RESUMO: O objeto de análise do presente estudo é a discussão acerca da decisão proferida no Recurso Extraordinário N.º 848826/DF, em que o Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de que as contas de gestão dos Prefeitos, na qualidade de ordenadores de despesas, estão submetidas ao controle e julgamento da Câmara de Vereadores, discutindo-se se houve indevida violação às competências constitucionais dos Tribunais de Contas. O trabalho inicia com a especificação das atribuições do Poder Executivo, suas competências política e administrativa, a interação entre as funções estatais básicas e dando especial ênfase ao princípio da separação dos poderes adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Esmiúça-se as atribuições dos Tribunais de Contas, as posições doutrinárias sobre a matéria e a evolução na jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre a temática. Aborda-se sobre a diferenciação entre contas de governo e contas de gestão, o entendimento clássico sobre a matéria e posiciona-se criticamente sobre o julgamento do Pretório Excelso.
PALAVRAS-CHAVE: Administrativo. Controle. Gestor. Jurisprudência.
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 A definição jurídica de contas de governo e contas de gestão 3 Modificação da decisão do Supremo Tribunal Federal e suas repercussões jurídicas e práticas 4 Considerações Finais 5 Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho almeja proporcionar à comunidade jurídica uma nova visão acerca do controle da Administração Pública em âmbito municipal, ao destacar o resultado do julgamento do Recurso Extraordinário N.º 848826/DF e do RE N.º 729744, ambos com repercussão geral reconhecida que possuíam como objeto a definição do órgão competente para realizar o julgamento de contas de gestão, ordenamento de despesas, tendo como paciente os prefeitos.
A atuação da Administração Pública, em especial quanto a atos administrativos que utilizem recursos públicos, sofre fiscalização direta do Poder Legislativo auxiliado pelo Tribunal de Contas, conforme determina o art. 70 e 71 da Constituição Federal.
Em regra, o Poder Executivo, em sua função típica de administrar, pode apresentar duas “contas” (resultados a serem apreciados pelo Legislativo), quais sejam, as de governo e as de gestão.
As contas de governo se relacionam diretamente com o desempenho da atuação do chefe do Poder Executivo dentre de sua atuação política, demonstrando, por exemplo, o cumprimento das leis orçamentárias (Lei Orçamentária Anual, Lei de Diretrizes Orçamentária e Plano Plurianual). Mais especificamente há de ser conferida de que forma o chefe do Executivo direcionou a Administração direta, seja na contraposição de matérias orçamentárias, seja na execução de planos de governo, de programas e políticas públicas, demonstrando-se, ao final, a real situação financeira e patrimonial do ente, bem como o cumprimento de metas fiscais.
Através de Cartilha do Tribunal de Contas do Estado do Piauí[1], é possível elencar alguns dos instrumentos a serem analisados pela Casa Legislativa respectiva: balanços gerais, leis orçamentárias, relatórios, demonstrativos e etc.
Nesta seara prevalece um juízo político de afinidade entre plano de governo e medidas adotadas (atos administrativos em sentindo amplo), sendo competente para seu julgamento do respectiva ente legislativo, posteriormente ao parecer (obrigatório e não vinculante) do Tribunal de Contas, conforme determina o art. 71, I, da Constituição Federal.
Na Cartilha supracitada, indicam-se alguns documentos hábeis a comprovar a idoneidade das contas de gestão, ao se apresentar a efetiva utilização de verbas públicas, através de notas de empenho, ordens de pagamento, comprovantes de despesas, processos licitatórios, contratos e atos administrativos, extratos bancários, folhas de pagamento, entre outros.
Enaltece-se justamente a diferença entre os conteúdos analisados para que se perceba o juízo altamente técnico a ser exercido pelo Tribunal de Contas ao se deparar com a malversação de recursos públicos. Emite-se parecer baseado não apenas em aspectos jurídicos, mas se inter-relacionam searas de conhecimentos distintas tais como contabilidade e administração.
As contas de gestão, diferentemente, possuem vínculo com a ordenação de despesas, emprego efetivo dos recursos públicos, em sua feição de administrador público. Não se trata da análise do cumprimento dos limites e metas globais das leis orçamentárias do chefe do Poder Executivo (função política), mas sim dos atos administrativos individualmente discriminados para fins de controle contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial. Destaca-se que há de se perquirir acerca da legalidade do processamento das despesas, a regularidade de atos e contratos administrativos e a economicidade e destinação de tais verbas públicas.
Há que se ressaltar que no âmbito federal, estadual e até mesmo municipal, em capitais de cidades ou centros urbanos estruturados, a discussão sobre as diferenças entre as referidas contas não gera grandes reflexos práticos, haja vista que ocorre uma descentralização de funções, cabendo a secretários municipais atuarem como administradores públicos e ordenadores de despesas (contas de gestão) e ao prefeito a função política de administração do ente (contas de governo).
