Resumo: O presente artigo jurídico envolve a análise sobre temas polêmicos do mandado de segurança, notadamente diante da divergência entre a doutrina majoritária e a jurisprudência dos tribunais superiores. Algumas posições jurisprudencias envolvem premissas equivocadas, sobre as quais a doutrina se empenha em modificar. Para a maioria dos temas destacados nesta obra, sugere-se, para reflexão, a possibilidade de alteração legislativa, de forma a acatar e inserir posições doutrinárias na Lei do Mandado de Segurança, aproximando-a ao Novo Código de Processo Civil.
Palavras chaves: Mandado de Segurança. Indicação errônea de autoridade coatora. Natureza personalíssima. Suspensão dos processos individuais. Efeitos financeiros da concessão mandamental.
Sumário: 1. Introdução; 2. O Mandado de Segurança na Constituição Federal de 1988 e na Lei n. 12.016/2009; 3. A celeridade processual, o direito líquido e certo e a prova pré-constituiída; 4. A oportunidade de superação da jurisprudência pela via legislative; 5. Indicação errônea da autoridade coatora; 6. A natureza personalíssima sustentada pela jurisprudência e o caso de falecimento do impetrante; 7. “Suspensão dos processos individuais enquanto se aguarda o julgamento do mandado de segurança coletivo; 8. O problema do termo inicial dos efeitos financeiros da concessão de ordem mandamental; 9. Conclusão; 10. Referências.
O mandado de segurança é um remédio constitucional, previsto no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal de 1988, e regulamentado pela Lei nº 12.016/09. Uma das facetas interessantes do mandado de segurança é a de ser objeto de estudo de diferentes disciplinas na ciência jurídica.
O Direito Constitucional o tem como objeto de estudo por ser remédio constitucional (art. 5º, LXIX, da Constituição Federal de 1988). É uma garantia constitucional, através da qual “busca-se a invalidação de atos de autoridade ou a supressão dos efeitos da omissão administrativa, geradores de lesão a direito líquido e certo, por ilegalidade ou abuso de poder” (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado – 20ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2016 (Coleção Esquematizado), pp. 1263/1264).
O Direito Administrativo estuda o tema por ser o mandado de segurança uma das medidas mais relevantes no controle jurisdicional dos atos administrativos. O Direito Processual Civil se debruça sobre o tema, obviamente, por conta de sua natureza jurídica de procedimento especial, assim como o Direito Processual Penal e o Direito Processual do Trabalho.
Até mesmo o Direito Tributário trata do mandado de segurança e suas peculiaridades nas demandas tributárias por ser uma das medidas mais comuns e recorrentes da praxe forense nesta seara.
A coexistência de diversas doutrinas, em diferentes frentes, faz com que o tema ganhe relevante importância doutrinária. Por sua vez, a sua constante utilização no cotidiano forense resulta numa profusão de jurisprudência sobre o tema.
O problema atual do mandado de segurança decorre, em verdade, do conflito entre, de um lado, a jurisprudência dos tribunais superiores e a Lei nº 12.016/09, e, de outro, a doutrina majoritária e o Novo Código de Processo Civil.
No presente estudo, busca-se analisar alguns desses conflitos e defender o que se considera, aparentemente, a melhor solução para cada caso.
O art. 5º, LXIX, da Constituição Federal prevê, expressamente, que “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do Poder Público”.
Com sua incomum capacidade de síntese, o professor Pedro Lenza apresenta, em poucas linhas, uma interessante e breve análise sobre o histórico do mandado de segurança, in verbis:
“O mandado de segurança, criação brasileira, é uma ação constitucional de natureza civil, qualquer que seja a do ato impugnado, seja ele administrativo, seja ele jurisdicional, criminal, eleitoral, trabalhista etc. Restringido o alcance da “teoria brasileira do habeas corpus pela reforma constitucional de 1926, sob forte influência da doutrina e jurisprudência da época, que buscavam nas ações possessórias instrumentos para suprir a lacuna deixada pela aludida reforma, o mandado de segurança é constitucionalizado em 1934, sendo introduzido na Carta Maior e permanecendo nas posteriores, com exceção da de 1937. Suas regras gerais foram regulamentadas pela Lei n. 1.533, de 31.12.1951 e outros tantos dispositivos, estando, atualmente, disciplinado na Lei n. 12.016/2009, de 07.08.2009, objeto de vários questionamentos nas ADIs 4296 e 4403 (matéria pendente). Podemos, pois, identificar como fonte imediata de inspiração do mandado de segurança, no direito brasileiro, a “teoria brasileira do habeas corpus”, podendo ser destacado, ainda, o art. 13 da Lei n. 221/1894 (ação anulatória de atos da Administração) e o instituto dos interditos possessórios. Indiretamente, no direito estrangeiro, cumpre mencionar o habeas corpus e os writs do direito anglo-americano, bem como o juicio de amparo do direito mexicano” (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado – 20ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2016 (Coleção Esquematizado), pp. 1262).
