RESUMO: O artigo busca esclarecer o modelo regulatório brasileiro de serviço de radiodifusão de sons e imagens, comparando-o com os regimes adotados nos Estados Unidos e na França. Nesse passo, após desconstrução crítica da sistemática nacional, os subsídios do direito comparado, com estudos dos modelos norte-americano e francês, trazem possíveis caminhos para a reestruturação da atuação regulatória estatal. Além disso, aportes teóricos do sistema autopoietico de Gunther Teubner e do princípio da reflexividade de Sergio Guerra são extremamente importantes para ancorar a argumentação jurídica. Por fim, a descrição de fenômenos da realidade sensível comprovam as paulatinas alterações pela qual o setor da radiodifusão de sons e imagens passa atualmente, no chamado “direito vivo”, o qual evita a fossilização do sistema regulatório adotado.
Palavras-chave: Radiodifusão de sons e imagens. Regulação. Agência reguladora. Discricionariedade administrativa. Teoria autopoietica. Reflexividade. Direito Comparado.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. DIREITO COMPARADO: POSSÍVEIS CAMINHOS 2.1 A jurisprudência norte-americana 2.2 O modelo legal francês 2.3 Brasil: convergências e divergências 3. BRASIL: UMA SOLUÇÃO VIÁVEL ENTRE A TÉCNICA E A POLÍTIC 3.1 Proposta: Princípio da Reflexividade e Autopoiesis 3.2 Empiria necessária: a tendência brasileira 3.2.1 Constituição de 1988: a inclusão do Congresso Nacional 3.2.2 Convênios: ANATEL e o aumento do Poder Fiscalizatório 3.2.3 Constituição de 1988 e a postura deferente do Poder Judiciário 4. CONCLUSÃO 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende a análise do modelo de radiodifusão existente no Brasil, verificando suas vantagens e desvantagens. Diante de tal pretensão, o direito comparado surge como importante ferramenta de enriquecimento e aprimoramento do debate. Por meio deste instrumento é possível a construção, em bases mais sólidas, de eventuais saídas para as falhas do setor.
Conforme asseverado por Rui Pinto Duarte, autor português, o direito comparado possui função formativa, provocando reflexão ampla sobre falsos dogmas que permeam o ordenamento jurídico nacional. Afinal: “uma opção que tenha por base o conhecimento de soluções já experimentadas [pelo direito comparado] é evidentemente mais consciente que a outra que não possua” [1].
Após este breve intróito, passemos a a avaliar de que formas se dá a regulação sobre o setor da radiodifusão nos Estados Unidos e na França.
1. ANÁLISE DO DIREITO COMPARADO
2.1 A Jurisprudência norte-americana
Os Estados Unidos da América adotam modelo liberal no setor das Telecomunicações, em estrita obediência ao First Ammendment[2] que consagra expressamente a liberdade de imprensa e de opinião. Não obstante, o Estado se faz presente na atividade por meio do controle da agência reguladora, a Federal Communications Commission (FCC).
Segundo estudiosos do tema[3], a regulação da TV aberta (“broadcast television”) se intensificou nos anos de 1940/1950, enquanto a TV a cabo passou a ser regulada em 1960, também pela FCC, sob o mote de impedir que a primeira sucumbisse. A importância da regulação na matéria foi reconhecida pela Suprema Corte norte-americana[4]:
Até 1927, a alocação de frequências foi entregue inteiramente ao setor privado, e o resultado foi o caos. Rapidamente tornou-se aparente que as radiofrequências constituíam um recurso escasso cujo uso somente podia ser regulado e racionalizado pelo Governo. Sem controle estatal, a mídia seria de pouco uso por conta da cacofonia de vozes em competição, nenhuma das quais totalmente audíveis. Por consequência, a Federal Radio Comission foi criada para alocar frequências entre os candidatos concorrentes, em fórmula sensível à “conveniência, interesse ou necessidade” públicas.[5]
Hoje, a atividade da agência é normatizada pelo Telecomunications Act de 1934[6] e pelo Code of Federal Regulations, em seu título 47. Como sabido, nos Estados Unidos o legislador utiliza-se da técnica de standards, estabelecendo tão-somente parâmetros genéricos, termos vagos e princípios a serem preenchidos pela regulamentação das agências reguladoras. Daí se afirmar que a função normativa das agências é “quase legislativa”. Explico: embora tenham força de lei, suas normas estão adstritas aos fluidos standards legais (Telecomunications Act de 1934) e constitucionais (First Ammendment).
Talvez por isso, os objetivos da agência elencados na legislação de 1934[7] sejam excessivamente genéricos: “tornar o serviço de telecomunicações acessível, tão distante quanto possível, a todas as pessoas dos Estados Unidos, sem discriminação”; “promover a segurança da vida humana e da propriedade através do uso das telecomunicações”; e “garantir uma execução mais eficaz desta política” [8].
Diante da imprecisão do texto legal, importa lembrar que o país em análise é adepto do sistema da common law, sendo certo que o estudo de precedentes da Suprema Corte são de grande valia para a definição do espectro de atuação da Federal Communications Commission (FCC) no setor regulado.
Nesse ponto, Maria Sylvia Zanella di Pietro[9] é categórica em afirmar que houve evolução na jurisprudência norte-americana acerca do controle jurisdicional de decisões tomadas pelas agências reguladoras. Em um primeiro momento, era propagada a ideia de absoluta deferência às opções técnico-administrativas:
Como decorrência da especialização, reconhecia-se às agências largo grau de discricionariedade técnica, abrangendo uma esfera em que seus atos, mesmo os regulatórios, por envolverem conhecimentos técnicos, estavam fora do controle judicial. Isso significa que os aspectos técnicos das decisões eram de competência normativa da agência, escapando inclusive à revisão judicial, a não ser que se tratasse de ato manifestamente arbitrário, absurdo, caprichoso, contrário à intenção do legislador. A Lei de Procedimento Administrativo, de 1946, contém norma expressa incluindo entre as causas de revisão judicial de decisão administrativa, as hipóteses em que as decisões, considerações e conclusões administrativas se julguem arbitrárias, caprichosas, ditadas no exercício abusivo da discricionariedade... (Seção 706). Além disso, toda a matéria de fato era de apreciação exclusiva da agência, ficando também fora do âmbito de apreciação judicial.
Com efeito, até os anos 60 subsistiu certa euforia com as inovações do modelo das agências reguladoras, que se pautava em três eixos: especialização, neutralidade e discricionariedade técnica. Assim, o Poder Judiciário norte-americano tornava a matéria praticamente insindicável.
Sucede que nas últimas décadas, percebeu-se que o modelo continha falhas, estando sujeito ao incurso de interesses outros, que não o estritamente técnico. Segundo Maria Sylvia, os eixos acima apontados começavam a ruir e, junto a eles, a noção de insindicabilidade das decisões tomadas pelas agências reguladoras.
As noções de especialização e de proteção dos interesses setoriais transmudam-se na preocupação global da Administração Pública com a fluida concepção de interesse público. Some-se a isso o fato de que a tão festejada neutralidade passou a conviver com juízos políticos de valor. Em síntese, se verificou “a paulatina submissão das agências à política governamental e o consequente controle do Poder Executivo sobre as normas por elas baixadas.”[10]
Atento a todo este processo evolutivo, o Poder Judiciário adaptou o posicionamento anteriormente adotado, passando a fiscalizar a motivação, a racionalidade, a razoabilidade e a proporcionalidade das soluções técnico-administrativas apresentadas pelas agências. É o que pondera a professora titular da Universidade de São Paulo (USP)[11]:
Com relação à chamada discricionariedade técnica, que levava a excluir do controle judicial os aspectos técnicos da decisão e, inclusive, da matéria de fato, também foi afetada pela ampliação do controle judicial sobre os atos das agências. Para isso concorreu a aplicação dos princípios da motivação, da racionalidade e razoabilidade dos atos normativos (devido processo legal em sentido substantivo) e da proporcionalidade da medida em relação aos fins contidos na lei. E é importante ressaltar que a ampliação do controle judicial se deu tanto em relação à adjudication (decisão do caso concreto) como à regulation (ato normativo).
(...)
Em resumo, embora se continue a reconhecer às agências competência normativa para disciplinar aspectos técnicos inseridos em sua esfera de atuação, o processo de elaboração das respectivas normas tem que ser documentado com todos os dados que permitam ao Poder Judiciário examinar a racionalidade da regulação diante dos fatos, ou seja, a correlação entre os fatos (motivos) e a decisão, sem falar na razoabilidade das normas diante do standard contido na lei.
Desse modo, passou-se a exigir a procedimentalização formal das decisões tomadas pelas agências reguladoras, permitindo que o Judiciário verificasse se o órgão técnico ponderou todos os dados, conhecimentos e interesses em jogo.
Após esta breve digressão genérica sobre o tema, concentremos esforços na específica situação da Federal Communications Commission (FCC), verificando se os apontamentos genéricos de Maria Sylvia se aplicam especificamente ao setor das Telecomunicações.
Segundo estudos mais liberais[12], a excessiva regulamentação da FCC e do Congresso à título da universalização do serviço, da valorização da cultura local, da manutenção da competitividade com a televisão paga e do livre acesso à televisão aberta estavam sendo nocivos ao mercado e ao próprio consumidor.
Dentre os instrumentos legislativos utilizados na consecução de tais finalidades, os estudiosos[13] destacam: (i) Network Nonduplication and Syndicated Exclusivity, que impôs a exclusividade de rede à televisão aberta local em muitas regiões do país, impedindo o livre ingresso da televisão a cabo; (ii) Compulsory Licenses, que exigiu das empresas de TV a cabo o pagamento de royalties a um Fundo que tinha por objetivo assegurar os direitos autorais de empresas locais[14]; (iii) Media Ownership, revogada na última década, era composta por uma série de programas com o fito de evitar a concentração de mercado.
Assim, em tom de crítica à atuação da FCC, concluem Adam Thierer e Brent Skorup[15] que a “liberalização global do mercado audiovisual dos Estados Unidos pode ajudar a garantir que volume maior de conteúdo midiático seja desenvolvido e distribuído daqui para frente”[16]. Aliás, outros estudiosos que se debruçaram sobre o tema das telecomunicações nos EUA, denunciam a excessiva atuação estatal no setor:
O que distingue os programas de TV de outros conteúdos midiáticos de massa... é a extrema ânsia de Washington de se envolver nos esforços para prevenir o mercado de trabalhar livremente , muitas vezes em resposta a pressões de grupos de interesse e às oportunidades de vantagem política e com quase completa indiferença para com o bem-estar dos consumidores .[17]
Uma diferença importante entre mercados de bens de telecomunicações e mercados de outros bens é que a regulação governamental desempenha um papel muito importante na determinação de que tipos e em que qualidade os serviços de telecomunicações podem ser oferecidos, e a que custo. A questão central na lei de telecomunicações é porque produtos e mercados das telecomunicações não são tratados como a maioria dos outros.[18]
Desse modo, em que pese o First Ammendment e o caráter técnico[19] da FCC, verifica-se a interferência de escolhas políticas no setor das telecomunicações, exemplificadas pela valorização da cultura local e pelos privilégios concedidos à radiodifusão de sons e imagens em face do serviço de acesso condicionado.
Aqui, portanto, se está diante do fênomeno apontado por Maria Sylvia, segundo o qual a agência vê flexibilizadas as noções de especialização e de neutralidade. Cumpre perquirir, portanto, se a discricionariedade técnica ainda subsiste no setor das telecomunicações.
Nessa perspectiva, o precedente Red Lion Broadcasting Co. v. Federal Communications Commission, 395 U.S. 367 (1969) é comumente referido nos estudos sobre o tema. Neste caso, a Suprema Corte pacificou entendimento acerca dos limites dos poderes da agência reguladora.
O litígio surgiu em virtude da positivação, pelo legislador norte-americano, da “Fairness Doctrine”, a qual tinha por meta assegurar ao público o direito à ampla informação, englobando todos os pontos de vista sobre temas de repercussão pública.
Pois bem. Concretizando a vontade legislativa, a FCC regulamentou a matéria, aplicando sanções a ataques pessoais veiculados pelos meios de comunicação. Dentre as empresas condenadas, encontrava-se a Red Lion Broadcasting Co., Inc., que recorreu ao Judiciário para ver anulado o ato administrativo sancionatório. Após regular trâmite, a demanda chegou à Suprema Corte, que assim decidiu:
A história da “fairness doctrine” e da legislação conexa mostra que a ação da FCC no caso Red Lion não excedeu a sua autoridade, e que, ao adotar a nova regulamentação, a FCC estava meramente implementando a política do Congresso.
(a) A “fairness doctrine” começou logo após a criação da Federal Radio Commission para atribuição de frequências entre os candidatos concorrentes, e na medida em que existe uma obrigação afirmativa da emissora em verificar se ambos os lados são apresentados, a doutrina de ataque pessoal e sua regulamentação não diferem da “fairness doctrine”.
(b) O dever legal da FCC de fiscalizar se as emissoras operam no interesse público, somado à reafirmação pelo Congresso da interpretação da FCC, em 1959, através da alteração do § 315 da Lei de Comunicações, de que a “fairness doctrine” é inerente ao standard de interesse público, apoiam a conclusão de que a doutrina e sua vertente do “ataque pessoal” e das regulamentações editoriais políticas refletem o exercício legítimo da autoridade delegada pelo Congresso.[20]
Em breves linhas o órgão de cúpula do Judiciário adotou postura deferente à regulamentação introduzida pela agência: “e aqui é dada especial força a este princípio, devido ao igualmente respeitado princípio de que a interpretação do estatuto por aqueles encarregados de sua execução devem ser acatadas, a menos que existam fundadas razões de que esteja equivocada”[21]
Após este julgamento, os limites dos poderes conferidos à FCC pelo Congresso voltaram a ser discutidos no caso Federal Communications Commission v. Pacifica Foundation, 438 U.S. 726 (1978). Na hipótese, a parte autora questionava a legitimidade da agência reguladora para definir quando há ou não exibição de material indecente ou obsceno e, ato contínuo, punir a empresa infratora.
