RESUMO: A polêmica Lei 13.429/17, promulgada no dia 31 de março de 2017, acarretou diversas discussões no campo jurídico. O instituto da terceirização, regulamentado até aquele momento apenas por decisões judiciais e interpretações extraídas da Súmula 331 do TST, foi disciplinado pelo referido diploma legal. A análise a que se procedeu no presente artigo foram os argumentos utilizados por duas correntes diversas: a primeira que entende pela possibilidade de mitigação do princípio constitucional do concurso público, e a segunda que, por sua vez, compreende pela inaplicabilidade do instituto da terceirização no âmbito da Administração Pública, conforme preleciona o texto constitucional. Desse modo, propõe-se o presente escrito a contribuir para o fomento de um debate que, pela característica recente do tema, é ainda incipiente, seja na seara acadêmica ou doutrinária.
PALAVRAS-CHAVE: TERCEIRIZAÇÃO. CONCURSO PÚBLICO. LEI 13.429/17. (IN)APLICABILIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Terceirização. 2. Princípio constitucional do concurso público e dicotomia entre atividade-meio e atividade-fim 3. (In)aplicabilidade da Lei 13.429/17 no âmbito da Administração Pública. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
No ordenamento jurídico pátrio, a terceirização pode ser definida como uma relação trilateral na qual existem os seguintes sujeitos: contratante (empresa tomadora), contratado (empresa prestadora de serviços) e o trabalhador terceirizado. Percebe-se que tal formatação difere da relação de emprego tipicamente bilateral existente entre empregador e empregado.
Destaca-se que antes do advento da Lei 13.429/17 inexistia diploma legal que regulamentasse a terceirização. Tal incumbência ficava a cargo dos tribunais a partir de interpretações extraídas da Súmula nº 331 do TST, a qual dispõe:
Súmula nº 331 do TST - Contrato de prestação de serviços. Legalidade (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item iv, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Nesse sentido, a ausência de um normativo delimitando os limites e o alcance da terceirização possuía o condão de provocar notória insegurança jurídica, uma vez que alterações na jurisprudência – não particularmente raras, destaca-se – significavam novos comportamentos a serem adotados sem a existência de qualquer lei.
Mesmo com o intuito de trazer segurança jurídica às relações sociais estabelecendo um alcance ao instituto da terceirização, é certo que outras polêmicas surgiram com a Lei 13.429/17, principalmente no que concerne à mitigação do concurso público.
Analisa-se que, diante de tão polêmica conjuntura, adentrar neste campo jurídico de incertezas, expondo os argumentos das correntes doutrinárias existentes, mostra-se como principal objetivo do presente trabalho.
1. TERCEIRIZAÇÃO
A terceirização ocorre quando uma empresa prestadora de serviços, através de empregados terceirizados, presta serviços determinados e específicos a uma empresa contratante, perfazendo uma relação triangular de trabalho.
Neste sentido, Luiz Carlos Amorim Robortella[1] assevera que a palavra terceirização indica a existência de um terceiro que, com competência, especialidade e qualidade, em condição de parceria, presta serviços ou produz bens para uma empresa contratante. Aduz que um dos atributos mais atraentes da técnica da terceirização é a possibilidade de transformar custos fixos em variáveis permitindo a manutenção de um pessoal reduzido, que é utilizado de forma intensa e contínua, diminuindo custos com contratação e treinamento de empregados e reduzindo despesas com encargos sociais.
A terceirização é definida por Maurício Godinho Delgado[2] da seguinte forma:
Para o direito do trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente.
Nos limites definidos pela Súmula nº 331 do TST, o juiz do trabalho Luciano Martinez[3] assim define o instituto:
(...) pode-se afirmar que a terceirização é uma técnica de organização do processo produtivo por meio da qual uma empresa, visando concentrar esforços em sua atividade-fim, contrata outra empresa, entendida como periférica, para lhe dar suporte em serviços meramente instrumentais, tais como limpeza, segurança, transporte e alimentação.
O art. 5º-A da Lei 13.429/17, tido como um dos mais polêmicos do referido diploma para fins de aplicação no âmbito da Administração Pública, define contratante como a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços determinados e específicos.
Consoante preleciona a ementa da Lei nº 13.429/2017, o referido normativo alterou diversos dispositivos da Lei nº 6.019/1973, que versa sobre o trabalho temporário, bem como passou a dispor acerca da terceirização. Em outras palavras, há na mesma lei, a regulamentação do trabalho temporário e da terceirização em sentido estrito.