A Lei n. 12.016/2009, que atualmente regulamenta o mandado de segurança, sedimentou alguns dos entendimentos jurisprudenciais já anteriormente pacificados nos tribunais superiores. É o caso, por exemplo, da previsão do art. 1º, par. § 2o, da Lei n. 12.016/09, ao prever que “não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público”.
Entretanto, apesar de ser uma lei recente, tem alguns dispositivos intensamente questionados pela doutrina. O caso mais emblemático é a previsão do art. 22, par. 1º, da Lei n. 12.016/09, que prevê a necessidade de desistência do mandado de segurança individual para aproveitar a coisa julgada do mandado coletivo. Não obstante, a verdade é que a própria jurisprudência dos tribunais superiores sobre os temas processuais de mandado de segurança é, também, alvo de inflamados questionamentos por parte da doutrina majoritária.
3. A celeridade processual, o direito líquido e certo e a prova pré-constituída
A matéria discutida em sede de ação pelo procedimento comum é a mesma que é objeto do mandado de segurança. Há muito, já se pacificou o entendimento no sentido de que a complexidade ou controvérsia do mérito da questão não impede a sua apreciação em se de mandado de segurança. De fato, esse é o teor da Súmula 625 do Supremo Tribunal Federal: “Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança”.
Neste ponto, o professor Leonardo Carneiro é preciso ao mencionar que “a relação material afirmada em sua petição inicial não guarda qualquer especialidade além das necessárias para a adoção do seu procedimento especial”, sendo certo que a diferença é apenas procedimental. Confira-se:
“O mandado de segurança é um remédio jurídico processual, ou, de forma mais simples, um direito a um procedimento específico, disciplinado na Lei 12.106/2009. Sendo certo que o mandado de segurança é processado por rito especial, não restam dúvidas de que se lhe aplicam, subsidiariamente, as regras relativas ao procedimento comum que estão contidas no Código de Processo Civil. Nesse sentido, assim dispõe o parágrafo único do art. 318 do CPC: “O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução”. Para que se conceda o mandado de segurança, é preciso, como se viu, que o direito seja líquido e certo. O requisito da liquidez e certeza do direito está relacionado com a comprovação das alegações contidas na petição inicial. Vale dizer que o direito somente será líquido e certo se as alegações da parte autora estiverem comprovadas por documentos, de maneira pré-constituída. O procedimento do mandado de segurança é construído a partir desse requisito específico. Seu procedimento é, então, sumário, abreviado, expedito, destinado à obtenção de uma sentença em pouco tempo, já que tudo já está provado, não havendo necessidade de instrução probatória. O mandado de segurança é remédio jurídico processual, mas a relação material afirmada em sua petição inicial não guarda qualquer especialidade além das necessárias para a adoção do seu procedimento especial. Tanto isso é verdade que a ação material nele afirmada por ser igualmente alegada em procedimento comum. A diferença entre o mandado de segurança e o procedimento comum é procedimental. Quem tem direito ao mandado de segurança tem, na verdade, direito a um procedimento especial, diferenciado, abreviado, sumário” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo – 13ª. Edição, totalmente reformulada, Rio de Janeiro, Forense, 2016, pp. 512/513).
Há que se destacar, então, as principais peculiaridades procedimentais.
Nos termos do art. 20 da Lei n. 12.016/2009, “os processos de mandado de segurança e os respectivos recursos terão prioridade sobre todos os atos judiciais, salvo habeas corpus”. Por sua vez, o art. 7º, par. 4º, da Lei n. 12.016/2009 determina que os processos com liminar terão prioridade para julgamento. São essas previsões que impõem a celeridade ao writ.
No que tange ao direito líquido e certo, exigido pela norma constitucional (e reproduzido no art. 1º da 12.016/2009), cabe trazer as palavras do professor Leonardo Carneiro:
“(…) o que se deve ter como líquido e certo é o fato, ou melhor, a afirmação de fato feita pela parte autora. Quando se diz que o mandado de segurança exige a comprovação de direito líquido e certo, está-se a reclamar que os fatos alegados pelo impetrante estejam, desde já, comprovados, devendo a petição inicial vir acompanhada dos documentos indispensáveis a essa comprovação. Daí a exigencia de a prova, no mandado de segurança, ser pré-constituída” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo – 13ª. Edição, totalmente reformulada, Rio de Janeiro, Forense, 2016, p. 503)
Por sua vez, em relação à prova pré-constituída, o professor Leonardo Carneiro é enfático quanto à exigência de prova documental e a impossibilidade de prova documentada. Confira-se:
“Ao ter como pressuposto o direito líquido e certo, o mandado de segurança somente admite a produção de prova documental, que deve acompanhar a petição inicial para que se comprovem as afirmações ali feitas. Consequentemente, se as alegações feitas no mandado de segurança dependerem de outra prova que não seja a documental, não será possível ao juíza examinar o mérito da questão posta a seu julgamento.
