Karine Alves Gonçalves Mota[1]
RESUMO: O rito próprio da execução da pensão alimentícia para que busque maior eficácia autoriza a prisão civil do devedor. Ocorre que a coerção feita pelo Estado determinando a prisão nem sempre garante o cumprimento da obrigação alimentar. Se de um lado o devedor se submete a encarceramento por muitas vezes não ter dinheiro para realizar o pagamento, de outro lado o alimentando sofre com o não recebimento da verba necessária ao seu sustento. Com esse pano de fundo se desenvolveu essa pesquisa que teve por objetivo analisar a legalidade do bloqueio e penhora do sado do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS para pagamento de débitos alimentares, em razão da mitigação do rol de hipóteses de levantamento do FGTS existente na legislação, entendendo que o mesmo é apenas exemplificativo.
PALAVRAS-CHAVE: Alimentos. Dignidade da pessoa humana. Penhora. FGTS. Prisão Civil.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. DOS ALIMENTOS NO DIREITO CIVIL; 2. DA AÇÃO DE ALIMENTOS E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; 3. DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
A legislação brasileira vem buscando diversas formas para tentar solucionar um problema recorrente no âmbito judicial, o inadimplemento da obrigação alimentícia.
Como é sabido ninguém sobrevive sem alimentos, sejam eles naturais ou civis, por conta disso a jurisprudência vem debatendo sobre “novos métodos” a fim de solucionar estes óbices. Diariamente pedidos são interpostos perante o judiciário buscando a tutela de alimentos, visando à garantia da qualidade de vida e da sobrevivência do alimentado.
Com o advento do novo código de processo civil, algumas possibilidades ganharam aplicação mais efetiva, visando elucidar as lides em razão do inadimplemento de a obrigação alimentar. São elas, a possibilidade de protesto judicial, o desconto de até 50% dos vencimentos líquidos do devedor diretamente em folha de pagamento, a prisão civil (referente às três últimas prestações vencidas e às vincendas) e a penhora. Ocorre que estes novos mecanismos, não estão tendo a efetividade que lhe foram previstas.
Assim sendo, uma possibilidade escolhida e que será abordado no presente artigo é a legalidade da penhora do saldo do fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS) do executado por divida alimentar, como solução alternativa do litigio, haja vista que em algumas situações os tribunais competentes admitem esta possibilidade, se baseando na mitigação dos princípios constitucionais.
1 DOS ALIMENTOS NO DIREITO CIVIL
A palavra alimento tem origem do latim nutriens, que significa “aquele que alimenta”.[2] Para o ordenamento jurídico brasileiro, a expressão alimentos vem adquirindo dimensão cada vez mais abrangente. Engloba tudo que é necessário, para que o indivíduo possa viver com dignidade. “São prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. Têm por finalidade fornecer a um parente, cônjuge ou companheiro o necessário à sua subsistência”. (GONÇALVES, Carlos Roberto. 2012. p.427).
O alargamento do conceito de alimentos levou a doutrina distinguir alimentos civis e naturais. Naturais, seriam os alimentos indispensáveis para garantir a subsistência, como alimentação, vestuário, saúde, educação, habitação e etc. “Quanto ao conteúdo, os alimentos abrangem, assim, o indispensável ao sustento, vestuário, habitação, assistência médica, instrução e educação”. (GONÇALVES, Carlos Roberto, 2012. P. 432).
Alimentos civis destinam-se a manter qualidade de vida do credor, de modo a preservar o mesmo padrão e status social do alimentante. Leciona Yussef Cahali,
[...], todavia, se abrangentes de outras necessidades, intelectuais e morais, inclusive recreação do beneficiário, compreendendo assim o necessarium personae e fixados segundo a qualidade do alimentando e os deveres da pessoa obrigada, diz-se que são alimentos civis. (CAHALI, Yussef. 2009. p.18).