No entanto, apesar das similaridades entre os dois institutos – como, por exemplo, a relação triangular – trabalho temporário e terceirização não se confundem. Primeiramente, destaca-se que o trabalho temporário implica na existência de necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços. A terceirização, por sua vez, pressupõe que o trabalhador terceirizado realize serviços tidos como determinados e específicos.
Ressalta-se, também, a existência de diferenças no que concerne à nomenclatura nos sujeitos que compõe a respectiva relação triangular. Na terceirização, tem-se trabalhador terceirizado, empresa de prestação de serviços a terceiros e a empresa contratante. No trabalho temporário, por sua vez, o diploma legal faz referência ao trabalhador temporário, a empresa de trabalho temporário (intermediadora de mão de obra temporária) e a empresa tomadora dos serviços.
2. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONCURSO PÚBLICO E DICOTOMIA ENTRE ATIVIDADE-MEIO E ATIVIDADE-FIM
A Constituição Federal, no art. 37, II, instituiu, prezando pela impessoalidade e isonomia no preenchimento de cargos e empregos públicos, o denominado “princípio do concurso público”, verbis:
Art. 37 (...) II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Desse modo, a investidura nos quadros da Administração Pública deve ocorrer, via de regra, mediante a aplicação de uma prova ou por intermédio de uma seleção via provas e títulos. Desse modo, as exceções ao referido instituo devem estar previstas no próprio texto constitucional sendo, por exemplo, como ocorre em relação aos cargos em comissão, servidores temporários, cargos eletivos, ex-combatentes, agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, etc.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, trata-se de princípio tão caro que o Excelso Pretório entende pela não aplicação da teoria do fato consumado para ensejar a manutenção e servidores que adentraram na Administração Pública sem a realização de concurso público. A Corte Suprema já se manifestou quanto ao afastamento da referida teoria nas hipóteses de flagrante inconstitucionalidade, ainda que existam leis locais agasalhando tais pretensões, in verbis:
(…) 4. In casu, a situação de flagrante inconstitucionalidade não pode ser amparada em razão do decurso do tempo ou da existência de leis locais que, supostamente, agasalham a pretensão de perpetuação do ilícito. 5. A inconstitucionalidade prima facie evidente impede que se consolide o ato administrativo acoimado desse gravoso vício em função da decadência. Precedentes: MS 28.371 AGR/DF, REL. MIN. JOAQUIM BARBOSA, TRIBUNAL PLENO, DJE 27.02.2013; MS 28.273 AGR, RELATOR MIN. RICARDO LEWANDOWSKI, TRIBUNAL PLENO, DJE 21.02.2013; MS 28.279, RELATORA MIN. ELLEN GRACIE, TRIBUNAL PLENO, DJE 29.04.2011. 6. Consectariamente, a edição de leis de ocasião para a preservação de situações notoriamente inconstitucionais, ainda que subsistam por longo período de tempo, não ostentam o caráter de base da confiança a legitimar a incidência do princípio da proteção da confiança e, muito menos, terão o condão de restringir o poder da administração de rever seus atos. 7. A redução da eficácia normativa do texto constitucional, ínsita na aplicação do diploma legal, e a consequente superação do vício pelo decurso do prazo decadencial, permitindo, por via reflexa, o ingresso na atividade notarial e registral sem a prévia aprovação em concurso público de provas e títulos, traduz-se na perpetuação de ato manifestamente inconstitucional, mercê de sinalizar a possibilidade juridicamente impensável de normas infraconstitucionais normatizarem mandamentos constitucionais autônomos, autoaplicáveis. 8. O desrespeito à imposição constitucional da necessidade de concurso público de provas e títulos para ingresso da carreira notarial, além de gerar os claros efeitos advindos da consequente nulidade do ato (crfb/88, art. 37, ii e §2º, c/c art. 236, §3º), fere frontalmente a constituição da república de 1988, restando a efetivação na titularidade dos cartórios por outros meios um ato desprezível sob os ângulos constitucional e moral. 9. Ordem denegada. (STF - MS: 26860 DF, RELATOR: MIN. LUIZ FUX, DATA DE JULGAMENTO: 02/04/2014, TRIBUNAL PLENO, DATA DE PUBLICAÇÃO: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJE-184 DIVULG 22-09-2014 PUBLIC 23-09-2014; grifou-se)
É importante salientar que a teoria do fato consumado é de aplicação excepcional, de forma que deve ser adotada cum grano salis para que não sirva de subterfúgio para atribuir direitos a determinados indivíduos diante de situações de flagrante inconstitucionalidade apenas pela demora de atuação dos órgãos de controle ou do próprio poder judiciário.