(...) O mandado de segurança somente é viável se houver prova documental, e não documentada. Assim, documentada que seja uma prova testemunhal ou pericial, não poderá ser utilizada como comprovação do direito líquido e certo. Nesse sentido, um documento que contenha a declaração testemunhal antecipada comprova, apenas, a declaração, e não o fato declarado, não servindo como meio de demonstrar o direito líquido e certo. Daí por que não cabe mandado de segurança fundado em justificação prévia de prova testemunhal. É que a prova produzida na justificação prévia é testemunhal, inviável como meio para provar o direito líquido e certo. Também não cabe mandado de segurança fundado em laudo médico particular, por estar ausente a prova do direito líquido e certo” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo – 13ª. Edição, totalmente reformulada, Rio de Janeiro, Forense, 2016, p. 506/507)
Por fim, no que concerne ao conceito de ilegalidade ou abuso de poder, utilizamo-nos dos dizeres do professor Pedro Lenza, verbis:
“O cabimento do mandado de segurança dá-se quando perpetrada ilegalidade ou abuso de poder por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Quanto a esses dois requisitos pondera Michel Temer, com precisão: “O mandado de segurança é conferido aos indivíduos para que eles se defendam de atos ilegais ou praticados com abuso de poder. Portanto, tanto os atos vinculados quanto os atos discricionários são atacáveis por mandado de segurança, porque a Constituição Federal e a lei ordinária, ao aludirem a ilegalidade, estão se referindo ao ato vinculado, e ao se referirem a abuso de poder estão se reportando ao ato discricionário”” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo – 13ª. Edição, totalmente reformulada, Rio de Janeiro, Forense, 2016, p. 1264).
À primeira vista, os conceitos são simples. Na prática, há diversos casos concretos no limbo entre a existência ou não de direito líquido e certo, ante a necessidade ou não de dilação probatória. No entanto, as “polêmicas” destacadas nesta obra são de outra natureza, como se verá adiante. Dentre outras questões, envolvem, por exemplo, a premissa equivocada, na jurisprudência, de um suposto direito personalíssimo à ação mandamental.
4. A oportunidade de superação da jurisprudência pela via legislativa
O Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) é o exemplo mais recente de norma elaborada com o intuito de superar diversos entendimentos jurisprudências pacificados dos tribunais superiores.
Nesse sentido, um dos dispositivos legais mais destacados, na sistemática do Novo CPC, é o que traz o reconhecimento, expresso, da possibilidade “prequestionamento ficto” (art. 1.025, CPC/2015) – considerar como prequestionado tema objeto de embargos de declaração na apreciados -, que era rechaçada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Confira-se trecho da obra do professor Fredie Didier sobre o prequestionamento ficto:
“Há uma situação, comum na prática forense, sobre a qual divergiram durante anos o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça em torna da melhor interpretação a ser dada à exigência do pré-questionamento. Eis um exemplo: a parte invoca a aplicação de uma determinada regra legal. O tribunal recorrido ignora a alegação da parte, que, por isso, opõe embargos de declaração. Os embargos não são acolhidos e a omissão, por isso, permanece. O STJ entendia que a continuidade da omissão impedia o preenchimento do requisito do pré-questionamento, tornando inadmissível o recurso especial que tinha por objeto a interpretação da regra jurídica invocada pela parte, mas ignorada pelo tribunal (n. 211 da súmula STJ). O STF, por sua vez, entendia que a continuidade da omissão não poderia prejudicar a parte que havia alegado a questão e reiterado nos embargos de declaração; entendia, assim, que a oposição de embargos de declaração, em tal situação, seria o suficiente para o preenchimento do requisito do pré-questionamento, mesmo que o tribunal recorrido se mantivesse omisso. Ocorreria o que se convencionou chamar de pré-questionamento ficto. Essa foi, durante muitos anos, a interpretação que o STF dava ao enunciado n. 356 da sua súmula da jurisprudência predominante. Mais recentemente, mas ainda antes do início da vigência do CPC-2015, algumas decisões do STF passaram a encampar o entendimento do STJ contrário ao pré-questionamento ficto. O CPC-2015 consagrou, porém, o antigo entendimento do STF, criando uma ficção legal de pré-questionamento: “art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadimitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”. A opção do CPC-2015 é coerente com um sistema que prestigia o julgamento do mérito – primazia da decisão de mérito (art. 4º, art. 932, par. ún. e, especificamente em relação aos recursos extraordinários, o art. 1.029, §3º, CPC). O n. 211 da súmula do STJ deve ser cancelado” (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal/ Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha – volume 3, 14ª edição reformada – Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 359)
De fato, a temática do prequestionamento foi tema profícuo para as superações legislativas. Afinal, trouxe um outro exemplo clássico, relativo ao prequestionamento de tema tratado em voto vencido. Confira-se:
“Também está superado o n. 320 da súmula do STJ: “A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento”. Isso porque, também aqui, o CPC criou uma ficção: o voto vencido passa a fazer parte do acórdão, inclusive para fim de pré-questionamento (art. 941, §3º, CPC). (...) O voto vencido somente é considerado como parte integrante do acórdão, inclusive para fim de pré-questionamento, se contiver fundamento suficiente a dar solução ao caso. As alegações contidas no voto vencido, feitas à margem da discussão travada no caso, sem que tenham sido submetidas ao contraditório ou que não sirvam para fundamentar a solução da controvérsia posta a julgamento por serem os obter dicta do voto vencido, são irrelevantes para a configuração do pré-questionamento” (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal/ Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha – volume 3, 14ª edição reformada – Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 359/360)
A princípio, essa forma de “diálogo institucional” é legítima. Inclusive, é salutar para a sociedade, notadamente quando o legislador percebe um inconformismo da sociedade com determinada interpretação jurisprudencial.