No âmbito das relações de família, os alimentos comportam classificações segundo diversos critérios. São devidos por vínculos de parentalidade, afinidade e até por dever de solidariedade. A imposição do dever de alimentar busca preservar o direito à vida que é assegurado constitucionalmente, artigo 5°, caput da constituição federal de 1988. “O dever de prestar alimentos, funda-se na solidariedade humana e econômica que deve existir entre os membros da família ou os parentes”. (GONÇALVES, Carlos Roberto, 2012. p. 433).
O doutrinador Paulo Nader, conceitua família, como “uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente descendem uma da outra ou de um tronco comum. (NADER, Paulo. 2016. p. 40).
A pretensão aos alimentos é de natureza personalíssima, isto é, não pode ser objeto de cessão entre vivos ou de sucessão hereditária. A lei admite, todavia, que o debito de alimentos seja objeto de sucessão, assumindo os herdeiros do devedor o encargo de paga-los, no limite das forças da herança, proporcionalmente as quotas hereditárias.
O direito a alimentos não pode ser transferido a outrem a outrem, na medida em que visa preservar a vida e assegurar a existência do indivíduo que necessita de auxílio para sobreviver. Em decorrência direta de seu caráter personalíssimo, é direito que não pode ser objeto de cessão nem se sujeita a compensação, a não ser em casos excepcionais em que se reconhece caráter alimentar a pagamentos feitos a favor do alimentando. (DIAS, Maria Berenice. 2010. P 508).
Os alimentos assentam-se tradicionalmente no binômio necessidade/possibilidade. Exige-se a comprovação da necessidade de quem o reclama, não basta ser o titular do direito. No tocante a possibilidade do alimentante, a obrigação deve ser fixada conforme a condição econômica da pessoa a quem se reclama os alimentos, uma vez que o devedor não pode ser privado do necessário para seu sustento. Segundo, Maria Helena Diniz, deve haver uma proporcionalidade na fixação dos alimentos entre as necessidades do alimentado a situação econômica do alimentante, “[...] levando-se em conta que os alimentos são concedidos ad necessitatem”. (DINIZ. Maria Helena, 2005. p. 539).
Ante a importância do instituto dos alimentos, identificam-se dois parâmetros distintos de obrigações alimentares dos pais para com os filhos: um decorrente do pátrio poder, materializado na obrigação de sustento da prole enquanto menores; e outro genérico, fora do pátrio poder e vinculada à relação de parentesco em linha reta. Ambos têm na lei sua fonte mediata.
Entre pais e filhos menores, cônjuges e companheiros não existem propriamente obrigação alimentar, mas dever familiar, respectivamente de sustento e de mútua assistência. “A obrigação alimentar também decorre da lei, mas é fundada no parentesco [...] tendo por fundamento o princípio da solidariedade familiar”. (GONÇALVES, Carlos Roberto, 2012. p. 439).
A incumbência de amparar aqueles que não podem prover à própria subsistência é de responsabilidade do Estado, este transfere, as pessoas que pertencem ao mesmo grupo familiar, as quais, por um imperativo da própria natureza, tem o dever moral, convertido em obrigação jurídica, de prestar auxilio aos que, por enfermidade ou por outro motivo justificável, dele necessitem. Silvio Rodrigues esclarece que,
A tendência moderna é a de impor ao Estado o dever de socorro dos necessitados, tarefa que ele se desincumbe, ou deve desincumbir-se, por meio de sua atividade assistencial. Mas, no intuito de aliviar-se desse encargo, ou na inviabilidade de cumpri-lo, o Estado o transfere, por determinação legal, aos parentes, cônjuges ou companheiro do necessitado, cada vez que aqueles possam atender a tal incumbência. (RODRIGUES, Silvio. 2004. P. 373).
2 DA AÇÃO DE ALIMENTOS E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
A ação de alimentos prevista na Lei nº 5478/1968, conhecida como lei de alimentos, é o meio processual especifico posto a disposição daquele, por vinculo de parentesco ou pelo matrimonio (agora também por união estável), o direito de reclamar em face de outrem o cumprimento do dever de pagar pensão alimentícia. Ocorre que por ser uma lei muito antiga, sofreu diversas alterações ao longo do tempo, em decorrência das legislações posteriores, como o código civil de 2002 e mais recentemente o novo código de processo civil de 2015.
