RESUMO: Este artigo resume, em traços de maior importância para a área da filosofia do direito, o pensamento moderno que versa sobre o direito e a justiça. Através de recortes na historiografia moderna, tomando como base autores como Maquiavel, Bodin, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, Kant, Del Vechio, Tobias Barreto, Radbruch e Nietzsche, o artigo detalha o pensamento moderno do direito, utilizando, em linhas designatórias, o pensamento de cada autor a fim de criar uma generalização da filosofia do direito na idade moderna.
Palavras-chave: Direito; Filosofia; Idade Moderna.
O presente artigo pretende resumir o pensamento filosófico relacionado ao direito e a justiça na idade moderna. Começando no renascimento, a idade moderna apresenta diversas linhas de pensamento, destacando-se alguns autores como Maquiavel, Bodin, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, Kant, esses os mais renascentistas, e Del Vechio, Tobias Barreto e Radbruch, os mais modernos. Além dos pensamentos tradicionais sobre o direito, pretendo fazer alusão ao direito com o pensamento de Nietzsche, embora ainda seja uma relação não muito estudada.
Vale dizer que está presente neste artigo apenas um recorte de toda a filosofia da Idade Moderna. A idade moderna foi bastante rica na filosofia e, portanto, seria deveras difícil generalizar completamente tal pensamento em poucas páginas. Eis, portanto, uma breve classificação dos pensadores que mais influenciaram o direito em tal período.
A filosofia do direito na época do renascimento é bastante influenciada pelos pensamentos antigos, acrescida de um fortalecimento do espírito crítico. O período do renascimento pode ser comparado a “uma esplêndida flor brotada de improviso no meio do deserto (CHABOD, F. apud BARROS – 2012 – p. 16)”. O renascimento foi “uma revivificação das capacidades do homem, um novo despertar da consciência de si próprio e do universo [...] (SICHEL, E. apud BARROS – 2012 – p. 17)”.
Nesse período do pensamento renascentista, destaca-se o pensamento de Maquiavel como o primeiro “a refletir sobre os problemas da ciência política com o espírito da modernidade (LEITE, 2008 – p. 99)”. Maquiavel revoluciona o pensamento político, o qual tratava anteriormente das questões relativas à polis sob uma perspectiva normativa. O pensamento de Maquiavel rompe com o ideal moral, com fortes influências do cristianismo, presente na Idade Média.
[Maquiavel] propõe a análise do fenômeno do poder a partir da política concreta, da política pura, distanciando-se do normativismo ético. Isto é, ao invés de uma postura contemplativa face às questões do mando, [Maquiavel] [...] constrói suas ponderações alicerçando-se na realidade dos fatos políticos de forma empírica e objetiva. Não se detém na idealização de governos justos, voltando toda sua atenção para a perscrutação fria da política, observando-a, antes de tudo, como o estudo da luta pelo poder (BARROS – 2012 – p.60).
Jean Bodin aparece na França durante a época da consolidação da monarquia absolutista. Bodin escreveu a teoria do Estado Moderno, definindo a nova república. A principal atenção de Bodin está relacionada à soberania, classificada como característica essencial do poder da república.
Mucho difiere la ley del derecho, pues el derecho es bueno porque mira a la equidad sin necesidad de mandamiento expreso, mientras la ley corresponde a la soberanía del gobernante. En efecto, la ley no es otra cosa que un mandamiento del poder soberano (BODIN apud CRETELLA JÚNIOR – 2004 – p. 102.).
No pensamento de Bodin, “a doutrina da soberania limita-se à lei humana, pois a lei de Deus e a lei natural são independentes das vontades terrenas (LEITE – 2008 – p. 102)”.
O pensamento de Hobbes está relacionado com alguns problemas vivenciados pelo homem:
em 1640, publicou um tratado sob o título The elements of law, abrangendo escritos sobre a natureza humana (human nature) e sobre o corpo político (de corpore politico). Em 1642, publica o De Cive, mas, sua obra-prima, que o tornou famoso, foi escrita em 1650, intitulando-se Leviatã, nome retirado do monstro bíblico (Livro de Jó), que tudo devora e que, em sentido figurado, designa algo de formidável, colossal, monstruoso, como o Estado, em sua concepção (CRETELLA JÚNIOR – 2004 – p. 130.).