Por essa ótica, e no que tange especificamente ao mandado de segurança, há diversos posicionamentos dos tribunais superiores contrários à doutrina majoritária e que, ao que se defende aqui, poderiam ser objetos da pacificação através de alteração legislativa, como se verá adiante.
A correta indicação da autoridade coatora é uma das maiores dificuldades para o impetrante. Diversos mandados de segurança eram julgados extintos por inadequada indicação da autoridade coatora, sem que se fosse possível emendar a inicial.
Com o tempo, o Superior Tribunal de Justiça passou a acolher, no entanto, a teoria da encampação, que consiste no aproveitamento do mandado de segurança com a autoridade coatora erroneamente indicado, desde que preenchidos os seguintes requisitos: “(1) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; (2) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e (3) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas” (STJ, Resp 997623 MT. Relator Min. Luiz Fux. Julgamento 02.06.2009. Órgão Julgador 1ª Turma).
No entanto, fora essas hipóteses, ainda há forte jurisprudência pela impossibilidade de emenda da petição inicial, nos casos de indicação errônea. A esse respeito, confira-se a menção do autor Márcio André Lopes Cavalcanti, em sua obra, apontando a existência de precedentes divergentes entre as Turmas do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“O que o juiz deve fazer se o autor indicar incorretamente a autoridade coatora na petição inicial do mandado de segurança? É possível que o magistrado determine a emenda da petição inicial ou notifique a autoridade correta?
O tema é polêmico, sendo possível encontrar decisões nos dois sentidos:
1ª) NÃO. Havendo erro na indicação da autoridade coatora, deve o juiz extinguir o processo sem julgamento do mérito, pela ausência de uma das condições da ação, sendo vedada a substituição do polo passivo da relação processual (STJ. 1ª Turma. AgRg no ARESP 188.954/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgamento em 18/12/2012).
2ª) SIM. Nos casos de equivoco facilmente perceptível na indicação da autoridade coatora, o juiz competente para julgar o mandado de segurança pode autorizar a emenda da petição inicial ou determinar a notificação, para prestar informações, da autoridade adequada, desde que seja possível identifica-la pela simples leitura da petição inicial e exame da documentação anexada (STJ, 4ª Turma. RMS 45.495-SP, rel. Min. Raúl Araújo, julgado em 268/2014)”
Atualmente, é possível suscitar que há novos olhares sobre a questão. Isso porque o Novo Código de Processo Civil trouxe, em seus artigos 338 e 339, a possibilidade, no âmbito do processo comum, da correção do polo passivo da lide, sem necessidade de extinção sem exame de mérito.
O Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado 511, que reconhece a possibilidade da aplicação dos dispositivos na seara do mandado de segurança. Confira-se:
Enunciado 511. “(art. 338, caput; art. 339; Lei n. 12.016/2009) – A técnica processual prevista nos arts. 338 e 339 pode ser usada, no que couber, para possibilitar a correção da autoridade coatora, bem como da pessoa jurídica, no processo de mandado de segurança. (Grupo: Impacto do novo CPC e os processos da Fazenda Pública)
Nessa linha, o professor Leonardo Carneiro também assume que essa novidade pode e deve ser aplicada no âmbito do mandado de segurança, sem que haja qualquer incompatibilidade. Confira-se:
“(...) Há várias disposições espalhadas pelo CPC que conistem em condições de aplicação do princípio da precedência do julgamento do mérito. O juiz deve aplica-las, a fim de viabilizar, tanto quanto possível, o exame do mérito, concretizando o dever de prevenção, decorrente do princípio da cooperação. (...) destaca-se o disposto no seu art. 338, segundo o qual “Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o responsável pelo prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze) dias, a alteração da petição inicial para substituição do réu”. De igual modo, cumpre destacar o disposto no art. 339 do CPC, que assim dispõe: “Quando alegar sua ilegitimidade, incumbe ao réu indicar o sujeito passivo da relação jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação”. (...) Tais dispositivos – ressalvadas as partes relativas a honorários de sucumbência (não transcritas acima), que não se aplicam ao mandado de segurança (...) incidem no processo de mandado de segurança, os quais consagram, como visto, o princípio da primazia do julgamento do mérito. (...) não se tem admitido intervenção de terceiro no mandado de segurança. Isso, porém, não impede a aplicação dos arts. 338 e 339 do CPC no processo de mandado de segurança, pois tais regras destinam-se ao saneamento do processo para que se viabilize o exame do mérito, concretizando o mencionado princípio da primazia do julgamento do mérito. Nesse sentido, aliás, é o teor do enunciado 42 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, segundo o qual o art. 399 “aplica-se mesmo a procedimentos especiais que não admitem intervenção de terceiros, bem como aos juizados cíveis, pois se trata de mecanismo saneador, que excepciona a estabilização do processo”. Os arts. 338 e 339 do CPC aplicam-se ao processo de mandado de segurança, permitindo que se corrija a autoridade coatora ou, até mesmo, a pessoa jurídica da qual faz parte. Assim, se a parte impetrou mandado de segurança, por exemplo, contra o Governador do Estado, mas a autoridade impetrada seria o Secretário do Estado, é possível corrigir. De igual modo, se impetrou contra o Governador do Estado, mas deveria ter indicado, como autoridade, o diretor de determinada autarquia, poderá haver a correção tanto da autoridade como da pessoa jurídica de cujos quadros faça parte. Se o juiz já perceber o equívoco na indicação da autoridade impetrada ao examinar a petição inicial, deverá determinar a intimação do impetrante para emenda da petição inicial, como, aliás, reconhece o enunciado 296 do Fórum Permanente de Processualistas Civis” [1]
