RESUMO: O presente artigo objetiva demonstrar que não se coaduna com os ditames da Constituição Federal Brasileira a disposição exarada no artigo 3°, inciso VII da Lei nº 8.009 de 1990, que torna penhorável o bem de família do fiador locatício. O Direito atual esta direcionado a consagrar direitos e garantias fundamentais que assegurem, em maior escala, a vida digna do ser humano e sua posição de igualdade social. O tema posto em análise insere-se nesse contexto, ante uma nova compreensão atribuída ao instituto civil do bem de família. Com vistas a alcançar o objetivo alhures enunciado, procura-se demonstrar a impropriedade jurídica exarada pelo Supremo Tribunal Federal na decisão do Recurso Extraordinário nº 407.688-8, que propugnou a constitucionalidade do mencionado dispositivo infraconstitucional. Palavras-chave: Bem de Família, Fiador, Impenhorabilidade.
ABSTRACT: This thesis aims at demonstrating that does not comply with the dictates of the Federal Constitution the provision drawn up on the Article 3, Paragraph VII of the Law nº. 8.009/1990, which makes attachable family good of the guarantor on the lease. The current law is directed to establish rights and safeguards to ensure, on a larger scale, life worthy of man and his position of social equality. The subject putted under review falls in this context, given the new understanding attributed to this civil institute and to the family. In order to achieve the goal stated elsewhere, it is sought to demonstrate the jurisdictional inadequacy drawn up by the Supreme Court in the decision of Extraordinary Appeal nº. 407688-8, that suggested the constitutionality of that legal device. Key words: Family Good, Unseizability, Guarantor.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO CAPÍTULO DO BEM DE FAMÍLIA 1.1 DO CONCEITO DE BEM DE FAMÍLIA 1.2 DAS ORIGENS DO INSTITUTO 1.3 BEM DE FAMÍLIA NO BRASIL CAPÍTULO DA FIANÇA NO CONTRATO DE LOCAÇÃO 2.1 DA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS. 2.2. DA OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE DO FIADOR LOCATÍCIO CAPÍTULO AS IMPLICAÇÕES DO PARADIGMA JURÍDICO ATUAL NO INSTITUTO CIVIL DO BEM DE FAMÍLIA 3.1. BEM DE FAMÍLIA À LUZ DO DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 3.2. DIREITO SOCIAL À MORADIA COMO ARRIMO DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA 3.3. A EXPANSÃO ONTOLÓGICO-CONCEITUAL DO BEM DE FAMÍLIA NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA. CAPÍTULO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR LOCATÍCIO 4.1. O POSICIONAMENTO ANTERIOR DOS TRIBUNAIS SUPERIORES QUANTO AO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR LOCATÍCIO. 4.2. DA IMPROPRIEDADE DOS FUNDAMENTOS VENCEDORES NO JULGAMENTO DO RE nº 407.688-SP, NO STF. CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Este trabalho cuida da análise de aspectos jurídicos, políticos, sociais e econômicos relacionados ao instituto do bem de família e aos fundamentos do direito dele decorrente, especialmente no que tange à inconstitucionalidade do art. 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/1990, que permite a penhora do bem de família do fiador em contrato de locação.
Tenta-se, assim, demonstrar que norma insculpida nesse dispositivo legal, além de ofender princípios norteadores da Carta Política atual, não se coaduna com a ampliação do objeto de proteção do bem de família, decorrente, dentre outros aspectos, da expansão dos contornos conceituais da entidade familiar, consagrada pela Súmula 364 do Superior Tribunal de Justiça, e do reconhecimento constitucional do direito à moradia a partir da Emenda Constitucional nº 26 de 14 de fevereiro de 2000.
O estudo parte do exame do termo “bem de família”, escolhido pela doutrina pátria para representar, no direito brasileiro, o instituto civil através do qual se protege, seja por ato de voluntariedade ou por determinação legal, o bem imóvel que serve de moradia digna a entidade familiar (em todas as suas acepções fáticas) de ser penhorado em execução para o pagamento de dívida de quem nele resida.
Certamente, a escolha pela mencionada nomenclatura evidencia claramente os motivos pelos quais se originou o instituto jurídico em comento, qual seja o reconhecimento da importância do núcleo familiar e a necessidade de manter sua incolumidade. Dessa forma, este trabalho dá enfoque às raízes do bem de família, no Brasil, que remontam a própria sociabilidade humana, com enfoque para o respeito social sempre reservado aos laços afetivos constituídos pelos seres humanos, e que, em grande escala, levam às formações familiares, essenciais à própria existência humana.
Cuida-se também de verificar a associação do instituto com a dignidade da pessoa humana, que, no âmbito do Estado Democrático de Direito, se materializa no reconhecimento dos direitos fundamentais a fim de assegurar o desenvolvimento da personalidade do indivíduo.
Com efeito, modernamente, o direito evoluiu pautado numa tendência de humanizar os sistemas legais, sobretudo através do reconhecimento de direitos que se considera já nascerem com todo ser humano. Tais direitos não representam concessões do Estado ao indivíduo resultantes de suas opções políticas, mas sim núcleos invioláveis de uma sociedade política, sem os quais essa tende a perecer.
Neste sentido, a Constituição Federal de 1988 reconheceu e consagrou, em larga escala, direitos e garantias fundamentais (direitos individuais, coletivos, sociais, políticos, a nacionalidade, dentre outros), recebendo o título de Carta Cidadã. E, ao lado disso, instituiu uma ordem jurídica econômica finalística e inclusiva, pautada na compatibilização da livre iniciativa com a valorização do trabalho humano e que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, na forma de seu artigo 170.
Mais ainda, com a Emenda Constitucional nº 26/2000, o direito à moradia foi incluído como Direito Social, no Capítulo 11, do Título dos Direitos e Garantias fundamentais da CF/88, no que se centra a discussão sobre a penhorabilidade do bem de família do fiador locatício, feita neste trabalho.
Este debate é ladeado, ainda, pela análise das profundas mudanças sofridas no conceito jurídico de família ao longo dos tempos. Isso porque, como será demonstrado, este não está mais atrelado unicamente ao vínculo do casamento, e nem a ligações, primordialmente, consanguíneas. Ao contrário, passaram à condição de entidade familiar, por exemplo, a união estável, as famílias anaparental e monoparental e, inclusive, a união homoafetiva, o que representa uma forte ampliação conceitual da noção de família.
Ora, por óbvio, a consagração de direitos básicos do ser humano na carta constitucional e expansão conceitual da família, na esfera jurídica, tiveram repercussão em relação ao bem de família, pois, mais do que servir de proteção à entidade familiar, o instituto passou ser instrumento, em maior escala, de preservação da vida digna seja do indivíduo, singularmente considerado, seja da entidade familiar.
A preleção do artigo 3°, inciso VII, da Lei nº 8.009/90, vai de encontro a esta nova compreensão do tema. Ao designar a penhorabilidade do bem de família do fiador locatício, o dispositivo impõe a quem presta fiança em contrato de locação a renúncia ao seu direito de ter resguardado o bem imóvel essencial a sua vida digna, o que não se compatibiliza com o direito constitucional à moradia.
Ademais, a demonstração da inconstitucionalidade do referido dispositivo de lei, não pode deixar de lado o estudo do julgamento do Recurso Extraordinário nº 407.688-8, ocorrido em oito de fevereiro de 2006, sob a relatoria do Ministro Cezar Peluso, no STF. Isso porque, nesta ocasião, em decisão não unânime, por sete votos a três, o tribunal declarou que o art. 3°, VII, da Lei nº 8.009/1990, é constitucional[1]. E, com esta decisão, alterou o posicionamento que havia propugnado no ano anterior, quando analisou a questão nos Recursos Extraordinários nº 352.940-SP e nº 449.657-SP, ambos de relatoria do Ministro Carlos Velloso.
Não é possível considerar consolidada a discussão acerca desta temática, porquanto o assunto é alvo de fortes debates doutrinários, com enfoque em aspectos indissociáveis ao direito atual, sobretudo concernentes ao princípio da dignidade da pessoa humana, da isonomia e, mais especificamente ao direito de moradia.
O objetivo deste trabalho é, portanto, demonstrar a inviabilidade jurídica da convivência do referido dispositivo legal que permite a penhora sobre bem de família do fiador com a Constituição Federal vigente, bem como as razões pelas quais se considera ser equivocado o atual posicionamento da Suprema Corte Brasileira em relação ao tema.
De início, é indispensável evidenciar que o tratamento doutrinário dirigido ao bem de família é deveras superficial, em especial no Brasil, cingindo-se quase sempre à enunciação dos respectivos dispositivos legais que consagraram o instituto no ordenamento brasileiro, no percurso do tempo.
Desse modo, mais importante do que alcançar um conceito que se pretenda melhor ou mais acertado, é, sem dúvida, observar as origens do instituto e o contexto social, político, econômico e jurídico no qual se deu seu ingresso e evolução dentro do direito brasileiro. Este assunto será, portanto, elemento de estudo dos próximos itens deste capítulo.
Expõem-se adiante alguns conceitos doutrinários merecedores de atenção.
Eduardo Zannoni[2], renomado jurista argentino, conceitua:
"EI bien de familia constituye una auténtica institución especial que puede coexistir con el régimen patrimonial dei matrimonio, aunque, en puridad, opera autónomamente y se rige por normas propias. Consiste en la afectación de un inmueble urbano o rural a la satisfacción de las necesidades de sustento y de la vivienda dei titular y su família y, en consecuencia, se lo sustrae a las contingencias económicas que pudieran provocar, en lo sucesivo, su embargo o enajenación."
Segundo Limongi França, bem de família é "o imóvel urbano ou rural, destinado pelo chefe de família, ou com o consentimento deste mediante escritura pública, a servir como domicílio da sociedade doméstica, com a cláusula de impenhorabilidade" [3].
Cabe destacar que tal conceito evidencia, conforme se demonstrará adiante, a noção empregada pelo Código Civil de 1916. Desse modo, em face do art. 226, § 5°, da CF/88, tal conceituação restou desatualizada, não existindo mais em nosso direito a figura do chefe de família.
Maria Helena Diniz, enfatizando a finalidade do bem de família, o define como "um instituto originário dos Estados Unidos, visando assegurar um lar à família, pondo-a ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas condominiais"[4]. Refere-se ao bem de família classificado como voluntário.
Também merece destaque o conceito de Álvaro Villaça, para quem bem de família "é o meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade"[5].
Embora não se mostre de boa técnica definir um instituto pela sua finalidade, vale ressaltar que é exatamente a finalidade do bem de família que o diferencia de outros bens impenhoráveis e inalienáveis.