Uma vez mais o Tribunal prestigiou a interpretação da agência, citando inclusive o precedente firmado em Red Lion Broadcasting Co. v. Federal Communications Commission:
Porque nem as nossas decisões anteriores nem a Língua ou a História apoia a conclusão de que o recurso lascivo é um componente essencial da linguagem indecente, rejeitamos a interpretação de Pacifica acerca do estatuto. Quando essa interpretação é posta de lado, não há nenhuma base para discordar da conclusão da Comissão de que a linguagem indecente foi usada nesta transmissão.
(...)
A abordagem também é compatível com o precedente de Red Lion Broadcasting Co. v . FCC, 395 US 367. Neste caso, o Tribunal rejeitou o argumento de que os regulamentos da Comissão que definem a “fairness doctrine” eram tão vagos que inevitavelmente cerceariam a liberdade de expressão dos organismos de radiodifusão. O tribunal a quo havia anulado as regulamentações da FCC porque sua imprecisão pode levar à autocensura de programa controverso. [22]
Aliás, especificamente neste julgado foi ponderado algo relevante para o presente trabalho. Segundo o decisório, “de todas as formas de comunicação, a radiodifusão tem a mais limitada proteção da Primeira Emenda”. [23]
Segundo os ministros, isto se dá por duas razões fundamentais: (i) a intensa capilaridade do serviço, presente em quase todas as residências norte-americanas, impede a plena proteção dos ouvintes e telespectadores quanto a programas inesperados, com conteúdo indesejável; (ii) ademais, a radiodifusão é singularmente acessível a crianças, mesmo àquelas novas demais para discernir conteúdo escrito.
Talvez por esta razão, em outros meios de comunicação haja menor deferência da Suprema Corte com a intervenção do Estado na livre circulação da informação (First Ammendment). À título de exemplo, pode-se citar os seguintes precedentes: Miami Herald Publishing Co. v Tornillo, 418 U.S. 241 (1974); Reno v American Civil Liberties Union, 521 U.S. 844 (1997); Brown v Entertainment Merchants Association, 564 U.S. 08-1448 (2011).
Nesse ponto, portanto, há de se reconhecer que o setor da radiodifusão de sons e imagens não acompanhou a evolução jurisprudencial apontada por Maria Sylvia Zanella di Pietro. A Suprema Corte permanece com postura deferente em relação às decisões da FCC no setor, adotando restritiva interpretação do First Ammendment.
É o que se extrai do recente precedente da Suprema Corte City of Arlington v. Federal Communications Commission, julgado em 22.05.2014:
“Julgado: As Cortes devem aplicar a sistemática do “Caso Chevron” para a interpretação de agência reguladora acerca de uma ambiguidade de lei que se relaciona ao alcance da autoridade atribuída pelo estatuto ao ente regulatório (por exemplo, sua jurisdição). Págs. 4-17.
(a) Segundo o “Caso Chevron”, uma Corte revisora deve primeiramente perguntar se o Congresso falou direta e precisamente sobre a questão em discussão; se sim, a Corte deve conferir efeito à intenção expressa e inequívoca do Congresso. No entanto, se ‘a lei é silente ou ambígua’, a Corte deve dar deferência à agência reguladora quanto à interpretação da lei, na medida em que seja permitido.
(…)
A autoridade de outorga geral de regulamentação valida regras para todas as matérias que a agência é encarregada de administrar. Isso basta para decidir esse caso, em que as pré-condições para a deferência administrativa, definida no ‘Caso Chevron’, estão satisfeitas, porque o Congresso, sem qualquer margem para ambiguidade, revestiu inequivocamente a FCC com autoridade genérica para gerir a Lei de Comunicações, através de regulamentação e adjudicação, e a interpretação da agência em questão foi proclamada no exercício desta autoridade.”[24]
Portanto, não obstante o influxo de interesses políticos no setor, a Suprema Corte mantém hígido o princípio da deferência quanto à interpretação da FCC no setor da radiodifusão de sons e imagens.
2.2 O Modelo Legal Francês
A França, até o início dos anos 80, adotava modelo de monopólio estatal no setor da radiodifusão. A partir de novos marcos regulatórios expedidos em 1981 e 1982, a competência passou a ser de agências reguladoras, que se sucederam ao longo do tempo: primeiro, a Haute Autorité de la communication audiovisuelle; em seguida, a Commission nationale de la communication et des libertés; e, desde 1989, o Conseil supérieur de l’audiovisuel (CSA).
Atualmente, o marco regulatório da matéria é a Lei n° 86-1067/1986, que disciplina o disposto no artigo 34, da constituição francesa de 1958[25] e no artigo 11, da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789[26].
Segundo a citada lei, o gênero das telecomunicações (“communication audiovisuelle”[27]) está sob o controle regulatório do Conseil supérieur de l’audiovisuel (CSA) , que tem entre suas prioridades institucionais (artigo 3-1): assegurar ‘a igualdade de tratamento’, ‘a independência e a imparcialidade do setor público de radiodifusão’, ‘a livre concorrência e o estabelecimento de relações não discriminatórias entre editores e distribuidores de serviço’; ‘a qualidade e a diversidade de programas’, ‘o desenvolvimento da produção e da criação da radiodifusão nacional assim como a defesa e a ilustração da língua e da cultura francesa’; ‘a coesão social e a luta contra as discriminações no âmbito da radiodifusão’, ‘o direito das mulheres no âmbito da radiodifusão’ e ‘proteção do meio ambiente e da saúde da população’.[28]
Já aqui se percebe grande proximidade entre os objetivos perquiridos pelo legislador da França e do Brasil no setor das Telecomunicações. A diferença recai na forma em que estes foram veiculados: enquanto o direito pátrio optou por cristalizá-los no artigo 223, da Constituição da República; o país europeu traçou diretrizes genéricas em sua carta constitucional, deixando a cargo do legislador ordinário especificá-los, consoante o dispositivo acima mencionado.
No que se refere ao sistema de concessão do serviço de radiodifusão, há interessante simbiose entre a política e a técnica. É que a legislação atribui tal competência ao ente regulador (artigo 22, lei 86-1067/1986[29]), muito embora exija a comunicação ao Primeiro Ministro, que poderá, no prazo de 15 dias, exigir nova deliberação do CSA (artigo 6º, lei 86-1067/1986[30]).
Aliás, esta decisão do CSA deve ser pautada nos critérios específicos estabelecidos minuciosamente nos artigos 26 e ss., lei 86-1067/1986, sem prejuízo do “interesse de cada projeto para o público, relativamente a necessidades prioritárias que são o sustentáculo do pluralismo do fluxo de expressões socioculturais, a diversificação dos operadores, e a necessidade de evitar os abusos da posição dominante bem como as práticas que obstacularizam o livre exercício da concorrência. (artigo 29, lei 86-1067/1986)”[31].
Outrossim, a lei – e não a Constituição – estabelece prazo máximo à duração da outorga, que não poderá ser superior a dez anos, com exceção do serviço de rádio analógico, que tem tal limite reduzido a cinco anos (artigo 30-6, in fine, lei 86-1067/1986[32]). A renovação, por duas vezes, em períodos igual a cinco anos é a regra, só podendo ser afastada nos casos previstos na legislação (artigo 28-1, lei 86-1067/1986[33]).
Talvez com a pretensão de diminuir o déficit de representatividade da agência, a legislação francesa impôs interessantes limitações no que tange ao procedimento de outorga. Em alguns momentos restringe e em outros afasta totalmente a deliberação técnica do Conseil supérieur de l’audiovisuel.
Um exemplo de mera restrição é a necessidade de consulta popular exigida pela lei em alguns casos. É o que ocorre, por exemplo, na outorga de serviço que seja suscetível de modificar, de forma relevante, o mercado audiovisual (artigo 31, lei 86-1067/1986[34]).
Já quanto à exclusão da análise técnica da agência, há capítulo na lei que versa exclusivamente sobre “serviços de radiodifusão distribuídos por redes que não utilizam frequências mantidas pelo CSA” [35]. Este nicho é definido por decreto do Conselho de Estado[36], com a oitiva prévia do CSA, e observadas as rígidas balizas fixadas pelos artigos 33 e ss., lei 86-1067/1986.
Aliás, a legislação francesa inseriu, nitidamente, opções políticas no setor em estudo. Algumas disposições, alheias à técnica, carregam evidente preocupação do legislador com a abrupta desestatização das telecomunicações. Passa-se a ilustrar do que ora se trata.
De modo semelhante ao Brasil, na França também foi criada a política de “cota de tela” no setor da radiodifusão, sendo obrigatório, no horário de maior audiência, o mínimo de 60% de programação europeia, sendo 40% necessariamente francesa (artigo 27, 2º, lei 86-1067/1986[37]). No campo do serviço de acesso condicionado, a norma estabelece que caberá ao CSA, mediante decreto, “igualmente definir obrigações adaptadas à natureza particular dos serviços de comunicação sob demanda e de os exonerar da aplicação de certas regras previstas para os outros tipos de serviços.”[38]
Outra medida intervencionista autorizada por lei é a preferência pela radiodifusão de sons e imagens frente aos serviços onerosos de televisão. É o que enuncia o artigo 29-1, in fine, lei 86-1067/1986: “(...),O CSA favorece os serviços ao não exigir qualquer remuneração por parte dos usuários, e ao contribuir para reforçar a diversidade dos operadores, bem como o pluralismo de informações”.[39]
Por fim – e talvez o mais impactante dos fenômenos relatados –, está a remanescência de um setor público de comunicação audiovisual, englobando não apenas a radiodifusão de sons e imagens, mas também o serviço de acesso condicionado. Trata-se aqui de intervenção direta do Estado no setor, por meio de sociétés nationales de programme[40] de televisão[41], de rádio e de serviços no exterior. Os presidentes destas empresas públicas são curiosamente nomeados pelo Conseil supérieur de l’audiovisuel, em outra interessante simbiose da política com a técnica (artigo 47-4, lei 86-1067/1986[42]).
Por evidente, as inovações legislativas introduzidas geraram grande repercussão à época, levando ao Conselho Constitucional diversas impugnações a dispositivos constantes da Lei n° 86-1067/1986. Em razão do corte epistemológico estabelecido no presente trabalho, será concentrado o estudo na decisão de n° 88-248, proferida em 1989.
Preliminarmente, importa tecer breves esclarecimentos quanto ao papel do Conselho Constitucional no cenário francês. Este órgão possui disciplina própria na Constituição do país (art. 64, ss.), sendo responsável por decidir, a priori e a posteriori, acerca da (in)constitucionalidade de normas legais, com eficácia erga omnes, vinculando os poderes públicos e todas as autoridades administrativas e jurisdicionais.
De um lado, o controle prévio é exercido sempre que o tribunal for provocado pelos legitimados previstos no artigo 61, da constituição francesa, a saber, Presidente da República, Primeiro-Ministro, presidente da Assembleia Nacional, Presidente do Senado ou por sessenta deputados ou sessenta senadores.
De outro, o controle posterior ocorrerá sempre que a Corte de Cassação (órgão de cúpula da Justiça Judiciária) e o Conselho de Estado (órgão de cúpula da Justiça Administrativa) se depararem com alegação de vício de constitucionalidade e entenderem necessário a pacificação da matéria controvertida pelo Conselho Constitucional (artigo 61º-1, da constituição francesa).
No julgado que se passará a analisar o controle foi preventivo, tendo sido provocado por 60 deputados, em face de projeto de lei que ampliava os poderes da agência reguladora. No âmbito da discussão, foi pacificado entendimento no sentido de que caberia ao CSA fixar a interpretação sobre conceitos jurídicos indeterminados utilizados pela novel legislação. Veja-se o que foi ponderado pelo Conselho[43]:
7. Considerando que os autores do requerimento sustentam que “limitando-se a invocar que se trata de um descumprimento grave”, sem precisar o conteúdo, o legislador deixa espaço para a arbitrariedade; argumentam também que o fato de a lei especificar que “as medidas tomadas em cumprimento da decisão do conselho superior de audiovisual não pode em qualquer caso ensejar a responsabilidade pessoal do presidente do organismo” é contrário ‘aos princípios que regem o exercício da autoridade de a liberdade do comercio da industria.
Da noção do que é ‘descumprimento grave’:
8. Considerando que ao se referir ao conceito de ‘descumprimento grave’ pelos organismos do setor público audiovisual às obrigações que lhes são impostas nos termos da Lei de 30 de setembro de 1986, dos pedidos no Conselho de Estado previstos no artigo 27 , ou de especificações, o legislador houve por bem excluir, para os descumprimentos sem gravidade, a prática de um procedimento obrigatório relativo às sociedades nacionais do programa ou do instituto nacional de audiovisual; que caberá ao Conselho Superior do Audiovisual se conformar, sem prejuízo do controle de legalidade, com a distinção feita pela lei de acordo com o grau de gravidade do ‘descumprimento’; Assim, não se pode acusar o legislador de ter permanecido abaixo da competência que lhe é dada pela Constituição, notadamente no artigo 34, no que diz respeito à isenção de responsabilidade pessoal do presidente da organização.
