RESUMO: O presente artigo mostra um estudo do princípio da capacidade contributiva, consagrado no artigo 145, § 1º da Constituição Federal Brasileira de 1988, como uma das limitações ao poder de tributar e um dos princípios gerais ordenadores do Sistema Tributário Nacional por parte do Estado. Para isso, o presente estudo aborda os aspectos históricos durante a evolução do princípio da capacidade contributiva no ordenamento jurídico brasileiro e também, aproveita para realizar um paralelo entre o este e os ordenamentos internacionais, como o ordenamento espanhol, português e italiano. O mencionado princípio defende que o Estado em sua função tributante, deverá respeitar a capacidade contributiva do indivíduo, não podendo onerá-lo de forma a atingir o mínimo vital para sua sobrevivência e de sua família. Pretende mostrar que a capacidade contributiva está intimamente relacionada ao princípio da isonomia, da legalidade e outros. Salienta-se que o princípio em voga constitui-se pressuposto de validade na delimitação da quantia a ser definida na cobrança de tributos, tornando-se um valor que conduz o Estado de Direito à concretização da justiça tributária a todos seus cidadãos. Trata também da questão das espécies de exações tributárias em que o princípio da capacidade contributiva irá ou não ser aplicado. E finalmente, o estudo busca examinar a verdadeira observância do princípio da capacidade contributiva no ordenamento jurídico brasileiro bem como sua aplicabilidade.
Palavras chave: Capacidade contributiva. Sistema tributário brasileiro. Princípios constitucionais.
Sumário: 1. Introdução. 2. O sistema tributário nacional e o princípio constitucional. 2.1. Função do princípio constitucional. 2.2. Valor do princípio constitucional. 2.3. Princípios e regras constitucionais. 3 O princípio da capacidade contributiva no Brasil: aspectos históticos. 3.1. Constituição do Império de 1824. 3.2. Constituição Brasileira de 1834. 3.3. Constituição Brasileira de 1946. 3.4. Constituição Brasileira de 1967. 3.5. Constituição Brasileira de 1988. 3.6. Esclarecimentos à parte histórica. 3.7. O princípio da capacidade contributiva no Direito Internacional. 4. O princípio da capacidade contributiva. 4.1. Destrinchando o princípio da capacidade contributiva a partir da dicção do art. 145, §1º, CF. 4.2. O princípio da capacidade contributiva e o princípio da pessoalidade. 4.3. O princípio da capacidade contributiva e o princípio da progressividade. 4.4. Relação do princípio da capacidade contributiva com alguns princípios do sistema tributário constitucional. 4.5. A quantia a ser desembolsada pelo sujeito passivo da obrigação tributária: a base de cálculo e a alíquota. 4.6. As espécies de exações tributárias em que o princípio da capacidade contributiva vai ou não ser aplicado. 4.6.1. A capacidade contributiva e os impostos. 4.6.2 A capacidade contributiva e as taxas. 4.6.3. A capacidade contributiva e as contribuições de melhoria. 4.6.4. A capacidade contributiva e as contribuições parafiscais. 4.6.5. A capacidade contributiva e os empréstimos compulsórios. 5 Os direitos fundamentais sobrepostos ao poder de tributar. 6. Supremacia constitucional limitadora do arbítrio do poder estatal. 7. Conclusão. 8. Referências.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 reintroduziu o princípio da capacidade contributiva no direito pátrio. Nele, deve tanto o legislador quanto o juiz atender a sua vontade diante da instituição de Lei Tributária ou de sua aplicação.
O princípio da capacidade contributiva é previsto de forma explícita na Lei Maior no seu artigo 145, § 1º, na Seção I, Capítulo I do Título VI. Indagamos: _ É o princípio da capacidade contributiva uma norma auto-executável? _ É uma diretriz do sistema constitucional aos legisladores ou já poderia ser aplicado pelos operadores do Direito, sem necessidade de regulamentação? Veremos no transcorrer desse estudo.
O presente trabalho procederá a uma análise do princípio da capacidade contributiva e sua aplicabilidade nas espécies tributárias.
Abordar o princípio da capacidade contributiva no sistema constitucional brasileiro implica colocar alguns conceitos precedentes, a fim de situar a questão no devido contexto.
A análise do fenômeno jurídico se dará sob enfoques diversos de interpretação.