O CPCP/15 trouxe alterações importantes concernentes ao instituto de pensão alimentícia, na busca de consequências mais severas ao devedor de alimentos, com a finalidade uma maior segurança aos beneficiários da prestação alimentar. O referido código também deixou bem claro sobre a possibilidade de a execução da prestação de alimentos ser promovida com base tanto em título executivo judicial, como em extrajudicial. O cumprimento de sentença para dar satisfação a crédito alimentício encontra-se regulado pelos artigos 528 a 533, e o de verba da mesma natureza constante de título extrajudicial, pelos artigos 911 a 913. Em ambos os casos ocorre execução por quantia certa, com variações procedimentais para atender as peculiaridades do regime de direito material a que se acham sujeitas as obrigações da espécie.
Acerca do rito processual previsto no artigo 528 do Código de Processo Civil, Daniel Amorim Assumpção Neves afirma,
No tocante às decisões judiciais, essa espécie de execução não necessita estar fundada em sentença civil condenatória, podendo ser aplicada também às decisões interlocutórias que determinem a condenação ao pagamento de alimentos provisionais ou provisórios ainda que essa distinção terminológica tenha perdido sentido com o Novo CPC, que não prevê mais a ação cautelar de alimentos provisionais (alimentos ad litem). É justamente nesse sentido a previsão do art. 528, caput, do Novo CPC, ao prever a executabilidade de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. 2016. p. 22140).
No que tange a execução de alimentos no procedimento extrajudicial, Humberto Theodoro Junior leciona,
O art. 911 do NCPC institui um procedimento especial para a execução de Alimentos, quando o credor se basear em título executivo extrajudicial (contrato, acordo etc.). É bem verdade que a execução da prestação alimentícia fixada em título extrajudicial poderia ser tratada apenas como uma execução por quantia certa subordinada ao mesmo procedimento das demais dívidas de dinheiro (art.913).Porém, dada a relevância do crédito por alimentos e as particularidades481.das prestações a ele relativas, o Código permite medidas tendentes a tornar mais efetiva a execução e a atender a certos requisitos da obrigação alimentícia, que vão além das cabíveis na execução comum de quantia certa. (Theodoro Júnior, Humberto. 2016. p.823.)
A Constituição Federal, em seu artigo 5º inciso LXVII, dispõe a respeito da prisão civil do devedor de alimentos no caso de inadimplemento involuntário e imperdoável da verba alimentar. Apesar de estar constitucionalmente prevista, o que acontece na prática é que, muitos devedores de alimentos são presos e, mesmo assim, não efetuam o pagamento da dívida. Nesses casos, por exemplo, a prisão civil acaba por ter um efeito contrário, uma vez que agravará a situação do credor e também do devedor.
No novo código processo civil, consta tipificado no artigo 528, parágrafo 4º, a prisão civil do devedor em regime fechado, com a condição de que serão separados dos presos comuns. “Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. (...) § 4º A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns”.
Na realidade, antes da previsão do novo código a prisão já era realizada em regime fechado, todavia, o legislador preocupou-se em trazer expressamente o tipo de regime imposto ao devedor de alimentos, para sanar qualquer controvérsia judicial.
Assim como já estabelecia a Súmula 309 do STJ, o Código de Processo Civil de 2015, introduziu o § 7º ao artigo 528, prevendo que a prisão civil não extinguirá o débito, será somente possível nos casos de cobrança das três ultimas prestações vencidas: “§ 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.