Assim, o que se extrai da decisão é que cabe à Agência Reguladora preencher a indeterminação jurídica de termos vagos utilizados pelo legislador (“manquement grave”). Há, portanto, ideia semelhante àquela analisada nos Estados Unidos, onde prepondera o princípio da deferência técnico-administrativa.
Outro ponto relevante suscitado na decisão cinge-se aos limites do poder da agência no exercício de sancionar a liberdade de expressão. Os artigos 42-1 e 42-2 da Lei n° 86-1067/1986 outorgaram ao Conseil supérieur de l’audiovisuel o poder de cominar sanções, o que segundo os deputados violaria a separação de poderes[44]. Aqui, uma vez mais, o Conselho Constitucional entendeu por bem preservar o poder outorgado à agência[45]:
27. Considerando que, para a realização desses objetivos de valor constitucional, é dado ao legislador submeter as diferentes categorias de serviço de comunicação a um regime de autorização administrativa; que lhe é dado igualmente cobrar da agência reguladora que assegure a conformidade com os princípios constitucionais em matéria de telecomunicações; que a lei pode, sem atentar contra o princípio da separação dos poderes, dotar a agência reguladora encarregada de competência para garantir o exercício da liberdade de comunicação dos poderes sancionatórios no limite necessário à realização de sua missão;
28.Considerando que pertence ao legislador a iniciativa do exercício daquelas medidas destinadas à salvaguardar os direitos e liberdades constitucionalmente garantidos;
29. Considerando que, em conformidade com o princípio da ampla defesa, o qual constitui um princípio fundamental reconhecido pelas Leis da República, nenhuma sanção pode ser aplicada sem que ao titular da autorização seja dado apresentar suas observações sobre os fatos que lhe são imputados, bem como que lhe seja garantido o acesso ao respectivo dossiê; que, noutro turno, para as sações previstas nos parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo 42-1, bem como no caso de revogação da autorização mencionada no art. 42-3, o legislador previu a observância a um procedimento com contraditório que é conduzido por um membro da jurisdição administrativa de acordo as modalidades definidas no art. 42-7; que resulta do art. 42-5 que não pode ser submetido ao Conseil Superieur de l’audiovisuel fatos que remontem há mais de 3 anos se não foi realizado nenhum ato tendente à sua apuração, constatação ou sanção.
30. Considerando que o poder de aplicar as sanções previstas no art. 42-1 é conferido ao Conseil Supérieur de l’audiovisuel que constitui uma instância independente; que resulta dos termos da lei que nenhuma sanção se reveste de caráter automático; que, na forma do art. 42-6, toda decisão que imponha uma sanção deve ser motivada; que a diversidade de medidas suscetíveis de serem tomadas com fundamento no art. 42-1 corresponde à vontade do legislador em proporcionar a repressão à ‘ falha grave’ imputada ao titular de uma autorização; que o princípio da proporcionalidade deve paralelamente incidir na aplicação de quaisquer das sanções enumeradas no art. 42-1; que o mesmo se aplica às sanções pecuniárias previstas no parágrafo 3º deste artigo; que, nesse contexto, o art. 42-2 que afirma que o montante da sanção pecuniária deve guardar relação com a gravidade das falhas cometidas bem como com as vantagens auferidas com a falha pelo serviço autorizado; que uma mesma falha só pode ensejar uma única sanção administrativa, seja ela legal ou contratual; que resulta da redação do art. 42-1 (3º) que uma sanção pecuniária não pode ser cumulada com uma sanção penal.
O Conselho, portanto, afastou a alegação de violação à Separação de Poderes, príncipio tão caro ao Estado francês. Em suas linhas, a decisão esclarece o óbvio: a sanção administrativa depende da observância de um devido processo legal, assegurado o contraditório e a motivação de todos os atos pela autoridade pública.
Por evidente, a postura dos tribunais não está imune a críticas, principalmente de agentes do setor audiovisual. O poder de polícia outorgado à agência reguladora é constantemente criticado, inclusive por juristas. Em artigo[46] que versa sobre o tema, Pierre-Françoir Docquir é incisivo:
E se a crítica que se pode fazer em relação às decisões do CSA reside justamente no risco de que a televisão pública renuncie, no futuro, a exibir uma ousadia finalmente aprovada – para além do primeiro choque –, pela opinião majoritária, é que a liberdade da imprensa constitui uma das condições necessárias à possibilidade de uma sociedade democrática. [47]
A par das críticas, não há dúvidas de que a decisão tomada pelo CSA em procedimento sancionatório pode ser revista pelo Conselho de Estado, na forma imposta pelos artigos 42-8 e 42-13. Aliás, também as decisões que não autorizem ou que cancelem a outorga do serviço público podem ser revistas pelo Conselho de Estado.
A questão é saber sob quais limites se dá tal atuação. Nesse ponto, muito pertinente a contribuição de Maria Sylvia Zanella di Pietro[48]:
No que diz respeito às questões técnicas, o Conselho de Estado adota a teoria do erro manifesto, aplicável nos três tipos de controle referidos. Isso signifca que a apreciação dos fatos, se tem caráter técnico, é reconhecida como faculdade discricionária da administração, excluída, portanto, do controle jurisdicional. No entanto, naqueles casos de erro manifesto, que salta aos olhos sem necessidade de um perito na matéria, a exclusão de apreciação judicial poderia conduzir ao arbítrio. Com base nessa teoria, o Conselho de Estado tem anulado atos (...).
Por assim dizer, o órgão de cúpula da jurisdição administrativa apenas ingressa no mérito de decisão técnico-administrativo por exceção, e sempre se restringindo à anulação do ato. Em recentes decisões proferidas pelo Conselho de Estado se identifica a aplicação deste instituto. À título de exemplo, pode-se reportar à decisão nº 343073, proferida em 22/04/2013, relatoria de Sr. Jean- Dominique Langlais[49]:
3. Considerando, em primeiro lugar, que as disposições do art. 14-1 da lei de 30 de setembro de 1986 autorizam o CSA a regulamentar a prática de colocação de produtos na totalidade dos programas de serviços de telecomunicação.
(...)
6. Considerando que, ao prever que a informação ao público sobre a existência de um programa será assegurada pela aparição durante alguns minutos, de um símbolo durante a transmissão, a decisão impugnada que, de acordo com os termos do parágrafo VII se aplica ‘qualquer que seja a origem e condições da produção do programa’ não introduz nenhuma discriminação entre as obras cinematográficas francesas e estrageiras; que a aparição breve e intermitente de um símbolo não atenta, por sí só, contra a integridade das obras; que utilizando essa modalidade de informação ao público para as obras cinematográficas, como também para outros programas cuja transmissão é autorizada, o Conseil Superieur de l’audiovisuel não cometeu erro manifesto na apreciação; que não revela uma desvantagem a existência de um erro manifesto no fato que as outras disposições da deliberação sejam aplicadas às obras cinematográficas e que sua aplicação não é afastada a partir de certo intervalo a contar da saída da obra.
Nesses termos, o que se verifica na jurisprudência francesa é o reconhecimento de limites à sua própria jurisdição. Com efeito, as opções de natureza puramente técnica escapam da apreciação judicial, restrita à averiguação de “erros manifestos”.
2.3 Brasil: convergências e divergências
Avaliadas as principais características dos modelos norte-americano e francês, inevitável proceder a breves comparações com o sistema brasileiro em dois aspectos: a sindicabilidade da discricionariedade técnica[50] e a radiodifusão prestada diretamente pelo Estado.
Quanto ao primeiro aspecto, percebe-se grande convergência dos tribunais estudados no tópico precedente. Em seu conteúdo, as noções de “erreur manifeste” e de “deference” são praticamente sinônimas. Tal peculiaridade é, inclusive, mencionada por Maria Sylvia[51]:
É curioso como o Direito norte-americano, de início tão crítico do Direito administrativo francês (negando, por muito tempo, a existência de um Direito administrativo nos Estados Unidos, o que também ocorreu nos demais países integrantes do sistema da Common Law), tenha chegado a soluções tão parecidas. Essa sua tese de só permitir a revisão dos aspectos técnicos quando se tratasse de ato manifestamente arbitrário, absurdo, caprichoso, não difere muito da teoria, acima exposta, do erro manifesto, adotada pelo Conselho de Estado francês.
Assim, embora distintos em sua gênese, a civil law francesa e a common law norte-americana aqui se tocam, trazendo interessantes subsídios ao sistema jurisdicional brasileiro, que ainda hoje é reticente quanto aos limites do controle da discricionariedade técnica.
Aliás, a constituição vigente outorga natureza de direito fundamental à Inafastabilidade da Jurisdição (CRFB, artigo 5º, XXXV), além de prever regra específica de controle judicial no campo da radiodifusão de sons e imagens (CRFB, artigo 223, §4º). Por assim dizer, parece o ordenamento jurídico pátrio ser refratário à possibilidade de se restringir o poder de revisão judicial no Brasil.
Não bastasse isso, parte da doutrina questiona a possibilidade de agências reguladoras expedirem regulamentos, seja pela ausência de previsão constitucional, seja pelo déficit de legitimidade democrática inerente a estas autarquias. A rigor, a Constituição da República apenas concedeu tal poder discricionário ao Chefe do Poder Executivo (CRFB, artigo 84, IV) e a seus ministros de Estado (CRFB, artigo 84, IV).
A par das críticas, o que se percebe no direito brasileiro é grande confusão entre a discricionariedade administrativa e a discricionariedade técnica. É o que prescreve Maria Sylvia Zanella di Pietro[52]:
Afora essas possibilidades que decorrem da Constituição, a única maneira de defender validamente a discricionariedade técnica aplicada à função normativa das agências reguladoras (e de outros órgãos administrativos que exercem função semelhante) é a de reduzir (se é que isso é possível) o conceito de regulamento, para dele excluir as normas que apenas definem conceitos técnicos contidos na lei. E isso pelo fato de que a discricionariedade técnica não constitui verdadeira discricionariedade, não envolve decisão política, porque não dá liberdade de escolha para a Administração. O órgão regulador limita-se a definir um conceito que já está contido na lei e cujo conteúdo vai ser apenas explicitado na norma infralegal.
Por tudo isso, o Poder Judiciário pátrio tradicionalmente sempre exerceu pleno controle sobre as decisões e interpretações exaradas pelas agências reguladoras, afastando-se dos modelos norte-americano e francês. Aqui é válida a crítica de Andreas J. Krell[53]:
Em países onde há um controle judicial abrangente dos conceitos jurídicos indeterminados, sempre surge o perigo da transformação da função dos tribunais em atividade substitutiva da Administração, cujas atribuições e tarefas – como vimos – não se restringem a uma mera aplicação cognitiva da lei. Há conceitos legais que, por sua alta complexidade e pela dinâmica específica da matéria regulamentada, são tão vagos e a sua concretização na reconstrução da decisão administrativa é tão difícil, que o seu controle chega aos “limites funcionais do Judiciário”.
Em verdade, alinhada à crítica do autor, o que hoje se percebe, é a consolidação de avanços e novas tendências na jurisprudência pátria neste ponto. A título de exemplo, pode-se citar precedente recente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em que o órgão judiciário expressamente reconheceu os limites de sua jurisdição:
ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE CONCESSÃO PARA EXPLORAÇÃO DESENVOLVIMENTO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL. DESCOBERTA APÓS O TÉRMINO DO AJUSTE. OBSERVÂNCIA DO PACTA SUNT SERVANDA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA RELAÇÃO CONTRATUAL AFASTADA. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE E ILEGALIDADE NA DECISÃO DA ANP. CONDENAÇÃO DE CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS REDUZIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. A questão cinge-se na declaração de invalidade e ilegalidade da decisão nº 332, emanada pela Diretoria da ANP, a qual indeferiu o pedido da Apelante para dar continuidade nas operações do poço 1-BRSA-230-RJS, avaliar e declarar a comercialidade da área correspondente ao Plano de Avaliação da Descoberta. (...) 6. Não há elementos nos autos que comprovem a existência de ilegalidade ou irregularidade no procedimento adotado pela ANP, a fim de afastar o decisum emanado. 7. A questão da autonomia da agência reguladora em face do Judiciário é adstrita aos limites de avaliação das matérias aptas ao uso da discricionariedade técnica, cabendo ao Juízo, apenas, averiguar sua conformidade com a lei, sendo que nos termos analisados não se demonstrou quaisquer inobservâncias. (...) 9. Apelação parcialmente provida.
(AC 200751010234991, Desembargador Federal GUILHERME DIEFENTHAELER, TRF2 - QUINTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::26/09/2014.)
No voto que se sagrou vencedor, o desembargador federal Guilherme Diefenthaeler assevera a necessidade de observância da discricionariedade técnica pelo Poder Judiciário:
Por conseguinte, sendo a Agência Reguladora a entidade dotada de aptidão técnica para verificar, a partir do conhecimento da Engenharia das Redes de Telecomunicações, as regiões em que se faz viável a cobrança de tarifa local, bem como os locais em que a complexa rede de técnicos recomenda a cobrança de tarifa não local, incumbe à ANATEL, em razão do Princípio da Discricionariedade Técnica, a fixação de política tarifária de telefonia.