Buscaremos demonstrar os critérios e os limites da nomenclatura jurídica: capacidade contributiva, para tanto, valeremo-nos do ponto de vista de uma gama de doutrinadores e de decisões amadurecidas nos nossos tribunais.
Nosso propósito aqui não é esgotar a matéria tocante à capacidade contributiva, mas sim, suscitarmos algumas críticas e fornecermos informações com vistas a clarear nosso conhecimento, concomitantemente, fomentando os trabalhos acadêmicos que envolvam temas afins com a matéria, tão importante na conjuntura atual brasileira.
Abordaremos o contexto histórico em que se deu o princípio em voga, sua abrangência no direito internacional, seu relacionamento com outros princípios constitucionais. Trataremos as espécies de exações tributárias em que o princípio da capacidade contributiva irá ou não ser aplicado.
Pincelaremos ao fim a utilidade e a importância deste princípio, com possibilidade de sua aplicação às relações jurídicas tributárias em diferentes espécies de tributos.
A garantia constitucional da capacidade contributiva é uma exigência da justiça fiscal, tutelada em prol dos contribuintes, protegendo-os da gulodice fiscal do Estado.
2 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL
O sistema tributário nacional foi instituído e regido pelo disposto na Emenda Constitucional n° 18 de 1/12/1965, que reformulou e ampliou as disposições do artigo 5º, inciso XV, alínea b, da extinta Constituição Federal de 1946. Na Constituição Federal de 1988, se encontra nos artigos 145 a 162. Nesta, temos o título VI - Da Tributação e do Orçamento - as normas gerais da repartição das competências tributárias, dos princípios tributários, das limitações ao poder de tributar e das partilhas do produto das arrecadações dos tributos.
A Lei Fundamental brasileira dispõe sobre um sistema tributário nacional, composto de tributos, e muito embora a Constituição diga que cabe a lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, os enunciados constitucionais já trazem embutidos no seu texto princípios constitucionais da tributação.
A Lei 5172/66, cujo Ato Complementar nº. 36 de 1967 a elevou a categoria de Lei Complementar, é imprescindível para o operador do direito, atuante no campo tributário, haja vista tratar-se do Código Tributário Nacional (CTN). Esta Lei é, juntamente com a Constituição, a base de onde o operador do direito irá estudar a matéria tributária no Brasil.
Já vem dada pelo constituinte a rigidez do sistema tributário brasileiro. A Constituição disciplina um grande número de normas tributárias e se limita a dar competências bastante estritas ao legislador ordinário.
Ensina Mota Filho (2006) que o Sistema Tributário Nacional, previsto constitucionalmente, se encontra subordinado a diversos princípios, que configuram concomitantemente, as garantias constitucionais do contribuinte, reconhecidas pelo art. 150 da Constituição Federal brasileira, e vedações constitucionais às entidades tributantes.
No nosso ordenamento tributário a Constituição e o Código Tributário Nacional são de fundamental importância para os tributantes, principalmente pelo fato de que para cumprirem com suas finalidades precisam arrecadar recursos que custearão as despesas públicas, e nisto, a maior parte da receita arrecadada provém da cobrança de tributos. Na consecução destes atos arrecadatórios os tributantes repartem para a sociedade o dever de arcar com os custeios públicos. E quem regulamenta a forma como deve ser operada a exigência desses tributos é exatamente a Constituição e o Código Tributário Nacional.
Cabe aqui dizer que a cobrança dos tributos necessariamente obedecerá às competências tributárias que a Constituição disciplinou.
É importante lembrar que, objetivando estabelecer diretrizes justas, como forma de arrecadar recursos da população, estas são inspiradas em idéias de cunho Socialista, como se pode observar no inciso I, do artigo 3º, do Ordenamento Maior, que prescreve os objetivos fundamentais do nosso Estado: “Construir uma sociedade livre, justa e solidária.” (BRASIL, 2009, p. 3)
Para se analisar, uma definição de princípio dentro da área jurídica, é necessário que sejam levantados, inicialmente, seus conceitos longe do direito propriamente dito.
Segundo Weiszflog (1999), etimologicamente, o termo princípio (do latim principium, principii) encerra a idéia de começo, origem, base. É compreendido como o ponto de partida e o fundamento de um processo qualquer. São proposições orientadores de uma ciência às quais todo o desenvolvimento posterior dessa deve estar subordinado.