Na teoria do conhecimento, Hobbes afirmava que a experiência era a mãe das ciências, estudando o problema do conhecimento humano a partir de sensações, movimento pelo qual os entes sensíveis afetam o corpo humano. Para Hobbes, o Estado deve ser forte, no mais alto grau, e assumir a forma de um poder absoluto, cuja missão é a de manter a ordem e a paz interna.
O pensamento de Locke, no campo da filosofia e psicologia, é de grande importância. Locke, em sua principal obra, intitulada “Ensaio sobre o entendimento humano”, propõe-se a descobrir a origem, certeza e extensão do conhecimento humano, sustentando a ideia de que a experiência é a fonte única das nossas ideias. Para Locke, “ninguém ao nascer, sadio, criança, louco, selvagem, idiota, traz ideias já formuladas, porque, se assim fosse, não seria necessário adquiri-las (Idem – p. 135.)”.
A principal ideia adquirida do pensamento de Locke é o inatismo: anima est tabula rasa in qua nihil scriptum est. A experiência vai modificando a tábua rasa e firmando as impressões oriundas dos sentidos.
Montesquieu, autor de Espírito das Leis, propõe uma definição para as leis. “Leis são relações necessárias que derivam da natureza das coisas”. A natureza das coisas para Montesquieu é tomada em acepção totalmente empírica, resultante do passado histórico, integrado por fatos físicos, por tendências e costumes. Montesquieu contribuiu bastante para o mundo jurídico ao apresentar a teoria da divisão tríplice dos poderes, em executivo, legislativo e judiciário, que o autor hauriu do direito inglês, desenvolveu, exemplificou e exaltou. Afastando-se de Aristóteles, Montesquieu distingue três formas de governo: a República, a Monarquia e o Despotismo. (Ibidem – p. 136.)
Rousseau possui a natureza, reino da liberdade, da espontaneidade e da felicidade do homem, como ideal moral. “Rousseau sustentou que as ciências, as letras e as artes são os piores inimigos da moral, criando necessidades, que são fontes de escravidão (CRETELLA JÚNIOR – 2004 – p. 138.)”. O principal problema fomentado pelo Contrato Social é “encontrar uma forma de associação com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes (RUSSEAU apud CRETELLA JÚNIOR – 2004 – p. 113.)”. Rousseau acredita poder resolver a questão de como legitimar a situação do homem que, tendo perdido sua liberdade natural, acha-se submetido ao poder político.
Imanuel Kant é conhecido como o filósofo das três críticas: Crítica da razão pura, Crítica da razão prática e Crítica do juízo. Vale salientar que, para poder entender o pensamento de Kant, é necessária uma maior atenção com a utilização semântica dos vocábulos. Algumas palavras, em Kant, não apresentam o significado usual. Por exemplo: (1) crítica, em vez de significar censura ou reprovação, significa estudo, investigação e pesquisa; (2) puro não tem o sentido de livre de impurezas, mas sim de independente da experiência; portanto, Crítica da razão pura não possui o significado usual das palavras, mas indica uma investigação da razão funcionando independente da experiência (CRETELLA JÚNIOR – 2004 – p. 141.).
Kant viveu em um momento importante do pensamento moderno, situado na junção de três grandes correntes de ideias: o racionalismo de Descartes e Leibniz, o empirismo de Bekerley e Hume, e a ciência positiva físico-matemática que Newton acabara de estabelecer. O pensamento de Kant pode ser classificado em três grandes épocas: (1) de 1755 a 1770, em que as ideias pessoais de Kant ainda não haviam tomado forma, partilhando das ideias filosóficas predominantes na Alemanha; (2) de 1770 a 1790, em que podemos traçar um esboço da filosofia kantiana, a qual estabelece a distinção entre o mundo dos fenômenos e o mundo dos númenos, como resultado de uma concepção inteiramente original do espaço e do tempo; e (3), de 1790 a 1800, em que se mantém de pé as premissas da filosofia kantiana, confirmando a postura contra a metafísica, estabelecendo uma doutrina de filosofia especulativa e moral. (Idem – p. 141.)