Inclusive, o ilustre professor assevera a possibilidade de que, com a mudança da autoridade coatora, venha a ser alterada a competência do juízo, in verbis:
“É possível que a mudança da autoridade implique alteração da competência do juízo. Se a autoridade inicialmente indicada é demandada, na via do mandado de segurança, em primeira instância, mas a autoridade que passou a figurar em seu lugar, após a correção feita, detém prerrogativa de ser demandada originariamente no tribunal, a alteração acarretará mudança de competência (...)”. [2]
A ideia é nobre e salutar à econômica processual. Mas impõe que também se aceite, no âmbito da sistemática do mandado de segurança, da norma do art. 64, par. 3º, do Novo CPC, que prevê a remessa dos autos ao juízo competente no caso de acolhimento da incompetência, seja ela absoluta ou relativa. Afinal, é preciso, primeiro, reconhecer a possibilidade de não extinção do writ sem exame de mérito nos casos de incompetência absoluta ou relativa.
É uma questão que pode ser objeto de eventual jurisprudência defensiva dos tribunais superiores, preocupados com o número e a prolongação dos mandados de segurança. Por isso, era importante que a aplicação do dispositivo ao mandado de segurança tivesse sido inserida, com clareza, no Novo Código de Processo Civil, a fim de não gerar insegurança jurídica.
6. A natureza personalíssima sustentada pela jurisprudência e o caso de falecimento do impetrante
A jurisprudência pacífica, sedimentada, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o mandado de segurança detém uma natureza personalíssima, insuscetível de sucessão processual no caso de falecimento do impetrante, por exemplo.
A esse respeito, há destacado julgado sobre o tema, objeto do Informativo 528 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, julgado pela Terceira Seção. Confira-se:
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. SUCESSÃO PROCESSUAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. Não é possível a sucessão de partes em processo de mandado de segurança. Isso porque o direito líquido e certo postulado no mandado de segurança tem caráter personalíssimo e intransferível. Precedentes citados: MS 17.372-DF, Primeira Seção, DJe 8/11/2011; REsp 703.594-MG, Segunda Turma, DJ 19/12/2005; e AgRg no RMS 14.732-SC, Sexta Turma, DJ 17/4/2006. EDcl no MS 11.581-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 26/6/2013”
A fundamentação do acórdão é de que “ante o caráter mandamental e a natureza personalíssima da ação, não é possível a sucessão de partes no mandado de segurança, ficando ressalvada aos herdeiros a possibilidade de acesso às vias ordinárias”. Ou seja, afirma-se que a ação mandamental é de natureza personalíssima, independente da relação jurídica discutida.
O professor Leonardo Carneiro da Cunha critica este entendimento e traz luzes à temática:
“Em qualquer demanda, quando o autor é uma pessoa natural e vem a falecer no curso do procedimento, poderá ser trilhado um dos seguintes caminhos:
a) sendo transmissível o direito discutido, deverá ser determinada a suspensão do processo (CPC, art. 313, I), para que se realize a sucessão por seu espólio ou pelos seus sucessores (CPC, art. 110) mediante o procedimento de habilitação (CPC, art. 689), ou, não instaurada a habilitação, o juiz deverá proceder nos termos do § 2º do art. 313 do CPC;
b) em se tratando de direito personalíssimo e, portanto, intransmissível, haverá a extinção do processo sem resolução de mérito (CPC, art. 485, IX). No caso do mandado de segurança é pacífico, tanto no Supremo Tribunal Federal como no Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que o falecimento do impetrante tem o condão de extinguir o mandado de segurança. Conquanto não pareça correto o entendimento – visto que a extinção deveria decorrer da natureza personalíssima do direito material discutido, e naõ da circunstância genérica de se tratar de mandado de segurança -, é conveniente destacar que a conclusão a que chegaram os tribunais superiores resulta da fixação de uma premissa: o sujeito dispõe de um direito personalíssimo (e, portanto, intransmissível) ao mandado de segurança. Vindo o impetrante a falecer, esse seu direito ao mandado de segurança não se transmite aos seus sucessores, devendo estes valer-se do procedimento comum para postular as consequências financeiras da pretensão formulada pelo impetrante. O entendimento dos tribunais superiores denota, como se vê, que, vindo a falecer o impetrante, somente resta a extinção do mandado de segurança, justamente por ser incabível a sucessão processual, com a habilitação do seu espólio ou sucessores” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo – 13ª. Edição, totalmente reformulada, Rio de Janeiro, Forense, 2016, pp. 523/525.