De acordo com Marco (2008), no princípio repousa a essência de uma ordem, seus parâmetros fundamentais e direcionadores do sistema, constituem verdadeiras proposições lógicas, sendo os embasamentos do sistema jurídico.
É sabido que por mais bem formuladas que sejam as normas ou prescrições legais e constitucionais, tais poderão tomar os mais diferentes sentidos. Desta maneira, uma minuciosa atividade interpretativa, sempre será imprescindível para construir o seu melhor significado. Neste momento os princípios norteiam as interpretações.
No que tange aos princípios jurídicos, vale destacar o seguinte:
É, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no qual lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. (MELLO, 2003, p. 841-842)
Também Carrazza (2003, p. 32-33) contempla ainda quanto aos princípios:
Contemplando-o, o jurista não só encontra a ordem, na aparente complicação, como identifica, imediatamente, alicerces e vigas mestras. Ora, num edifício tudo tem importância: as portas, as janelas, as luminárias, as paredes, os alicerces etc. No entanto, não é preciso termos conhecimentos aprofundados de Engenharia para sabermos que muito mais importantes que as portas e janelas (facilmente substituíveis) são os alicerces e as vigas mestras (...) Pois bem, tomadas as cautelas que as comparações impõem, estes ‘alicerces’ e estas ‘vigas mestras’ são os princípios jurídicos, ora objeto de nossa atenção.
E ainda, segundo Carvalho (2009), os princípios mostram valores fundamentais escolhidos pela sociedade política, vestidos no ordenamento jurídico, e informam materialmente as demais normas, direcionando qual deverá ser o limite do ato que os executam.
Estes doutrinadores, explicam com brilhantismo a importância dos princípios em nosso ordenamento, e, porque não dizer, no Direito mundo afora.
Ainda nesta tarefa de interpretação cabe definir, com o objetivo de tentar dissecar a função, ou as funções possíveis de um princípio constitucional.
2.1 Função do Princípio Constitucional
A função hermenêutica dos princípios permite aos juízes extrair o mais importante de uma determinada posição legal e serve ainda de limitação protetiva contra uma possível arbitrariedade (CARVALHO, 2009).
Segundo Rothenburg apud Carvalho (2009), os princípios possuem ainda a tarefa de limitação da interpretação ao restringir a discricionariedade judicial, evitando que o operador jurídico invoque valores subjetivos não amparados de forma explícita ao implícita no ordenamento jurídico.
Ainda destaca Carvalho (2009), que os princípios constitucionais possuem função integrativa preenchendo as lacunas deixadas pelas normas constitucionais e a função limitativa atuando no sentido de impedir a produção de normas jurídicas que visem reduzir a sua eficácia.
Confirmando o mencionado anteriormente, Rocha (1999, p. 47) ensina que:
Em casos em que há lacunas na lei os princípios atuam como elemento integrador do direito. A função de fonte subsidiária exercida pelos princípios não está em contradição com sua função fundamentadora. Ao contrário, é decorrência dela. De fato, a fonte formal do direito é a lei. Como, porém, a lei funda-senos princípios, estes servem seja com guia para a compreensão de seu sentido (interpretação), sejam como guia para o juiz suprir a lacuna da lei.
É cabível registrar por fim, as colocações de Bonavides apud Mota Filho (2006), a despeito das funções dos princípios, segundo ele os princípios são fundamentos da ordem jurídica, com eficácia derrogatória e diretiva; são de espécies orientadoras do trabalho interpretativo e esta, sem dúvida, mais relevante e de enorme prestígio no Direito Constitucional Contemporâneo e por fim, possuem função de fonte em caso de insuficiência da lei e do costume.
2.2 Valor do Princípio Constitucional
O valor de um princípio constitucional pode ser elucidado nas seguintes palavras:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra (MELLO, 2003, p. 842).
2.3 Princípios e regras constitucionais
De acordo com CARVALHO (2009), os princípios e as regras são formas diferentes de normas jurídicas e ambos dizem o que deve ser. Pena apud Carvalho (2009, p. 645) mostra uma diferenciação entre eles, descreve que:
Princípios constitucionais são extraídos de enunciados normativos, com elevado grau de abstração e generalidade, já as regras constitucionais são extraídas de enunciados normativos com reduzido grau de abstração e generalidade.