Especificamente no setor das telecomunicações, o Superior Tribunal de Justiça também já se expressou no mesmo sentido, em acórdão da relatoria de Mauro Campbell Marques:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 267, § 3º, DO CPC. INOCORRÊNCIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. TELECOMUNICAÇÕES. INTERCONEXÃO. VALOR DE USO DE REDE MÓVEL (VU-M). DIVERSAS ARBITRAGENS ADMINISTRATIVAS LEVADAS A CABO PELA ANATEL. DECISÃO ARBITRAL PROFERIDA EM CONFLITO ENTRE PARTES DIFERENTES, MAS COM O MESMO OBJETO. MATÉRIA DE ALTO GRAU DE DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA. EXTENSÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA ÀS HIPÓTESES QUE ENVOLVEM OUTRAS OPERADORAS DE TELEFONIA. DEVER DO JUDICIÁRIO. PRINCÍPIOS DA DEFERÊNCIA TÉCNICO-ADMINISTRATIVA, DA EFICIÊNCIA E DA ISONOMIA. EVITAÇÃO DE DISTORÇÕES CONCORRENCIAIS. REVISÃO DA EXTENSÃO DA LIMINAR DEFERIDA NO PRESENTE CASO.
1. Trata-se de recurso especial interposto por TIM Celular S/A contra acórdão em que, ao confirmar liminar deferida na primeira instância, entendeu-se pela fixação de um Valor de Uso de Rede Móvel (VU-M) diferente do originalmente pactuado entre as partes em razão da implementação de um sistema de interconexão fundado exclusivamente na cobertura de custos, que não possibilita excesso de vantagens econômicas para as operadoras que permitem o uso de suas redes por terceiros. (...)
5.4. O art. 153, § 2º, da Lei n. 9.742/97 é claro ao afirmar que é a Anatel o ente responsável por resolver eventuais condições para interconexão quando for impossível a solução pelos próprios interessados (v. tb. Resolução Anatel n. 410/05). Trata-se de dispositivo quase óbvio, à luz da extrema especificidade e sensibilidade técnicas que cercam o tema. 5.5. Parece que, tendo em conta o alto grau de discricionariedade técnica que permeia o assunto e também os princípios da deferência técnico-administrativa, da isonomia e da eficiência, não se pode ignorar que, embora em sede de contenda instaurada entre a GVT e a Vivo, a lógica do sistema de telecomunicações impõe que o valor de referência aí fixado seja estendido a todos os demais participantes de arbitragens similares (englobando, pois, a arbitragem entre a GVT e a TIM - parte recorrente). 5.6. Isto porque reza o art. 152 da Lei n. 9.472/97 que "[o] provimento da interconexão será realizado em termos não discriminatórios, sob condições técnicas adequadas, garantindo preços isonômicos e justos, atendendo ao estritamente necessário à prestação do serviço" (negritos acrescentados). 5.7. Verificada as corretas extensão e aplicação ao caso em análise do Despacho n. 3/2007, da CAI/Anatel, é necessário que haja uma revisão da tutela antecipada, mas em termos mais estreitos do que pleiteado pelo recorrente. 5.8. É que o magistrado de primeiro grau, analisando a demanda, fixou o VU-M com base no valor apurado pela consultoria contratada pela GVT, e este valor é diferente do que foi fixado pela Anatel. 5.9. Mantendo a incidência da principiologia acima já declinada (princípios da isonomia, da eficiência e da deferência técnico-administrativa), parece incongruente, a esta altura, manter a liminar nos termos em que deferida quando a agência reguladora do setor de telecominicações já fixou o VU-M que entende cabível - ainda que no âmbito da arbitragem "GVT vs. Vivo". (...)
6.4. Em matéria eminentemente técnica, que envolve aspectos multidisciplinares (telecomunicações, concorrência, direito de usuários de serviços públicos), convém que o Judiciário atue com a maior cautela possível - cautela que não se confunde com insindicabilidade, covardia ou falta de arrojo -, e, na espécie, a cautela possível é apenas promover o redimensionamento da tutela antecipada aos termos do Despacho Anatel/CAI n. 3/2007.
7. Recurso especial parcialmente provido apenas para, reconhecendo a violação ao art. 462 do CPC e parcial ofensa ao art. 273 do mesmo diploma normativo, adequar o VU-M pago pela GVT à TIM àquele estipulado pela Anatel no Despacho n. 3/2007, da CAI - revendo, pois, a liminar apenas nesta extensão.
(REsp 1171688/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJe 23/06/2010)
Portanto, a jurisprudência brasileira apresenta clara tendência – que será retomada no capítulo seguinte – de limitar o poder que lhe foi outorgado pelo artigo 5º, XXXV da Constituição da República. A inafastabilidade do controle judicial dá lugar à discricionariedade administrativa, permitindo a gradual aproximação com os modelos vigentes na França e nos Estados Unidos.
O segundo aspecto de relevo, em termos comparativos, encontra-se no sistema público de televisão existente na França. A Medida Provisória nº 398/07, convertida na lei 11.652/08, instituiu, no Brasil, os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou por entes da administração indireta. Ademais, autorizou a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) [54], na forma do artigo 37, XIX, da Constituição da República.
Preliminarmente, há interesse na avaliação quanto ao atendimento, por tal empresa pública, dos requisitos estabelecidos no artigo 175, CRFB, vez que exerce atividade em concorrência com a iniciativa privada:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Em se tratando de prestação de um serviço público, não parece haver óbice a que o Estado o preste “na forma da lei, diretamente”. Aliás, o artigo 223, caput, CRFB dispõe expressamente sobre a existência de um “sistema estatal” de radiodifusão. Assim, é constitucional a criação de tal empresa à luz do ordenamento jurídico brasileiro.
Quanto às missões institucionais da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), o artigo 4º, do Decreto nº 6.689/08 destaca: (i) implantar e operar as emissoras e explorar os serviços de radiodifusão pública sonora e de sons e imagens do Governo Federal; (ii) implantar e operar as suas próprias redes de repetição e retransmissão de radiodifusão, explorando os respectivos serviços; (iii) estabelecer cooperação e colaboração com entidades públicas ou privadas que explorem o serviço de comunicação e radiodifusão pública, mediante convênios ou outros ajustes, com vistas à formação de rede nacional de comunicação pública; (iv) produzir e difundir programação informativa, educativa, artística, cultural, científica, de cidadania e de recreação; (v) promover e estimular a formação e o treinamento de pessoal especializado, necessário às atividades de radiodifusão, comunicação e serviços conexos; (vi) prestar serviços no campo de radiodifusão, comunicação e serviços conexos, inclusive para a transmissão de atos e matérias do Governo Federal; (vii) distribuir a publicidade legal dos órgãos e entidades da administração federal, à exceção daquela veiculada pelos órgãos oficiais da União; (viii) exercer outras atividades afins, que lhe forem atribuídas pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República ou pelo seu Conselho Curador; (ix) garantir os mínimos de dez por cento de conteúdo regional e de cinco por cento de conteúdo independente em sua programação semanal, em programas a serem veiculados no horário compreendido entre seis e vinte e quatro horas.
Aliás, consoante o artigo 5º, da Portaria nº 04, de 17.01.2014, do Ministério das Comunicações, a “Rede Nacional de Comunicação Pública” será gerida pela EBC e integrada por: (i) emissoras de radiodifusão de sons e de sons e imagens e retransmissoras de televisão consignadas à EBC, operadas exclusivamente por esta ou por órgãos da União; (ii) emissoras de radiodifusão de sons e de sons e imagens e retransmissoras de televisão consignadas à EBC, operadas em parceria com municípios, estados e entidades vinculadas à administração pública nas três esferas, inclusive consórcios municipais e empresas públicas; (iii) emissoras de radiodifusão de sons e de sons e imagens e retransmissoras de televisão outorgadas diretamente a entidades públicas e privadas, nos termos do art. 8º, III, da Lei nº 11.652/ 2008.
O financiamento desta atividade, por sua vez, será assegurado pelas empresas do ramo das telecomunicações, consoante tabela em anexo à lei 11.652/08. Isto se dá por meio da cobrança da “Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública” pela Agência Nacional de Telecomunicações (artigo 34, lei 11.652/08).
Hoje a EBC conta com nove outorgas de serviço público: dois canais de televisão (TV Brasil e TV Brasil Internacional), e sete de rádio (Nacional FM Brasília, Nacional Rio AM, Nacional Alto Solimões, Nacional Brasília AM, Nacional Amazônia, MEC FM – Rio e MEC AM – Rio).
Assim, se de um lado a legislação brasileira se aproxima do modelo francês ao difundir um sistema próprio de radiodifusão pública; de outro, vem cabendo à jurisprudência pátria balizar seu controle sobre escolhas estritamente técnicas da ANATEL, aproximando-se dos padrões adotados pelos modelos francês e norte-americano[55].
3.1 Proposta: Princípio da Reflexividade e Autopoiesis
Diante da análise crítica e dos subsídios trazidos pelo direito comparado, pode-se concluir que, no Brasil, o modelo regulatório da radiodifusão de sons e imagens é predominantemente político, com poucos espaços destinados a opções técnicas. Por assim dizer, o Poder Executivo toma decisões das mais relevantes, controlando a outorga e renovação do serviço público.
O papel dominante do Ministério das Comunicações no setor vai de encontro à descentralização administrativa vivenciada após as primeiras décadas de vigência da atual Constituição. Em verdade, a técnica e a política devem apresentar relações de coordenação – e não de subordinação – no campo da radiodifusão de sons e imagens.
Aliás, a tendência contemporânea da ciência jurídica destaca a necessidade de interferências recíprocas de outros campos do conhecimento – como a política e a técnica –em sua estrutura, formando o que se convencionou chamar “hiperciclo”. Nas palavras de Teubner[56]:
Podemos concluir dizendo que um sistema jurídico se torna autônomo na medida em que consiga constituir os seus elementos – acções, normas, processos, identidade – em ciclos auto-referenciais, só atingindo o termo perficiente da sua autonomia autopoiética quando os componentes do sistema, assim ciclicamente constituídos, se articulem entre si próprios por sua vez, formando um hiperciclo
O autor propõe, então, uma via alternativa à clássica dicotomia entre os sistemas jurídicos fechado e aberto. O primeiro, capitaneado por Hans Kelsen, assevera que o Direito é autônomo e autorreferido, resumindo-se a um feixe de normas interligadas umas às outras de modo coerente e unitário. O segundo, por seu turno, foi amplamente divulgado por Karl Marx, e propaga a ideia de que o Direito é mera superestrutura determinada pelos ditames da ciência econômica, em verdadeira relação de causa-e-efeito.
Resumidamente, Teubner acredita que o Direito deve admitir interferências de outros campos da ciência (técnica, política,...), sem com isso desnaturar sua essência. É que, para o sociólogo, apenas assim a ciência jurídica permite transformação e mudança em sua ordem, evitando sua fossilização frente às demandas sociais.
Conclui o autor que “a realidade jurídica distingue-se assim da consciência e da mundividência de um jurista em dois aspectos: constitui uma construção social e não psíquica (isto é, representa o resultado de comunicações), e uma construção social altamente selectiva, já que ganha a sua própria existência no seio de um sistema social autônomo, o hiperciclicamente organizado sistema jurídico.”[57]
Esta nova percepção do sistema jurídico logo se expandiu, atravessando rapidamente o Atlântico e ganhando diversos adeptos no Brasil. Com supedâneo na autopoiesis, Sergio Guerra[58] argumenta a revisão da discricionariedade no Direito Administrativo, hoje pautada no binômio simplório e juridicamente indeterminado de “conveniência” e “oportunidade”.
Diante de uma sociedade extremamente plural, reconhece o autor a necessidade de se pensar em um novo instituto administrativo que fundamente a necessária tarefa da Administração Pública de conciliar interesses de grupos sociais distintos e até de entes da própria Administração, heterogêneos entre si.
Nesses termos, Guerra apresenta o princípio da reflexividade como antídoto para manutenção do equilíbrio dos “subsistemas” (grupos sociais e entes públicos) sem ameaças aos direitos fundamentais, afastando-se da fórmula insindicável da “conveniência” e da “oportunidade”. Desse modo, aplica-se a autopoiesis de Teubner, negando os sistemas fechado (Kelsen/independência de outros sistemas) e aberto (Marx/dependência da Economia), e sustentando a idéia de que o próprio sistema jurídico, por meio da auto-observação e da análise de sistemas externos (social, econômico, técnico, político,...), cria seus elementos e seus limites.
A reflexividade depende, então, não apenas da reflexão do administrador diante da casuística, mas também da capacidade deste em pensar a situação concreta visando à estabilização dos interesses em jogo e à minimização da insegurança. Com isso, há a objetivação do pensamento, que se torna sindicável em seus requisitos: i) observância de mecanismos de prevenção dos riscos; ii) articulação e mediação de interesses, com a inserção do consensualismo.
Segundo o autor, apenas dessa forma seria possível a superação de decisões unilateralmente impostas (discricionariedade) em uma sociedade cada vez mais ambivalente. A tentativa do professor é evidente: trazer balizas menos fluidas às escolhas do gestor público, evitando a completa subordinação dos outros campos do conhecimento aos sabores da política.
Com efeito, o setor da radiodifusão de sons e imagens, tal como hoje posto, carrega consigo reminiscências e pressupostos que a Reflexividade e a autopoiesis pretendem balizar. Explico: escolhas unilaterais impostas pelo Ministério das Comunicações na atividade reproduzem inaceitável quadro de concentração de poder e de influência desproporcional dos fenômenos políticos na ciência jurídica.
A autopoiesis impõe a interferência proporcional e efetiva de todos os campos de conhecimento sobre o Direito, não se coadunando com um modelo de aguda hegemonia da política sobre a técnica e, invariavelmente, sobre o próprio ramo jurídico. Frise-se: a teoria não é refratária a incursões da ciência política no Direito; o que não se admite é o retorno a uma concepção de sistema aberto, em que o Direito é determinado, por completo, pelos anseios da Política.