Com efeito, o ilustre professor assume, ainda, a existência de uma ponderação interessante, no sentido de que seja possível a habilitação na fase de cumprimento de sentença do mandado de segurança. Confira-se:
“Tudo indica, todavia, que a morte do impetrante somente causa a extinção sem resolução do mérito do mandado de segurança se seu falecimento se operar durante a fase de conhecimento. Caso já tenha havido sentença com trânsito em julgado, e havendo condenação ao pagamento de valores pecuniários (na hipótese, por exemplo, de o impetrante ostentar a condição de servidor público), é possível haver sucessão mortis causa por seu espólio ou sucessores se o falecimento do impetrante ocorrer já durante a execução. Nesse caso, não haverá habilitação no mandado de segurança, mas sim num cumprimento de sentença. Diante disso, resta evidente que o falecimento do impetrante causa a extinção do processo de mandado de segurança, salvo se sua morte ocorrer após o trânsito em julgado, quando já iniciado o cumprimento de sentença de algum valor reconhecido na decisão a ser cumprida” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo – 13ª. Edição, totalmente reformulada, Rio de Janeiro, Forense, 2016, pp. 524/525).
A crítica é salutar. Eventual análise da natureza personalíssima deve ser da relação jurídica discutida, e não do procedimento. Aliás, a manutenção deste entendimento jurisprudencial conduz a uma afronta ao princípio da economia processual, exigindo aos sucessores o ingresso em juízo através de nova demanda.
É por essa razão que o momento atual é oportuno para reverter a jurisprudência mencionada, pela via legislativa, de forma a prestigiar o princípio da economia processual.
7. “Suspensão” dos processos individuais enquanto se aguarda o julgamento do mandado de segurança coletivo
Um dos dispositivos legais que é objeto de intensas críticas na Lei nº 12.016/09 é o art. 22, par. 1º, que prevê, expressamente:
“Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante.
§ 1o O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva”.
A crítica repousa em dois pontos: a) na ausência de razoabilidade da exigência de desistência do mandado de segurança individual para que o impetrante possa se beneficiar da coisa julgada em sede de mandado coletivo; b) na sua incompatibilidade, injustificada, em relação ao dispositivo relativo às ações coletivas (art. 104 do Código de Defesa do Consumidor).
O professor Eduardo Arruda Alvim destaca, com clareza, a problemática, in verbis:
“(...) pode haver coexistência de mandado de segurança coletivo e mandados de segurança individuais. Nessa hipótese, também diferentemente das demais ações coletivas, os efeitos da coisa julgada no mandado de segurança coletivo não aproveitarão o impetrante do mandado de segurança individual, se não requerer a desistência de seu writ no prazo de trinta dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva, a teor do §1º do art. 22, da Lei nº 12.016/09. Veja-se que enquanto o art. 104 do CDC exige a suspensão das ações individuais para que seus autores sejam beneficiados pela coisa julgada da ação coletiva, o §1º, do art. 22, de outro lado, exige, mais do que isso, a desistência dos mandados de segurança impetrados a título individual para que os efeitos da coisa julgada do mandado de segurança coletivo recaiam sobre o impetrante individual. Essa nova disciplina, por certo, desestimulará a utilização do mandado de segurança coletivo. Isso porque, conquanto a desistência configure hipótese de extinção de processo sem resolução do mérito (CPC, art. 267, VIII), sendo viável sua repropositura (art. 268 do CPC e art. 6º, §6º, da Lei nº 12.016/09), na prática, dificilmente o autor conseguirá impetrar novo mandado de segurança individual dentro dos 120 dias de que trata o art. 23, da Lei nº 12.016/09. Temos, ademais, ser o art. 22, §1º, de constitucionalidade duvidosa, eis que representa verdadeira restrição à utilização do mandado de segurança coletivo. Todavia, não podemos deixar de ter presente que a Lei nº 12.016/09 é posterior e especial em relação ao CDC. Nesse sentido, para o mandado de segurança coletivo, aplica-se §1º, do art. 22, da Lei nº 12.016/09. Para as demais ações coletivas, aplica-se a sistemática constante do já mencionado art. 104 do CDC” (ALVIM, Eduardo Arruda. Mandado de Segurança: de acordo com a lei federal no 12.016/2009, de 07/08/2009 – 3 ed. ref. atualizada – Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2014, p. 434)[3]
Cabe destacar a perspicaz menção do professor ao fato de que “dificilmente o autor conseguirá impetrar novo mandado de segurança individual dentro dos 120 dias de que trata o art. 23, da Lei nº 12.016/09”.
