Resumo: O presente artigo busca abordar a importância e a viabilidade das Defensorias Públicas (sejam Estaduais, Federal ou do Distrito Federal) atuarem como Amicus Curiae em âmbito nacional e internacional em casos relacionados às suas funções institucionais.
Palavras-chave: Defensoria Pública. Legitimidade. Amicus Curiae. Ordenamento Jurídico Nacional e Internacional.
INTRODUÇÃO:
Após a Emenda Constitucional 80/2014, o art. 134, caput, da Constituição Federal foi alterado, para assim dispor: “ A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal”.
Sempre que houver discussão a respeito de direitos das pessoas necessitadas, a Defensoria Pública tem o poder (dever) de participar ativamente de sua proteção.
Como já sedimentado unanimemente pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (ADI 3943/DF), a Defensoria Pública tem legitimidade para tutelar coletivamente o direito de hipossuficientes lato sensu, não ficando esta hipossuficiência adstrita ao aspecto financeiro, mas sendo extensiva ao organizacional, jurídico, técnico, etc.
Inúmeros são os exemplos de intervenção da Defensoria Pública como amicus curiae, tanto no ordenamento interno quanto no internacional, como será demonstrado.
Portanto, em que pese vozes minoritárias em sentido oposto, é extremamente salutar e desejável a participação desta instituição permanente como amicus curiae, expandindo a proteção dos direitos dos hipervulneráveis.
DESENVOLVIMENTO:
Amicus curiae é o agente que, mesmo sem ser parte, pode intervir em processo relevante, trazendo argumentos que contribuam para uma decisão mais justa e efetiva, tanto no ordenamento pátrio, como no sistema internacional (em especial o interamericano).
O Novo Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 138, traz expressamente o Amicus Curiae com uma das espécies de intervenção de terceiros, colocando uma pá de cal nos debates quanto à natureza jurídica de tal instituto:
Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.
§ 1o A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3o.
§ 2o Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.
§ 3o O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.
A despeito desta importante inovação legislativa, há tempos é reconhecida a possibilidade de intervenção do amicus curiae no ordenamento brasileiro, especialmente em processos que tramitem junto ao Supremo Tribunal Federal, através de previsões expressas nas Leis 9.868/99 (ADI/ADC) e 9.882/99 (ADPF).
São exemplos de atuação da Defensoria Pública junto aos Tribunais Superiores, sempre respeitando sua pertinência temática, ou seja, somente participando de ações que estejam de acordo com sua finalidade institucional [1]:
a) ADI 4.636: o Min. Gilmar Mendes admitiu a participação da Defensoria Pública de São Paulo como amicus curiae na ADI 4.636 na qual o Conselho Federal da OAB impugna dispositivos da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LC 80/94).
b) RE 580.963: o Min. Gilmar Mendes deferiu o pedido da DPU para atuar como amicus curiae no julgamento do RE 580.963 (sob a sistemática da repercussão geral). Esse recurso tratava sobre o caso de uma pessoa de baixa renda que teve o pedido de benefício assistencial negado pelo INSS pelo fato de, supostamente, ter renda incompatível. O pedido de intervenção da DPU fundamentou-se no fato de que uma das atribuições da Instituição é justamente a defesa dos hipossuficientes em causas previdenciárias.
c) ADPF 186: nesta ação, o Partido DEM questionava o sistema de cotas raciais da UnB. O Min. Relator Ricardo Lewandowski aceitou a participação da DPU como amicus curiae.
d) RE 631240 / MG - MINAS GERAIS: Trata-se de recurso extraordinário em que se discute se há ou não necessidade de prévio requerimento administrativo para ajuizamento de ação judicial previdenciária, no qual foi reconhecida repercussão geral. (...) Na mesma linha, admito o ingresso como amicus curiae do Defensor Público-Geral Federal, como representativo da tese defendida pelos segurados da Previdência Social.
e) REsp 1.111.566: discutia-se, em recurso repetitivo, se, no processo criminal contra o motorista acusado de embriaguez ao volante, poderiam ser admitidos outros meios de prova além do bafômetro e do exame de sangue. A DPU foi admitida como amicus curiae.
f) REsp 1.133.869: recurso repetitivo envolvendo demanda envolvendo mutuário do SFH e a empresa seguradora, por ter esta negado a cobertura securitária pretendida. Foi aceito o ingresso da DPU no feito sob o argumento de que ela tem atuação preponderante na defesa dos consumidores e hipossuficientes.
g) REsp 1.339.313: o recurso versava sobre o prazo prescricional para o ajuizamento das ações de repetição de indébitos de tarifas de água e esgoto. DPU foi igualmente admitida como amiga da corte.
h) REsp 1185583 / SP: É possível o ingresso do Estado de São Paulo e da Defensoria Pública da União como amicus curiae em recurso especial submetido ao rito dos recursos repetitivos no qual se discute a possibilidade de imissão provisória na posse de imóvel desapropriado sem a necessidade de prévia avaliação judicial, haja vista que os referidos entes podem a vir a sofrer, em demandas sobre a mesma controvérsia, os efeitos da presente decisão e, além disso, a participação do amicus curiae tem por escopo a prestação de elementos informativos à lide, a fim de melhor respaldar a decisão judicial.