Porém, uma parcela significativa dos municípios, pequenos centros que dependem majoritariamente do auxílio federal e estadual, ambas as funções são desempenhadas pelos prefeitos. Nestes casos indaga-se sobre o controle administrativo de tais atos, se estariam sujeitos a análise da respectiva Casa Legislativa, em decorrência da soberania popular (art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal), ou do Tribunal de Contas respectivo, em seu mister constitucional de “julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros”, conforme art. 71, II, da Carta Magna.
A responsabilidade de fiscalização dos prefeitos tem assento constitucional no art. 31, e seus parágrafos da Carta Magna, em que se prevê um quórum especializado para que a Câmara Municipal possa indeferir parecer emitido pelo Tribunal de Contas competente sobre “as contas que o Prefeito deve anualmente prestar”.
Historicamente a doutrina e a jurisprudência se posicionavam no sentido de que, com base no art. 71, II, da Carta Magna, o julgamento da regularidade de tais despesas seria encargo do Tribunal de Contas respectivo, sem a interferência do Poder Legislativo. Entretanto, em julgado recente e paradigmático do Supremo Tribunal Federal, RE N.º 848826/DF, o Plenário, em apertada votação, 6 (seis) votos a 5 (cinco), decidiu que a apreciação das contas de prefeito, seja de governo ou de gestão, deve ser exercida pela Casa Legislativa local, sendo auxiliada pelo Tribunal de Contas do Estado.
2 A DEFINIÇÃO JURÍDICA DE CONTAS DE GOVERNO E CONTAS DE GESTÃO
O presente artigo tem como finalidade precípua a instrução acerca das contas de governo e das contas de gestão, destacando o entendimento clássico acerca do órgão competente para seu julgamento, quando do âmbito municipal, e o novo, e polêmico, posicionamento do Supremo Tribunal Federal proferido no Recurso Extraordinário N.º 848826/DF, proferido em sede de repercussão geral pelo Ministro Ricardo Lewandowski.
Traz-se breve adendo referente ao direito positivado pelo Novo Código de Processo Civil (NCPC) quanto à matéria. O NCPC, de 16 de março de 2015, inovou no tratamento conferido às decisões em sede de repercussão geral. O entendimento clássico é de que recursos extraordinários, em regra, possuem efeito inter partes, não se podendo cogita numa mutação constitucional que permita que o dispositivo de tais decisões sejam extensíveis erga omnes (conforme já se posicionou o Supremo Tribunal Federal).
O NCPC, não desatento à matéria, trouxe novo instrumento jurídico para preservação da competência dos tribunais, em especial os superiores, tendo como primado os princípios da razoável duração do processo e da celeridade, qual seja, a reclamação, previsto no art. 988 e seguintes do NCPC. Tratando-se de repercussão geral, fazendo paralelo com o §5º, inciso II, do referido artigo, é cabível reclamação quando se violar dispositivo proferido em sede de repercussão geral. Assim o sendo, quanto ao objeto do presente estudo, a matéria encontra-se pacificada, apesar de divergências, cabendo reclamação no caso de seu descumprimento.
Retomando a temática, compete ao Chefe do Poder Executivo, com fundamento no art. 84, XXXIV, da Carta Magna, prestar anualmente ao Congresso Nacional as contas referentes ao exercício anterior, havendo, pelo princípio da simetria, obrigação idêntica ao demais chefes do executivo em âmbito estadual, distrital e municipal. Trata-se de obrigação personalíssima do Presidente da República, Governador de Estado e Prefeito de Município, uma vez que eventual responsabilização sob a malversação do erário recairá sobre este agente, e não ao respectivo ente. Trata-se de obrigação ex lege, ou seja, decorrente de comando constitucional cogente.
Sendo assim, explana FURTADO (link disponível em http://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/viewFile/438/488) que a diferenciação entre a responsabilidade do Chefe do Executivo e a do ente político é essencial para se compreender corretamente situações corriqueiras na Corte de Contas, conforme trecho abaixo:
Mas será essa discussão apenas uma quimera jurídica? Claro que não. Incompreensões dessa natureza têm, no âmbito dos Tribunais de Contas, dificultado a fixação do rito necessário para a condução do processo de contas; são comuns os pedidos de anulação de processo de contas anuais em face de remessa via postal de citações de ex-prefeitos para apresentação de defesa encaminhadas para a sede da prefeitura. No lado dos jurisdicionados, é habitual a incidência de erros nas relações processuais com as Cortes de Contas; é frequente o fato de advogados e contabilistas receberem procuração do município para defender os interesses do prefeito no processo de contas anuais. Esse documento não presta. Imagine como ficaria a situação dessa procuração com o final do mandato do prefeito; quem deve passar a procuração para atuar no processo de contas é a pessoa física do prefeito, ou do ex-prefeito, e não o município. O mandato passa; a titularidade e a responsabilidade pelas contas ficam.