Nesse mesmo sentido, o princípio da reflexividade proposto por Sergio Guerra repele a tomada de decisões unilaterais pelo Poder Executivo, pautada em binômio excessivamente vago como “conveniência e oportunidade”. Com efeito, a administração policêntrica e a sociedade multifacetada contemporâneas exigem do gestor público a democratização e a oxigenação do processo decisório.
Sob essa perspectiva, indubitável o descompasso do serviço público em estudo, no qual a unilateralidade do Ministério das Comunicações é uma constante. Os abusos dela decorrentes já foram estudados, e apenas confirmam a urgência da aplicação da autopoiesis e do princípio da reflexividade no setor da radiodifusão de sons e imagens.
Esta conclusão, aparentemente óbvia, traz consigo uma série de questionamentos conexos: como propiciar, na prática, essa correlação? De que modo o ordenamento jurídico pode reproduzir este “hiperciclo”, permitindo a plena articulação entre a técnica e a política no campo da radiodifusão? É possível e juridicamente viável adotar um modelo teórico autopoiético em termos práticos?
De fato, o modelo proposto por Gunther Teubner e reproduzido por Sergio Guerra parece abstrato, teórico e de reduzida aplicabilidade prática. Apenas parece. Em que pese a abstração do tema, a atenta observação da realidade sensível dá sinais claros de que é possível aproximar a construção teórica ao sistema brasileiro de regulação da atividade.
3.2 Empiria Necessária: a Tendência Brasileira
A concentração excessiva de poderes relativos à regulação do setor de radiodifusão de sons e imagens pelo Poder Executivo vem sofrendo gradativa flexibilização no plano dos fatos. A prática demonstra que, felizmente, não apenas o Ministério das Comunicações regulamenta o setor. Com efeito, cada vez mais entes participam ativamente do desenvolvimento da atividade, contribuindo de forma decisiva para a expansão quantitativa e qualitativa do serviço público.
A Constituição de 1988, a jurisprudência de nossos tribunais e os convênios administrativos firmados pela ANATEL apontam no sentido da descentralização “informal” do setor. Informal porque de encontro ao direito positivo, não obstante mais próxima e concretizadora do interesse público. Silenciosamente, a autopoiesis e a reflexividade vêm atuando em favor da oxigenação do processo decisório.
Nesse ponto, portanto, a empiria se faz necessária. Decididamente, “dados quantitativos permitem amplas leituras e corroboram argumentos, tornam possível a elaboração de um novo e fresco olhar sobre, eventualmente, os mesmos fatos”[59]. Desse modo, passemos à análise pragmática do funcionamento do setor.
3.2.1 Constituição de 1988: a inclusão do Congresso Nacional
Conforme apontamentos anteriores, historicamente o serviço de radiodifusão sempre foi exclusivamente controlado pelo Poder Executivo central. A Constituição de 1988, reproduzindo norma do Código Brasileiro de Telecomunicações, assevera no caput do artigo 223 que “compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”.
Não obstante, o texto constitucional apresenta balizas inéditas no tratamento legislativo da matéria. É que os parágrafos que seguem o caput do artigo 223, inauguram mecanismos de “checks and balances” no setor:
§ 1º O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64, § 2º e § 4º, a contar do recebimento da mensagem.
§ 2º A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.
§ 3º O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após deliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.
Nesse mesmo sentido, o artigo 49, XII da Constituição Federal: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão”.
Por assim dizer, o Legislativo passa a atuar decisivamente nas escolhas antes exclusivas do Poder Executivo. Buscou-se, então, submeter os atos de outorga, de renovação e de não renovação ao crivo de um terceiro órgão, oxigenando o procedimento e impedindo benesses e perseguições.
Assim leciona Luciana Sardinha Pinto[60]:
“o ato de outorga deixa de ser um ato discricionário do Poder Executivo, que possuía, conforme a legislação anterior, a exclusividade da escolha do direito de outorgar, renovar, declarar peremptas as permissões e concessões, sem nenhuma garantia, sem nenhum respeito pelo esforço e investimento do empresário”.
Nessa mesma linha de ideias, o dispositivo constitucional seguinte (CRFB, artigo 224[61]) dispõe acerca da criação do Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Poder Legislativo no controle da atividade das Telecomunicações. Esta norma, de eficácia limitada, apenas foi devidamente regulamentada em 30.12.1991, por meio da Lei nº 8.389/91.
Dentre as atribuições do Conselho, destaca-se a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional, especialmente sobre: i) produção e programação das emissoras de rádio e televisão; ii) finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas da programação das emissoras de rádio e televisão; iii) promoção da cultura nacional e regional, e estímulo à produção independente e à regionalização da produção cultural, artística e jornalística; iv) outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; v) legislação complementar quanto aos dispositivos constitucionais que se referem à comunicação social.
Em sua composição destaca-se a inclusão de representantes das mais diversas atividades componentes do gênero das Telecomunicações, assim como a presença obrigatória de 5 (cinco) membros da sociedade civil. Aqui há, portanto, relevante abertura autopoietica do sistema jurídico – outorgada pelo próprio ordenamento – a interferências técnicas e sociais no setor da radiodifusão.
Dessarte, o constituinte outorgou concretos mecanismos de controle da atividade do Chefe do Executivo, seja político (por meio do Congresso Nacional), seja técnico e até social (por meio do Conselho de Comunicação Social). Houve, a par dos discutíves interesses por detrás da medida, esforço no sentido de evitar o uso político e arbitrário das outorgas pelo Poder Executivo.
Aliás, os mecanismos se alinham perfeitamente ao conceito de autopoiesis e à noção de reflexividade. É que o ordenamento jurídico autoriza o ingresso de forças das ciências política, técnica e social em seu domínio, permitindo sua gradativa transformação e adaptação aos anseios da comunidade.
3.2.2 Convênios: ANATEL e o aumento do Poder Fiscalizatório
A legislação pátria, como já visto, restringiu sobremaneira o poder regulatório da ANATEL no setor da radiodifusão de sons e imagens. Tradicionalmente, a agência reguladora apenas atua na administração do espectro de radiofreqüências e na fiscalização técnica das estações (Lei nº 9.472/97, artigos 158, §1º, III e 211, p.ú.). Neste último caso, uma vez constatada qualquer irregularidade, deve a autarquia comunicá-la imediatamente ao Ministério das Comunicações, a fim de que este tome as medidas administrativas cabíveis.
Assim, ainda segundo a legislação vigente, compete ao Ministério das Comunicações (CRFB, artigo 223) administrar as outorgas no setor da radiodifusão. É, portanto, de sua responsabilidade a fiscalização da exploração deste serviço público no que concerne, dentre outras coisas, a sua composição societária e administrativa. Ademais, lhe compete ainda a instauração de procedimento administrativo para apuração de quaisquer irregularidades praticadas no setor, adotando as medidas necessárias ao efetivo cumprimento das sanções aplicadas às concessionárias.
Em que pese a moldura legislativa acima apontada, a realidade sensível parece reconhecer a necessidade de uma atuação mais abrangente do órgão técnico na fiscalização da atividade de radiodifusão.
Nessa esteira, foi firmado em 2007 o Convênio nº 01/07 entre a ANATEL e o Ministério das Comunicações, por meio do qual este delegou àquela, parcela de seu poder de polícia no campo da radiodifusão. Vale aqui, preliminarmente, ressaltar que a delegação proposta está de acordo com as balizas impostas pela lei nº 9.784/99:
Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.
Com efeito, não é essencial ao ato de delegação que o ente delegado seja subordinado hierarquicamente à autoridade delegante, o que torna viável a outorga de parcela do poder de polícia do Poder Executivo Central à agência reguladora do setor, sob a qual só exerce poder de tutela. Ademais, o convênio mencionado atende às circunstâncias apontadas pela lei, vez que a delegação possui nítida “índole técnica”.
Outrossim, o poder sancionatório permanece na esfera de competência exclusiva do Ministério das Comunicações, não tendo sido transferida à ANATEL[62]. Aliás, também a apreciação de eventuais recursos administrativos, bem como a edição de normas regulamentadoras do setor não foram delegadas à agência reguladora (cláusula sétima, do Convênio nº 01/07), consoante o artigo 13, da lei 9.784/99.
Superada esta análise formal, importa avaliar o conteúdo deste convênio. Por meio do acordo, o Ministério delegou à Agência a competência para analisar processos técnicos de engenharia dos serviços de radiodifusão, com poderes de instrução e decisão, sobre os seguintes assuntos: (i) licenciamento das estações; (ii) alteração de local de instalação das estações; (iii) alteração de frequência ou canal de operação; (iv) alteração de características técnicas; (v) mudança de transmissor e/ou sistema irradiante; (vi) alteração do local do estúdio; (vii) enquadramento em novas características de plano básico; (viii) aumento de potência; (ix) mudança de classe.
Em suas linhas, o convênio deixa transparecer as razões (técnicas) de tal delegação:
Cláusula segunda. Para a realização dessas atividades, a Anatel deverá fazer uso da sua experiência na condução e análise de processos técnicos de engenharia, com o fim de conferir maior celeridade aos trâmites necessários à emissão de autorização para as entidades realizarem alterações técnicas em suas estações, à expedição de Licença para Funcionamento de Estação e, consequentemente, ao estabelecimento de um maior controle da arrecadação das taxas devidas pelas entidades executantes dos serviços citados na Cláusula primeira.
Cláusula sexta. Inclui-se na presente delegação a competência para alterar procedimentos operacionais que visem aperfeiçoar a análise de processos técnicos de engenharia de que trata este Acordo de Cooperação Técnica.
Diante disso, há reconhecimento da insuficiência técnica por parte do Ministério das Comunicações, o qual gera a morosidade no tratamento dos procedimentos administrativos pendentes. Assim, em que pese a competência legal recair sobre o Ministério, o convênio firmado revela prática distinta.
Não bastasse isso, em 2011 a Advocacia Geral da União redigiu parecer conclusivo nº 36/2011 quanto à delimitação dos papéis da ANATEL e do Ministério das Comunicações, em matéria de radiodifusão de sons e imagens.
Segundo afirma o parecer, assinado pelo consultor jurídico Rodrigo Zerbone Loureiro:
(...) se é clara a determinação constitucional insculpida no inciso XI do art. 21 da CF para a criação de um órgão regulador para os serviços de telecomunicações, não há nem na alínea ‘a’ do inciso XII do art. 21 da CF, nem em qualquer outra parte da Constituição vedação para a criação de uma entidade reguladora para serviços de radiodifusão. Tampouco há a vedação de que haja somente uma entidade reguladora com competência sobre os serviços telecomunicações e radiodifusão. Trata-se de escolha do legislador infraconstitucional.
Assevera ainda que “o art. 223 da Constituição Federal, ao referir-se ao ‘Poder Executivo’ não pretendeu determinar o modelo institucional que regularia os serviços de radiodifusão, de maneira a restringir as opções do legislador ordinário a apenas a administração direta da União”.
Com efeito, a expressão “Poder Executivo” teria sido utilizada em sua acepção clássica, como um dos poderes da República, ao lado do Legislativo e do Judiciário. Assim, a Constituição teria deixado a critério do legislador infraconstitucional a fixação do poder regulatório pela administração direta (Ministério das Comunicações) ou indireta (Agência Nacional de Telecomunicações).
No corpo do parecer, à título de interpretação histórica do artigo 215, inciso I, Lei nº 9.472/97 já estudado, é reproduzido trecho de declaração dada pelo então ministro das Comunicações Sérgio Motta, à época da aprovação da Lei Geral de Telecomunicações:
A Lei Geral revogará integralmente, o Código Brasileiro de Telecomunicações na sua parte de telecomunicações. A área de radiodifusão ainda obedecerá ao velho código, mas eu pretendo, até o fim de 1997, entregar ao Congresso Nacional, um projeto de Lei Geral de Radiodifusão para daí tornar totalmente superado o código, já tenho uma equipe trabalhando nesse projeto há mais de um ano. (...) Enquanto não contarmos com essa lei, a ABTEL será administradora das frequências e caberá a ela ceder frequências para o serviço de radiodifusão. A ideia ainda não é definitiva, mas espero que, tão logo seja aprovada a Lei de Radiodifusão, a ABTEL se transforme numa agência reguladora das comunicações, no sentido amplo, incluindo radiodifusão entre os seus serviços. Toda a área de radiodifusão passará, então, a ser cuidada pelo mesmo órgão regulador, Agência Brasileira de Telecomunicações.
Diante do esforço hermenêutico, o consultor jurídico logra êxito na desconstitucionalização da matéria referente à competência regulatória do Ministério das Comunicações na atividade em estudo. Com isso, há flexibilização das fronteiras entre as atribuições regulatórias do Poder Executivo Central e da ANATEL, deixando a cargo do legislador ordinário sua delimitação.
Assim, a manutenção, na administração direta, da competência de delegar a prestação de serviços de radiodifusão encontra fundamento na Lei Geral de Telecomunicações (artigos 211 e 215, inciso I) e não em dispositivos constitucionais.
Não obstante, no que tange ao uso da radiofrequência e à certificação de equipamentos pelas empresas de radiodifusão, o parecer conclui pela competência fiscalizatória e sancionatória da ANATEL. É que os artigos 157, 158, 162, 163, 19, IX, XIII da LGT c/c artigo 12, 18, da lei 11.934/09 outorgam expressamente esta atribuição à agência reguladora, não havendo qualquer confronto com o disposto no artigo 223, CRFB.
Assim, a Advocacia Geral da União rompeu com longa jurisprudência administrativa que sustentava uma “prerrogativa de foro injustificada” aos radiodifusores, que apenas poderiam ser sancionados pelo Poder Executivo central.