Ocorre que recentemente, o STJ entendeu que devedor de alimentos não pode ser preso novamente por não pagamento da mesma dívida.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade de votos, concedeu ordem de habeas corpus a um devedor de alimentos para afastar prisão relativa a dívida pela qual já havia cumprido a pena de prisão. O caso envolveu ação de cumprimento de sentença relativa a alimentos não pagos pelo paciente à ex-esposa. O alimentante chegou a ser preso por 30 dias por estar impossibilitado de pagar a pensão em parcela única. Após o cumprimento da pena restritiva de liberdade, ele foi solto. A ex-mulher, então, reiterou o pedido de prisão pela mesma dívida, que foi deferido pelo juízo da execução e confirmado pelo Tribunal de Justiça, determinando, ao final, a medida restritiva de liberdade por mais 30 dias. Sentença cumprida. No STJ, ministro Villas Bôas Cueva, relator, entendeu pela concessão da ordem. O Ministro reconheceu a possibilidade de se prorrogar o pedido de prisão em curso como meio eficaz de coação para a quitação do débito, desde que observado o limite temporal. Todavia, como o ex-marido já havia cumprido o período prisional fixado, a segunda prisão corresponderia a uma sobreposição de pena, um verdadeiro bis in idem.[3] [4]
O referido posicionamento do STJ demonstra que apesar das inovações trazidas pelo CPC/15, a satisfação do crédito alimentar não esta ocorrendo de fato.
Outra forma de dar mais efetividade a cobrança de alimentos, é a possibilidade de protesto judicial da decisão em caso de inadimplemento, o qual deixará o devedor com o “nome sujo” na praça. “§ 1º Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517”.
Consequentemente, a partir das novas regras, o juiz verificando o inadimplemento do devedor, efetuará o protesto, quer dizer, caso o executado no prazo de três dias não efetue o pagamento, e não prove que o efetuou, e ainda assim não apresente justificativa, terá seu nome incluído no banco de dados do SPC e SERASA, gerando o cadastro de inadimplência.
Além do mais, o § 3º do artigo 529, acrescentou a possibilidade de desconto em folha do devedor, no percentual de até 50% de seus vencimentos líquidos. Assim, na prática, o devedor de alimentos, poderá ter além dos 30% permitidos, mais 20% descontado de seu salário até quitar o débito. Conforme mencionado: “Art. 529, § 3º Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos”.
O salário líquido, nesse caso, equivale ao que o devedor recebe, descontados apenas, taxas legais e contratuais com o empregador. Isto é, nesse limite de desconto de 50% não se leva em consideração se o devedor outro tipo de crédito. O valor a ser considerado é o do salário bruto, subtraídos os descontos legais. Nesses casos, até mesmo a conta bancária do devedor pode ser bloqueada.
Embora que a pensão alimentícia tenha sido fixada entre as partes em um trato extrajudicial, por exemplo, por meio de contratos ou mediação, no caso de qualquer descumprimento são válidas as mesmas regras da cobrança judicial. No CPC/73, o antigo código, seria preciso, primeiro, reconhecer judicialmente esse trato, porém agora é desnecessário.
Diante o exposto, verifica-se que com as inovações introduzidas pelo novo CPC revelam a preocupação do legislador em buscar meios de efetivar a satisfação do direito do alimentado, criando mecanismos que façam com que o alimentante tenha verdadeiro receio no caso de ficar devendo a pensão alimentícia e passe a cumprir fielmente a sua obrigação.
Acontece que mesmo com as inúmeras alterações feitas na legislação, continua fatigante a busca pela satisfação da pensão alimentícia. Em razão disso vem surgindo na jurisprudência possibilidade de penhorar os valores do fundo de garantia de tempo de serviço com o objetivo de satisfazer os inadimplementos.
3 DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o popular FGTS, se inseriu no ordenamento jurídico brasileiro, com uma finalidade diferente, da aplicada na atualidade.
A princípio foi idealizado como um regime alternativo à estabilidade no emprego, assegurada pelo art. 157, XII, da Constituição de 1946 e regulada pelos artigos 492 a 500 da CLT. Naquela época o regime foi bastante criticado, pois vários empregadores procuravam sabotá-lo, dispensando o empregado em vias de completar 10 anos de serviço na mesma empresa para, logo após, readmiti-lo.