Salienta-se, por fim, a nomenclatura bem de residência[6], a qual se entende mais apropriada primeiro quando for necessário distinguir a figura criada pela Lei nº 8.009/90 do "bem de família" previsto pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 1.711; segundo, para esclarecer que também o imóvel utilizado para a residência do devedor que mora sozinho encontra-se na área de alcance da lei ora mencionada.
Tem-se que a sociabilidade é característica fundamental da nossa espécie, de modo que a maior parte da vida humana se passa em grupos. Nessa esteira, desde os primórdios da vivência humana, verifica-se o respeito social destinado à proteção e defesa do núcleo íntimo familiar.
Primitivamente, em diversas culturas, a casa representava não somente um abrigo à família, mas um verdadeiro santuário, onde se adoravam os antepassados e Deus e onde, respeitosamente, enterravam-se os mortos.
Com vistas a proteger a religião doméstica e em reconhecimento à propriedade privada, o Direito Romano, durante sua República, proibia a alienação do patrimônio familiar, porquanto imprescindível à perpetuação dos bens dos antepassados. Posteriormente, no período do Império romano, por consequência de alterações ocorridas na sociedade e na família latina, a necessidade de tal defesa do patrimônio familiar firmou-se por cláusulas de inalienabilidade criadas nos testamentos.
Ante o exposto, a experiência romana é lembrada, nesse aspecto, dentre aquelas que esboçaram a noção de bem de família e expuseram o latente imperativo social de destinar proteção especial a este, em prestígio à entidade familiar.
Conforme introduz Álvaro Villaça Azevedo, o bem de família recebeu tratamento especificamente jurídico na República do Texas, ainda antes da anexação deste território aos Estados Unidos, com a denominação de Homesfead (traduz-se "local do lar"), através da Lei do Homesfead ou Homesfead Exemption Acf, de 26 de janeiro de 1839[7].
Em meados do século XIX, o panorama político e econômico no Texas era de crise. O território recebia acentuado número de imigrantes e sofria com a contínua quebra das empresas da região e a problemática conjuntura econômica, de modo que as famílias texanas estavam ameaçadas pela miséria. A lei texana do Homestead veio proteger tais famílias do desabrigo e consequente desestruturação, nos seguintes termos:
"De e após a passagem desta lei, será reservado a todo cidadão ou chefe de uma família, nesta República, livre e independente do poder de um mandado de fieri facias ou outra execução, emitido de qualquer Corte de jurisdição competente, 50 acres de terra, ou um terreno na cidade, incluindo o bem de família dele ou dela, e melhorias que não excedam a 500 dólares, em valor, todo mobiliário e utensílios domésticos, provendo para que não excedam o valor de 200 dólares, todos os instrumentos (utensílios, ferramentas) de lavoura (providenciando para que não excedam a 50 dólares), todas as ferramentas, aparatos e livros pertencentes ao comércio ou profissão de qualquer cidadão, cinco vacas de leite, uma junta de bois para o trabalho ou um cavalo, 20 porcos e provisões para um ano; e todas as leis ou partes delas que contradigam ou se oponham aos preceitos deste ato são ineficazes perante ele. Que seja providenciado que a edição deste ato não interfira com os contratos entre as partes, feitos até agora. (Digest of the Laws of Texas § 3.798).[8]
Nessa esteira, o jurista americano Rufus Waples conceitua o Homesfead como “a residência da família, possuída, ocupada, consagrada, limitada, impenhorável e, por diversas formas, inalienável, conforme estatuído na lei”[9].
Em síntese, a partir ideia do Homesfead Exempfion Act não seria possível aos credores, principalmente aos bancos, penhorar e leiloar os imóveis, as residências, de sorte que as famílias abatidas pela crise ficariam incentivadas a reestruturar-se.
Ressalta-se que as bases do bem de família traçadas na primitiva República do Texas permanecem vivas na legislação americana atual, nos estados que admitem sua existência.
No Brasil, aponta-se o Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, como pioneiro na enumeração de casos de isenção de penhora em relação a determinados bens do devedor executado. Contudo, não chegou a ser contemplada a situação do bem imóvel que lhe servisse de domicílio.
Ademais, por um longo período, vários esforços para instituição do bem de família no ordenamento jurídico pátrio foram obstados, sobretudo pela tendência prevalecente ao tempo na legislação brasileira em destinar proteção, em maior intensidade, aos credores em relação aos devedores.
O Projeto Beviláqua, assim chamado o anteprojeto do Código Civil Brasileiro na Primeira República, chegou à Câmara e ao Senado sem contemplar o instituto jurídico em apreço. Porém, em 1° de dezembro de 1912, a Comissão Especial do Senado aceitou, em seu parecer, uma emenda de seu presidente, Feliciano Penna, fazendo incluir no Código Civil quatro artigos regulando o Homesfead, que passaram a constituir o Bem de Família do Código Civil Brasileiro de 1916, inserido no livro dos bens, através dos artigos 70 a 73.
A dita regulamentação representava uma influência do poder marital, inerente a sociedade da época, na legislação civil ao permitir que o chefe da família instituísse um, dentre seus bens, sobre o qual recairia proteção enunciada no art. 70, do Código Beviláqua, conforme se constata, in verbis:
"Art. 70. É permitido aos chefes de família destinar um prédio para domicílio desta, com a cláusula de ficar isento de execução por dívidas, salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo prédio.
Parágrafo único. Essa isenção durará enquanto viverem os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade."
Assim, era o marido (chefe da família) que instituía o bem de família, que se tornava isento de responder por dívidas, salvo em relação aos impostos que sobre o bem recaíssem. Ademais, conforme se depreende do parágrafo único do mesmo artigo, a proteção duraria enquanto vivos fossem os cônjuges e a prole permanecesse incapaz. Portanto, tinha-se como causa de extinção do bem de família a morte de ambos os cônjuges e a maioridade da prole.
Resta evidente, ante o exposto, que a dicção exarada no Código Civil de 1916 relaciona-se ao que a doutrina brasileira classificou como bem de família voluntário. Tal espécie trata-se de ato de previdência do proprietário do bem que, visando a futura proteção da família, voluntariamente atribui a este a condição de bem de família, evitando que o mesmo seja alvo de execução de eventual dívida.
Em similitude ao caso americano, foi em um cenário de crise financeira, durante o governo Fernando Collor de Mello, que se promoveu uma importante evolução legislativa, através da qual foram ultrapassadas as barreiras jurídicas até então conquistadas em relação ao instituto civil em apreço. A edição da Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, vulgarmente apelidada de Lei Sarney, manifestou de maneira nítida a intenção do Estado Brasileiro em oferecer proteção à família, principalmente em tal período de recessão.
A aludida lei inovou, no momento em que enorme parcela da sociedade brasileira tinha seus bens expropriados diante do momento de insolvência generalizada, ao instituir segurança legal e automática ao bem de família. Nesse caso, a instituição não dependeria de ato de previdência do proprietário, de maneira que se considera instituidor o próprio Estado.
Assim dita o dispositivo que abre a mencionada lei:
Art. 10. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
Destarte, embora ainda fosse possível valer-se da faculdade de instituir bem de família voluntário, a lei pôs a salvo o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar, tornando-o impenhorável, não mais respondendo este por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na própria lei.
Vale dizer, neste ponto, que se tornou discutível a viabilidade prática de manutenção do instituto do bem de família voluntário ou convencional, ante a nova conjectura jurídica. Primeiramente, há quem julgue desnecessária sua instituição, já que a proteção do bem de família pela Lei nº 8.009/90 é automática. Além disso, é evidente que o primeiro traz despesas de escritura e registro ao instituidor, o que não ocorre quanto ao instituto que consta da lei específica. Por último, diante da clara limitação à autonomia privada existente no bem de família convencional, já que o imóvel passa a ser também inalienável, como regra. Tais aspectos conferem ao bem de família legal prevalência na prática jurídica.
Trata-se, aqui, de norma jurídica de notória natureza pública, sobretudo em razão de seus fundamentos jurídicos e objeto de sua proteção.
Com efeito, a proteção da entidade familiar é o principal motivo e alicerce histórico para a criação do instituto do bem de família, de modo que a própria nomenclatura que lhe foi conferida remete a tal fato. Essa proteção reflete-se, sobretudo, no resguardo ao domicílio da família. Compreende-se que a casa é de fundamental importância para a segurança da família que nela reside, e evita sua eventual desestruturação.
A despeito do acima sublinhado, a impenhorabilidade prelecionada pela Lei nº 8.009/90 não é absoluta, de modo que o próprio texto legal traz, em seus artigos 2° a 4°, hipóteses em que a proteção ao domicílio familiar não incide.
Dentre estas, tem importância para o presente trabalho a preleção do inciso VII do artigo 3° da Lei Sarney (incluído pela Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, a Lei do Inquilinato), que afirma, ipsis literis:
"Art. 3° A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: ( ...)
VII -por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação."
A lei permite, nesse aspecto, que seja penhorado o bem de família daquele que adquirir posição de fiador locatício, não permitindo que este seja resguardado de penhora no caso de eventual execução sempre que o locatário não cumpre com as obrigações decorrentes da locação, em circunstâncias legalmente previstas.
Em deferência à relação guardada entre o contrato de locação e de fiança locatícia com a concretização do direito à moradia – conquanto a locação não necessariamente exista para tanto, é indubitável a atual intensidade em que tal espécie contratual serve para este fim – faz-se necessário explanar brevemente sobre a função social dos contratos e sua relação com a tese proposta no presente estudo.
A função social, que significa a prevalência do interesse público sobre o privado, bem como a magnitude do proveito coletivo em detrimento do meramente individual, é um fenômeno modernamente massificado que inspira todo o ordenamento jurídico. Conforme coloca Fábio Konder Comparato, compreender o direito, em seus diferentes ramos, a partir de uma função social é reconhecer que esse deve existir para atender às finalidades da norma jurídica[10].
A Constituição Federal de 1988, ao disseminar em nossa vivenda uma enorme coleção de direitos extrapatrimoniais, estabeleceu o reconhecimento de uma função social a diversas categorias jurídicas (a exemplo à propriedade, à família, aos negócios jurídicos contratuais), rompendo, neste ponto, com o padrão retributivo decorrente do brocardo suum cuique tribuere e esforçando-se para inaugurar as bases de uma justiça mais distributiva.
Assim, quanto aos negócios contratuais, dentre os quais a locação e fiança locatícia, exprimirem a necessária harmonização dos interesses privativos dos contraentes com os interesses de toda a coletividade significa exercer a autonomia contratual obedecendo à função social do contrato.