Nesse contexto, o próprio Superior Tribunal de Justiça vem sedimentando jurisprudência no sentido de ampliar a competência fiscalizatória da ANATEL no setor da radiodifusão de sons e imagens, como se extrai da ementa do Recurso Especial nº 1536976 / SP:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO NA ORIGEM. RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA. OUTORGA DE FUNCIONAMENTO PENDENTE. LACRE DOS EQUIPAMENTOS E INTERDIÇÃO DAS ATIVIDADES POR FISCAIS DA ANATEL. EXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE PASSIVA DA AGÊNCIA REGULADORA. COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA. RETIFICAÇÃO DO POLO PASSIVO DO MANDAMUS. INVIABILIDADE. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. AUTORIZAÇÃO OU RESTABELECIMENTO DE FUNCIONAMENTO PRECÁRIO PELO JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ATO ADMINISTRATIVO COMPLEXO. VINCULAÇÃO ÀS FUNÇÕES DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO.
1. A controvérsia trazida em recurso especial cinge-se a saber se a ANATEL é parte legítima para figurar, sem litisconsórcio com a União, no polo passivo de mandado de segurança impetrado por rádio comunitária contra superintendente regional daquela agência, o qual determinou o lacre dos equipamentos e a interrupção das atividades da emissora por ausência de outorga de funcionamento.
2. O Tribunal de origem examinou todas as questões levantadas pela parte recorrente, não havendo falar em ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Embora a expedição de outorga de funcionamento não seja da competência da ANATEL, a atividade fiscalizatória está inserida nas atribuições da agência reguladora.
(...)
Recurso especial da ANATEL conhecido em parte e, nesta parte, provido somente para declarar que o Poder Judiciário não tem competência para autorizar ou restabelecer o funcionamento de rádio comunitária, ainda que a título precário.
(REsp 1536976/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe 30/09/2015)
Por assim dizer, há evidente tendência de expansão da função regulatória da ANATEL sobre a atividade da radiodifusão de sons e imagens. Por meio dos instrumentos jurídicos acima mencionados, a autopoiesis se faz presente, alargando a influência da técnica em setor antes dominado por interesses políticos.
3.2.3 Constituição de 1988 e a postura deferente do Poder Judiciário
Conforme análise pretérita, a Constituição de 1988 trouxe para além da cláusula geral da Inafastabilidade da Jurisdição (CRFB, artigo 5º, XXXV), regra específica de controle judicial no campo das radiodifusão de sons e imagens: “o cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial.” (CRFB, artigo 223, §4º).
Pretendeu o constituinte originário outorgar garantias aos concessionários e permissionários do serviço público, concretizando novamente o sistema de freios e contrapesos. Em que pese a louvável preocupação do legislador, a interpretação dada a esse dispositivo pelas autoridades competentes vem sendo bastante restritiva.
Com efeito, a norma constitucional já foi objeto de apreciação e de aplicação pelo Tribunal de Contas da União e também pelo Superior Tribunal de Justiça, em casos a serem logo mais esmiuçados.
Primeiramente, há de se destacar a interpretação fixada no Acórdão nº 1.900/2008, da relatoria do ministro Ubiratan Aguiar, em plenário, no Tribunal de Contas da União:
REPRESENTAÇÃO. OUTORGA DE SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO SONORA. ILEGALIDADE NA FASE DE HABILITAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR. OITIVA DO MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. HABILITAÇÃO, NOS AUTOS, DE TERCEIRO INTERESSADO. VÍCIO INSANÁVEL. OUTORGA NÃO VÁLIDA. ATO NULO. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA ANULAÇÃO DA PORTARIA DE OUTORGA E DO ATO ILEGAL DE INABILITAÇÃO. DETERMINAÇÕES. COMUNICAÇÕES.
1. O cancelamento de outorga de que trata o art. 223, § 4º, da Constituição Federal busca resguardar concessões e permissões regularmente outorgadas de eventual arbítrio da Administração no sentido de, antes do prazo definido, extingui-las.
2. Ato de outorga concedida com vício de ilegalidade deve, em decorrência do poder de autotutela, ser anulado pela autoridade administrativa que celebra o ato, não sendo necessária a decisão judicial referida no art. 223, § 4º, da Constituição Federal.
3. O limite quantitativo imposto pelo art. 12 do Decreto-lei 236/67 deve ser verificado considerando-se, para o cômputo do total de concessões e permissões já outorgadas às entidades, apenas aquelas cujo respectivo contrato de concessão ou de permissão já tenha sido assinado e publicado no Diário Oficial da União.
Na hipótese dos autos, o Ministério das Comunicações havia detectado irregularidades no procedimento licitatório de Serviço de Radiodifusão Sonora em Freqüência Modulada para diversas localidades do Estado de Minas Gerais. Em razão de tais vícios, ocorridos na fase de habilitação, o objeto do certame havia sido outorgado à empresa equivocada.
Em que pese o vício insanável, o órgão administrativo entendeu pela impossibilidade de declaração da nulidade do procedimento, em razão da norma inserta no artigo 223, §4º da Constituição da República. Em outras palavras, o Ministério das Comunicações houve por bem aguardar manifestação judicial para fins de cancelamento da outorga.
Em sentido oposto, entendeu a Corte de Contas ser aplicável o princípio da autotutela (súmula 473, do Supremo Tribunal Federal) no caso concreto. É que a irregularidade praticada na origem da própria outorga não estaria agasalhada pela norma constitucional, pois, segundo a relatoria: “a sua anulação não é forma de extinção unilateral da outorga, mas significa o reconhecimento de que se trata de outorga sem validade, pois concedida sob fundamento ilegal, representando ato que não existe no mundo jurídico como válido”.
Dessa feita, o voto condutor mencionou ainda precedente do Superior Tribunal de Justiça, no mesmo sentido. Trata-se do Mandado de Segurança nº 8.937/DF, assim ementado, pelo relator Humberto Gomes de Barros:
CONTRATO ADMINISTRATIVO - DESCONSTITUIÇÃO - ATO COMPLEXO – CÓDIGO NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ART. 38) - RECEPÇÃO CONSTITUCIONAL - VIGÊNCIA - CONCESSIONÁRIAS DE RADIODIFUSÃO - COMPOSIÇÃO ACIONÁRIA - CONSENTIMENTO DA UNIÃO (L. 4.117/62 - ART. 38).
1 - É lícito à autoridade que celebra contrato administrativo, declarar-lhe a nulidade, sem desconstituir os respectivos atos preparatórios.
(...)
6 - Em meio ao processo de que resultou a candidata à concessão, é defeso à concessionária alterar seus estatutos sociais, sem as cautelas do CBT (art. 38).
Em apertada síntese, o acórdão exarado afastou a preliminar de incompetência do Ministro das Comunicações para anulação de outorga por ele firmada. Nas palavras do relator: “o ato impugnado não transcendeu o limite da competência de quem o praticou”.
Assim, o que se extrai de ambos precedentes é a interpretação restritiva à garantia inserta no artigo 223, §4º da Constituição da República. Os acórdãos comungam, portanto, do entendimento de que a declaração de vício de legalidade pode ser feita oficiosamente pelo Ministério das Comunicações, na forma da súmula 473 do Supremo Tribunal Federal.
Não é só. Em recentes acórdãos exarados pelo Superior Tribunal de Justiça foi firmada postura de deferência do Poder Judiciário à atividade do Ministério das Comunicações:
DIREITO ADMINISTRATIVO. INCOMPETÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO PARA AUTORIZAR O FUNCIONAMENTO DE RÁDIO EDUCATIVA.
O Poder Judiciário não tem competência para autorizar, ainda que a título precário, a prestação de serviço de radiodifusão com finalidade exclusivamente educativa. O art. 223 da CF atribui competência ao Poder Executivo para outorgar e renovar concessão, permissão e autorização, bem como fiscalizar o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Em consonância com essa previsão constitucional, além de obedecidas as disposições do Decreto-Lei 236/1967 (que complementa e modifica o Código Brasileiro de Telecomunicações), as outorgas para a execução dos serviços de radiodifusão com finalidade exclusivamente educativa requerem procedimento administrativo seletivo divulgado pela publicação de avisos de habilitação no Diário Oficial da União, os quais informam a quantidade de municípios, as sedes das outorgas, bem como convidam os interessados a apresentarem propostas ao Ministério das Comunicações. Nesse contexto, a despeito de não caber ao STJ analisar os dizeres de portarias, cumpre salientar que, nos termos do art. 13 da Portaria MC 355/2012, à vista do parecer da Consultoria Jurídica, o Ministro de Estado das Comunicações poderá adjudicar e homologar o procedimento seletivo de radiodifusão educativa. Compete à ANATEL, em momento posterior, administrar o serviço. Exsurge, pois, a conclusão de que o funcionamento das rádios com finalidade educativa exige prévia autorização do Executivo, de modo que não cabe ao Judiciário adentrar a esfera de competência estrita àquele Poder, mostrando-se inviável a autorização judicial para funcionamento de rádios com finalidade educativa, mesmo que a título precário, por ser essa outorga ato administrativo complexo.
(REsp 1.353.341-PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 12/5/2015, DJe 19/5/2015)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO DE RÁDIO COMUNITÁRIA. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA A CONCLUSÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que, embora deva ser caso de respeitar a discricionariedade técnica na presente hipótese, é fato que a análise dos requisitos para a outorga da autorização de funcionamento de rádio comunitária não pode perdurar por tempo indeterminado, situação que configuraria verdadeira deferência ao abuso de direito, devendo ser fixado prazo para a completa análise do pedido formulado administrativamente.
2. Ocorre que, no presente caso, pela leitura da petição inicial (fl. 04/10) e conforme mencionado pela ora agravante, a agravada/autora não formulou pedido para que o Poder Judiciário fixasse prazo para o pronunciamento da Administração acerca do requerimento de autorização para o funcionamento de rádio comunitária, fato que inviabiliza a adoção de tal providência, na esteira do princípio da demanda. Precedentes: AgRg no Ag 1393653/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/06/2011, DJe 10/06/2011; REsp 1123343/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 15/10/2010; EREsp 1100057/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 10/11/2009.
3. Agravo regimental provido.
(AgRg no AgRg no REsp 1043779/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 21/11/2012)
A questão controvertida nos processos judiciais em referência cinge-se à determinação se o Poder Judicário pode estabelecer autorização provisória de funcionamento de rádio educativa até o julgamento definitivo do processo de habilitação da emissora pelo Ministério das Comunicações.
Asseverou o Superior Tribunal de Justiça que não pode o Judiciário outorgar título precário de funcionamento da atividade de rádio, sob pena de violação à competência atribuída ao Ministério das Comunicações pelo artigo 223, da Constituição da República.
O tribunal, no entanto, reiterou entendimento já pacificado[63] no sentido de que o Poder Judiciário pode fixar prazo razoável para a completa análise do pedido administrativo de funcionamento de empresa radiodifusora. Aqui entenderam os ministros que não se está a se imiscuir na competência do Poder Executivo Central.
O que se observa em todos estes precedentes é a posição de deferência do Poder Judiciário ao mérito administrativo, aproximando-se do clássico precedente norte-americano Red Lion Broadcasting Co. v. Federal Communications Commission.
Tal postura reflete a incapacidade do Judiciário – e, por consequência, do próprio Direito – em responder satisfativamente por questões puramente técnicas. Em decisões de tal natureza deve prevalecer a vontade do administrador, respeitado o princípio da deferência técnico-administrativa.
A aplicação da autopoiesis aqui é evidente. O Judiciário reconhece sua inabilidade no trato de matéria de cunho estritamente técnico, flexibilizando não apenas a cláusula geral do artigo 5º, XXXV, CRFB, mas também a previsão específica do artigo 223, §4º, CRFB. Por assim dizer, o Judiciário admite expressamente o ingresso de decisões técnicas e políticas no interior do ramo jurídico.
O ofício a que se propôs no curso do presente artigo está próximo de seu encerramento. Na trajetória deste trabalho, buscou-se expor, de forma crítica as vantagens e desvantagens do modelo regulatório adotado no Brasil, à luz de subsídios do direito comparado e da filosofia jurídica de Teubner.
Com efeito, o sistema jurídico autopoietico impõe relações harmônicas entre a política e a técnica no âmbito da ciência do Direito, proporcionando ganhos à atividade em estudo. Aliás, como incessantemente demonstrado, este modelo teórico já produz efeitos na realidade sensível. É que o direito vivo cria temperanças e flexibilizações no rígido arcabouço jurídico atual, produzindo fenômenos salutares.
Primeiramente, citamos a oxigenação das outorgas no setor, que passam a contar com as ingerências do Poder Legislativo e do Conselho de Comunicação Social. Em seguida, vimos a ampliação das funções de fiscalização da ANATEL sobre as emissoras de radiodifusão, por meio de convênios administrativos assinados com o Ministério das Comunicações. Em terceiro lugar, avaliamos uma tímida tendência de aplicação do princípio da deferência técnico-administrativa no setor, através de decisões do Tribunal de Contas da União e do Superior Tribunal de Justiça.
Por fim, espero que ao leitor tenha sido ao menos instigante e provocativo o conteúdo do presente trabalho, assim como o foi quando me deparei pela primeira vez com o tema. A rigor, as soluções propostas são apenas reflexões, que se não prestam a resolver de forma definitiva os problemas apontados, ao menos estimulam debates mais intensos sobre a regulação da atividade no país.
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[1] DUARTE, Rui Pinto. Uma Introdução ao Direito Comparado. In: O Direito IV. Coimbra: Almedina, 2006. P.776.
[2] O “First Ammendment” nada mais é do que uma das dez emendas que compõem o Bill of Rights, constituição americana adotada em 15.12.1791.