Por exemplo, quando um empregado chegava a nove anos de trabalho, ele corria o risco de ser dispensado para que a empresa não pagasse a indenização. Sem falar que alguns profissionais, quando alcançavam a estabilidade após dez anos no emprego, poderiam deixar de procurar um emprego com salário mais atraente e até condições um pouco melhores de trabalho, já que miravam a indenização.
Em 1966, em meio a ditadura militar, foi criada a Lei de n° 5107, conhecida como a lei do FGTS, com o objetivo de proteger o trabalhador demitido sem justa causa. E na Constituição de 1967, o inciso XIII do art. 158 previu “estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido, ou fundo de garantia equivalente”.
Com a elaboração da constituição de 1988, o FGTS foi instituído como direito do trabalhador urbano e rural, com fulcro no Art. 7º “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: III - fundo de garantia do tempo de serviço. ” CRFB/88.
Atualmente, regido pela Lei nº 8.036/90[5], que substituiu a revogada lei n°, 5107/1966, e pelo Decreto nº 99.684, de 8 de novembro de 1990, o FGTS é constituído por saldos de contas vinculadas aos trabalhadores e ainda de outros recursos incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros de modo assegurar a cobertura de suas obrigações.
Os recursos arrecadados pelo Fundo se destinam tanto ao trabalhador quanto ao fomento de programas governamentais que visam ao desenvolvimento econômico e social do país, como a implementação de políticas públicas de habitação, saneamento básico e infraestrutura urbana.
Mauricio Godinho Delgado discorre dizendo que,
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço consiste em recolhimentos pecuniários mensais, em conta bancária vinculada em nome do trabalhador, conforme parâmetro de cálculo estipulado legalmente. Podendo ser sacado pelo obreiro em situações tipificadas pela ordem jurídica. Sem prejuízo de acréscimo percentual condicionado ao tipo ele rescisão de seu contrato laborativo, formando, porém, o conjunto global e indiferenciado de depósitos um fundo social de destinação legalmente especificada. (DELGADO, Mauricio Godinho, 2015, p. 1369).
Terão direito aos depósitos, os trabalhadores regidos pela CLT que firmarem contrato de trabalho a partir de 05/10/1988, bem como os trabalhadores rurais, os temporários, os avulsos, os safreiros, e os atletas profissionais. Antes da data mencionada, a opção do FGTS era facultativa. O diretor não empregado poderá ser equiparado aos demais trabalhadores sujeitos ao regime do FGTS. No ano de 2015, com o advento da lei complementar nº 150, o empregado doméstico, assim como os demais também terá direito ao fundo de garantia por tempo de serviço.
O valor do depósito será o correspondente a 8% (oito por cento) e incidirá sobe salário bruto pago ao trabalhador, com a carteira devidamente assinada, deduzido da remuneração percebida pelo empregado, ou seja, os salários, as diárias que excederem 50 % (cinquenta por cento) do salário e abonos. Recairá também sobre o 13º (décimo terceiro) salário conforme art. 15 da Lei nº 8.036/90, gratificações, comissões, adicionais, licença prêmio, sobre as parcelas in natura pagas ao empregado com habitualidade, como habitação, alimentação etc., porém haverá necessidade de se apurar o valor da utilidade.
A jurisprudência do TST firmou-se no sentido de que incide FGTS sobre o aviso-prévio indenizado, pois o referido aviso se incorpora ao tempo de serviço para todos os efeitos (Súmula 305 do TST), tal como as horas extras (Súmula 63 do TST). Os vales transportes e as bolsas de aprendizagem são isentos da dedução da alíquota do FGTS, assim como a indenização paga ao empregado.
Para os contratos de trabalho firmados nos termos da Lei n° 11.180/05[6], contrato de aprendizagem, o percentual é reduzido para 2%. E por fim no caso de trabalhador doméstico, o recolhimento é correspondente a 11,2%, sendo 8% a título de deposito mensal e 3,2% a título de antecipação do recolhimento rescisório. Importante ressaltar que o valor do FGTS não é descontado do salário, pois o deposito é uma obrigação do empregador.