São dizeres de Theodoro Júnior:
É inegável, nos termos atuais, que os contratos, de acordo com a visão social do Estado Democrático de Direito, hão de submeter-se ao intervencionismo estatal manejado com o propósito de superar o individualismo egoístico e buscar a implantação de uma sociedade presidida pelo bem-estar e sob efetiva prevalência da garantia jurídica dos direitos humanos[11].
Em igual caminho, expõe Miguel Reale:
Na elaboração do ordenamento jurídico das relações privadas, o legislador se encontra perante três opções possíveis: ou dá maior relevância aos interesses individuais, como ocorria no Código Civil de 1916, ou dá preferência aos valores coletivos, promovendo a "socialização dos contratos"; ou, então, assume uma posição intermédia, combinando o individual com o social de maneira complementar, segundo regras ou cláusulas abertas propícias a soluções equitativas e concretas. Não há dúvida que foi essa terceira opção a preferida pelo legislador do Código Civil de 2002.
É a essa luz que deve ser interpretado o dispositivo que consagra a função social do contrato, a qual não colide, pois, com os livres acordos exigidos pela sociedade contemporânea, mas antes lhes assegura efetiva validade e eficácia[12].
Conforme anota este excelso jurista, as disposições legais acerca de função social dos contratos, conquanto constituam uma intensa e necessária limitação ao poder dos contraentes de livremente estabelecer o conteúdo contratual, não afastam a vontade com elemento subjetivo essencial à conclusão destes, nem impedem a indispensável conclusão das diversas espécies contratuais na atualidade.
Nessa esteira, ensina o professor César Fiuza que os "contratos são instrumentos de movimentação da cadeia econômica, de geração e circulação de riquezas. É por seu intermédio que a economia se movimenta. Eles geram empregos, criam oportunidades para a promoção do ser humano. Nisto reside sua função social"[13].
Desse modo, a liberdade individual e a iniciativa pessoal continuam sendo a razão de ser dos contratos, no entanto, uma visão mais humanitária do Estado Democrático de Direito torna necessária a intervenção estatal, seja através da legislação ou da atuação judiciária, em determinados aspectos da regulamentação contratual, a fim de limitar a autonomia da vontade preservando o interesse coletivo que eventualmente pode ser afetado se houver exercício abusivo daquela. Assim, resta relativizado o antigo princípio contratual do pacta sunt servanda.
O atual Código, perfilhando tal visão humanitária do Direito Civil, norteada pelos ditames do Direito Civil Constitucional, corrente jurídica que preleciona a leitura do direito privado à luz da Constituição, trouxe expressa disposição acerca da função social dos contratos em seus artigos 421[14] e 2.053[15].
A lição de Flávio Taturce, doutrinador do Direito Civil Constitucional, sobre a função social dos contratos é completa ao estabelecer o elo entre a função social do contrato e a necessária garantia de direitos fundamentais do homem. Assim ele dita:
"O primeiro deles, a dignidade da pessoa humana, está estampado no art. 1°, 111, do Texto Maior, sendo a valorização da pessoa um dos objetivos da República Federativa do Brasil. Um contrato nunca, jamais, poderá trazer lesão a esse princípio máximo.
O segundo princípio visa a solidariedade social, outro objetivo fundamental da República, conforme art. 30, I, da CF/1988. Outros preceitos da própria Constituição trazem esse alcance, caso do seu art. 170, pelo qual: 'a ordem econômica, findada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social'.
Por fim, o princípio da isonomia ou igualdade lato sensu, traduzido no art. 50, caput, da Lei Maior, eis que 'todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade'. Quanto a essa igualdade, princípio maior, pode ser a mesma concebida pela seguinte oração: 'A lei deve tratar de maneira igual os iguais, e de maneira desigual os desiguais'”[16].
O referido autor, na obra indicada, declara, ainda, que a função social do contrato é regramento de ordem pública que tem fundamento constitucional decorrente da função social da propriedade, concebida em sentido amplo, conforme os artigos 5°, incisos XXII e XXIII, e 170, inciso 111, da Carta Magna.
A Primeira Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal aprovou o Enunciado nº 23, pelo qual: "a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana". O direito constitucional à moradia, como exteriorização da dignidade da pessoa humana, deve limitar a autonomia privada, portanto.
Em consonância com as considerações apresentadas até então, a proteção ao bem de família como instrumento determinante de garantia de direitos fundamentais não pode ser suplantada frente a autonomia da vontade. Desse modo, sempre que o exercício desta se der em contrato de fiança locatícia deverá sofrer limitação por força da função social inerente ao ordenamento jurídico brasileiro.
Conclui-se, assim, que a prestação de fiança em garantia a contrato de locação não pode distanciar-se da função social inerente aos contratos e permitir a penhora do bem de família do fiador, ofendendo sua dignidade e seu direito à moradia.
No esforço de demonstrar a clara afronta ao princípio da isonomia, no tocante ao tratamento diferenciado para o bem de família do locatário e do fiador, faz-se necessário apresentar apontamentos acerca da obrigação e da responsabilidade do fiador locatício, comparando-a com a do locatário, e, assim, demonstrar a necessidade de igual proteção ao direito à moradia de ambos.
Inicialmente, faz-se cogente conceituar o instituto. Muito bem o faz Pontes de Miranda, nos seguintes termos:
A fiança é promessa de ato-fato jurídico ou de outro ato jurídico, porque o que se promete é o adimplemento do contrato, ou do negócio jurídico unilateral, ou de outra fonte de dívida, de que se irradiou, ou se irradia, ou vai irradiar-se a dívida de outrem[17].
Assim, a fiança é uma garantia pessoal ou fidejussória[18], celebrado intuitu personae, pelo qual alguém se obriga a pagar ao credor o que a este deve um terceiro.
Quando o fiador assume a obrigação de garantir um contrato se torna responsável nos exatos termos em que se obrigou e, caso não haja o pagamento da dívida, responde com seus bens patrimoniais pessoais. Desse modo, se o devedor não pagar a dívida ou seus bens não forem suficientes para cumprir a obrigação, o credor poderá voltar-se contra o fiador, reclamando o pagamento, sendo-lhe um direito legítimo.
Nestes termos o artigo 818 do Código Civil conceitua:
Art. 818: Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.
É clara a natureza acessória e subsidiária deste contrato, na medida em que só existe como garantia da obrigação de outrem, dependendo de um contrato principal e tendo sua execução subordinada ao inadimplemento deste, pelo devedor. Assim, se declarada nula a obrigação principal, desaparece a fiança, salvo se a nulidade resultar unicamente de incapacidade pessoal do devedor nos termos do artigo 824 da lei civil. Além disso, tendo em vista que o contrato acessório não pode sobrepujar o principal, a fiança pode ser pactuada em valor menor ao da obrigação principal ou contraída em condições menos onerosas que esta, mas nunca excedê-la.
Vale salientar que significativa parcela da doutrina civilista atribui à fiança o caráter unilateral, "porque gera obrigações, depois de ultimado, unicamente para o fiador"[19]. Ademais, é contrato formal (a ser assumido obrigatoriamente na forma escrita, jamais sendo admitida sua presunção), benéfico, tendo em vista que não admite interpretação extensiva, e gratuito, via de regra, embora possa assumir caráter oneroso sempre que o afiançado remunera o fiador pela fiança prestada.
O Código Civil, em seus artigos 827 à 836, trata sobre os efeitos da fiança. Dentre estes se destaca o benefício de ordem, que é o direito assegurado ao fiador de exigir do credor que acione, em primeiro lugar, o devedor principal, isto é, que os bens do devedor principal sejam excutidos antes dos seus. Tal efeito decorre do caráter subsidiário acima mencionado. Para que o fiador tenha direito ao benefício da ordem, não pode haver no contrato renúncia expressa quanto ao benefício ou estabelecimento de solidariedade.
Cita-se como segundo efeito a sub-rogação. O fiador terá o direito de reaver, em face do locatário, aquilo que gastou adimplindo a obrigação por meio de uma ação regressiva contra o afiançado, prevista no artigo 595, parágrafo único, do CPC.
O artigo 37, caput, da Lei 8.245 de 18 de outubro 1991, a atual Lei do Inquilinato, previu três modalidades de garantia nos contratos de locação em seu artigo 37, dentre as quais a fiança locatícia. In verbis:
Art. 37: No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia:
1-caução;
11-fiança;
111 - seguro de fiança locatícia.
Calha salientar que, havendo legislação específica a tratar da fiança prestada em contrato de locação, o Código Civil apenas complementa a Lei do Inquilinato em caso de eventual lacuna. Nada obstante tal fato, a fiança locatícia não é distinta da comum no que concerne a sua natureza e às características acima apontadas.
Isto posto, urge demonstrar a contradição existente entre a ressalva trazida pela Lei de Locações, no que alterou a Lei nº 8.009/90, incluindo o inciso VII ao seu art. 3°, e as disposições constitucionais relativas ao direito à moradia fundamental ao homem.
Conforme a legislação ora enunciada, o bem de família do locatário (garantidor de sua moradia) será protegido pelo manto da impenhorabilidade, contudo o mesmo não ocorre em relação ao daquele que se obrigou perante o locador mediante fiança, pois o imóvel que lhe serve de residência digna será penhorável.
A autonomia privada, "consagradora de um dos mais importantes princípios do Direito Privado Contemporâneo, constitui um regramento básico, de ordem particular - mas influenciado por normas de ordem pública - , pelo qual, na formação dos atos e negócios jurídicos, além da vontade das partes, entram em cena outros fatores: psicológicos, políticos, econômicos e sociais"[20]. Neste aspecto, ambos locatário e fiador locatício, em regra, podem exercer, em iguais condições, sua liberdade de pactuar, dentro dos limites da lei, dentre os quais está, o direito à moradia (pelos fundamentos já anotados).
Do mesmo modo, se ambos têm o mesmo direito de autonomia da vontade e este se encontra restrito em iguais proporções pela necessidade constitucionalmente prevista de proteção à dignidade humana e da família, especialmente no que importa garantir condições de moradia, o bem de família de ambos deveria ser alcançado pela impenhorabilidade trazida pela Lei Sarney, considerados os motivos, anteriormente expostos, que levaram a edição desta.
Vale aqui a lição do antigo brocardo hermenêutico: "ubi eadem ratio, ibi eadem legis", para o qual onde existe a mesma razão fundamental, deverá prevalecer a mesma regra de direito. Assim dito, se alguém tem plena liberdade de querer ou não se tornar locatário e outrem igualmente a tem de assumir ou não a condição de fiador locatício, deverão ser aplicadas a ambos as normas jurídicas relativas a restrições à autonomia da vontade, bem como ser a ambos concedidas as proteções inerentes a garantia da dignidade da pessoa humana.