Quanto ao regime de prestação de contas é possível se delinear o que se convencionou interpretar como: i) contas de governo, referentes à gestão político do chefe do Executivo. Neste, por força do art. 71, I, da Constituição Federal, incorre-se em julgamento perpetrado pelo Congresso Nacional, auxiliado pela Corte de Contas; ii) contas de gestão, as quais aduzem ao julgamento, prestados pelo agente ou inquiridas pela Corte de Contas, quanto a utilização de verbas públicas. Neste caso, em âmbito administrativo, o Tribunal de Contas profere decisão definitiva (passível de intervenção judicial caso se constate ilegalidade), tendo eficácia de título executivo extrajudicial (art. 71, §3º, em conjunto com art. 71, II, ambos da Carta Magna). O fim último desta análise é a reparação pelo malversação dos recursos públicos, tanto quanto ao caráter indenizatório, quanto no âmbito punitivo.
As contas de governo são caracterizadas pela avaliação, em nível global, da gestão do Chefe do Poder Executivo. Não se restringe à legalidade de cada ato individual exercido por este agente, mas, sim, a avaliação, respaldada na competência oriunda da legitimidade popular e da Carta Magna, das funções de planejar, organizar e dirigir as políticas públicas. Tais critérios tem como base inicial as leis orçamentárias (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual). Segue-se, portanto, uma função macro de desempenho do chefe do Poder Executivo e seus reflexos no cambo orçamentário, financeiro e patrimonial da nação.
Preleciona FURTADO (2007, pág. 109) que à Corte de Contas incube a instrução de um processo visando a demonstrar “a harmonia entre os programas previstos na lei orçamentária, o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias”, utilizando o que os integrantes da Corte de Contas elencam como “auditoria operacional”. Há, também, uma avaliação acerca do desenvolvimento do ente em questão no campo fiscal, em especial em áreas-chave como educação, saúde, segurança e emprego. Também será dissertado acerca do cumprimento dos limites previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Importante destacar que o julgamento das referidas contas de governo é enquadrado como ato composto, em que se depende da manifestação de dois órgãos distintos. Porém, o parecer emitido pela Corte de Contas é meramente instrumental, ou seja, a conclusão de sua análise não possui caráter vinculante quanto à decisão do Legislativo, visto que cabe a esta a competência de julgamento final sobre a matéria. Esclarece-se que adota-se no presente trabalho o entendimento de que a emissão de parecer prévio, ainda que não seja ato vinculante, é imprescindível para o julgamento de contas do chefe do Poder Executivo, não se podendo realizá-lo pela simples omissão da Corte de Contas (haveria a necessidade do Legislativo intimar o Tribunal de Contas a se manifestar no processo em epígrafe.
Ressalta-se o já comentado art. 31, §2º, da Constituição Federal, o qual determina expressamente que o parecer emitido pela Corte de Contas, quanto as contas de governo no âmbito municipal, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal. Destaca-se que nos entes estaduais e federal serão decididas por maioria simples de votos, presente a maioria absoluta de seus membros (isto numa interpretação do art. 47, da Carta Magna, o qual prevê que as deliberações de cada Casa do Congresso Nacional e de suas Comissões (e, novamente, utilizando o já exaustivamente explanado princípio da simetria, tal regra é obrigatória no âmbito estadual).
O julgamento efetuado pela Corte, conforme determina os princípios e garantias constitucionais elencados no art. 5º da Constituição Federal, incisos, LIV e LV, não prescindem da observância do contraditório e da ampla defesa, bem como a motivação, ou seja, exposição dos fatos, do direito e do juízo de conveniência política para que, caso haja descumprimento de paradigmas assecuratórios, seja possível a invocação do Poder Judiciário. Ademais, o julgamento favorável na Casa Legislativa não possui o condão de desonerar o chefe do Executivo de eventuais sanções na esfera penal, civil ou administrativa, tendo em vista a independência entre as referidas instâncias.
As contas de gestão, de outra monta, encontram seu fundamento de validade no art. 72, II, da Carta Magna, ao tratar sobre a competência do tribunal de Contas da União de julgar todo o dispêndio de administradores públicos, seja da administração direta ou indireta, sendo este poder-dever extensível aos Tribunais de Contas Estaduais. FURTADO (2007, pág. 72) cita os seguintes exemplos para clarear a temática:
Arrecadação de receitas e ordenamento de despesas, admissão de pessoal, concessão de aposentadoria, realização de licitações, contratações, empenho, liquidação e pagamento de despesas. As contas podem ser prestadas ou tomadas, conforme sejam apresentadas pelo responsável ou constituídas em procedimentos efetivados pela própria administração ou pelo Tribunal de Contas.
As contas de gestão diferem das de governo visto que aquelas analisarão minuciosamente cada ato administrativo referente à gestão contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do ente, valorando-se por critérios técnicos de legalidade, legitimidade e economicidade. Nesta avaliação foca-se na identificação de eventuais atos lesivos ao erário, constituído, principalmente, na malversação dos recursos públicos.