Os valores pertinentes aos depósitos não recolhidos deverão ser pagos e creditados na conta vinculada do empregado, sendo vedado o pagamento direto ao trabalhador. O art. 18 da Lei na 8.036/90 determina que a empresa deposite na conta vinculada do trabalhador; na rescisão do contrato de trabalho, os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior que ainda não houverem sido recolhidos.
O FGTS deverá ser depositado, obrigatoriamente na conta do empregado em caso de prestação de serviço militar, licença para tratamento de saúde de até quinze dias, licença por acidente de trabalho, licença à gestante, licença-maternidade, sendo que se houver aumento geral na empresa ou na categoria à que pertence o trabalhador a base de cálculo deverá ser revista.
A Lei 8036/90, que regula o FGTS, dispõe que o mesmo, é constituído por saldos das contas vinculadas, e outros recursos a elas incorporados, devendo ser aplicado com atualização monetária e juros, de modo a garantir suas obrigações, e consequentemente impenhoráveis (art. 2º, § 2º).
A referida lei, também estabelece as situações para realização do saque do saldo disponível (art 20 da referida lei e art. 35 do decreto 99.684/90), enfatizando demissão sem justa causa como fato motivador do saque amparado em um direito social e na dignidade da pessoa humana que autorizam ao trabalhador dispor do montante em depósito, tal como para o provimento do direito à moradia (incisos V, VI, VII); do direito à saúde (inciso XI), do direito à vida (inciso XIII, XIV); no caso fortuito ou força maior (incisos, II, X) e na necessidade grave (inciso XVI).
Considerando as circunstancias o legislador, acabou deixando de fora do rol do artigo 20 da lei do FGTS, algumas hipóteses prováveis de enquadramento de direitos fundamentais que mereciam sua inclusão. Tal fato faz com que frequentemente o judiciário esteja analisando inúmeros pedidos viabilizando a penhora dos valores em conta, visando à garantia da obrigação alimentar.
O saque em decorrência do inadimplemento do pagamento de pensão alimentícia, não esta disposto no citado rol, mas por se tratar de um direito fundamental, a jurisprudência vem adotando o posicionamento, de que a julgar o caso concreto, o saldo poderá ser penhorado, considerando que as situações descritas no referido artigo não são taxativas, e sim, meramente exemplificativas.
Considera-se exemplificativo, o rol em que as hipóteses tipificadas em lei, não são restritas, onde há possibilidade do julgador enquadra-la quando entender ser devida.
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE DÉBITO ALIMENTAR - PENHORA DENUMERÁRIO CONSTANTE NO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS) EM NOME DO TRABALHADOR/ALIMENTANTE - COMPETÊNCIA DAS TURMAS DASEGUNDA SEÇÃO - VERIFICAÇÃO - HIPÓTESES DE LEVANTAMENTO DO FGTS - ROL LEGAL EXEMPLIFICATIVO - PRECEDENTES - SUBSISTÊNCIA DOALIMENTANDO - LEVANTAMENTO DO FGTS - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES -RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - A questão jurídica consistente na admissão ou não de penhora de numerário constante do FGTS para quitação de débito, no caso, alimentar, por decorrer da relação jurídica originária afeta à competência desta c. Turma (obrigação alimentar), deve, de igual forma ser conhecida e julgada por qualquer dos órgãos fracionários da Segunda Seção desta a. Corte; II - Da análise das hipóteses previstas no artigo 20 da Lei n. 8.036 /90, é possível aferir seu caráter exemplificativo, na medida em que não se afigura razoável compreender que o rol legal abarque todas as situações fáticas, com a mesma razão de ser, qual seja, a proteção do trabalhador e de seus dependentes em determinadas e urgentes circunstâncias da vida que demandem maior apoio financeiro; III - Irretorquível o entendimento de que a prestação dos alimentos, por envolver a própria subsistência dos dependentes do trabalhador, deve ser necessariamente atendida, ainda que, para tanto, proceder-se-á o levantamento do FGTS do trabalhador; IV - Recurso Especial provido.( STJ - RECURSO ESPECIAL RESP 1204472 RS 2010/0142633-8 (STJ). Publicação em: 07/04/2010)[7]
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. VALORES NA CONTA DO FGTS E DO PIS DO EXECUTADO. POSSIBILIDADE DE PENHORA. INEXISTÊNCIA DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA.