No mesmo plano, salienta-se que a Constituição optou, conforme restará melhor esclarecido no capítulo seguinte, por trazer expressos em seu texto uma série de direitos fundamentais do homem, dentre os quais aquele resguardado pelo princípio da isonomia.
Prescreve o caput do art. 5° da nossa Constituição Federal de 1988: "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade (...)".
As efetivas desigualdades, de várias categorias, existentes e eventualmente estabelecidas por lei, entre os vários seres humanos, desafiam a inteligência dos juristas a determinar os conceitos de "iguais" e "iguais perante a lei". Assim, cumpre como papel do jurista a interpretação do conteúdo dessa norma, tendo em vista a sua finalidade e os princípios consagrados no Direito Constitucional, para que desta forma o princípio realmente tenha efetividade. Vale a lembrança de que o significado válido dos princípios é variável no tempo e espaço, histórica e culturalmente.
Tal preceito constitucional se faz presentes em diversas constituições atuais, orientando o ordenamento jurídico dos Estados Modernos. O insigne José Afonso da Silva, afirma que "porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busque realizar a igualização das condições desiguais"[21], portanto, o fim igualitário, a muito já era buscado.
Assim, o referido princípio assume dupla aplicação, qual seja: uma teórica, com a finalidade de repulsar privilégios injustificados; e outra prática, ajudando na diminuição dos efeitos decorrentes das desigualdades evidenciadas diante do caso concreto.
É inegável, afinal, que a incidência da exceção do inciso VII da Lei nº 8.009/90, tratando distintamente as obrigações do locatário e do fiador no que se refere à impenhorabilidade do bem de família, ocasionaria uma situação incoerente ao trazer um gravame maior ao fiador, não protegido pelo benefício legal, violando a própria natureza da espécie contratual em comento ao tornar o contrato acessório mais oneroso em relação ao principal.
Em conclusão, é válido revelar a aula de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:
Partindo-se da premissa de que as obrigações do locatário e do fiador têm a mesma base jurídica o contrato de locação –, 'não é justo que o garantidor responda com o seu bem de família, quando a mesma exigência não é feita para o locatário'. Isto é, se o inquilino, fugindo de suas obrigações, viajar para o interior da Bahia, e 'comprar um único imóvel residencial', este seu bem será 'impenhorável', ao passo que o fiador continuará respondendo com o seu próprio 'bem de família' perante o locador que não foi pago. À luz do Direito Civil Constitucional – pois não há outra forma de pensar modernamente o Direito Civil parece-me forçoso concluir que este dispositivo de lei 'viola o princípio da isonomia' insculpido no art. 551 da CF, uma vez que 'trata de forma desigual locatário e fiador, embora as obrigações de ambos tenham a mesma causa jurídica: o contrato de locação[22].
Modernamente, é nítida a superação da rigidez na dicotomia entre as esferas do direito público e privado, vislumbrando-se em diversos ramos da ciência jurídica pontos comuns de contato entre estes. Tal partição, cujas origens remontam os romanos, não mais traduz a realidade econômico-social, nem corresponde à lógica do sistema jurídico atual.
Com maior frequência aumentam os pontos de confluência entre o público e o privado, em relação aos quais não há uma delimitação precisa, fundindo-se, por vezes, o interesse de um e de outro.
Tal convergência se faz notar em vários os campos do ordenamento, seja em virtude do emprego de instrumentos privados por parte do Estado, em substituição aos arcaicos modelos autoritários, seja na elaboração da categoria dos interesses difusos e supra-individuais, ou ainda no que tange aos institutos privados, na atribuição de função social à propriedade, na determinação imperativa do conteúdo de negócios jurídicos, na objetivação da responsabilidade e na obrigação legal de contratar.
Nesse sentido, afirma-se que a austera separação das mencionadas esferas jurídicas, nos termos em que era posta pela doutrina tradicional, há de ser abandonada[23].
Em consonância com a compreensão alhures perfilhada, a Constituição da República de 1988 delineou um novo modelo de Estado Democrático de Direito fundamentado na dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, conforme expõe seu art. 1°[24]. Surge, nesse momento, um novo paradigma ante os objetivos constitucionais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária e de erradicação da pobreza (art. 3° da atual Constituição Federal)[25].
Com efeito, grande parte da doutrina especializada, antiga e moderna, encontra-se coesa em torno do caráter normativo das prescrições constitucionais, isto é, de sua juridicidade como fonte de validade para os demais atos normativos do sistema[26].
Assim, evidencia-se que as normas constitucionais garantem a uniformidade do ordenamento jurídico exatamente utilizando o potencial do sistema jurídico em um renovado positivismo, que não se exaure na pura e simples obediência à letra da lei, mas que, acatando substancialmente as escolhas políticas do legislador constituinte, estende os valores constitucionais a toda legislação.
Vale mencionar os dizeres de Ingo Wolfgang Sarlet, em obra na qual desenvolve muito bem a idéia do mínimo existencial, para o qual a dignidade humana é:
"a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida a cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e coresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos"[27]
O renomado jurista observa que a dignidade da pessoa humana é princípio a "imantar" o sistema jurídico, assim dizendo:
"( ... ) parece-nos já ter restado clarificado ao longo da exposição, que o reconhecimento da condição normativa da dignidade, assumindo de princípio (e até mesmo como regra) constitucional fundamental, não afasta o seu papel como valor fundamental para toda a ordem jurídica (e não apenas para esta), mas, pelo contrário, outorga a este valor uma maior pretensão de eficácia e efetividade"[28].
Em síntese, a pessoa humana foi elevada ao vértice do ordenamento jurídico brasileiro, de modo que tal é o valor que conforma todos os ramos do Direito.
Resta fortalecida a tendência de não mais se permitir a utilização das normas constitucionais apenas em sentido negativo, isto é, como limites dirigidos somente ao legislador ordinário[29]. Sustenta-se, ao contrário, o seu caráter transformador, entendendo-as Como fundamento conjunto de toda a disciplina normativa infraconstitucional, como princípio geral de todas as normas do sistema.
A rigor, portanto, o esforço hermenêutico do jurista moderno volta-se para a aplicação direta e efetiva dos valores e princípios da Constituição, não apenas na relação entre Estado e indivíduo, mas também na relação situada no âmbito dos modelos próprios do direito privado.
O enfoque proposto desponta como um caminho obrigatório, inelutável, em razão da consagrada natureza normativa dos enunciados constitucionais.
É precípuo o papei destes também na teoria das fontes do direito civil. Por consequência, configura-se inevitável a inflexão da disciplina civilista à obediência aos enunciados constitucionais, os quais não deixam de primar pela proteção de bens em si, mas somente enquanto destinados a efetivar valores existenciais, realizadores da justiça social.
Como resultado de tais rumos da evolução jurídica, surge o chamado Direito Civil Constitucional. Essa expressão é amplamente utilizada na atualidade para indicar o método de análise do direito essencialmente privado à luz do Texto Maior e, sobretudo, dos ditames de proteção da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da isonomia. Trata-se de interpretação que visa consubstanciar um Direito Civil renovado, mais justo e solidário.
Igualmente, emprega-se, para fazer alusão a esse novo padrão ontológico, a elocução personalização do Direito Civil, considerando seu apelo assecuratório das garantias relativas à dignidade da pessoa humana.
Nessa esteira, Fachin defende a existência de um patrimônio personalíssimo, relacionado com a "verificação concreta de uma esfera patrimonial mínima, mensurada pela dignidade humana à luz do atendimento de necessidades básicas ou essenciais". Sua tese, conhecida como "estatuto jurídico do patrimônio mínimo", é de fundamental importância, pois propõe a colocação da pessoa e suas necessidades fundamentais em primeiro plano e coaduna-se, portanto, com as tendências de "despatrimonialização" ou "personalização" do Direito Civil [30].
Nessa esteira, salienta-se como exemplo marcante dessa nova perspectiva o dispositivo constitucional que abre o capítulo. do Título dedicado à ordem econômica e financeira.
Assim, o art. 170 da Carta Maior, regulando os princípios gerais da atividade econômica, dispõe que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Trata-se de verdadeira cláusula geral de tutela dos direitos da pessoa humana a privilegiar os valores existenciais sempre que a eles se contrapuserem os valores patrimoniais.
Da mesma maneira, qualquer norma ou cláusula contratual estabelecida entre particulares deve se coadunar e exprimir a normativa constitucional. Sob essa ótica, as normas do direito civil necessitam ser interpretadas como reflexo das normas constitucionais.
A transformação não é de pequena monta. O direito civil enquanto regulamentação da atividade econômica individual, entre homens livres e iguais, recebe incremento da vida social, da família, das associações, dos grupos comunitários, de onde quer que a personalidade humana melhor se desenvolva e sua dignidade seja mais amplamente tutelada.
Ante o exposto, facilmente vislumbra-se que o núcleo fundamental desenvolvido pela teoria do Direito Civil Constitucional corresponde àquele mesmo que serve de razão à proteção jurídica dirigida ao bem de família, assim desde suas origens (em respeito à instituição familiar, âmago essencial de desenvolvimento do ser humano), como na atualidade, relacionado à proteção da dignidade humana, ainda que sem vinculação a qualquer núcleo familiar específico.
Nesse aspecto, a Lei nº 8.009/90 é emblemática da aplicação deste acertado deslocamento dos valores no ordenamento atual.
O intento do presente trabalho, conforme já mencionado, é demonstrar a incompatibilidade material entre a preleção do inciso VII do art. 3° da Lei nº 8.009/1990 e o texto constitucional brasileiro, em especial posteriormente à aprovação da Emenda Constitucional nº 26, no ano de 2000, responsável por introduzir no rol constitucional dos direitos sociais o direito à moradia. Faz-se oportuno, portanto, aprofundar a análise deste direito em aspectos considerados essenciais para o alcance do mencionado escopo.
De início, é necessário situar o tema dentro do estudo dos direitos fundamentais. Neste ponto, é imperioso observar que é recente o reconhecimento de direitos fundamentais do homem em proclamações explícitas as declarações de direitos[31]. Além disso, adverte-se estar longe o esgotamento de suas possibilidades, sobretudo tendo em vista que a evolução da humanidade importa obrigatoriamente na conquista de novos direitos.
Com efeito, uma questão técnica apresentou-se no desenvolver das declarações de direitos, qual seja a necessidade de assegurar sua efetividade através de um conjunto de meios e recursos jurídicos, denominado genericamente de garantias fundamentais. Tal exigência técnica determinou que o reconhecimento de direitos fundamentais devesse realizar sob formulação jurídica mais caracterizadamente positiva. Assim primou-se pela inserção dos direitos fundamentais no texto das constituições, uma vez que as declarações de direitos careciam de força e de mecanismos jurídicos que lhes garantissem eficácia bastante.