Podem ser citados os seguintes atos normativos, quanto ao âmbito municipal, como parâmetros de controle: a própria Constituição Federal, a Constituição do Estado (desde que não implique em regra desarrazoada que tolha a autonomia municipal – configurando-se em hipótese de intervenção federal por violação a princípio sensível), a Lei Orgânica do Munícipio, as leis que tratam sobre finanças pública, Lei N.º 4.320/64 e Lei Complementar N.º 101/2000, a lei de licitações, Lei N.º 8.666/93, e todas as demais normas atinentes ao controle de legalidade, legitimidade e economicidade que permitam averiguar se o emprego de verbas públicas não seguiu os ditames vigentes no arcabouço jurídico.
Antes de adentrar no efeitos jurídicos do julgamento do Tribunal de Contas é importante reforçar a distinção entre esta e conta de governo. Utilizando-se da jurisprudência, fonte principal de pacificação social e da resolução de contendas em caráter definitivo, e baseando especificamente no posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, acórdão abaixo, pode-se aferir que existe nítida diferenciação de controle entre as contas de governo e contas de gestão, possuindo, cada uma, suas peculiaridades.
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATOS PRATICADOS POR PREFEITO, NO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E GESTORA DE RECURSOS PÚBLICOS. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. NÃO SUJEIÇÃO AO DECISUM DA CÂMARA MUNICIPAL. COMPETÊNCIAS DIVERSAS. EXEGESE DOS ARTS. 31 E 71 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Os arts. 70 a 75 da Lex Legum deixam ver que o controle externo – contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial da administração pública é tarefa atribuída ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas. O primeiro, quando atua nesta seara, o faz com o auxílio do segundo que, por sua vez, detém competências que lhe são próprias e exclusivas e que para serem exercitadas independem da interveniência do Legislativo. O conteúdo das contas globais prestadas pelo Chefe do Executivo é diverso do conteúdo das contas dos administradores e gestores de recurso público. As primeiras demonstram o retrato da situação das finanças da unidade federativa (União, Estados, DF e Municípios). Revelam o cumprir do orçamento, dos planos de governo, dos programas governamentais, demonstram os níveis de endividamento, o atender aos limites de gasto mínimo e máximo previstos no ordenamento para saúde, educação, gastos com pessoal. Consubstanciam-se, enfim, nos Balanços Gerais prescritos pela Lei 4.320/64. Por isso, é que se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, I c./c. 49, IX da CF/88). As segundas – contas de administradores e gestores públicos, dizem respeito ao dever de prestar (contas) de todos aqueles que lidam com recursos públicos, captam receitas, ordenam despesas (art. 70, parágrafo único da CF/88). Submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais de Contas, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º da CF/88). Destarte, se o Prefeito Municipal assume a dupla função, política e administrativa, respectivamente, a tarefa de executar orçamento e o encargo de captar receitas e ordenar despesas, submete-se a duplo julgamento. Um político perante o Parlamento precedido de parecer prévio; o outro técnico a cargo da Corte de Contas. Inexistente, in casu, prova de que o Prefeito não era o responsável direto pelos atos de administração e gestão de recursos públicos inquinados, deve prevalecer, por força ao art. 19, inc. II, da Constituição, a presunção de veracidade e legitimidade do ato administrativo da Corte de Contas dos Municípios de Goiás. Recurso ordinário desprovido. (STJ - RMS: 11060 GO 1999/0069194-6, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 25/06/2002, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: --> DJ 16/09/2002 p. 159)
Ademais, nos termos da Súmula N.º 90 do Tribunal de Contas da União o julgamento favorável das contas de governo do Presidente da República (utilizando-se do princípio da simetria aos Governadores e prefeitos), através de parecer prévio da Corte de Contas e aprovação pelo Congresso Nacional, não isentam o agente à avaliação de bens, valores e dinheiros, por intermédio do Sistema de Administração Financeira, Contabilidade e Auditoria, para apurar eventuais irregulares. Trata-se, novamente, do princípio da independência entres instâncias de julgamento.