O rol das hipóteses para movimentação do FGTS, previsto no art. 20 da Lei n.º 8.036/90, não é taxativo, sendo cabível a penhora de saldo existente para satisfazer débito alimentar, mormente quando o executado não indica outros bens passíveis de penhora. Precedentes desta Corte de Justiça e do STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70055807432, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 26/09/2013).[8]
Ressalta-se que o entendimento dos tribunais superiores costuma, se pautar na mitigação em razão dos princípios e direitos fundamentais constitucionais, notadamente pelo princípio da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e dos direitos sociais.
Princípios são considerados um conjunto de normas ou padrões de conduta, a serem seguidos por uma pessoa ou instituição. O sistema jurídico brasileiro (assim como os demais sistemas constitucionais contemporâneos) é interpretável, a partir da ideia de sistema hierarquicamente organizado, no qual se tem no topo da hierarquia a constituição da republica, “art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político”. Portanto qualquer exame de norma jurídica infraconstitucional deve iniciar, da norma máxima, daquela que ira iluminar todo o sistema normativo.
O Desembargador e também doutrinador, Rizzato Nunes em sua obra acredita que,
[...] o princípio funciona como vetor para o interprete. O jurista na analise de qualquer problema jurídico, por mais trivial que ele possa ser, deve, preliminarmente, alçar-se ao nível dos grandes princípios, a fim de verificar a direção que eles apontam. Nenhuma interpretação será havida por jurídica se atritar com um principio constitucional. (NUNES, Rissato. 2009. P. 39).
O texto constitucional brasileiro não apresenta previsão expressa a respeito do principio da proporcionalidade, como fazem as constituições de outras nações. Todavia, isso não impede seu reconhecimento, uma vez que, ele é imposição natural de qualquer sistema constitucional de garantias fundamentais. “Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorre o antagonismo entre direitos fundamentais [...]”. (BONAVIDES, Paulo. 2004. P.425). Isto é, ele se impõe no ordenamento jurídico como instrumento de resolução de conflito entre princípios.
A dignidade é absoluta, plena e não pode sofrer arranhões nem ser vitima de argumentos que coloquem num relativismo. Posto isto, o principio da dignidade da pessoa humana, é utilizado como o principal meio de interpretação de todos os direitos e garantias conferidos as pessoas. Ele não pode ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas. Preleciona Alexandre de Moraes,
[...] a dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES, Alexandre. 2003. P.41)
Ainda que a lei do FGTS em seu rol meramente exemplificativo, não tenha previsto o saque no caso de inadimplemento da pensão alimentícia, e até mesmo considere a conta do trabalhador impenhorável, a depender do caso concreto, pode sim o julgador, baseado em princípios constitucionais, determinar tal penhora ou saque, a verificar a necessidade do alimentado.
O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina tem se acordado no sentido de a penhora do FGTS ser a última oportunidade, quando não se conseguir êxito por meio da prisão civil, penhora de valores em contas pessoais ou até mesmo penhora de bens móveis e imóveis em nome do executado, como se examina a seguir:
CIVIL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DECISÃO INDEFERITÓRIADE PENHORA DE SALDO EXISTENTE EM CONTA VINCULADAAO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS). MEDIDA EXTREMA E CONDICIONADA ÀS PECULIARIDADES DOCASO. AUSÊNCIA DE BENS PARA A GARANTIA DOPAGAMENTO DA DÍVIDA ALIMENTAR. PROTEÇÃO AO DIREITO DE SUBSISTÊNCIA DA ALIMENTANDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA QUE SE SOBREPÕE ÀPRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO DO DEVEDOR. RECURSOPROVIDO. A penhora de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em regra, não é admitida. Entretanto, no caso de inadimplemento de pensão alimentícia, quando esgotadas as possibilidades de satisfação da dívida, pode ser realizada. Há, nesses casos, mitigação do rol taxativo previsto no art. 20 da Lei n.8.036/90, dada a incidência dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2011.011774-9, de Lages, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. 02-02-2012). [9]
Desse modo, com base nas análises jurisprudenciais, nota-se, que somente será cabível a penhora dos valores referentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço do executado quando não houver outros meios para quitar a dívida alimentar, pois o princípio da dignidade da pessoa humana se sobrepõe à preservação do patrimônio e dos valores do FGTS do executado, em razão do exame do principio da proporcionalidade aplicado ao caso.