Neste ponto, é muito clara e precisa a preleção do jurista italiano Biscaretti di Ruffia, ora transcrita:
"No curso do século XIX, a enunciação dos direitos e deveres dos indivíduos sofreu uma dupla transformação: passou para o próprio texto das Constituições, imprimindo às suas fórmulas, até então abstratas, o caráter concreto de normas jurídicas positivas (ainda que de conteúdo geral e de princípio), válidas para os indivíduos dos respectivos Estados (dita subjetivação), e, não raro, integrou-se também de outras normas destinadas a atuar uma completa e pormenorizada regulamentação jurídica de seus pontos mais delicados, de modo a não requerer ulteriormente, a tal propósito, a intervenção do legislador ordinário (ou seja, sua positivação)"[32].
Faz-se mister recordar que, no campo do direito positivado, a expressão direitos fundamentais do homem é reservada para designar as prerrogativas e instituições que o ordenamento jurídico concretiza em garantia de uma convivência livre, digna e igual de todas as pessoas. Nessa esteira, assevera o constitucionalista José Afonso da Silva:
"No qualitativo fundamentais acha a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana."[33].
No mesmo sentido, o jurista Paulo Bonavides faz referência a Konrad Hesse, um dos clássicos do direito público alemão contemporâneo, para afirmar: "criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana, eis aquilo que os direitos fundamentais almejam"[34].
Usualmente, a doutrina constitucionalista, no intuito de esquematizar a evolução dos direitos fundamentais, bem como o seu reconhecimento nas declarações de direitos e cartas constitucionais ao longo do tempo, classifica tais direitos em gerações. Sem adentrar nas minúcias relativas ao tema, afirma-se que o direito à moradia é direito social, sendo, portanto, qualificado dentre os direitos fundamentais de segunda geração[35].
Como obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX, surgiram os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como coletivos ou das coletividades, introduzidos no constitucionalismo das diversas formas de Estado Social. Sobre a origem de tais princípios, assevera Paulo Bonavides: "nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula"[36].
Enquanto dimensão dos direitos fundamentais do homem, os direitos sociais devem ser compreendidos como prestações positivas proporcionadas pelo Estado, de modo direto ou indireto, e pronunciadas sob a forma de normas constitucionais, tendentes a possibilitar melhores condições de vida aos mais fracos. Assim, afiguram-se como direitos que buscam atingir isonomia em situações sociais desiguais, ressaltada, nesse aspecto, sua relação com o princípio da igualdade (em seu sentido material).
Verificou-se uma tendência de que os direitos sociais deixassem de ser regulados nos diversos textos constitucionais em capítulos relativos à ordem social, nos quais geralmente também o eram os direitos concernentes à ordem econômica. Nesse aspecto, a Constituição de 1988 trouxe um capítulo próprio para tratar dos direitos sociais e, bem distante deste, um título sobre a ordem social. Entretanto, não há que se pensar que houve uma cisão radical no tratamento dessas matérias, de modo que os direitos sociais continuam a ser algo ínsito na ordem social.
Pelo exposto, vislumbra-se que o constituinte escolheu por separar os conteúdos dos direitos relativos a cada um dos objetos sociais alvo de proteção, deles tratando no capítulo dos direitos sociais, deixando para regular no título da ordem social de seus mecanismos e aspectos organizadores.
Neste contexto, José Afonso da Silva faz importante ressalva em relação ao posicionamento da atual Carta Política do Brasil no que se refere à dimensão social dos variados direitos fundamentais por ela consagrados, dando relevo à importância da relação existente entre os direitos sociais e os demais direitos fundamentais colimados na constituição:
“A Constituição, agora, fundamenta o entendimento de que as categorias de direitos humanos fundamentais, nela previstos, integramse num todo harmônico, mediante influências recíprocas, até porque os direitos individuais, consubstanciados em seu art. 5°, estão contaminados de dimensão social, de tal sorte que a previsão dos direitos sociais, entre eles, e os direitos de nacionalidade e políticos, lhes quebra o formalismo e o sentido abstrato. Com isso transita-se de uma democracia de conteúdo basicamente político-formal para a democracia de conteúdo social, se não de tendência socializante. [ ...] O certo é que a Constituição assumiu, na sua essência, a doutrina segundo a qual há de se verificar a integração harmônica entre todas as categorias dos direitos fundamentais do homem sob o influxo precisamente dos direitos sociais, que não mais poderiam ser tidos como uma categoria contingente.” [37].
A normatividade dos direitos sociais foi tema de muita controvérsia doutrinária. De início tal normatividade foi considerada essencialmente programática, ou seja, passaram por uma fase de baixa normatividade, em virtude da própria da natureza de direitos que exigem do Estado prestações materiais nem sempre pagáveis por exiguidade, carência ou limitação de meios ou recursos.
Assim, anteriormente, tais direitos foram remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua concretização as garantias habitualmente ministradas por instrumentos processuais, como ocorre com outros direitos fundamentais constitucionalmente previstos.
A doutrina indica que tais direitos atravessaram a crise concernente a sua observância e execução desde que recentes constituições, inclusive a brasileira (em seu artigo 5°, parágrafo 1°), formularam preceito de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.
Ante o exposto, mais acertadamente, têm convergido os estudiosos no sentido de conferir maior eficácia aos direitos fundamentais de segunda geração, de tal sorte que sua aplicabilidade é imediata e não mais dependente da via legislativa. Tal entendimento resulta da noção de que somente dotando de eficácia os direitos sociais constitucionalmente previstos faz-se manifestar sua principal garantia.
Pode-se anteceder à previsão constitucional do direito à moradia a ratificação pelo Estado Brasileiro a Declaração Universal da Pessoa Humana (art. 25) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 11).
Ademais, o artigo 7°, inciso IV, da Constituição Federal, já tratava do tema ao prever a imprescindibilidade da moradia assegurando o direito do trabalhador urbano e rural a um "salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim".
Igualmente exerceu tal papel o inciso IX do artigo 23 da Carta Magna. Este mesmo, anteriormente à edição da Emenda Constitucional nO 26/2000, que inseriu o referido direito no rol de direitos sociais, já previa que é da competência comum da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento".
No citado momento, ainda antes de prever propriamente o direito em comento, o legislador constituinte traduziu um poder-dever do poder público de que implicava uma contrapartida do direito correspondente a tantos necessitem de uma habitação. Tal contrapartida foi finalmente introduzida no ordenamento através da emenda acima aludida, através da explicitação do direito à moradia no art. 60 do texto constitucional, pontualmente, dentre os direitos sociais.
É oportuno, após a devida contextualização do tema, tecer considerações acerca da significação e do conteúdo do direito em análise.
Segundo a própria etimologia do verbo morar, do latim "morari", que significava demorar, ficar, o direito à moradia está atrelado à noção de residência ou habitação. Novamente utilizam-se os ensinamentos do renomado constitucionalista brasileiro José Afonso da Silva para elucidar o tema quanto a este assunto. Assim ele afirma:
"O direito à moradia significa ocupar um lugar como residência; ocupar uma casa, apartamento etc., para nele habitar. No "morar" encontramos a ideia básica de habitualidade no permanecer ocupando uma edificação, o que sobressai com sua correlação com o residir e o habitar, com a mesma conotação de permanecer ocupando um local permanentemente. O direito à moradia não é necessariamente direito à casa própria. [ ...] Mas é evidente que a obtenção da casa própria pode ser um complemento indispensável para a efetivação do direito à moradia"[38]
É de suma importância a ressalva feita pelo autor no que logra estabelecer o sentido do direito em análise, sobretudo diferenciando-o do direito à propriedade imóvel. Assim, percebe-se que o primeiro é mais amplo não se realizando única e exclusivamente a partir da obtenção de imóvel destinado a residência, mas através de medidas, das mais variadas possíveis, destinadas, direta ou indiretamente, a garantir que todo cidadão e a sua família um teto.
Ademais, sendo o direito à moradia, em determinados aspectos, exteriorização da dignidade da pessoa humana, impõe-se que o bem destinado a consagrá-lo seja uma habitação de dimensões adequadas, em condições de higiene e conforto, no qual seja possível preservar outros direitos individuais constitucionalmente garantidos como a intimidade pessoal, a privacidade familiar e a inviolabilidade do domicílio (art. 5°, incisos X e XI, da Constituição Federal de 1988). Não fosse assim seria um direito depauperado.
Não é demasiado ainda mencionar que o direito constitucional em apreço tem duas faces, uma negativa e outra positiva. A primeira reporta-se ao fato de que o cidadão não pode ser privado de uma moradia nem impedido de conseguir uma, no que implica a abstenção do Estado e de terceiros. Já a segunda, consiste no direito de obter de fato uma moradia digna e adequada, revelando-se como um direito positivo de caráter prestacional. Trata-se esta última da nota principal deste direito, qual seja a legitimação da pretensão do seu titular à realização do direito por via de ação de caráter prático do Estado. Aí reside sua condição de eficácia.
Calha destacar que esta condição se revela não apenas na preleção do art. 6°, caput, do documento constitucional, mas em diversos momentos de seu texto. O artigo 3° da constituição atual, anteriormente citado, codifica dentre os objetivos da república pátria a construção de uma sociedade livre e solidária e a erradicação da pobreza, esforços estes que, notadamente, relacionam com o direito à moradia, sobretudo porque não há marginalização maior do que não se ter um teto para si e para a família.
Além desta norma, apontam à eficácia de tal direito o disposto no artigo 23, incisos X e XI da Carta Magna, igualmente já citados, que dão competência comum as entidades políticas para "combater as causas da pobreza e os fatores da marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos", bem como para "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento". Trata-se de norma específica determinando a ação positiva do Estado com vistas a criar condições de habitação adequada a todos.
É conclusivo o dizer de Clito Fornaciari Júnior no que concerne a inadequação da determinação legal de penhorabilidade do bem de família do fiador locatício e sua diferença em relação às demais ressalvas compiladas no artigo 3° da lei nO 8.009/90. Assim ele menciona:
"o elenco do art. 30 da Lei 8.009 comporta por si só interpretação restritiva, exatamente porque expõe exceções à regra geral, que é a da impenhorabilidade do bem destinado à moradia da família. Nessa linha, a ressalva, portanto a penhora, deve prevalecer somente quando, por meio dela, assegura-se um direito de relevância igualou maior que aquele da moradia, o que se dá diante de crédito alimentar, trabalhista ou, ainda, quando da aquisição de bem com produto de ato ilícito. No caso da locação isso não se verifica, até porque se coloca como credor, na relação obrigacional, alguém que é somente um investidor.”[39].