Nessas circunstâncias, diante da inobservância aos princípios da isonomia e da impessoalidade, a admissão pode ser caracterizada como um ato nulo, conforme a jurisprudência dos tribunais superiores:
EMENTA: Recurso Extraordinário. Ato de presidente de tribunal de justiça. Afastamento de serventia extrajudicial. Ingresso após a constituição federal de 1988. Necessidade de aprovação em concurso público. Afastamento que prescinde de prévio procedimento administrativo. Precedentes. 1. A discussão acerca da legitimidade ou não do presidente de tribunal de justiça para afastar serventuário cartorário se insere no âmbito infraconstitucional. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se firmou no sentido de que é imprescindível prévia aprovação em concurso público para o ingresso na atividade notarial e de registro após a promulgação da constituição federal de 1988. 3. Dispositivos da constituição do estado de santa catarina que mantinham serventuários no cargo sem aprovação em concurso público foram declarados inconstitucionais por esta corte (adis 363 e 1.573), de modo que o afastamento do cargo prescinde da instauração de prévio procedimento administrativo. 4. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 355856, Relator(A): Min. Marco Aurélio, Relator(A) P/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, Julgado Em 06/05/2014, Acórdão Eletrônico Dje-124 Divulg 25-06-2014 Public 27-06-2014; grifou-se)
EMENTA: Direito Constitucional e Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Estabilidade Excepcional para Servidores Públicos Civis Não Concursados. Impossibilidade de Extensão a Empregados de Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Precedentes. 1. A Constituição Federal de 1988 exige que a investidura em cargos ou empregos públicos dependa de aprovação prévia em concurso público de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista na lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, II, CF/88). 2. O constituinte originário inseriu norma transitória criando uma estabilidade excepcional para servidores públicos civis não concursados da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, que contassem com pelo menos cinco anos ininterruptos de serviço público (art. 19 do ADCT), não estando incluídos na estabilidade os empregados das sociedades de economia mista e das empresas públicas. 3. A jurisprudência desta Corte tem considerado inconstitucionais normas estaduais que ampliam a exceção prevista no art. 19 do ADCT a empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista. Nesse sentido: ADI 498, Rel. Min. Carlos Velloso; ADI 2.689, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie; ADI 100, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie; ADI 125, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, entre outros. 4. Ação direta de inconstitucionalidade procedente. (ADI 1301, Relator(A): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, Julgado Em 03/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO Dje-065 DIVULG 07-04-2016 PUBLIC 08-04-2016; grifou-se)
no tocante à dicotomia entre o que se entende por atividade-meio e atividade-fim, o Excelso Pretório, no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 713211, que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal, ainda irá discutir o mérito da fixação de parâmetros para a identificação do que representa a atividade-fim de um empreendimento, do ponto de vista da possibilidade de terceirização. [4]
3. (IN)APLICABILIDADE DA LEI 13.429/17 NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
No tocante ao surgimento da subdivisão em atividade-meio e atividade-fim no âmbito da Administração Pública, a análise do recurso de reconsideração por parte do Tribunal de Contas da União (TC 032.202/2010-5 – 1ª Câmara) tratou de modo didático acerca da matéria, motivo pelo qual transcreve-se o seguinte excerto:
40. No âmbito da administração pública, [a terceirização] é permitida com base no artigo 37, inciso XXI, da Constituição, observadas as normas da Lei 8.666/1993. Trata-se da execução indireta a que se referem os artigos 6º, inciso VIII, e 10 dessa lei, conforme lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo. 22ª edição. São Paulo: Atlas, 2009, p. 343).
41.Entretanto, não é qualquer atividade que pode ser terceirizada pela administração pública. O decreto-lei 200/1967, que dispõe sobre a organização da administração federal e estabelece diretrizes para a reforma administrativa, em seu artigo 10, §7º, já previa a possibilidade de terceirização para as tarefas executivas:
§ 7º para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.
42.A Constituição Federal de 1988, ademais, prevê a obrigatoriedade de aprovação prévia em concurso público para a investidura em cargo ou emprego público (artigo 37, inciso II): (…)
43. A Carta Magna, em adição, determina que a administração pública de qualquer dos poderes e entes federados deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (artigo 37, caput).