3 MODIFICAÇÃO DA DESIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E SUAS REPERCUSSÕES JURÍDICAS E PRÁTICAS
Importante distinguir que o Supremo Tribunal Federal possuía o entendimento de que as contas de gestão, ao contrário das contas de governo, não estariam submetidas à aprovação do Legislativo, justamente pela competência insculpida no art. 71, II, da Carta Magna, conforme se depreende do julgado colacionado abaixo:
Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Constituição do Estado do Tocantins. Emenda Constitucional nº 16/2006, que criou a possibilidade de recurso, dotado de efeito suspensivo, para o Plenário da Assembleia Legislativa, das decisões tomadas pelo Tribunal de Contas do Estado com base em sua competência de julgamento de contas (§ 5º do art. 33) e atribuiu à Assembleia Legislativa a competência para sustar não apenas os contratos, mas também as licitações e eventuais casos de dispensa e inexigibilidade de licitação (art. 19, inciso XXVIII, e art. 33, inciso IX e § 1º). 3. A Constituição Federal é clara ao determinar, em seu art. 75, que as normas constitucionais que conformam o modelo federal de organização do Tribunal de Contas da União são de observância compulsória pelas Constituições dos Estados-membros. Precedentes. 4. No âmbito das competências institucionais do Tribunal de Contas, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a clara distinção entre: 1) a competência para apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, especificada no art. 71, inciso I, CF/88; 2) e a competência para julgar as contas dos demais administradores e responsáveis, definida no art. 71, inciso II, CF/88. Precedentes. 5. Na segunda hipótese, o exercício da competência de julgamento pelo Tribunal de Contas não fica subordinado ao crivo posterior do Poder Legislativo. Precedentes. 6. A Constituição Federal dispõe que apenas no caso de contratos o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional (art. 71, § 1º, CF/88). 7. Ação julgada procedente. (STF - ADI: 3715 TO, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 21/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
No presente julgamento, o Ministro Gilmar Mendes realçou a atribuição constitucional da Corte de Contas em julgar os demais ordenadores de despesas. Neste voto, apesar de não se citar especificamente a diferenciação entre as contas de governo e de gestão, indicava-se o entendimento pela autonomia do Tribunal de Contas em julgar a referida matéria no caso do chefe do Poder Executivo enquadrar-se no conceito de ordenador de despesas.
Ordenador de despesas, segundo ensina LIMA (2015, pág. 484), é toda autoridade que pratique atos concretos de empenho, de autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio dos recursos públicos, havendo a necessidade de submissão a auditorias internas (órgão de Controle Interno) que será remetido à Corte de Contas competente, nos termos dos arts. 80, §1.º e 81, caput, ambos do Decreto-Lei N.º 200/67.
Conforme dispõe o modelo adotado pelo Tribunal de Contas da União, art. 16 da Lei N.º 8443/92, existem três desdobramentos oriundos da análise das contas de gestão: aprovação regular, regular com ressalvas ou irregular. Regulares são as contas que informam, de forma objetiva e clara, o cumprimento dos critérios contábeis atinentes a legalidade, legitimidade e a economicidade. As regulares com ressalvas, de outra monta, compõem-se da existência de impropriedade ou falta de natureza formal que não se configure em danos ao erário. As irregulares quando, nas hipóteses abaixo listadas, ocorrer violação material dos comandos normativos, resultando no prejuízo à Fazenda Pública.
Art. 16. As contas serão julgadas:
I - regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável;
II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao Erário;
III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:
a) omissão no dever de prestar contas;
b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;
c) dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico;
d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos.
As consequências previstas na Carta Magna são: i) a imposição de multa, não obstante eventual condenação prevista em demais atos normativos; ii) assinar prazo para que o gestor adote as providências necessárias à resolução da causa (art. 71, IX, da Constituição Federal); iii) representação ao Poder competente para que apure as irregularidades.
O ponto chave do presente estudo é a situação de que irá julgar prefeito, ordenador de despesas, que logo, nesta qualidade terá ao final uma conta de gestão. Esta situação específica ocorre apenas em pequenos municípios, em que não haja a ordenação administrativa suficiente para a existência, por exemplo, de secretários, ou outras figuras políticas que estejam aptas a ordenar os gatos públicos.
Em um primeiro momento, o Superior Tribunal de Justiça, acórdão abaixo, entendeu que o prefeito passaria por um julgamento duplo. Um de viés político, quanto a suas contas de governo (com parecer prévio da Corte de Contas e julgamento pela Câmara Municipal) e outro estritamente técnico, a cargo do Tribunal de Contas, conforme previsão do art. 71, II, da Carta Magna.
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATOS PRATICADOS POR PREFEITO, NO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E GESTORA DE RECURSOS PÚBLICOS. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. NÃO SUJEIÇÃO AO DECISUM DA CÂMARA MUNICIPAL. COMPETÊNCIAS DIVERSAS. EXEGESE DOS ARTS. 31 E 71 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Os arts. 70 a 75 da Lex Legum deixam ver que o controle externo – contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial – da administração pública é tarefa atribuída ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas. O primeiro, quando atua nesta seara, o faz com o auxílio do segundo que, por sua vez, detém competências que lhe são próprias e exclusivas e que para serem exercitadas independem da interveniência do Legislativo. O conteúdo das contas globais prestadas pelo Chefe do Executivo é diverso do conteúdo das contas dos administradores e gestores de recurso público. As primeiras demonstram o retrato da situação das finanças da unidade federativa (União, Estados, DF e Municípios). Revelam o cumprir do orçamento, dos planos de governo, dos programas governamentais, demonstram os níveis de endividamento, o atender aos limites de gasto mínimo e máximo previstos no ordenamento para saúde, educação, gastos com pessoal. Consubstanciam-se, enfim, nos Balanços Gerais prescritos pela Lei 4.320/64. Por isso, é que se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, I c./c. 49, IX da CF/88). As segundas – contas de administradores e gestores públicos, dizem respeito ao dever de prestar (contas) de todos aqueles que lidam com recursos públicos, captam receitas, ordenam despesas (art. 70, parágrafo único da CF/88). Submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais de Contas, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º da CF/88). Destarte, se o Prefeito Municipal assume a dupla função, política e administrativa, respectivamente, a tarefa de executar orçamento e o encargo de captar receitas e ordenar despesas, submete-se a duplo julgamento. Um político perante o Parlamento precedido de parecer prévio; o outro técnico a cargo da Corte de Contas. Inexistente, in casu, prova de que o Prefeito não era o responsável direto pelos atos de administração e gestão de recursos públicos inquinados, deve prevalecer, por força ao art. 19, inc. II, da Constituição, a presunção de veracidade e legitimidade do ato administrativo da Corte de Contas dos Municípios de Goiás. Recurso ordinário desprovido. (STJ - RMS: 11060 GO 1999/0069194-6, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 25/06/2002, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: --> DJ 16/09/2002 p. 159)
Porém, em recente julgamento do Supremo Tribunal Federal, abaixo colacionado, sede do presente estudo, inverteu-se o julgamento até então dominante das Cortes Superiores e da doutrina majoritária. A decisão se baseia na representatividade do cargo, afirmando que para fins de elegibilidade só competiria à Câmara de Vereadores exercer o juízo acerca da das contas dos prefeitos, seja de governo, seja de gestão.