Neste aspecto, considera-se que o direito do locador de ter seu crédito satisfeito, seja através da execução do locatário ou do fiador, não pode superar ou afastar o direito a moradia e, reflexamente, a dignidade humana. Nestes termos afirma Carlos Gonçalves que "não pode a execução ser utilizada como instrumento para causar a ruína, a fome, o desabrigo do devedor e sua família, gerando situações incompatíveis com a dignidade humana[40].
Por todo o exposto, bem como por demais razões a serem expostas no decorrer do presente trabalho, considera-se inconstitucional a possibilidade de penhora no caso em questão, por afronta aos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, aqui exteriorizada através do direito à moradia.
Em conformidade com os argumentos até então exposto, é evidente que o instituto do bem de família, sobretudo em sua espécie legal, foi alvo de diversos debates, sobretudo em momento posterior à edição da Emenda Constitucional nO 22, que trouxe à tona a necessidade de estabelecer guarita concreta ao direito à moradia. A definição dos contornos conceituais do instituto em comento, que determinaram sua evolução e o dotaram de nova amplitude, é resultado de um esforço da jurisprudência brasileira.
O instituto do bem de família surge na atualidade como instrumento (dente os vários existentes) de proteção à dignidade humana e ao patrimônio mínimo indispensável à existência humana. A seguir será demonstrado que está na contramão, portanto, o entendimento exarado pelo Superior Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 407.688, pois o avanço jurisprudencial do tema moveu-se, cada vez mais, ao reconhecimento a imprescindibilidade de tais direitos.
Conforme já foi indicado na introdução do tema, não obstante o bem de família tenha surgido como decorrência do imperativo social de preservação da entidade familiar em si, a evolução histórica desta mesma foi determinante na expansão ontológico-conceitual do instituto civil em apreço. Desse modo, no mesmo passo em que a legislação, a doutrina e jurisprudência pátria passaram a dar interpretação extremamente ampliativa à família brasileira, reconhecendo sua importância e estreita relação com o desenvolvimento da personalidade humana, alterou-se o objeto de proteção do bem de família.
Assim, a mantilha da impenhorabilidade (enquanto instrumento assecuratório do bem de família) passou a recair não somente sobre o bem imóvel de famílias ditas convencionais.
Observa-se que, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, a família seria decorrente do casamento, da união estável ou da entidade monoparental (constituída entra ascendentes e descendentes)[41]. O Superior Tribunal de Justiça reconheceu, em julgamento de extrema relevância e de persistente atualidade, que o rol constitucional exposto no aludido artigo é meramente exemplificativo, numerus apertus, decidindo que o imóvel em que residiam duas irmãs é Bem de Família e, portanto, impenhorável:
Execução. Bem de família. Ao imóvel que serve de morada às embargantes, irmãs e solteiras, estende-se a impenhorabilidade de que trata a Lei 8.009/1990 (STJ, REsp 57.606/MG, reI. Min. Fontes de Alencar, 4.8 Turma, julgado 11.04.1995, DJ 15.05.1995, p. 13.410).
Adverte-se, no mesmo sentido, acerca da discussão evidenciada nos seio jurisdicional e doutrinário sobre a proteção do imóvel em que reside pessoa solteira. Perfilhando o entendimento capitulado anteriormente, atinente ao deslocamento do objeto de proteção do instituto do bem de família, o supracitado tribunal afirmou que o fim teleológico da lei n. 8.009/1990 não é proteger necessariamente um grupo de pessoas, mas a pessoa: a sua dignidade e o direito constitucional à moradia, o que ampara a impenhorabilidade também do imóvel de residência do solteiro.
Dos vários julgados, destaca-se o seguinte, pelo teor de sua ementa:
PROCESSUAL -EXECUÇÃO -IMPENHORABILIDADE -IMÓVEL RESIDÊNCIA-DEVEDOR SOLTEIRO E SOLITÁRIO -LEI 8.009/1990 -A interpretação teleológica do art. 1.°, da Lei 8.009/1990, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão. -É impenhorável, por efeito do preceito contido no art. 1.° da Lei 8.009/1990, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário" (STJ, EREsp 182.223/SP, julgado 06.02.2002, Corte Especial, reI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, reI. acórdão Min. Humberto Gomes de Barros. DJ 07.04.2003, p. 00209, REVJUR, vol. 00306, p. 00083; Vide: ST J, REsp 276.004/SP (RST J 153/273, JBCC 191/215), REsp 57.606/MG (RSTJ 81/306), REsp 159.851/SP LEXJTACSP 174/615 -REsp 218.377/ES -LEXSTJ 136/111, ROR 181355, RST J 143/385)
Demonstrando tratar-se de questão já consolidada, das decisões mais recentes, extrai-se a seguinte ementa:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA BEM DE FAMíLIA OCUPAÇÃO UNICAMENTE PELO PRÓPRIO DEVEDOR. EXTENSÃO DA PROTEÇÃO DADA PELA LEI N. 8.009/90. I. Segundo o entendimento firmado pela Corte Especial do ST J (EREsp n. 182.223/SP, ReI. pl acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJU de 07.04.2003, por maioria), considera-se como 'entidade familiar', para efeito de impenhorabilidade de imóvel baseada na Lei n. 8.009/90, a ocupação do mesmo ainda que exclusivamente pelo próprio executado.
11. Ressalva do ponto de vista do relator. 111. Recurso especial conhecido e parcialmente provido para afastar a penhora". (STJ, REsp 759.962/DF, ReI. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 22.08.2006, DJ 18.09.2006 p. 328)
Tal posicionamento restou consagrado com a edição da Súmula 364 do STF, ao inferir que "o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas".
A tendência de expansão da proteção ao direito à moradia, especificamente por intermédio da impenhorabilidade que advém da natureza do bem imóvel considerado como bem de família, é confirmada por julgados que apontam que inclusive ao imóvel locado a terceiro deve ser aplicada a Lei nº 8.009/90. Neste caso o imóvel locado é impenhorável desde que os seus aluguéis sejam utilizados para a locação de outro, destinado à residência do locador do primeiro e de sua família.
PROCESSUAL CIVIL EXECUÇÃO. PENHORA DE IMÓVEL BEM DE FAMÍLIA. LOCAÇÃO A TERCEIROS. RENDA QUE SERVE A ALUGUEL DE OUTRO QUE SERVE DE RESIDÊNCIA AO NÚCLEO FAMILIAR. CONSTRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. LEI 8.009/1990, ART. 1.°. EXEGESE. SÚMULA 7, STJ. I. A orientação predominante no STJ é no sentido de que a impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/1990 se estende ao único imóvel do devedor, ainda que este se ache locado a terceiros, por gerar frutos que possibilitam à família constituir moradia em outro bem alugado. 11. Caso, ademais, em que as demais considerações sobre a situação fática do imóvel encontram obstáculo ao seu reexame na Súmula 7 do ST J. 111. Agravo improvido" (ST J, AGA 385.692/RS, julgado 09.04.2002, 4.a Turma, reI. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 19.08.2002, p. 177. Veja: STJ, REsp 114.119/RS, 302781/SP, 159.213/ES (ROR 15/385) e 183.042/AL).
Declarou, ainda, o STF a impenhorabilidade do bem imóvel luxuoso, considerando que o alto valor do bem imóvel não impede sua caracterização como bem de família, desde que destinado à finalidade residencial, caso em que igualmente constituiu guarita à dignidade humana. Nestes termos expõe-se a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL -DIREITO CIVIL -QUESTÃO PRELIMINAR JULGAMENTO PROFERIDO POR CÂMARA COMPOSTA MAJORITARIAMENTE POR JUíZES CONVOCADOS POSSIBILIDADE, DESDE QUE OBSERVADOS PARÂMETROS LEGAIS -PRECEDENTES -EXISTÊNCIA DE vicIO REDIBITÓRIO E O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO DA FORMA MENOS ONEROSA AO DEVEDOR -PREQUESTIONAMENTO -AUSÊNCIA INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ -PENHORA -PARTE IDEAL DE IMÓVEL -POSSIBILIDADE -PRECEDENTES -BEM DE FAMíLIA AVALIAÇÃO -JUízo DINÂMICO -BEM IMÓVEL DE ELEVADO VALOR -IRRELEVÂNCIA, PARA EFEITOS DE IMPENHORABILIDADE íNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL DEMONSTRAÇÃO INEXISTÊNCIAEMBARGOS DE DECLARAÇÃO -MULTA -IMPOSSIBILIDADE INTUITO PROCRASTINATÓRIO -AUSÊNCIA -INCIDÊNCIA DA SÚMULA 98/STJ -RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.I -A jurisprudência desta Corte Superior já teve oportunidade de indicar que é possível o julgamento por Turmas ou Câmaras constituídas, em sua maioria, por juízes convocados, desde que a convocação se dê dentro dos parâmetros legais e que observadas as disposições estabelecidas pela Constituição Federal. 11 -As questões concernentes à existência de vício redibitório, bem como quanto ao prosseguimento da execução da forma menos gravosa ao devedor, não foram objeto de debate ou deliberação no acórdão recorrido, não obstante a oposição de embargos declaratórios, o que atrai a incidência da Súmula 211/ST J.III -É possível a penhora de parte do imóvel, caracterizado como bem de família, quando for possível o desmembramento sem sua descaracterização. Precedentes. IV -A avaliação da natureza do bem de família, amparado pela lei n° 8.009/90, por ser questão de ordem pública e não se sujeitar à preclusão, comporta juízo dinâmico. E essa circunstância é moldada pelos princípios basilares dos direitos humanos, dentre eles, o da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do nosso Estado Democrático, nos termos do 1°, inciso 111, da Constituição da República. V -Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, de acordo com o artigo 1°, da lei n° 8.009/90, basta que o imóvel sirva de residência para a família do devedor, sendo irrelevante o valor do bem. VI -O art. 3° da lei nO 8.009/90, que trata das exceções à regra da impenhorabilidade, não faz traz nenhuma indicação concernente ao valor do imóvel. Portanto, é irrelevante, para efeitos de impenhorabilidade, que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão. Precedente da ego Quarta Turma. VII -Acerca do índice de correção monetária, impõe-se reconhecer que, não se admite recurso especial pela alínea "c" quando ausente a demonstração, pelo recorrente, das circunstâncias que identifiquem os casos confrontados. VIII -Os embargos de declaração foram opostos com o intuito de prequestionamento, vedando-se, por lógica, a imposição de multa procrastinatória, nos termos do que dispõe o enunciado da Súmula 98/ST J.IX -Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido.[42]
É oportuno mencionar que diante da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a união estável homoafetiva[43], restou estendida aos membros de união deste gênero a proteção de seus respectivos bens de família.