Por sua vez, o professor Leonardo Carneiro da Cunha sugere uma “interpretação sistêmica” do dispositivo, no sentido de se adotar a regra da suspensão do art. 104 do Código de Defesa do Consumidor, a despeito da previsão expressa do §1º do art. 22, da Lei 12.016/09. Confira-se:
“Não há litispendência entre mandado de segurança individual e mandado de segurança coletivo. (...) A regra assemelha-se ao disposto no art. 104 do Código de Defesa do Consumidor, conferindo ao impetrante individual o direito de abdicar expressamente da jurisdição coletiva. Há, todavia, uma diferença entre o art. 104 do Código de Defesa do Consumidor e o §1º do art. 22, da Lei 12.016/09. O primeiro dispõe que os efeitos da coisa julgada coletiva não beneficiarão o sujeito que tiver proposto sua demanda individual, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir da ciência, os autos da causa individual, da pendência da ação coletiva. Significa que o indivíduo só pode beneficiar-se da coisa julgada coletiva, caso tenha, dentro do referido prazo, requerido a suspensão de seu processo.
Por sua vez, o §1º, do art. 22, da Lei 12.016/09 estabelece que cabe ao indivíduo, para beneficiar-se da coisa julgada coletiva, desistir de seu mandado de segurança. Em vez de pedir a suspensão do processo individual, o sujeito terá de desistir de seu writ. Embora o texto do dispositivo da lei do mandado de segurança refira-se à desistência, cumpre conferir interpretação sistêmica para se entender que cabe ao demandante individual pedir a suspensão de seu processo, a fim de que possa beneficiar-se da coisa julgada coletiva” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo – 13ª. Edição, totalmente reformulada, Rio de Janeiro, Forense, 2016, pp. 599/600).
A despeito da clareza do posicionamento, o fato é que a interpretação adotada pelo ilustre professor é contra legem. Afinal, afronta a literalidade da determinação do dispositivo legal. Por isso, há necessidade de alteração legislativa, a fim de uniformizar o entendimento quanto à suspensão do mandado de segurança individual, tal como se dá na sistemática do Código de Defesa do Consumidor.
8. O problema do termo inicial dos efeitos financeiros da concessão de ordem mandamental
Ao contrário das questões suscitadas acima, o tema, aqui, envolve uma interpretação jurisprudencial, adotada pela Corte Especial do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que é contrária ao dispositivo legal expresso do art. 14, § 4o, da Lei 12.016/2009, bem como a entendimentos sumulados do Supremo Tribunal Federal.
A esse respeito, confira-se o mencionado precedente da Corte Especial do STJ, que assevera que os efeitos financeiros da concessão da ordem “retroagem à data do ato impugnado”, in verbis:
“DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EFEITOS FINANCEIROS DA CONCESSÃO DE ORDEM MANDAMENTAL CONTRA ATO DE REDUÇÃO DE VANTAGEM DE SERVIDOR PÚBLICO.
Em mandado de segurança impetrado contra redução do valor de vantagem integrante de proventos ou de remuneração de servidor público, os efeitos financeiros da concessão da ordem retroagem à data do ato impugnado. Não se desconhece a orientação das Súmulas n. 269 e 271 do STF, à luz das quais caberia à parte impetrante, após o trânsito em julgado da sentença mandamental concessiva, ajuizar nova demanda de natureza condenatória para reivindicar os valores vencidos em data anterior à impetração do mandado de segurança. Essa exigência, contudo, não apresenta nenhuma utilidade prática e atenta contra os princípios da justiça, da efetividade processual, da celeridade e da razoável duração do processo. Ademais, essa imposição estimula demandas desnecessárias e que movimentam a máquina judiciária, de modo a consumir tempo e recursos de forma completamente inútil, e enseja inclusive a fixação de honorários sucumbenciais, em ação que já se sabe destinada à procedência. Corroborando esse entendimento, o STJ firmou a orientação de que, nas hipóteses em que o servidor público deixa de auferir seus vencimentos ou parte deles em razão de ato ilegal ou abusivo do Poder Público, os efeitos financeiros da concessão de ordem mandamental devem retroagir à data do ato impugnado, violador do direito líquido e certo do impetrante. Isso porque os efeitos patrimoniais são mera consequência da anulação do ato impugnado que reduz o valor de vantagem nos proventos ou remuneração do impetrante (MS 12.397-DF, Terceira Seção, DJe 16/6/2008). Precedentes citados: EDcl no REsp 1.236.588-SP, Segunda Turma, DJe 10/5/2011; e AgRg no REsp 1.090.572-DF, Quinta Turma, DJe 1º/6/2009. EREsp 1.164.514-AM, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015, DJe 25/2/2016”
Com a devida vênia, o entendimento adotado traz insegurança jurídica. Afinal, como bem destaca, em sua obra, o autor Márcio André Lopes Cavalcanti, “deve-se ter muito cuidado com este entendimento. Isso porque, apesar de ele ter sido proferido pela Corte Especial do STJ, ele é contrário às Súmulas 269 e 271 do STF e ao art. 14, § 4o, da Lei do MS” (CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Vade Mecum de jurisprudência dizer o direito – 2. ed. ver. ampl. – Salvador: JusPodivm, 2017, pp. 571/572).