Para os fins do art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores.
Essa a tese fixada por decisão majoritária do Plenário em conclusão de julgamento de recurso extraordinário no qual se discutia a definição do órgão competente para julgar as contas do chefe do Poder Executivo que age na qualidade de ordenador de despesas — v. Informativos 833 e 834.
Vencidos os Ministros Luiz Fux e Rosa Weber.
RE 848826/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 17.8.2016. (RE-848826)
Esclarece-se, conforme já explanado, que o julgamento da Corte de Contas tem suas repercussões previstas tanto no texto constitucional quanto em normas infralegais (art. 71, VIII, da Carta Magna), ou seja, seria plenamente possível, como ocorreu na Lei complementar 135/2010, alterar-se a Lei N.º 64/90 para fins de prever que a decisão irrecorrível por órgão competente acerca da recusa das contas de seu exercício geraria a inelegibilidade. Previsão semelhante encontra-se no art. 11, §5º, da Lei N.º 9.504/97, in verbis:
§ 5º Até a data a que se refere este artigo, os Tribunais e Conselhos de Contas deverão tornar disponíveis à Justiça Eleitoral relação dos que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, ressalvados os casos em que a questão estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, ou que haja sentença judicial favorável ao interessado.
Houve, em verdade, uma alteração terminológica, “órgão competente”, para enquadrar o Legislativo Municipal. Com a devida vênia, afirmar que é competência do legislativo a análise das contas do Poder Executivo, como se tal prerrogativa, prevista no texto constitucional, se desse de forma exclusiva é desprezar toda a valorização e a essencialidade que a Corte de Contas auferiu no decorrer de sua história. Afirmar simplesmente que os membros do Poder Legislativo são os verdadeiros representantes da soberania popular, ainda que seja uma sentença verdadeira, rechaça todo o sistema jurídico formulado pela Constituição no sentido de indisponibilidade do interesse público.
Não se pode aventar que os membros do Poder Legislativo municipal, oriundos dos mais diversos segmentos sociais, terão o conhecimento necessário para exercer a avaliação minuciosa dos técnicos da Corte de Contas. Aquiescer com governantes irresponsáveis quanto ao cumprimento de deveres de legalidade, legitimidade e economicidade é violar a matriz de um Estado Democrático de Direito, cujos representantes apenas podem administrar os recursos baseados na vontade popular, não podendo causar danos ao interesse público (seja primário ou secundário).
A origem do Recurso Extraordinário em comento decorre de Recurso Ordinário N.º 401-35, em que se pleiteava o registro da candidatura para o pleito de 2014 de gestor que havia sido considerado inelegível pelo art. 1º, I, g, da LC 64/90, abaixo colacionado, em decorrência da rejeição de suas contas pelo Tribunal de Contas competente.
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;
A tese de defesa do gestor, no referido Recurso Ordinário, foi a de que, na qualidade de Prefeito Municipal, a rejeição de suas contas só poderia ocorrer por meio do Poder Legislativo local, com base nos arts. 31, §2º, 71, I, e 75, todos da Carta Magna. Foi através do Ministro Dias Toffoli, na qualidade de presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que o recurso foi reconhecido como representativo de controvérsia para fins de verificar a repercussão geral da matéria, visto sua influência sobre inúmeros processos e situações fáticas no ordenamento jurídico brasileiro. Aduz-se que há grande relevância no pontos político, social e jurídico, visto que a situação de que chefe do executivo como ordenador de despesas, em especial em pequenos entes federativos – como na maioria dos Municípios do Brasil, é corriqueira, sendo necessária a definição jurídica do “órgão competente” apto a gerar a inelegibilidade do agente político.