Sob o grau de determinabilidade Canotilho apud Carvalho (2009) afirma que há uma diferenciação entre princípios e regras na aplicação de um caso concreto, onde os princípios, por serem indeterminados precisam de mediações concretizadoras enquanto as regras são suscetíveis de aplicação direta.
Segundo Canotilho (2002) no intuito de distinguir entre regras e princípios, existem há diversos critérios a serem utilizados. Observando o grau de abstração (mencionado anteriormente), os princípios são normas com um grau de abstração mais alto, enquanto as regras têm sua abstração reduzida. De modo que, em função de serem vagos e indeterminados, os princípios necessitam de intervenções que os concretizem, por outro lado, as regras, diante de sua precisão, podem ser aplicadas diretamente. Os princípios denotam padrões juridicamente vinculantes, estabelecidos em virtude da justiça ou da própria idéia de direito; as regras podem ser normas vinculativas com conteúdo apenas funcional.
Detalhadamente ainda, o magistral jurista e doutrinador Canotilho (2002 p. 1125) descreve uma minuciosa diferenciação entre princípios e normas:
Os princípios são normas compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos fáticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (...); a convivência dos princípios é conflitual (...), a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se. Conseqüentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (...) consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exata medida das suas prescrições, nem mais nem menos.
Assim, com base no visto acima, fica consubstanciado que as leis são regras de nível infraconstitucional que revelam um alto grau de concretude, diferentemente dos princípios, e se subordinam aos valores e princípios de um dado ordenamento jurídico.
3 princípio da capacidade contributiva no Brasil: aspectos históricos
O presente capítulo abordará o princípio da capacidade contributiva em toda sua trajetória histórica no Brasil, buscando explanar desde sua primeira previsão no ordenamento, até o nascimento da Carta Magna de 1988, a que vige hoje em dia.
Tratará pormenorizadamente as características peculiares a cada uma das constituições que antecederam a atual, com vistas a se atingir uma vasta e satisfatória pesquisa capaz de vislumbrar o processo evolutivo gradual que sofreu o instituto jurídico do princípio da capacidade contributiva no Brasil.
De antemão, destaca-se que não encontra, nem nunca encontrou um conceito claro e unânime o princípio da capacidade contributiva por parte dos juristas nacionais em todos os tempos. Este princípio era no passado e continua sendo no presente, alvo de sucessivas críticas e divergências interpretativas, e ressalte-se, hoje devido principalmente ao fato da Constituição Federal de 1988 não apresentar um sistema hierárquico concluído e uniforme na sua moldura estrutural. Por essa razão requer um cauteloso trabalho interpretativo dos juristas contemporâneos para que se possa encontrar uma solução satisfatória. Solução esta, que reflita a vontade real da norma e concomitantemente não transgrida a harmonia sistêmica no exato momento do balanceamento dos valores e interesses à norma intrínsecos.
Desde tempos remotos, faz parte da ideologia de qualquer Estado de Direito que se digne, o cumprimento incessante da tarefa de dirimir problemas sociais oriundos de conflitos de pretensões nas mais dinâmicas realidades da vida, persegue o Estado a implementação da tão almejada paz pública. Os problemas são inevitáveis, pois surgem como conseqüência natural da própria natureza do homem (animal social) em seu relacionamento.
Na esfera do direito tributário brasileiro não é de hoje que o Estado vem oferecendo aos seus contribuintes um mecanismo hábil para protegê-los das suas próprias intempéries quando da aplicação das imposições tributárias. Dentro dessa prerrogativa, o contribuinte se viu munido com o princípio da capacidade contributiva, o qual, por longas datas, já se vê familiarizado.
No contexto tributário constitucional brasileiro, o Estado dota seus cidadãos de instrumentos que têm o poder de assegurar ou resguardar seus direitos. Por conseguinte, sempre que estes direitos forem desrespeitados pelo Estado, o cidadão acionará o órgão competente para que se faça valer a vontade da lei, seja por meio do judiciário, ou mesmo por vias administrativas. Assim acontece no país.
Dentre os mecanismos normativos que são conferidos aos cidadãos, merece redobrada atenção o princípio da capacidade contributiva, verdadeira garantia constitucional.