Além de inúmeros precedentes nos tribunais pátrios, a Defensoria Pública também atuou em paradigmáticos casos junto à Comissão e à Corte Interamericana de Direitos Humanos, consequência natural da função institucional prevista no art. 4 ª, VI, da Lei Complementar Federal 80/1994:
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
VI – representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos;
O Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos [2], a cuja jurisdição o Brasil se submete, oportuniza a participação do amicus curiae, conforme seu artigo 2.3: “a expressão “amicus curiae” significa a pessoa ou instituição alheia ao litígio e ao processo que apresenta à Corte fundamentos acerca dos fatos contidos no escrito de submissão do caso ou formula considerações jurídicas sobre a matéria do processo, por meio de um documento ou de uma alegação em audiência”.
Segundo Diogo Esteves e Franklin Roger[3]:
“O processo de incorporação de relevantes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos revela o alinhamento do Brasil à sistemática internacional de tutela do indivíduo, inovando e reforçando o universo de direitos nacionalmente consagrados.
No entanto, o grande desafio atual se concentra na implementação prática e na defesa cotidiana desses direitos humanos. Afinal, de nada adianta formalizar a previsão normativa de direitos se não forem instituídos mecanismos práticos e efetivos que garantam sua proteção. (...)
Por restar constitucionalmente incumbida de prestar a assistência jurídica aos necessitados, a Defensoria Pública conserva permanente contato com a população carente e marginalizada, possuindo melhores condições de identificar eventuais violações aos direitos humanos – que, via de regra, ocorrem justamente em face dos desprovidos de fortuna. (...)
Quando a Defensoria Pública atuar na defesa de direitos humanos coletivamente considerados, essa função institucional terá natureza eminentemente atípica. Desse modo, não importará a condições econômica do grupo juridicamente beneficiado”
Assim, há exemplos importantes, como a participação da Defensoria Pública de São Paulo na condição de amicus curiae no caso Favela Nova Brasília x Brasil, em que o estado brasileiro foi condenado em fevereiro de 2017, conforme trecho abaixo: [4]
“A esse respeito, várias peritagens e declarações testemunhais anexadas ao presente caso, bem como a Defensoria Pública do Estado de São Paulo destacou em seu escrito de amicus curiae, mostraram que no Brasil tornou-se uma prática habitual em que os relatórios sobre mortes ocasionadas pela polícia se registrem como “resistência seguida de morte”, e que no Rio de Janeiro se use a expressão “auto de resistência” para referir-se ao mesmo fato. De acordo com a Defensoria Pública, esse é o cenário ideal para os agentes que pretendem dar aspecto de legalidade às execuções sumárias que praticam”
Outro exemplo recente é a participação da Defensoria Pública da União como amicus curiae na proteção ao acesso a direitos das pessoas trans no Brasil, após consulta formulada pela Costa Rica, que em documento enviado à Corte Interamericana[5]:
“defendeu que se adote “o paradigma da desbiologização da identidade”, e ressaltou que o memorial “não se perfaz como um burocrático parecer técnico, mas, sobretudo busca incorporar as reivindicações e representações que espelham um histórico de lutas pelo reconhecimento de direitos de vários segmentos LGBTI.
e manifestou, ainda, no sentido de que os Estados devem garantir às pessoas trans o direito de retificação do nome e do gênero no registro civil e nos documentos pessoais, o que deve ser feito pela via administrativa, independentemente de processo judicial. Afirmou, também, que a retificação não deve ser condicionada a tratamento hormonal ou cirurgia prévios, intervenções médicas que devem ser de livre escolha das pessoas trans”
Portanto, não deve haver espaço para críticas quanto à intervenção da Defensoria Pública na qualidade de amicus curiae, eis que inequívoca sua contribuição para proteção à dignidade da pessoa humana.
CONCLUSÃO:
Conforme todo o supracitado, não restam dúvidas a respeito da legitimidade ativa da Defensoria Pública para figurar como Amicus Curiae, sempre que o direito tutelado tiver relação com suas funções institucionais. Esta participação, seja em âmbito interno ou internacional, contribui para efetivação do acesso à justiça e dos direitos dos hipossuficientes.
REFERÊNCIAS:
[1] Pesquisa realizada através do site www.dizerodireito.com.br em março de 2017
[2] http://www.corteidh.or.cr/sitios/reglamento/nov_2009_por.pdf
[3] Princípios Institucionais da Defensoria Pública / Franklin Roger, Diogo Esteves. – 2 ed. – ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.
[4] http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_333_por.pdf
[5] http://www.dpu.def.br/noticias-defensoria-publica-da-uniao/233-slideshow/35633-dpu-protocola-memorial-de-amicus-curiae-a-corte-idh-em-favor-de-pessoas-trans
Advogado e Técnico Superior da Defensoria Pública do RJ. Pós Graduado em direito público e privado pelo ISMP-RJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Alex Thiebaut Menezes Nunes da. A Defensoria Pública como amicus curiae Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jul 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50547/a-defensoria-publica-como-amicus-curiae. Acesso em: 12 nov 2024.
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