Como podemos perceber, a filosofia de Kant é um misto de vários pensamentos da época. Podemos citar como exemplo das influências do pensamento kantiano o racionalismo dogmático[1] e o empirismo cético[2]. O problema principal da filosofia de Kant é o conhecimento. Kant afirma que o conhecimento implica uma correlação entre um sujeito e um objeto. Nessa relação, os dados objetivos não são captados por nossa mente tais quais são, mas configurados pelo modo com que a sensibilidade e o entendimento os apreendem. Portanto, para Kant, a coisa em si, o númeno, é incognoscível. Só conhecemos o ser das coisas na medida em que nos aparecem, isto é, enquanto fenômeno. Para Kant, tudo o que existe, inclusive o conhecimento, integra-se por dois ingredientes: matéria e forma. O que depende do próprio objeto constitui a matéria e o que depende do sujeito constitui a forma. A matéria é a posteriori e a forma é a priori (LEITE – 2008 – p. 120.).
A razão estabelece a conduta do homem, mas ele só age moralmente porque é livre. A liberdade é o que há de essencial para a fundação de sua moralidade, para o desenvolvimento de sua racionalidade. Para Kant, é a liberdade que harmoniza o homem, pois apesar de todas as determinações impostas do meio exterior, ainda é capaz de recusá-las em prol da moralidade. A razão o faz senhor de si (PEREIRA et PEREIRA – 2012).
Para Kant, a ideia do direito é o que conduz à filosofia crítica, teórica e prática. O direito se ocupa da legislação prática externa de uma pessoa em relação à outra. Ele realiza a liberdade do agir externo na convivência com os demais, visto que no direito o que é fundamental é que a ação se exteriorize. O direito é a forma universal da coexistência das liberdades individuais. O direito é o instrumento necessário ao estabelecimento de uma ordem em que seja possível o exercício da liberdade universal igual. Tanto mais justa é uma lei quanto mais ela se aproxima da racionalidade e realiza com isso a liberdade. Kant faz a distinção entre a legislação moral e a legislação jurídica, entre ação moral e ação jurídica. Para ele, a legislação moral implica em obedecer às leis do dever independente de qualquer inclinação. Isso faz com que uma ação seja moral, coerente com o dever, portanto, cumprida por dever. Em contrapartida, a legislação jurídica aceita que uma ação possa ser cumprida em conformidade ao dever, sem se interessar pelas inclinações ou interesses que a determinam, cuidando simplesmente de sua legalidade. Assim, quando o homem age de determinada forma – porque é seu dever, está fazendo cumprir a lei moral (Idem.).
Kant diferencia moral de direito. A moralidade acontece no âmbito interno (liberdade interna), que faz do homem seu próprio legislador. O direito acontece no âmbito da liberdade externa, entendida como liberdade jurídica que “é a faculdade de agir no mundo externo não sendo impedidos pela liberdade igual dos demais seres humanos livres como eu, interna e externamente (BOBBIO – 1997 – p. 58)”.
Ao considerar o homem como seu próprio legislador, Kant reconhece nele a autonomia da vontade, responsável por sua dignidade e diretora da consciência do que deve ou não fazer. O homem deixa de ser “marionete” na mão do outro para ser seu próprio “EU”, para “realmente” se fazer homem, determinar por si suas próprias ações (PEREIRA et PEREIRA – 2012).
Giorgio Del Vechio, nascido em Bolonha, em 1878, investiga o campo do direito, apontando os fatos e as normas jurídicas como manifestações de uma duplicidade necessária: os atos dos homens são atos naturais, imantados para uma subjetividade universal, mas esta, por sua vez, é orientada no sentido dos atos naturais, que encerram o ciclo.
Na Alemanha, Gustavo Radbruch, é o representante da filosofia dos valores. Pretendeu ensinar o “como” a filosofia do direito, a fim de estimular o pensamento filosófico-jurídico nos estudiosos (CRETELLA JÚNIOR – 2004 – p. 160.).
No Brasil, podemos falar de Tobias Barreto, o qual afirmou que “o Brasil não tem cabeça filosófica”. Incrédulo no pensamento filosófico brasileiro, Tobias Barreto afirma ainda que “não há domínio algum da atividade intelectual em que o espírito brasileiro se mostre tão acanhado, tão frívolo e infecundo como no domínio filosófico”. Diferentemente da opinião de Tobias Barreto, acredita-se que a filosofia brasileira do direito não apresenta um déficit de “cabeças filosóficas” e, dia após dia, vem adquirindo prestígio de caráter internacional, ainda que esteja no começo de tal trajetória.