Através da decisão do Ministro Luís Roberto Barroso, foi reconhecida a repercussão geral pelo Tribunal. Na interpretação do Ministro, a reforma introduzida pela ÇC 64/90 teve como objetivo fazer incidir o art. 71, II, da Constituição Federal (competência da Corte de Contas em julgar as contas de todos os ordenadores de despesas), sem excluir os mandatários que houvessem agido nesta condição. O Ministro destaca que na história do Supremo Tribunal Federal vários foram os fundamentos e intepretações sobre a matéria, havendo a necessidade, no momento presente, que o Pleno da Corte se manifeste sobre a temática. Adianta-se que a posição pessoal do Ministro Barroso foi a de que competiria à Corte de Contas o julgamento das contas de gestão dos Chefes do Poder Executivo.
Sendo assim, em 27/08/2016, o Supremo Tribunal Federal, através de seu Plenário, fixou a tese, nos autos do Recurso Extraordinário N.º 848826, de que para os fins do art. 1º, I, g, da Lei Complementar N.º 64/90, o órgão competente para julgar as contas de gestão do governo municipal, declarando-lhe ao final sua inelegibilidade, no caso de rejeição, é a Câmara de Vereadores, precedida de parecer do Tribunal de Contas competente (Estadual ou Municipal, a depender da situação) cuja conclusão (regular, regular com ressalvas ou irregular) só deixará de prevalecer pelo voto de dois terços dos vereadores.
Houve grande dissonância no meio jurídico quanto ao teor da decisão, em especial pelas Cortes de Contas. Parte da doutrina posiciona-se em sentido favorável à decisão, interpretando que somente cabe ao Poder Legislativo, quanto às contas dos chefes do Executivo, julgá-las, em caráter final, quanto a sua legalidade, legitimidade, economicidade e conveniência política, haja vista que ainda que se trata de contas de gestão, os Prefeitos exercem a administração do ente como um todo, não se podendo condená-los por cada ato individual praticado.
Corrente contrária, ao qual o estudante adere, afirma que a decisão do Pretório Excelso violou diversas garantias e diretrizes previstas na Constituição Federal, em especial a vontade política do constituinte originário de prever no ordenamento jurídico um fiscal, Corte de Contas, imparcial, técnico e objetivo em seus julgamentos. Afirmar que a Corte de Contas não possui competência prevista na própria Carta Magna é enfraquecer o princípio da separação dos poderes e violar, em grau mediato, as garantias coletivas de liberdade individual e de indisponibilidade do interesse público.
A decisão final da Suprema Corte viola o mais basilar dos princípios administrativos ao se prever que em um juízo político, ou seja, de conveniência e oportunidade que não terão parâmetros objetivos de avaliação, o Legislativo municipal pode isentar e inclusive permitir que aquele gestor exerça, novamente, o comando da máquina pública.
A decisão, portanto, basicamente desconsiderou uma das mais, se não a mais, importantes competências e finalidades da Corte de Contas de julgar a utilização dos recurso públicos, através de parâmetros objetivo e técnicos de legalidade, legitimidade e economicidade. Ainda, a Câmara de Vereadores não possui a competência de imputar débitos ao chefe do Executivo (ao contrário do Tribunal de Contas cuja decisão tem força de título executivo extrajudicial).
Cria-se, em verdade, uma imunidade e descriminação não prevista em todo o ordenamento jurídico brasileiro, visto que no caso específico de prefeitos, por serem no plano fático os únicos que também desempenham a função de ordenadores de despesas, estes poderão malversar o erário público sem sofrerem as mesmas fiscalizações dos demais entes.
Adota-se o posicionamento no presente trabalho que o correto, do ponto de vista jurídico-moral, seria uma repartição de funções de julgamento (Legislativo ou Corte de Contas) a depender do objeto de estudos – os atos concretos – preservando as diretrizes instituídas pela Constituição Federal. No caso de contas de governo, a deliberação política, e nos de gestão a avaliação técnica.
Cumpre esclarecer, contudo, que o julgamento na Suprema Corte foi extremamente disputado (seis votos a cinco), tendo os seguintes ministros votado pela competência das Câmaras Municipais para o julgamento das contas de gestão: Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello; e os seguintes que se posicionaram no sentido de atribuição da Corte de Contas: Ministros Luis Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli. Logo, com a modificação dos integrantes do Pretório Excelso, e baseado na ampla e praticamente consolidada doutrina e jurisprudência acerca da matéria, é plenamente verossímil defender que o tema será novamente tratado e, possivelmente, reformulado em futuro próximo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo que se propõe tem como finalidade analisar o controle da Administração Pública, focando na ordenação de despesa no âmbito municipal (contas de gestão) tendo como administrador a figura do chefe do Poder Executivo local, o prefeito.