A amplitude de proteção, para esses casos, é justa, razoável e proporcional, concretizando o Texto Constitucional. Não há dúvidas de que a norma definidora da impenhorabilidade é de ordem pública, sobretudo em virtude do objeto que intenta proteger. Assim reconhece a Súmula nº 205 do Superior Tribunal de Justiça, ao tratar da extensão de sua incidência, cuja preleção é a seguinte: "A Lei nº 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência".
Ante o exposto alhures, que a constitucionalidade do art. 3°, inc. VII, da Lei n. 8.000/1990, pelo qual o fiador de locação pode ter o seu imóvel de residência penhorado, conforme declarado pelo Pleno Supremo tribunal Federal por maioria de votos, destoa do caminho perfilhado pelo mesmo órgão jurisdicional e viola princípios básicos presentes na Constituição Federal.
Não é possível entender que a celebração de contrato de fiação locatícia possa ter como ônus ao fiador a renúncia a seu bem de família. Se assim ocorrer, verificar-se-á um exercício inadmissível da autonomia privada, visto que não restou observado o dirigismo estatal imposto às relações subjetivas através da previsão co'nstitucional de garantia a moradia digna, em consonância com os ditames constitucionais atuais, bem como com a mais certeira jurisprudência.
Já se sublinhou brevemente que, logo após o advento da Emenda Constitucional nº 26, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça manifestaram sua incompatibilidade com o art. 3°, inciso VII, da Lei Sarney, afirmando não ter sido este dispositivo recepcionado ante a nova redação do art. 6° da Constituição Federal. Conquanto tenha havido posterior alteração hermenêutica a esse respeito por parte dos mencionados tribunais, acredita-se que esse é o entendimento mais adequado a realidade jurídica e política alcançada na atualidade.
Nesse aspecto, é conveniente apontar o teor de certos julgamentos proferidos pelos excelsos tribunais, anteriores à apreciação do Recurso Extraordinário nº 407.688 e contrários a este no que concerne a seus fundamentos centrais, demonstrando novamente a impropriedade do mais recente entendimento adotado.
De início, destaca-se a decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso, proferida em abril de 2005, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 352.940-4/SP, na qual o colendo Ministro brevemente expõe as razões pelas deve ser considerado inconstitucional o inciso VII do artigo 3° da Lei nº 8.009/90. Literalmente:
Em trabalho doutrinário que escrevi 'Dos Direitos Sociais na Constituição do Brasil', texto básico de palestra que proferi na Universidade de Carlos 111, em Madri, Espanha, no Congresso Internacional de Direito do Trabalho, sob o patrocínio da Universidade Carlos 111 e da ANAMATRA, em 10.03.2003, registrei que o direito à moradia, estabelecido no art. 6.°, CF, é um direito fundamental de 2.8 geração -direito social que veio a ser reconhecido pela EC 26, de 2000. O bem de famflia -a moradia do homem e sua família -justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1.°. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental. Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, inciso VII do art. 3.° feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo inciso VII do art. 3.°, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000[44].
Em igual sentido colocou-se o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Recurso Extraordinários nº 449.657 -SP e nº 415.563 -SP, igualmente de relatoria do Ministro Carlos Velloso[45].
O Superior Tribunal de Justiça reconhecia os mesmos fundamentos acima demonstrados, não admitindo a recepção do artigo em análise frente a nova redação do artigo 6° da Constituição Federal, após o ano de 2000, a saber os julgamentos dos Recursos Especiais nº 745.161-SP, nº 631.262-MG, nº 699.837-RS, nº 796.597 (todos da 5ª Turma do STJ).
Apresenta-se, a exemplo, a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. LOCAÇÃO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3°, VII, DA LEI N° 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO. I - Inadmitem-se as preliminares arguidas em contrarrazões à míngua do necessário prequestionamento, porquanto não foram objeto de discussão pelo e. Tribunal a quo (Súmula nº 282 do Pretória Excelso). /I - Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretória Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 30, VII, da Lei nO 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 60 da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional n° 26/2000). Recurso provido. (STJ, REsp 745.161/SP, ReI. Ministro FELlX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 18.08.2005, DJ 26/09/2005 p. 455)
Da análise das decisões jurisprudenciais ora citadas, verifica-se que o antigo posicionamento majoritário dos Tribunais Superiores no país melhor se coaduna com as razões defendidas neste trabalho, sobretudo porque perfilha pelo reconhecimento da moradia como instrumento inevitável ao desenvolvimento da personalidade humana e preza pela igualdade entre o locatário e o fiador locatício.
Uma vez demonstrada sua importância para o tema desenvolvido neste trabalho, salienta-se que o Recurso Extraordinário nº 407.688-SP foi interposto contra acórdão do antigo Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, que havia negado provimento ao agravo de instrumento interposto pela recorrente. Tal agravo pretendia reformar decisão em que o juiz da causa indeferiu o pedido de liberação do bem de família do recorrente, objeto de constrição em processo executivo com fundamento na exceção legal à regra da impenhorabilidade de tais bens (art. 3°, inciso VII, da lei n° 8.009/90), tendo em vista a condição de fiador locatício da recorrente.
O aludido recurso foi conhecido e teve provimento negado por maioria dos votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, então presididos pelo Ministro Nelson Jobim. Vencidos os votos dos Ministros Eros Grau, Carlos Brito e Celso de Mello, que deram provimento ao recurso. Ressalta-se que o Ministro Março Aurélio fez consignar que entendia necessária a audiência da Procuradoria, tendo em vista a questão constitucional.
Neste ponto, volta-se aos preceitos exarados no mencionado julgamento com vistas a refutar os principais argumentos apresentados pelos votos vencedores supramencionados, de modo a confirmar categoricamente sua inadequação jurídica e destacar a legitimidade dos votos vencidos.
Primeiramente, busca-se rechaçar os argumentos atinentes a falta de normatividade dos direitos sociais, enquanto direitos fundamentais de segunda geração (como já esclarecido previamente). Tal questão relaciona-se ao estudo acerca da imposição às relações privadas, com o mesmo peso e com o mesmo rigor, das limitações e obrigações impostas ao Estado em virtude da previsão constitucional de uma série de direitos fundamentais do homem.
Neste ponto, os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence salientaram a questão da eficácia horizontal do direito à moradia nas relações privadas. Sendo o artigo 6° da Cartà Magna norma de caráter programático, esclareceram os colendos Ministros que a efetivação do direito fundamental em apreço pelo Estado poderá realizar-se através de várias modalidades de prestação, o que, de fato, é inquestionável. Afirmam, entretanto, que a citada exceção trazida pela lei nº 8.009/90 é uma das modalidades de conformação do direito à moradia por via normativa, haja vista que permite que uma grande classe de pessoas tenha acesso à locação.
Tal argumento é precisamente refutado pelo Ministro Eros Grau que afirma que o legislador está vinculado por seus preceitos, pois de modo contrário bastaria a omissão do poder legislativo, para que tal preceito constitucional fosse retirado de vigência. No mesmo sentido, expôs que o argumento de que a norma programática só opera seus efeitos quando editada a lei ordinária que a implemente implica, em última instância, a transferência da função constituinte· ao legislador, em consonância com a lição do Tribunal Constitucional. da República da Alemanha.
O Ministro Cezar Peluso aduziu, sendo acompanhado pelos demais votos vencedores do julgamento, que a expropriabilidade daquele bem do fiador tende, posto que por via oblíqua, também a proteger o direito social à moradia, protegendo direito inerente a condição de locador, não um qualquer direito de crédito. A aplicação da norma jurídica julgada constitucional favoreceria desse modo, o incremento da oferta de imóveis para fins de locação habitacional, mediante previsão de reforço das garantias contratuais dos locadores.
Nessa esteira, aduz:
A respeito, não precisaria advertir que um dos fatores mais agudos de retratação e de dificuldade de acesso ao mercado de locação predial está, por parte dos candidatos a locatários, na falta absoluta, na insuficiência ou na onerosidade das garantias contratuais licitamente exigíveis pelos proprietários ou possuidores de imóveis de aluguel. Nem tampouco, que acudir essa distorção, facilitando celebração dos contratos e com isso realizando, num de seus múltiplos modos de positivação e de realização histórica, o direito social de moradia é a própria ratio legis da exceção prevista no art. 3°, inc. VII, da lei nO 8.009, de 1990. São coisas óbvias e intuitivas[46].
Em que pese seja plausível a afirmação de que o direito de moradia tenha múltiplos modos de positivação e de realização histórica, não é possível vislumbrar que a facilitação dos contratos locatícios que tenha como causa a possibilidade de expropriação do bem de família do fiador naqueles casos seja consectário do direito à moradia. O credor locatício não pode ter seu crédito satisfeito a qualquer custo, sobretudo em virtude da função social inerente também ao contrato de locação. Do mesmo modo, não é possível considerar que o mercado imobiliário seja fomentado mediante o desrespeito a isonomia e a dignidade da pessoa.
Caso se posicione pela inconstitucionalidade do artigo 3°, VII, da Lei Sarney, causará forte impacto ao mercado de locações imobiliárias, concordar com penhorabilidade do bem de família do fiador causará dano ainda mais grave ante a violação direta a diversos princípios e regras exarados na Constituição Federal pátria e estruturais do Estado Democrático de Direito brasileiro.
Nesse aspecto, não hão de faltar políticas públicas adequadas à manutenção do equilíbrio do mercado locatício, cuja importância é inegável, porém sem o comprometimento do direito social e da garantia constitucional. O poder público deve desenvolver e adotar medidas sempre consonantes aos preceitos constitucionais.
Finalmente, é imperioso mencionar que caso o benefício a impenhorabilidade tiver ressalva quanto ao bem do fiador locatício operar-se-á uma situação absurda, a qual foi muito bem lembrada pelo Ministro Eros Grau:
“(...) o locatário que não cumprisse a obrigação de pagar aluguéis, com o fito de poupar para pagar prestações devidas em razão da aquisição de casa própria, gozaria da proteção da impenhorabilidade. Gozaria dela mesmo em caso de execução procedida pelo fiador cujo imóvel resultou penhorado por conta do inadimplemento de suas obrigações, dele, locatário” [47].
Aqui fica patente a afronta ao princípio da isonomia, tendo em conta que o afiançado, quando não paga o aluguel poupa para pagar a quitar prestação de casa própria e, além disso, tem o benefício da impenhorabilidade, porém o fiador não o tem.
Por todo o exposto, pugna-se pela completa impropriedade jurídica dos votos vencedores no julgamento do Recurso Extraordinário nº 407.688-SP.