44. Dessa forma, a terceirização de atividades afetas à área-fim de um órgão ou entidade ou que estejam incluídas nas atribuições de seus cargos ou empregos públicos representa uma burla à obrigatoriedade de realização de concurso público, em clara afronta aos princípios constantes do caput, do artigo 37, da carta política.
45. Buscando coibir a terceirização irregular, o chefe do poder executivo federal editou o decreto 2.271/1997, dispondo sobre a contratação de serviços pela administração pública federal direta, autárquica e fundacional, que, logo em seu artigo 1º, disciplina quais atividades podem ser terceirizadas:
Art. 1º no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.
§ 1º as atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.
§ 2º não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.
46. Essa norma regulamentar veda, portanto, a terceirização das atividades que correspondem à área de competência legal do órgão ou entidade e daquelas abrangidas pelo plano de cargos do órgão, salvo, neste caso, expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo em extinção. As demais atividades, chamadas de acessórias, instrumentais ou complementares, poderão ser objeto de execução indireta.
47. Para as empresas estatais, apesar da falta de regulamentação, esta corte de contas aplica analogicamente o disposto no decreto 2.271/1997, a exemplo dos acórdãos 3.566/2008 – segunda câmara, 215/2008 – plenário, 1.141/2011 – primeira câmara e 2.132/2010 – plenário.
Nesse sentido, tem-se que a contratação, sem a prévia aprovação em concurso público e após a vigência da norma prevista no art. 37, II da Constituição Federal, é induvidosamente ilegal. Ainda que a contratação seja para fins de desenvolvimento de atividade-meio no âmbito da Administração Pública, mostra-se necessária a realização de procedimento licitatório a fim de garantir a impessoalidade e a eficiência, sob pena de configurar burla ao art. 37, XXI, do texto constitucional.
Acerca da (in)aplicabilidade da terceirização com o advento da Lei 13.429/17, publicada em 31 de março de 2017, no âmbito da Administração Pública, tem-se que a controvérsia, em âmbito doutrinário, dá-se por conta da redação do art. 5º-A, a qual dispõe:
Art. 5º-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços determinados e específicos.
Assim, a corrente que vislumbra a possibilidade de terceirização de atividade-fim das estatais se fundamenta tão somente por considerar, em princípio, que qualquer um poderá contratar mediante terceirização, inclusive o Estado, uma vez que a lei não veda expressamente tal hipótese.
Noutro giro, a corrente doutrinária majoritária defende que qualquer interpretação em tal sentido seria de inconstitucionalidade evidente, tendo em vista que implicaria na esdrúxula hipótese de lei infraconstitucional negando vigência à norma de status constitucional, qual seja o art. 37, II, cujo ingresso no serviço público exige a realização de concurso público e, nesse aspecto, não diferencia a administração direta, autárquica e fundacional das empresas estatais.
No que concerne à referida lei, a interpretação mais consentânea com o texto constitucional, parece ser no sentido de que não se trata sequer de inconstitucionalidade sem redução de texto, mas de verdadeira inaplicabilidade no tocante à terceirização nos casos de atividade-fim para a administração pública, tanto direta quanto indireta.
Isso porque a referida hipótese não parece se tratar, propriamente, de lacuna da legislação, mas de verdadeiro silêncio eloquente. Tendo em vista que a Constituição Federal é hierarquicamente superior à legislação ordinária, seja na forma quanto no seu conteúdo, as disposições da nova lei do trabalho temporário e terceirizado não excluirá a necessidade de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público.
Vale ressaltar que o projeto de lei nº 4.330/2004[5], que foi aprovado na câmara dos deputados em 2015, mas que aguarda votação pelo senado federal, exclui expressamente a administração direta, autárquica e fundacional da lei de terceirização. Ocorre que a Lei nº 13.429/2017, além de ser silente quanto ao assunto, possui como foco a nova disciplina jurídica da regulamentação do trabalho temporário e da terceirização das empresas no setor privado. Portanto, o referido diploma não foi criado para aplicação no âmbito da administração pública, de modo que se poderia inferir que sequer as estatais – no tocante ao ingresso em seus quadros diante do comando do art. 37, II, da CF/88 – não se equiparam às empresas privadas neste aspecto.[6]
Entender de modo contrário implicaria em subverter o princípio da legalidade no âmbito da administração pública, tendo em vista que sua atuação deve se dar nos exatos limites da lei, diferentemente das relações privadas, em que é permitido fazer tudo que a norma não proíbe.