[3] THIERER, Adam e SKORUP, Brent. Video Marketplace Regulation - A Primer on the History of Television Regulation and Current Legislative Proposals. 2014, p.13. Disponível em SSRN: http://ssrn.com/abstract=2432177 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2432177
[4] Red Lion Broadcasting Co. v. Federal Communications Commission, 395 U.S. 375-377 (1969)
[5] Texto original: “Before 1927, the allocation of frequencies was left entirely to the private sector, and the result was chaos. It quickly became apparent that broadcast frequencies constituted a scarce resource whose use could be regulated and rationalized only by the Government. Without government control, the medium would be of little use because of the cacaphony of competing voices, none of which could be clearly and predictably heard. [Footnote 5] Consequently, the Federal Radio Commission was established to allocate frequencies among competing applicants in a manner responsive to the public "convenience, interest, or necessity.”
[6] O Estatuto sofreu alterações em 1996, pelo chamado Telecomunications Act de 1996, o qual tinha por objetivo, na forma da exposição de motives, “to promote competition and reduce regulation in order to secure lower prices and higher quality services for American telecommunications consumers and encourage the rapid deployment of new telecommunications technologies” (Tradução Livre: promover competição e reduzir a regulação com o intuito de garantir preços mais baixos e maior qualidade dos serviços para os consumidores americanos, além de encorajar a rápida implantação de novas tecnologias no setor) . Telecommunications Act of 1996, Pub. LA. No. 104-104, 110 Stat. 56 (1996).
[7] Telecommunications Act of 1996, Pub. LA. No. 104-104, 110 Stat. 56 (1996)
[8] Texto original: “to make [o service de telecomunicações] available, so far as possible, to all the people of the United States, without discrimination”; “promoting safety of life and property through the use of wire and radio communication”; e “securing a more effective execution of this policy”
[9] DI PIETRO, Maria Sylvia. Discricionariedade Técnica e Discricionariedade Administrativa. CARLIN, Volnei Ivo (Coord.). Grandes Temas de Direito Administrativo. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2009, p.615.
[10] DI PIETRO, Maria Sylvia. Op. Cit., p. 616.
[11] DI PIETRO, Maria Sylvia. Op. Cit., p. 616-617.
[12] THIERER, Adam e SKORUP, Brent. Op. Cit. p. 14.
[13] THIERER, Adam e SKORUP, Brent. Op. Cit. p. 16-19.
[14] Nesse ponto, os autores revelam que a disposição legislativa foi resposta a jurisprudência firmada pela Suprema Corte, no sentido de que tais royalties não seriam devidos (Fortnightly Corp. v. United Artists, 392 U.S. 390 1968; United States v. Southwestern Cable Co., 392 U.S. 157 1968).
[15] THIERER, Adam e SKORUP, Brent. Op. Cit., p.21.
[16] Texto original: “comprehensive liberalization of America’s video marketplace can help ensure that more media content is developed and distributed going forward”
[17] OWEN, Bruce. Consumer Welfare and TV Program Regulation. Mercatus Center at George Mason University, Arlington, VA, 2012, p. 5. Texto original: “What distinguishes TV programs from other mass media content... is the extreme eagerness of Washington to engage in efforts to prevent markets from working freely, often in response to interest group pressures and opportunities for political advantage and withalmost complete indifference to the welfare of consumers.”.
[18] KRATTENMAKER, Thomas e POWE JR , Lucas A. Regulating Broadcast Programming. Washington, DC: AEI Press, 1994, p. 49. Texto original: “One major difference between markets for telecommunications goods and markets for other goods is that governmental regulation plays a very large role in determining what kinds and quality of telecommunications services may be offered at what costs. The central issue in telecommunications law is why telecommunications goods and markets are not treated like most other goods and markets.”.
[19] Impende destacar que o Media Bureau, órgão técnico da FCC, é responsável por desenvolver, recomendar e administrar os programas de política e de licenciamento para a regulamentação dos meios de comunicação, incluindo televisão a cabo, televisão aberta, rádio e serviços de satélite nos Estados Unidos e em seus territórios. Tal órgão aconselha e faz recomendações à Comissão , agindo muitas vezes em seu nome, em matérias relacionadas à política de serviços ofertados pelas telecomunicações (Code Of Federal Regulations, Title 47, Part 0, Subpart A, §0.61).
[20] Texto original: “The history of the fairness doctrine and of related legislation shows that the FCC's action in the Red Lion case did not exceed its authority, and that, in adopting the new regulations, the FCC was implementing congressional policy.
(a) The fairness doctrine began shortly after the Federal Radio Commission was established to allocate frequencies among competing applicants in the public interest, and insofar as there is an affirmative obligation of the broadcaster to see that both sides are presented, the personal attack doctrine and regulations do not differ from the fairness doctrine.
(b) The FCC's statutory mandate to see that broadcasters operate in the public interest and Congress' reaffirmation, in the1959 amendment to § 315 of the Communications Act, of the FCC's view that the fairness doctrine inhered in the public interest standard, support the conclusion that the doctrine and its component personal attack and political editorializing' regulations are a legitimate exercise of congressionally delegated authority.”
[21] Texto original: “And here this principle is given special force by the equally venerable principle that the construction of a statute by those charged with its execution should be followed unless there are compelling indications that it is wrong.””
[22] Texto original: “Because neither our prior decisions nor the language or history of § 1464 supports the conclusion that prurient appeal is an essential component of indecent language, we reject Pacifica's construction of the statute. When that construction is put to one side, there is no basis for disagreeing with the Commission's conclusion that indecent language was used in this broadcast.
(…)
The approach is also consistent with Red Lion Broadcasting Co. v. FCC, 395 U. S. 367. In that case, the Court rejected an argument that the Commission's regulations defining the fairness doctrine were so vague that they would inevitably abridge the broadcasters' freedom of speech. The Court of Appeals had invalidated the regulations because their vagueness might lead to self-censorship of controversial program”.
[23] Texto original: “of all forms of communication, broadcasting has the most limited First Amendment protection”
[24] Texto original: “Held: Courts must apply the Chevron framework to an agency’s interpretation of a statutory ambiguity that concerns the scope of the agency’s statutory authority (i.e., its jurisdiction).
(a)Under Chevron, a reviewing court must first ask whether Congress has directly spoken to the precise question at issue; if so, the court must give effect to Congress’ unambiguously expressed intent. 467 U. S., at 842–843. However, if “the statute is silent or ambiguous,” the court must defer to the administering agency’s construction of the statute so long as it is permissible.
(…)
A general conferral of rulemaking authority validates rules for all the matters the agency is charged with administering. It suffices to decide this case that the preconditions to deference under Chevron are satisfied because Congress has unambiguously vested the FCC with general authority to administer the Communications Act through rulemaking and adjudication, and the agency interpretation at issue was promulgated in the exercise of that authority.”
[25] Artigo 34, Constituição Francesa: A lei fixa as regras concernetes à liberdade, ao pluralismo e à independência dos meios de comunicação. (Texto original: “La loi fixe les règles concernant la liberté, le pluralisme et l’indépendance des médias”)
[26] Artigo 11, Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão: A livre comunicação de pensamentos e de opiniões é um dos direitos mais caros do Homem: todo cidadão pode então falar, escrever e editar livremente, ressalvado o direito de responder ao abuso desta liberdade nos casos determinados por lei. (Texto original: “La libre communication des pensées et des opinions est un des droits les plus précieux de l'Homme : tout Citoyen peut donc parler, écrire, imprimer librement, sauf à répondre de l'abus de cette liberté dans les cas déterminés par la Loi”)
[27] Artigo 2º, lei 86-1067/1986: Se entende por telecomunicação toda comunicação ao público de serviços de rádio ou de televisão, seja quais forem as modalidades de disponibilização ao público; toda comunicação ao público pela via eletrônica de outros serviços que não de rádio ou de televisão e que não se incluam na comunicação do público em linha tal como definido no artigo 1º, da lei nº 2004-575, de 21.06.2004, sobre a confiança na economia digital , e de qualquer comunicação ao público de serviços de comunicação audiovisuais sob demanda. (Texto original: “On entend par communication audiovisuelle toute communication au public de services de radio ou de télévision, quelles que soient les modalités de mise à disposition auprès du public, toute communication au public par voie électronique de services autres que de radio et de télévision et ne relevant pas de la communication au public en ligne telle que définie à l'article 1er de la loi n° 2004-575 du 21 juin 2004 pour la confiance dans l'économie numérique, ainsi que toute communication au public de services de médias audiovisuels à la demande”.)
[28] Texto original: “l'égalité de traitement”, “l'indépendance et l'impartialité du secteur public de la communication audiovisuelle”, “la libre concurrence et l'établissement de relations non discriminatoires entre éditeurs et distributeurs de services”, “la qualité et à la diversité des programmes”, “le développement de la production et de la création audiovisuelles nationales ainsi qu'à la défense et à l'illustration de la langue et de la culture françaises”, “la cohésion sociale et la lutte contre les discriminations dans le domaine de la communication audiovisuelle”, “les droits des femmes dans le domaine de la communication audiovisuelle” e “protection de l'environnement et de la santé de la population”.
[29] Artigo 22, lei 86-1067/1986 – O Conselho Superior de Audiovisual autoriza, com respeito aos tratados e acordos internacionais assinados pela França, o uso das faixas de frequência ou das frequências atribuídas ou destinadas aos usos da radiodifusão. O Conselho controla sua utilização. O Conselho e a Agência Nacional de Frequências tomam as medidas necessárias para assegurar uma boa recepção dos sinais e firmam entre elas, com este fim, os acordos necessários. (Texto original: “Le Conseil supérieur de l'audiovisuel autorise, dans le respect des traités et accords internationaux signés par la France, l'usage des bandes de fréquences ou des fréquences attribuées ou assignées à des usages de radiodiffusion. Il contrôle leur utilisation. Le Conseil supérieur de l'audiovisuel et l'Agence nationale des fréquences prennent les mesures nécessaires pour assurer une bonne réception des signaux et concluent entre eux à cet effet les conventions nécessaires.”)
[30] Artigo 6º, lei 86-1067/1986 – Estas decisões do Conselho referidas nos artigos 22 e 27 que têm uma natureza regulamentar são transmitidas ao Primeiro-Ministro que pode, no prazo de quinze dias a contar da recepção, pedir uma nova deliberação do Conselho. Os resultados das deliberações e os relatórios do conselho, quaisquer que sejam a sua natureza, são publicados no Jornal Oficial da República Francesa (Texto original: “Celles des décisions du conseil mentionnées aux articles 22 et 27 qui présentent un caractère réglementaire sont transmises au Premier ministre qui peut, dans les quinze jours suivant leur réception, demander au conseil une nouvelle délibération. Les résultats des délibérations ainsi que les rapports du conseil, quelle qu'en soit la nature, sont publiés au Journal officiel de la République française.”)
[31] Texto original: “l'intérêt de chaque projet pour le public, au regard des impératifs prioritaires que sont la sauvegarde du pluralisme des courants d'expression socio-culturels, la diversification des opérateurs, et la nécessité d'éviter les abus de position dominante ainsi que les pratiques entravant le libre exercice de la concurrence”
[32] Artigo 30-6, lei 86-1067/1986 – A duração das autorizações para os editores de serviços de televisão, de meios de comunicação audiovisual sob demanda, de rádio digital e, se for o caso, de distribuidores dos serviços mencionados na alínea anterior, não poderá exceder dez anos. Para os serviços de rádio em modo analógico, esta autorização não pode exceder o prazo máximo de cinco anos (Texto original: “La durée des autorisations pour les éditeurs de services de télévision, de médias audiovisuels à la demande, de radio en mode numérique ainsi que, le cas échéant, des distributeurs de services mentionnés à l'alinéa précédent ne peut être supérieure à dix ans. Pour les services de radio en mode analogique, cette durée ne peut être supérieure à cinq ans.”)
[33]Artigo 28-1, lei 86-1067/1986 – As autorizações concedidas nos termos dos artigos 29 , 29-1 , 30-1 e 30 serão renovadas pelo Conselho Superior de Audiovisual, sem realização de licitação, dentro do limite de duas vezes para além da autorização inicial, e cada vez por cinco anos. (Texto original: “Les autorisations délivrées en application des articles 29, 29-1, 30 et 30-1 sont reconduites par le Conseil supérieur de l'audiovisuel, hors appel aux candidatures, dans la limite de deux fois en sus de l'autorisation initiale, et chaque fois pour cinq ans (...)”)
[34] Artigo 31, lei 86-1067/1986 – Se as decisões de autorização de uso do recurso radioelétrico forem susceptíveis de alterar significativamente o mercado, o CSA deverá, antes do lançamento de procedimentos nos termos dos artigos 29, 30, 30-1 , 30-5 e 30-6 , proceder a uma consulta pública. (Texto original: “Si les décisions d'autorisation d'usage de la ressource radioélectrique sont susceptibles de modifier de façon importante le marché en cause, le Conseil supérieur de l'audiovisuel procède, préalablement au lancement des procédures prévues aux articles 29, 30, 30-1, 30-5 et 30-6, à une consultation publique.”)
[35] Texto original: “services de communication audiovisuelle distribués par les réseaux n'utilisant pas des fréquences assignées par le Conseil supérieur de l'audiovisuel”.
[36] Artigo 33 – Um decreto do Conselho de Estado, ouvido previamente o CSA, fixa, para cada categoria de serviços de rádio ou de televisão distribuídos pelas redes não utentes das frequências concedidas pela agência reguladora: (...)”. Texto original: “Article 33 - Un décret en Conseil d'Etat, pris après avis du Conseil supérieur de l'audiovisuel, fixe, pour chaque catégorie de services de radio ou de télévision distribués par les réseaux n'utilisant pas des fréquences assignées par le Conseil supérieur de l'audiovisuel : (...)”.