De fato, o precedente contraria, frontalmente, o dispositivo legal do art. 14, § 4o, da Lei 12.016/2009, que prevê a retroação apenas até a data do ajuizamento da inicial. Confira-se:
Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.
§ 4o O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial.
Além disso, afronta as Súmulas 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal, que estabelecem:
“Súmula 269. O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança”
“Súmula 271. Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria”
A solução, neste caso, não passa por uma alteração legislativa, obviamente. O que se espera é um maior respeito, no sentido de obediência, à escolha do legislador e à própria jurisprudência dos tribunais superiores, sob pena de constante insegurança jurídica e ofensa à isonomia.
O mandado de segurança é um instituto processual de suma relevância. É estudado por diversas disciplinas dentro da ciência do Direito, como o Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito Processual Civil, Processual Penal e Processual do Trabalho. A garantia de celeridade traz uma inequívoca atração à sua utilização.
Há, no entanto, a necessidade atual de aparar algumas arestas criadas pela própria jurisprudência. A premissa de que a ação mandamental é um direito personalíssimo, por exemplo, deve ser extirpada, com a devida vênia. O comprometimento da razoabilidade em detrimento da celeridade, como no caso da sucessão processual, é também considerado um equívoco, com amparo na doutrina majoritária.
Por óbvio, algumas das sugestões divulgadas nesta obra apenas podem se dar por alteração legislativa, o que, diga-se, seria salutar para atualizar e adequar a Lei do Mandado de Segurança ao Novo Código de Processo Civil. Entretanto, destacou-se a questão dos efeitos financeiros da concessão mandamental, tema em que a jurisprudência vem desconsiderando a regra expressa na Lei de Mandado de Segurança, o que, com a devida vênia, gera inequívoca insegurança jurídica.
O que se espera com esta obra, portanto, é suscitar uma reflexão quanto à possibilidade de alteração legislativa na Lei do Mandado de Segurança, a fim de incorporar alguns posicionamentos doutrinários relevantes, repensando algumas premissas ultrapassadas. Além disso, espera-se que os precedentes passem a seguir numa única direção, ao invés de oscilações constantes.
10. Referência bibliográficas
ALVIM, Eduardo Arruda. Mandado de Segurança: de acordo com a lei federal no 12.016/2009, de 07/08/2009 – 3 ed. ref. atualizada – Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2014.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Vade Mecum de jurisprudência dizer o direito – 2. ed. ver. ampl. – Salvador: JusPOdivm, 2017.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo – 13ª. Edição, totalmente reformulada, Rio de Janeiro, Forense, 2016.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal/ Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha – volume 3, 14ª edição reformada – Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
DIDIER JR., Fredie. ARAÚJO, José Henrique Mota. CUNHA, Leonardo Carneiro da. RODRIGUES, Marco Antônio. (Coordenadores). Fazenda Pública. In: Coleção Repercussões do Novo CPC, v.3; coordenador geral, Fredie Didier Jr. 2ª edição, revista, ampliada e atualizada, Salvador: Juspodvm, 2016.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado – 20ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2016 (Coleção Esquematizado).
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Leis 13.105/2015 e 13.256/2016. 3ª edição revista, ampliada e atualizada, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2016.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Resp 997623 MT. Relator Min. Luiz Fux. Julgamento 02.06.2009. Órgão Julgador 1ª Turma, julgado visualizado em 21.9.2017 no seguinte link: http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.1:acordao;resp:2009-06-02;997623-946727.
[1] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo – 13ª. Edição, totalmente reformulada, Rio de Janeiro, Forense, 2016, pp. 533/535.
[2] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo – 13ª. Edição, totalmente reformulada, Rio de Janeiro, Forense, 2016, p. 535.
[3] ALVIM, Eduardo Arruda. Mandado de Segurança: de acordo com a lei federal no 12.016/2009, de 07/08/2009 – 3 ed. ref. atualizada – Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2014, p. 434.
Advogado. Pós-graduado em LLM LITIGATION - Novos Desafios dos contenciosos pela Fundação Getúlio Vargas - FGV-Direito, em 2010. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio, dezembro de 2007.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Bruno Fonseca de. Aspectos polêmicos do Mandado de Segurança e a necessária atualização legislativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 out 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50727/aspectos-polemicos-do-mandado-de-seguranca-e-a-necessaria-atualizacao-legislativa. Acesso em: 08 nov 2024.
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