Resta frisar que se trata de uma medida extrema, pois ainda não há previsão legal, essa possibilidade alternativa de solução do conflito, fica condicionada à comprovação de que não há outros meios para quitação da dívida alimentícia, pois o direito do alimentado em decorrência de suas necessidades é vista em primeiro plano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme exposto, o ser humano não pode viver sem alimentos, sejam eles naturais ou civis, pensando nisso, o presente artigo, buscou verificar a legalidade da penhora do saldo do fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS) em razão do inadimplemento do devedor de alimentos, buscando evidenciar uma alternativa que já vem sendo utilizada por alguns tribunais, na tentativa de solucionar um problema comum perante o judiciário brasileiro.
O FGTS constitui-se em fundo que pode ser sacado em hipóteses (meramente exemplificativas) previstas em lei, para proveito do trabalhador, e também utilizado pelo governo para valer-se de fomento para programas governamentais que visam ao desenvolvimento econômico e social do país.
Evidenciou-se que a legislação em vigor, o Código de Processo Civil de 2015, inovou trazendo mecanismos a fim de tentar coibir o inadimplemento da pensão alimentícia. Ocorre que na pratica, a efetividade não acontece, consequentemente, alimentados continuam sendo lesados, em decorrência da falta de cumprimento da obrigação alimentar.
Percebeu-se então que apesar do saldo do FGTS ser impenhorável conforme previsão legal (Lei 8036/90), o direito do alimentado se sobrepõe, baseado da mitigação de princípios constitucionais, sendo eles, o princípio da proporcionalidade e dignidade da pessoa humana.
Resta salientar que essa nova alternativa não buscar lesar o possuidor do fundo, mas apenas coibi-lo para cumprir com uma obrigação que lhe é devida. Deixando claro que essa penhora só ocorrerá após serem esgotadas todas as alternativas previstas em lei, para a satisfação de o débito alimentar.
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[1] Professora do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins; mestre em Direito pela Universidade de Marília e doutoranda em Tecnologia Nuclear IPEN/USP. E-mail: [email protected]
[2] Disponível em: <https://www.dicionarioetimologico.com.br/nutricao/> .Acessado em: 20/09/2017.
[3] Disponível em <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunicação/noticias/Notícias/Devedor-de-alimentos-não-pode-ser-preso-novamente-por-não-pagamento-da-mesma-dívida>. Acessado: 23 de setembro de 2017.
[4] O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
[5] Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências.
[7] Disponível em < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18729937/peticao-de-recurso-especial-resp-1204472/decisao-monocratica-104102848?ref=juris-tabs#> Acessado: 29 de setembro de 2017.
[8] Disponível em <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/113344825/agravo-de-instrumento-ai-70055807432-rs?ref=juris-tabs> Acessado: 29 de setembro de 2017.
[9] Disponível em: <https://tj-sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21243969/agravo-de-instrumento-ai-117749-sc-2011011774-9-tjsc> acessado: 29 de setembro de 2017.
Bacharelanda em Direito pela Faculdade Católica de Tocantins - TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Mariana Caitano da Silva. A legalidade da penhora do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço em razão do inadimplemento do devedor de alimentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50831/a-legalidade-da-penhora-do-fundo-de-garantia-do-tempo-de-servico-em-razao-do-inadimplemento-do-devedor-de-alimentos. Acesso em: 08 nov 2024.
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