3.1 Constituição do Império de 1824
Na história das constituições brasileiras, a pioneira a tratar de forma congênere o princípio da capacidade contributiva foi a Constituição de 1824, em seu artigo 179, inciso XV, que rezava:
Art. 179 - A inviolabilidade dos Direitos Civis, e políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:
XV - Ninguém será exempto de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus haveres. (UCKMAR, 1999, p. 84 apud Mota Filho, 2006, p. 59).
Embora nesse Diploma Legal o princípio da capacidade contributiva não estivesse externado tão claramente; é possível de se observar sua existência, e indo além, pode-se dizer que o mesmo já configurava expressamente neste Documento.
Na Constituição de 1891 não houve menção ao tema da capacidade contributiva, mas, segundo Sabagg (2009, p. 114), na Constituição de 1934, entram-se três menções nos seguintes pontos:
a) a progressividade dos impostos incidentes nas transmissões de bens por herança ou legado (art.128);
b) a proibição de que nenhum imposto poderia ser elevado além de 20% de seu valor no instante de aumento (art.185);
c) a proibição de que as multas de mora impusessem ônus exorbitante ao contribuinte, que não poderia superar 10% do valor do imposto ou taxa devidos (art. 184, parágrafo único).
No início do século XX, o Brasil adotou o Regime Republicano, e na seqüência veio a promulgar a Constituição de 1946. Atrelado a esta nova Constituição, teve o princípio da capacidade contributiva, um lugar em seu artigo 202 e escrito da seguinte maneira: “Os tributos terão caráter pessoal, sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”. (BRASIL, [19--], p. 50).
A Constituição acima mencionada merece alguns esclarecimentos, em razão de ter ocorrido alguns embaraços de ordem interpretativa, que acabaram por minguar a aplicação efetiva do princípio citado.
À época, indagavam os doutrinadores se essa regra constitucional era programática ou auto-executável.
Pairavam dúvidas se o princípio obrigava somente ao legislador, ou também aos juízes (administração) na hora de sua concretização. Por conseguinte, surgiram correntes que entendiam não ser o princípio auto-excutável.
Entretanto, caso prevalecesse o equivocado juízo de valor de não ser o princípio da capacidade contributiva auto-excutável, estariam os jurisdicionados, inevitavelmente, diante de um dispositivo inócuo, que necessariamente reclamaria uma regulamentação para que tivesse validade no mundo jurídico.
Para piorar, numa demonstração de insensatez, este princípio foi revogado pelo art. 25 da Emenda Constitucional nº 18 de 1965, cuja errônea diretriz interpretativa subsistiu, e conseguiu alcançar ainda a vindoura Constituição de 1967.
Em situação nacional de Regime Militarista, foi outorgada a Constituição de 1967. Na contramão das Constituições anteriores, este Comando Legal não endossou o princípio da capacidade contributiva, ao invés disso, foi absolutamente omissa, muito embora juristas renomados, como os de quilate de Eliomar Baleeiro, entendessem que o princípio continuava a vigorar desde que se fizesse um trabalho de hermenêutica constitucional sistemática.
O mestre Oliveira apud Mota Filho (2006) manifestou-se a respeito das conseqüências desta ‘leviandade’ cometida pelos legisladores constituintes de 1967, que optaram por expurgar do ordenamento o princípio em estudo. Denunciou ele que o prejudicado maior foi o contribuinte, haja vista ter o seu direito de acesso ao STF tolhido. Como conseqüência gerada ficavam os contribuintes à mercê do Estado nas situações que desencadeavam litígios envolvendo matéria tributária, em outras palavras, agora desprovido daquela histórica garantia de ver suas pendências litigiosas submeterem-se ao julgamento daquela tribuna, a rigor, a intérprete legítima da norma; ficavam impotentes, numa agravada vulnerabilidade, além é claro, de já serem hipossuficientes na relação Estado x contribuinte.
Refletindo sobre o dispositivo constitucional acima citado, constata-se que tragicamente prevaleceu a inteligência da Emenda Constitucional nº 1/1969, indiscutivelmente, um retrocesso que maculou o Direito Constitucional Tributário Pátrio à época.
A Constituição de 1988 retomou de maneira expressa o princípio da capacidade contributiva em seu art. 145, § 1º, que dispõe: “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (...).” (BRASIL, 2009, p. 160).
Note-se que a inclusão do princípio da capacidade contributiva em nosso ordenamento jurídico nacional acabou variando de acordo com o momento político histórico no qual o país atravessava, demonstrando seu caráter democrático.