O bem de família é instituto civil que nasceu em reconhecimento da entidade familiar como núcleo social essencial ao desenvolvimento humano. Desse modo, sua inclusão na esfera jurídica deu-se, como já demonstrava, inclusive, o direito romano, no sentido de estabelecer mecanismos de proteção ao patrimônio que garantia a estrutura familiar, sobretudo o imóvel domiciliar.
Uma recente mudança de paradigma jurídico levou os direitos fundamentais ao centro de atenção do direito. Uma vez reconhecidos tais direitos, inerentes ao ser humano, e garantidores de sua liberdade, igualdade, solidariedade e segurança contra ingerências decorrentes das escolhas político-governamentais e da atuação arbitrária do Estado contra o ser humano, foram largamente reconhecidos e positivados pela Constituição Federal de 1988. Calha salientar, nesse ponto, a edição da Emenda Constitucional nO 26/2000 que acrescentou àqueles o direito social à moradia.
Simultaneamente, a doutrina e jurisprudência brasileiras, sensíveis às mudanças sociais e as mais diversas novas situações daquelas decorrentes, alteraram sua concepção de família, ampliando-a. Passaram ser familiar a entidade na qual fossem verificados os elementos afetividade, publicidade e estabilidade.
A noção brasileira de bem de família não ficou, de qualquer modo, imune as referidas mudanças. Verificou-se, conforme exposto, uma expansão do objeto de proteção do bem de família pelo reconhecimento de que, ainda mais importante do que proteger o núcleo estrutural familiar, é assegurar a dignidade humana. Essa mudança é simbolizada pelo teor da Súmula 364 do ST J, que estendeu a proteção aos solteiros, separados e viúvos.
A Lei nº 8.009/90, editada para regulamentar o bem de família legal, foi alterada, contudo, para incluir dentre as exceções à garantia de impenhorabilidade do único imóvel residencial aquela referente à obrigação decorrente de fiação em contrato de locação.
O aludido dispositivo foi objeto de análise pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário nº 407.688-SP, tendo este propugnado a constitucionalidade deste teor legal. Em síntese, alegou-se que prevalece, no presente caso, a liberdade de contratar do cidadão em detrimento de seu direito à moradia, porquanto aquele tem a chance de escolher se avaliza ou não um contrato de locação e deve arcar, nessa condição, com os riscos que a condição de fiador implica. Por fim, afirma-se que a eliminação de tal caso de penhorabilidade romperia o equilíbrio do mercado, desestimulando a oferta de imóveis a locação. Nesse aspecto, posicionar a favor da preleção legal implicaria, obliquamente, em fomentar a concretização do direito à moradia.
O presente trabalho demonstrou detalhadamente as razões pelas quais tal entendimento não merece amparo jurídico, as quais são muito bem resumidas nos dizeres de Rosalice Fidalgo Pinheiro e Katya Isaguirre, jovens expoentes da escola do Direito Civil Constitucional do Estado do Paraná. In verbis:
“Em conformidade com argumentos lançados, a prevalência do voto vencido, proferido pelo Min. Eros Grau, na decisão do STF, impõe-se em um Estado que se queira democrático de direito. Considerando-se que este deposita na dignidade da pessoa humana, os contornos de sua axiologia material, torna-se imprescindível o reconhecimento de direitos fundamentais. Eis que a democracia concretiza-se na promoção de direitos sociais, compreendidos da designação de direitos fundamentais, perfazendo a dimensão social do Estado. Por fim, há de se recordar a que a realidade de mercado não possui força para subverter a tutela existencial da pessoa. A negativa à penhora do bem de família do fiador é postura necessária para busca de um verdadeiro equilíbrio de valores na sociedade contemporânea. Sob este aspecto, há de se ressaltar que o Estado pode e deve estabelecer meios mais adequados à proteção do mercado imobiliário, por meio de regras que, por exemplo, tornem o seguro-fiança mais atrativo e protetivo ao direito de crédito do locador. Não se trata, portanto, de 'postura acadêmica voltada à inviabilizar o direito de moradia', mas de uma construção que demonstra a nova função da doutrina e sua contribuição para o processo evolutivo do Direito. Para além da tradicional função de simples mediação dos conflitos, a doutrina tem o dever de assumir uma postura crítica de condições positivas para a transformação qualitativa do homem”[48].
Vale dizer, por fim, que o Supremo Tribunal Federal é órgão judiciário protetor da Constituição Federal, contudo, suas decisões não podem ser rígidas a ponto de não admitirem uma posterior revisão. Do contrário, ocasionar-se-ia o inconcebível fenômeno de fossilização interpretativa da Constituição Federal e uma inegável petrificação da evolução jurisprudencial, pois as interpretações conferidas pelo Excelso Tribunal só poderiam, nestes casos, ser afastadas por alteração legislativa superveniente.
É imperioso, portanto, reconhecer a possibilidade de alteração de suas decisões com a finalidade de adequá-las à realidade fática e jurídica exarada pela Carta Magna e suas emendas, bem como as próprias finalidades do Supremo Tribunal Federal.
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[1]
O julgado do Recurso Extraordinário nº 407.688-SP, em 2006, concluiu pela constitucionalidade do art. 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/90. Segue a respectiva ementa: “EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República. (RE 407688, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/02/2006, DJ 06-10-2006 PP-00033 EMENT VOL-02250-05 PP-00880 RTJ VOL-00200-01 PP-00166 RJSP v. 55, n. 360, 2007, p. 129-147)”.
[2] ZANONI, Eduardo. Derecho Civil: Derecho de Familia, tomo 1. 2ª ed. Buenos Aires. Editora Astrea, 1993. p. 558-559.
[3] FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1988, p.117.
[4] DlNIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 1: Teoria Geral do Direito Civil. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.378.
[5] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família: Com Comentários à lei 8.009/90. 5a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 93.
[6] A terminologia aqui empregada, “bem de residência”, é empregada por Carlos Alberto Bittar, em artigo citado por Arnaldo Mamit (Bem de Família, Rio de Janeiro: Aide, 1995. p. 23).
[7] AZEVEDO, Ob. Cit.
[8] AZEVEDO, Ob. Cit. p. 27.
[9] WAPLES, Rufus. A Treatise on Homestead and Exemption. Chicago. T.h. Flood, 1893.
[10] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 4a ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 177.
[11] THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Contrato e a sua Função Social. Rio de. Janeiro. Forense. 2004. p.06.
[12] Excerto disponível em: http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm
[13] FIUZA, César. Curso Completo de Direito Civil. 12ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
[14] Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
[15] Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
[16] TARTUCE, Flavio. A função social dos contratos – do código de defesa do consumidor ao novo código civil, 1ª ed., São Paulo: Ed. Método, 2005, p. 65-66.
[17] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsói, 1955, p. 291.
[18] DE MENDONÇA, Carvalho. Contratos no Direito Civil Brasileiro. t. 11, p. 457-458.
[19] GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito Civil Brasileiro, Volume III: contratos e atos unilaterais. 6ª ed. São Paulo. Saraiva. 2009, p. 531.
[20] TATURCE, Flávio; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. O princípio da autonomia privada e o direito contratual contemporâneo. In Direito Contratual. Temas Atuais. São Paulo: Método, 2008, p. 49.
[21] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: RT, 1993, p.195.
[22] GAGLlANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Volume III. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 289.
[23] Não se pode negar a existência de raízes culturais e referências legislativas que tratam, ainda hoje, matérias em conformidade com a distinção entre direito público e direito privado. Todavia, não parecem mais aceitáveis nem a validade da summa divisio, nem os critérios clássicos de diferenciação, considerando a unidade do ordenamento.
[24] “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.”
[25] “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
[26] HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição, trat. de G. Mendes, Porto Alegre. Sérgio Fábris, 1991; J. Afonso da Silva, A aplicabilidade das normas constitucionais, SP. Ed. RT, 1982.
[27] SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa: construindo a compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In Dimensões da dignidade. Ensaios de filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.37.
[28] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2a ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 75-76.
[29] É ainda a ótica da doutrina tradicional que pretende, assim, conservar “íntegro”, isto é, sem alterações, o corpo do direito civil.
[30] FACHIN, Luís Edson. O Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 03.
[31] Nesse aspecto, elucida José Afonso da Silva: “Certo é que, no correr dessa evolução, alguns antecedentes formais das declarações de direitos foram sendo elaborados, como o veto do tribuno da plebe contra ações injustiças dos patrícios em Roma, a lei de Valério Públicola proibindo penas corporais contra cidadãos em certas situações até culminar com o Interdicto de Homine Libero Exhibendo, remoto antecedente do habeas corpus moderno, que o Direito Romano instituiu como proteção jurídica da liberdade. (…) Foi, no entanto, no bojo da Idade Média que surgiram os antecedentes mais direitos da declarações de direitos.” SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2009. p. 151.
[32] BASCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Dirifto costituzionale, Napoli: Casa Editrici Dott., 1965, pp. 695/696.
[33] SILVA, José Afonso da, Ob. Cit. p. 178.
[34] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2009, p. 560.
[35] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1992.
[36] BONAVIDES, Paulo. Ob. Cit. p. 564.
[37] SILVA, José Afonso da, Ob. Cit. p. 184-185.
[38] SILVA, José Afonso da, Ob. Cit. p. 314.
[39] FORNACIARI JÚNIOR, Clito. O bem de família na execução da fiança. In A penhora e o bem de família do fiador da locação. coord. José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: RT, 2003. p. 102.
[40] GONÇALVES, Carlos. Impenhorabilidade do bem de família. 4a ed., Porto Alegre: Ed. Síntese, 1998, p.27.
[41] CF/88: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”
[42] REsp 1178469/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2010, DJe 10/12/2010.
[43] Os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pelo Procuradoria Geral da República e pelo então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. O julgamento aconteceu no dia 04 de maio de 2011, momento em que o relator, ministro Ayres Britto, votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do art. 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
[44] Disponível em: <http://m.stf.gov.br/portal/noticia/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=64647> Acesso em 17/06/2017.
[45] EMENTA: CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei nº 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora `por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação': sua não- recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 449.657 SP, Relator Min.: Carlos Velloso, Data do julgamento: 27/05/2005. Data da Publicação: 09/05/2005)
[46] RE 407688, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/02/2006, p. 885.
[47] RE 407688, cit., p. 889.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Consultor Jurídico do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Aníbal de Castro Passos. Uma análise da inconstitucionalidade do artigo 3º, VII, da Lei nº 8.009/90. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jul 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50493/uma-analise-da-inconstitucionalidade-do-artigo-3o-vii-da-lei-no-8-009-90. Acesso em: 13 nov 2024.
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