Cumpre aos aplicadores do Direito ao invés de fomentar a exclusão e as injustas diferenciações e desigualdades de direitos, banir arbitrariedades ao exercer a jurisdição no caso litigioso concreto. Afinal, esse deve ser o caminho para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, com base nos ditames assegurados pela Constituição Cidadã, de 05/10/1988, a qual tem o seu expoente maior cravado no artigo 1º, inciso III.
Excluir o contribuinte individual do direito a perceber o auxílio acidente fere princípios constitucionais norteadores do ordenamento jurídico brasileiro, como os princípios da dignidade da pessoa humana (art. artigo 1º, inciso III, da Constituição Cidadã de 1988), princípio da isonomia, princípio da proteção dos direitos sociais, princípio da função social do direito previdenciário, de forma que a referida norma é flagrantemente inconstitucional, devendo ser assim declarada e banida, de uma vez por todas, do ordenamento jurídico brasileiro.
Mandou bem o legislador, ao incluir no §1º, do art. 18, da Lei 8.213/91, com a promulgação da Lei Complementar 150, em 2015, como segurado possuidor do direito a receber o auxílio-acidente, a categoria dos empregados domésticos, no passado, também excluída desse direito. Entretanto, tal inclusão não foi o suficiente para corrigir a inconstitucionalidade da referida norma, visto ainda ter ficado de fora do referido rol de segurados os contribuintes individuais.
Espera-se que em um futuro próximo a mesma luz que clareou a sapiência do legislador acerca dos direitos dos empregados domésticos volte a incidir sobre sua consciência no que se refere aos contribuintes individuais, de forma a acabar com essa situação teratológica de diferenciação dos direitos dos trabalhadores autônomos no que se refere à proteção acidentária.
Enquanto isso, confia-se na ponderação dos juízes ao aplicar a regra, de forma a garantir o direito de igualdade dos contribuintes individuais para fazer jus ao auxílio-acidente, sendo legítimo, ainda, o protesto pela declaração de inconstitucionalidade da regra estampada no §1º, do artigo 18, da Lei 8.213/91, da forma como está vigente hoje.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GONZAGA, Paulo. Perícia Médica da Previdência Social. São Paulo: LTR, 2004. 3ª Edição;
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. Niterói, RJ: Impetus, 2011. 16ª Edição;
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___________________ Direito Constitucional. São Paulo; Atlas, 2002. 11ª Edição.
ROCHA, Daniel Machado da. Comentários à lei de benefícios da previdência social/José Paulo Baltazar Junior, 4 ed.rev.atual. Porto Alegre, Livraria do Advogado: Esmafe, 2004.
VILAS-BÔAS, Renata Malta. Hermenêutica e Interpretação Jurídica – Hermenêutica Constitucional. Brasília: Universa, 2003.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no DOU 05 de outubro de 1988.
BRASIL. Lei 8.213 Publicada no DOU de 25/07/1991, republicada em 11/04/1996 e republicada em 14/08/1998..
[1] Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinqüenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado.
§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
[2] Pode-se definir qualidade de segurado como a aptidão que o contribuinte do RGPS possui de ver-se protegido pelo sistema previdenciário, por meio de obtenção de benefício previdenciário, enquanto estiver vertendo contribuições ao referido sistema ou enquanto estiver usufruindo do período de graça.
[3] Pode-se definir o Período de Graça como sendo aquele tempo em que o segurado mantém o seu vínculo com o Sistema, mesmo não estando contribuindo e/ou não exercendo uma atividade remunerada que o vincule à Previdência Social de maneira obrigatória, mantendo todos os direitos inerentes à condição de segurado.
[4] Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:
I - quanto ao segurado:
h) auxílio-acidente;
§ 1o Somente poderão beneficiar-se do auxílio-acidente os segurados incluídos nos incisos I, II, VI e VII do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
Servidora pública Federal - Analista Judiciária - área judiciária - Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ABREU, Karina Medeiros de. Da inconstitucionalidade do §1º do artigo 18 da Lei 8.213/91 e o direito do contribuinte individual receber auxílio acidente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/46636/da-inconstitucionalidade-do-1o-do-artigo-18-da-lei-8-213-91-e-o-direito-do-contribuinte-individual-receber-auxilio-acidente. Acesso em: 13 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
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