[37] Artigo 30-6, lei 86-1067/1986 – Tendo em conta as missões de interesse geral dos organismos públicos e diferentes categorias de serviços de comunicação audiovisuais transmitidos por via terrestre , decretos em Conselho de Estado devem estabelecer os princípios gerais que definem as obrigações em matéria de: (...) 2º)
A divulgação, em especial no horário nobre, em proporções iguais, pelo menos, a 60% das obras cinematográficas e audiovisuais europeias e de proporções, pelo menos, iguais a 40% das obras cinematográficas e audiovisuais de original em francês. (Texto original: “Compte tenu des missions d'intérêt général des organismes du secteur public et des différentes catégories de services de communication audiovisuelle diffusés par voie hertzienne terrestre, des décrets en Conseil d'Etat fixent les principes généraux définissant les obligations concernant: 2°) La diffusion, en particulier aux heures de grande écoute, de proportions au moins égales à 60 % d'oeuvres cinématographiques et audiovisuelles européennes et de proportions au moins égales à 40 p. 100 d'oeuvres cinématographiques et audiovisuelles d'expression originale française ;”
[38] Texto original: “(...) également définir des obligations adaptées à la nature particulière des services de médias audiovisuels à la demande et les exonérer de l'application de certaines des règles prévues pour les autres services”.
[39] Texto original: “(...), le Conseil supérieur de l'audiovisuel favorise les services ne faisant pas appel à une rémunération de la part des usagers et contribuant à renforcer la diversité des opérateurs ainsi que le pluralisme de l'information.”
[40]Artigo 47, lei 86-1067/1986 – O Estado detém diretamente a totalidade do capital das sociedades France Televisions, Radio France e da empresa responsável pela transmissão estrangeira na França. Estas sociedades são submetidas à legislação referente às sociedades anônimas, salvo disposições em contrário da lei. Seus estatutos são aprovados mediante decreto. (Texto original: “L'Etat détient directement la totalité du capital des sociétés France Télévisions et Radio France et de la société en charge de l'audiovisuel extérieur de la France. Ces sociétés sont soumises à la législation sur les sociétés anonymes, sauf dispositions contraires de la loi. Leurs statuts sont approuvés par décret.”)
[41] Interessa mencionar que a TF1, primeiro canal de televisão da França (1935), foi privatizado em 1987, na forma dos artigos 58 e ss., lei 86-1067/1986.
[42] Artigo 47-4, lei 86-1067/1986 – Os presidentes das empresas France Televisions, Radio France e da empresa responsável pela transmissão estrangeira na França, são nomeados para mandatos de cinco anos pelo Conselho Superior do Audiovisual, por maioria dos membros que o compõem . (Texto original: “Les présidents de la société France Télévisions, de la société Radio France et de la société en charge de l'audiovisuel extérieur de la France sont nommés pour cinq ans par le Conseil supérieur de l'audiovisuel, à la majorité des membres qui le composent. (...)”)
[43] Texto original: “7. Considérant que les auteurs de la saisine soutiennent qu'"en se bornant à évoquer le cas du manquement grave", sans en préciser le contenu, le législateur laisse la place à l'arbitraire ; qu'ils font valoir également que le fait pour la loi de préciser que les mesures prises en exécution de la décision du Conseil supérieur de l'audiovisuel "ne peuvent en aucun cas engager la responsabilité personnelle du président de l'organisme" est contraire "aux principes qui régissent l'exercice de l'autorité et à la liberté du commerce et de l'industrie" ;
. En ce qui concerne la référence à la notion de"manquement grave" :
8. Considérant qu'en se référant au concept de "manquement grave" par les organismes du secteur public de l'audiovisuel aux obligations qui leur sont imposées en vertu de la loi du 30 septembre 1986 modifiée, des décrets en Conseil d'État prévus en son article 27, ou des cahiers des charges, le législateur a entendu exclure, pour des manquements sans gravité, la mise en oeuvre d'une procédure contraignante à l'égard des sociétés nationales de programme ou de l'Institut national de l'audiovisuel ; qu'il appartiendra au Conseil supérieur de l'audiovisuel de se conformer, sous le contrôle du juge de la légalité, à la distinction faite par la loi selon le degré de gravité du manquement ; qu'ainsi, il ne saurait être fait grief au législateur d'être resté en deçà de la compétence qui est la sienne en vertu de la Constitution et notamment de son article 34 ;”.
[44] Conforme se extrai do seguinte excerto do voto: Considerando que os autores do encaminhamento argumentam primeiramente que os artigos 42-1 e 42-2 adicionados à lei n° 86-1067/1986, em que se confere a uma autoridade administrativa e não a uma autoridade judicial o poder de impor sanções, desrespeita o princípio da separação dos poderes estabelecidos no artigo 16 da Declaração dos Direitos Humanos ; que o respeito deste princípio é ainda mais relevante que o da livre comunicação dos pensamentos e opiniões garantida pelo artigo 11 da Declaração 1789. (Texto original: “Considérant que les auteurs de la saisine font valoir tout d'abord que les articles 42-1 et 42-2 ajoutés à la loi du 30 septembre 1986, en ce qu'ils confèrent à une autorité administrative et non à une autorité juridictionnelle le pouvoir d'infliger des sanctions, méconnaissent le principe de la séparation des pouvoirs affirmé par l'article 16 de la Déclaration des Droits de l'Homme; que le respect de ce principe s'impose d'autant plus qu'est en cause la libre communication des pensées et des opinions garantie par l'article 11 de la Déclaration de 1789”).
[45] Texto original: “27. Considérant que, pour la réalisation de ces objectifs de valeur constitutionnelle, il est loisible au législateur de soumettre les différentes catégories de services de communication audiovisuelle à un régime d'autorisation administrative ; qu'il lui est loisible également de charger une autorité administrative indépendante de veiller au respect des principes constitutionnels en matière de communication audiovisuelle ; que la loi peut, de même, sans qu'il soit porté atteinte au principe de la séparation des pouvoirs, doter l'autorité indépendante chargée de garantir l'exercice de la liberté de communication audiovisuelle de pouvoirs de sanction dans la limite nécessaire à l'accomplissement de sa mission ; 28. Considérant qu'il appartient au législateur d'assortir l'exercice de ces pouvoirs de mesures destinées à sauvegarder les droits et libertés constitutionnellement garantis ; 29. Considérant que, conformément au principe du respect des droits de la défense, lequel constitue un principe fondamental reconnu par les lois de la République, aucune sanction ne peut être infligée sans que le titulaire de l'autorisation ait été mis à même tant de présenter ses observations sur les faits qui lui sont reprochés que d'avoir accès au dossier le concernant ; qu'en outre, pour les sanctions prévues aux 2°, 3° et 4° de l'article 42-1 ainsi que dans le cas du retrait de l'autorisation mentionné à l'article 42-3, le législateur a prescrit le respect d'une procédure contradictoire qui est diligentée par un membre de la juridiction administrative suivant les modalités définies à l'article 42-7 ; qu'il ressort de l'article 42-5 que le Conseil supérieur de l'audiovisuel ne peut être saisi de faits remontant à plus de trois ans, s'il n'a été accompli "aucun acte tendant à leur recherche, leur constatation ou leur sanction" ; 30. Considérant que le pouvoir d'infliger les sanctions énumérées à l'article 42-1 est conféré au Conseil supérieur de l'audiovisuel qui constitue une instance indépendante ; qu'il résulte des termes de la loi qu'aucune sanction ne revêt un caractère automatique ; que, comme le prescrit l'article 42-6, toute décision prononçant une sanction doit être motivée ; que la diversité des mesures susceptibles d'être prises sur le fondement de l'article 42-1 correspond à la volonté du législateur de proportionner la répression à "la gravité du manquement" reproché au titulaire d'une autorisation ; que le principe de proportionnalité doit pareillement recevoir application pour l'une quelconque des sanctions énumérées à l'article 42-1 ; qu'il en va ainsi en particulier des sanctions pécuniaires prévues au 3° de cet article ; qu'à cet égard, l'article 42-2 précise que le montant de la sanction pécuniaire doit être fonction de la gravité des manquements commis et en relation avec les avantages tirés du manquement par le service autorisé ; qu'un même manquement ne peut donner lieu qu'à une seule sanction administrative, qu'elle soit légale ou contractuelle ; qu'il résulte du libellé de l'article 42-1 (3°) qu'une sanction pécuniaire ne peut se cumuler avec une sanction pénale ;”
[46] DOCQUIR, Pierre-Françoir. Ceci n'est peut-être pas une sanction" – à propos d'un droit à la
provocation raisonnable. Auteurs & Médias, 2007/5, pp. 434-443
[47] Texto original: “Et si le reproche qu'on peut formuler à l'encontre de la décision du CSA réside là, dans le risque que la télévision publique renonce à faire à l'avenir preuve d'une audace finalement approuvée, au-delà du premier choc, par la majorité de l'opinion, c'est que la liberté de La presse constitue l'une des conditions nécessaires de la possibilite d'une société démocratique.”
[48] DI PIETRO, Maria Sylvia. Op. Cit., p.612-613
[49] Texto original: “3. Considérant, en premier lieu, que les dispositions précitées de l'article 14-1 de la loi du 30 septembre 1986 autorisent le Conseil supérieur de l'audiovisuel à réglementer la pratique du placement de produit dans l'ensemble des programmes des services de communication audiovisuelle ; 6. Considérant que, en prévoyant que l'information du public sur l'existence d'un placement de produit serait assurée par l'apparition d'un pictogramme au cours de la diffusion, pendant une durée limitée à quelques minutes, la délibération attaquée qui, selon les termes mêmes du paragraphe VII, s'applique " quelles que soient l'origine et les conditions de production du programme ", n'introduit aucune discrimination entre les oeuvres cinématographiques françaises et étrangères ; que l'apparition brève et intermittente d'un pictogramme n'est pas de nature à porter atteinte à l'intégrité des oeuvres ; qu'en retenant cette modalité d'information du public pour les oeuvres cinématographiques, comme pour les autres programmes pour lesquels le placement de produit est autorisé, le Conseil supérieur de l'audiovisuel n'a pas commis d'erreur manifeste d'appréciation ; que ne révèle pas davantage l'existence d'une erreur manifeste la circonstance que les autres dispositions de la délibération sont rendues applicables aux oeuvres cinématographiques et que leur application n'est pas écartée au terme d'un certain délai à compter de la sortie de l'oeuvre;”
[50] Eros Roberto Grau faz severas críticas à noção de discricionariedade técnica, apontando resumidamente que: (i) a decisão técnica está vinculada a precisos standards, podendo o Judiciário assegurar que estes serão adequadamente atendidos; (ii) a afirmativa de que a inafastabilidade do controle jurisdicional apenas atua sobre o erro manifesto esconde em suas entrelinhas inaceitável tolerância com “erros não manifestos”; (iii) a imprecisão das balizas do que seria, ou não, erro manifesto traduz insegurança jurídica. GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 211/212.
[51] DI PIETRO, Maria Sylvia. Op. Cit., p.616.
[52] DI PIETRO, Maria Sylvia. Op. Cit., p.620.
[53] KRELL, Andreas J. Discricionariedade Administrativa e Conceitos Legais Indeterminados: Limites do Controle Judicial no Âmbito dos Interesses Difusos. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2ª Ed., 2014, p. 66.
[54] Até então, a mesma atividade era exercida pela Radiobrás, empresa pública constituída mediante autorização da Lei nº 6.301, de 15 de dezembro de 1975. O artigo 24, da lei 11.652/08 determinou a transferência de todas as outorgas de radiodifusão exploradas pela Radiobrás para a Empresa Brasileira de Comunicação.
[55] A questão da sindicabilidade de escolhas estritamente técnicas e sua evolução na jurisprudência pátria serão mais bem explicitadas no próximo capítulo.
[56] TEUBNER, Gunther. O Direito como Sistema Autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, p.58. Trad. José Engrácia Antunes.
[57] Op. Cit., p.94.
[58] GUERRA, Sergio. Discricionariedade Administrativa – Limitações Da Vinculação Legalitária E Propostas Pós-Positivistas. O Direito Administrativo de Espetáculo. ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.). Op. cit., pp.120-129.
[59] FILHO, Roberto Fragale. Quando a empiria é necessária?. 2006, p.10. Disponível em . Acesso em: 28.10.2015.
[60] PINTO, Luciana Moraes Raso Sardinha. Radiodifusão: o controle estatal e social sobre suas outorgas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, pp. 176-177
[61] “Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.”
[62] Em outras palavras, embora a ANATEL realize todo procedimento administrativo sancionatório – utilizando-se de seu corpo técnico para instruí-lo de forma eficaz –, pernanece reservado ao Ministério das Comunicações o poder de cominar a sanção, após toda a apuração realizada pela agência reguladora.
[63] Precedentes: AgRg no AgRg no REsp 1.043.779/SC (Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 21/11/2012); REsp 1.123.343/RS (Rel. Ministro Castro Meira, DJe 15/10/2010); e AgRg noAg 1.353.436/SC (Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 24/03/2011)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETTO, Leonardo Silveira Antoun. Serviço público e direito comparado - possíveis caminhos para a regulação do setor de telecomunicações no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 ago 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50578/servico-publico-e-direito-comparado-possiveis-caminhos-para-a-regulacao-do-setor-de-telecomunicacoes-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 08 nov 2024.
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