Busca-se, portanto, assentar quais são os meios aptos à fiscalização e ao julgamento dos atos administrativos concretos que importem na utilização de verbas públicas, contrapondo uma visão clássica propagada pela maioria esmagadora da doutrina e jurisprudência de que papel dos Tribunais de Contas é de efetiva deliberação acerca de sua regularidade com os novos paradigmas trazidos pelo Supremo Tribunal Federal nos Recurso Extraordinário N.º 848826/DF e do RE N.º 729744.A importância do presente trabalho funda-se no confronto não apenas principiológico de normas constitucionais atinentes ao controle da Administração Pública, mas sim nos reflexos sociais do entendimento do Pretório Excelso, tendo em vista o elevado juízo técnico da Corte de Contas em detrimento da avaliação política exercida pela Casa Legislativa.
Inicia-se o estudo diferenciando-se contas de governo, cuja avaliação se dará por juízo político, pautada no cumprimento de regras e diretrizes previstas pelo Legislativo e cujo parecer da Corte de Contas é obrigatório, mas não vinculante, de contas de gestão, que se caracterizam pelo julgamento do Tribunal de Contas, em que se avaliará cada ato administrativo emitido pelo ordenador de despesas, cada pagamento, nota de empenho, autorização de gasto orçamentário, neste caso, conforme art. 71, II, da Carta Magna, cabe à Corte de Contas julgar e aplicar as sanções previstas em lei.
O art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar 64/90, determina que será inelegível o ordenador de despesas que tenha suas contas julgadas irregulares pelo órgão competente. O confronto jurisprudencial surge justamente da interpretação de quem seria legitimado para impor a referida sanção. O entendimento clássico da doutrina e da jurisprudência, inclusive do próprio Supremo Tribunal Federal, é a de que a Corte de Contas, em um juízo técnico, seria o responsável pelo julgamento. Todavia, nos autos do Recurso Extraordinário N.º 848826/DF foi pacificado, em sede de repercussão geral, entendimento contrário, afirmando que cabe à Câmara de Vereadores julgar a demanda, precedida do parecer do Tribunal de Contas competente cuja decisão poderia ser revertida por dois terços dos membros do Legislativo local.
Através doas conceituações jurídicas trazidas pelo trabalho em apreço pode-se aventar diversas violações ao texto constitucional decorrentes desta decisão. Não se respeita a autonomia e a independência de um dos mais importantes órgãos do ordenamento jurídico brasileiro, havendo clara violação à impessoalidade inerente ao julgamento exercido pela Corte de Contas, que se baseia em critérios objetivos de legalidade, legitimidade e economicidade. Ademais, estende-se prerrogativa não prevista para os demais Chefes do Poder Executivo, haja vista que as contas do Prefeito não serão analisadas quanto à legalidade de cada ato, podendo ser permitidos eventuais desvios e arbitrariedades que não se apresentam aos demais ordenadores de despesas. Em verdade, há frontal desprezo pelo princípio da indisponibilidade do interesse público, permitindo-se um julgamento em critérios políticos que simplesmente não deveriam existir dentro de um Estado Democrático de Direito.
Conclui-se o presente estudo ressaltando que a decisão do Pretório Excelso foi dada em seis votos favoráveis e cinco contrários, sendo plenamente possível que, em futuro próximo, a decisão da Corte seja revertida, adequando-se o que a doutrina e a jurisprudência majoritárias entendem sobre a temática.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL, Lei Complementar N.º 64, de 18 de maio de 1990. Brasília, DF, Senado. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm.
BRASIL, Lei N.º 8.443, de 16 de julho de 1992, Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União. Brasília, DF, Senado. Disponível em http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/109309/lei-organica-do-tribunal-de-contas-da-uniao-lei-8443-92.
Brasil, Lei N.º 9.504, de 30 de setembro de 1997. Brasília, DF, Senado. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça – RMS: 11060 GO 1999/0069194-6, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 25/06/2002, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: --> DJ 16/09/2002 p. 159
BRASIL, Supremo Tribunal Federal – ADI: 3715 TO, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 21/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
BRASIL, Supremo Tribunal Federal – RE: 848826/DF, Relator orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski. Data da publicação: 17.8.2016.
LIMA, Luiz Henrique. Controle Externo – Teoria e Jurisprudência para os Tribunais de Contas. 6.ª Edição.Rio de Janeiro: Forense. 2015.
file:///C:/Documents%20and%20Settings/Jaqueline/Meus%20documentos/Downloads/CONTAS_DE_GOVERNO_X_CONTAS_DE_GEST%C3%83O.pdf
http://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/viewFile/438/488
[1] file:///C:/Documents%20and%20Settings/Jaqueline/Meus%20documentos/Downloads/CONTAS_DE_GOVERNO_X_CONTAS_DE_GEST%C3%83O.pdf
Procurador autárquico da Manaus Previdência. Graduado em Direto pela Universidade Federal do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GERALDO UCHôA DE AMORIM JúNIOR, . As repercussões do Recurso Extraordinário n.º 848826/DF para o controle da Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50208/as-repercussoes-do-recurso-extraordinario-n-o-848826-df-para-o-controle-da-administracao-publica. Acesso em: 08 nov 2024.
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