A relação entre Nietzsche e o direito ainda é pouco estudada. Contudo, é possível fazer uma alusão entre Nietzsche e os conceitos de moral e justiça. As palavras principais da filosofia nietzschiana são bem e mal. De acordo com Nietzsche, as concepções de bem e mal, certo e errado, são criações humanas e, por isso, têm uma história e, ao contar essa história, Nietzsche coloca o ser humano como o centro das decisões e criações. A justiça, de acordo com o conceito de Nietzsche, é pensada relacionada ao conceito de bom. Mas o que é bom?
Nietzsche afirma que:
“[...] o juízo de ‘bom’ não provém daqueles aos quais se fez o ‘bem’! Foram os ‘bons’ mesmo, isto é, os nobres, poderosos, superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo o que era baixo, e vulgar e plebeu. Desse pathos da distância é que eles tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para os valores: que lhes importava a utilidade! ” (NIETZSCHE – 1999.)
Nietzsche quer dizer que os valores foram criados pelos nobres a partir de sua própria vontade.
Através dessa breve reflexão, podemos perceber uma forte característica filosófica no pensamento de Nietzsche sobre a justiça: para ele, o bom (justo) é uma criação dos nobres. Não existe, portanto, uma equidade de conceitos enquanto houver disparidade de poder, ou seja, o que é bom (justo) sempre será determinado pelo maior poder. Um exemplo: o sistema vindicativo era considerado como justo, pois os nobres, os quais possuíam maior poder, determinaram a valoração das vendetas. Hoje, o sistema vindicativo não é considerado como justo, pois o Estado é detentor de um poder maior e caracteriza o sistema vindicativo como injusto. A justiça estará sempre relacionada com o poder e o poder com a justiça. Sistematizando, pois, temos uma relação entre o bem (justo) para os detentores do poder e o mal (injusto) para os quais não apresentam poderio.
De forma bastante resumida, podemos afirmar que a Idade Moderna foi, para o direito, o berço do pensamento ontológico. As relações entre o ser foram excessivamente estudadas pelos pensadores modernos, com o propósito de determinar o ser enquanto membro da sociedade, assim como o nascimento e a aplicação do direito natural. A partir do renascimento, os pensamentos do direito estão voltados para essa função social, ainda que sob diferentes óticas.
Eis, pois, o motivo da seleção de tais pensadores para compor o resumo do pensamento moderno: a relação dos mesmos com a função social estudada na Idade Moderna. Maquiavel e Bodin focalizaram seus estudos no ser enquanto instrumento de poder; Hobbes, Locke, Montesquieu e Russeau tomaram como objetivo a natureza humana e o direito natural; Nietzsche e Kant, por fim, trabalharam a razão. Faz-se tal afirmação sem dúvidas sobre o fato do pensamento de todos esses filósofos se estender a grandes outras áreas, contudo, para a filosofia do direito, estas são as mais importantes. É através do poder, da natureza humana e da razão que é possível traçar as características de um pensamento filosófico moderno voltado para o direito.
Portanto, é possível generalizar o pensamento filosófico da idade moderna em três grandes polos: as relações de poder, as relações da natureza humana e do direito natural e as relações da razão. Essa filosofia tripartida constitui, então, o alicerce do pensamento relativo ao direito na filosofia moderna.
BARROS, Vinicius Soares de Campos. 10 lições sobre Maquiavel. 3ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
LEITE, Flamarion Tavares de. Manual de filosofia geral e jurídica: das origens a Kant. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
PEREIRA, Regina Coeli Barbosa et PEREIRA, Rosilene de Oliveira. Kant e os fundamentos do direito moderno. Rio de Janeiro: Cadernos da EMARF, Fenomenologia e Direito, 2012.
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant (Tradução de Alfredo Fait). 4ª ed. Brasília: UnB, 1997.
NIETZSCHE, F. Genealogia da moral (tradução de Paulo César de Souza). São Paulo: Companhia das letras, 1999.
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução à Filosofia do Direito: Dos Modernos aos Contemporâneos. São Paulo: Atlas, 2002.
Universidade Federal da Paraíba. Graduando em Direito.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Victor Alexandre Costa de Holanda. Considerações sobre a justiça na filosofia jurídica da idade moderna Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jul 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50545/consideracoes-sobre-a-justica-na-filosofia-juridica-da-idade-moderna. Acesso em: 02 nov 2024.
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