A necessidade de tratativa na lei quanto à integralidade das situações vedadas e, mais ainda, quando a necessidade de concurso público advém do próprio texto constitucional, mostra-se como situação surreal cuja interpretação, não parece a mais adequada. Tal modo de entender acabaria por resultar no contrassenso no qual uma norma infraconstitucional, e ainda de forma omissiva, ir de encontro a um mandamento constitucional autônomo e autoaplicável.
Dessa forma, o fato do referido diploma não ter abordado a totalidade das vedações quanto ao alcance de sua abrangência – principalmente diante do seu escopo em regulamentar as relações privadas – não implica em afastar norma de envergadura constitucional e de eficácia plena quanto ao princípio do concurso público, mas resulta, em verdade, em inexistência de aplicabilidade da lei 13.429/17 quanto a terceirização da atividade-fim das estatais.
Assim, mesmo após o advento da lei 13.429/17, a dicotomia em atividade-meio e atividade-fim no âmbito da administração pública – incluindo, portanto, as estatais – ainda persiste no que diz respeito à exigência, no tocante à atividade-fim, na necessidade de realização de concurso público para provimento de cargos e empregos públicos. Nesse sentido, em que pese o decreto-lei 200/67 e o decreto federal 2.271/97 serem aplicáveis apenas na esfera federal, suas disposições podem servir de diretriz, na falta de regulamentação em âmbito estadual ou municipal, acerca da abrangência do conceito de atividade-meio ou atividade-fim.
CONCLUSÃO
A Lei 13.429/2017, cujo principal intuito parecia ser oferecer segurança jurídica a assuntos carentes de regulamentação, não alcançou seu objetivo. O referido diploma legal, conforme exposto, é omisso, impreciso e acabou por acarretar polêmicas em diversos pontos.
Constata-se que a dicotomia entre o que se entende por atividade-meio e atividade-fim ainda não foi solucionado, uma vez que a lei foi omissa nesse aspecto, bem como o texto constitucional não diferencia o ingresso nos quadros da Administração Pública por meio de concurso público no tocante à Administração Direta, Autárquica e Fundacional das empresas estatais.
Consoante o exposto, apesar da interpretação que parece ser a mais adequada ser no sentido de que o advento da Lei 13.429/2017 não possuir o condão de afastar o princípio do concurso público para fins de desenvolvimento da atividade-fim na máquina pública, parece previsível que até o momento em que o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior do Trabalho se posicionarem de forma estável, íntegra e coerente acerca da matéria, serão gerados profundos debates doutrinários, decisões judiciais conflitantes e, sobretudo, considerável insegurança jurídica.
Marmiton.org-França
·Zamalek Fans-árabe
·NouvelObs-França
·Guardian.co.uk-Reino Unido
·Tom.com-China
·The Washington Post-Estados Unidos
·Xinhua Net-China
·Louvre-França
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em 30 de julho de 2017.
BRASIL. Decreto-Lei N.º 5.452, DE 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. > Acesso em 30 de julho de 2017.
BRASIL. Lei No 6.019, de 3 de Janeiro de 1974. Dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas, e dá outras Providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/leis/l6019.htm> Acesso em 30 de julho de 2017.
BRASIL. Lei No 13.429, de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm> Acesso em 30 de julho de 2017.
BRASIL. Superior Tribunal do Trabalho. Súmula 331. Contrato de prestação de serviços. Legalidade. DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. Disponível em: < http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html > Acesso em 30 de julho de 2017.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 10ª edição. São Paulo: LTr, 2011.
MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho – 7ª Edição. Ed. Saraiva, p. 457.
Repercussão geral: STF discutirá conceito de atividade-fim em casos de terceirização <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=267100> Acesso em 20.07.2017>
ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1994.
Terceirização e Trabalho Temporário (Lei nº 13.429/2017) Disponível em: Acesso em 30 de julho de 2017.
[1] ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1994, p. 236-243.
[2] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 10ª edição. São Paulo: LTr, 2011, p. 426.
[3] MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho – 7ª Edição. Ed. Saraiva, p. 457.
[4]http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=267100
[5] Ementa: Dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes.
[6] Henrique Correira. Procurador do Trabalho. Atualização Legislativa Direito do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTE, Vanessa Capistrano. Terceirização: advento da Lei 13.429/17 e sua (in)aplicabilidade no âmbito da Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50568/terceirizacao-advento-da-lei-13-429-17-e-sua-in-aplicabilidade-no-ambito-da-administracao-publica. Acesso em: 12 nov 2024.
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