Segue a observação de Costa (2003) que afirma que felizmente a Constituição de 1988, paralelo com o panorama verificado no direito constitucional comparado, devolve-nos – ainda que com modificação de redação -, em seu art. 145, §1º, o preceito contido no art. 202 do Texto Fundamental de 1946, além de consagrar, em outros dispositivos, desdobramentos do princípio da capacidade contributiva. Este acontecido, provocou o despertar das atenções sobre o assunto que se mantiveram adormecidas nos últimos anos.
Por todo o explanado, cumpre dizer que não discutimos quanto às Constituições de 1881 e a de 1937. Pelo motivo de não serem pertinente ao trabalho ora realizado, dada a falta de amadurecimento mínimo de idéias que tratassem em seu conteúdo da norma qualificada ou a algo afim, objeto desse estudo.
É dispensável, portanto, fazer qualquer tipo de comentário em relação às constituições referidas, apesar de saber que elas também fizeram parte da história do Direito Pátrio.
Torres (1997, p. 82) tece um interessante apanhado geral da evolução histórica do princípio da capacidade contributiva no Brasil:
No Brasil as vicissitudes da idéia de capacidade contributiva acompanharam as do pensamento universal. Ingressou com a constituição do nosso Estado Fiscal no início do século passado, cabendo ao Visconde de Cairu captar os princípios lançados na obra de Adam Smith. Hibernou longamente ao depois, pela nossa vocação para o positivismo. Ressurgiu explicitamente na Constituição de 1946 e mereceu considerações judiciosas por parte da doutrina liberal, especialmente através da obra de Aliomar Baleeiro. Desapareceu da letra das Cartas outorgadas pelo regime autoritário (1967/1969) e, também, do discurso da doutrina sua contemporânea, que retornou ao positivismo normativista. Reapareceu, vigorosamente, no texto do art. 145, 1º, da CF 88, o que já está provocando a ressurgência da meditação sobre o tema.
3.7 O princípio da capacidade contributiva no Direito Internacional
Segundo Santin (200-?):
O berço do princípio da capacidade contributiva deu-se na Alemanha. Porém, foi a partir daquela construção que a Espanha principiou a discussão a respeito do mínimo isento, fator potencializador do princípio da capacidade contributiva. Trata-se de uma espécie de limitação ao poder de tributar por parte do Estado, o qual deverá respeitar a capacidade contributiva do indivíduo, não podendo onerá-lo de forma a atingir o mínimo vital para sua sobrevivência e de sua família.
Além da Constituição brasileira e Alemã, é possível se encontrar o princípio da capacidade contributiva nas Constituições italiana, portuguesa e espanhola.
Na Constituição italiana, segundo Santin (200-?), o princípio em voga está registrado em seu artigo 53, § 1º, onde prevê que todos são obrigados concorrer para as despesas públicas em função de sua capacidades, sendo o sistema tributário italiano informado por critérios de progressividade. Observa-se que o dispositivo referido não trata especificamente da capacidade contributiva, mas sim da capacidade econômica, assemelhando nisso ao artigo 145, § 1º da Constituição Federal Brasileira de 1988. Dessa forma, verifica-se no sistema tributário italiano o amplo reconhecimento do princípio da capacidade contributiva, tido como uma limitação ao poder de tributar por parte do Estado.
Segundo Nabis apud Santin (200-?):
No ordenamento jurídico português há limitações formais e materiais ao poder de tributar. Os limites formais referem-se a quem tributa e como se tributa. São eles o princípio da legalidade fiscal, da competência, da segurança jurídica no domínio dos impostos e da proibição do referendo fiscal. Já os limites materiais estão relacionados ao objeto e conteúdo do poder tributário. Questiona-se que aspectos da vida dos cidadãos e das empresas podem cair na mira do ius incidendi et collectandi do Estado, e dentro de que limites. São eles o princípio da igualdade fiscal (a ser medido com base na capacidade contributiva); o princípio da consideração fiscal da família; do respeito aos direitos, liberdades e garantias fundamentais; do estado social, dentre outros.
Na Constituição espanhola há, disposição expressa que torna oficial a limitação do poder de tributar. O seu artigo 31.1 dispõe que todos contribuirão com os gastos públicos de acordo com sua capacidade econômica, mediante um sistema tributário justo inspirado nos princípios da igualdade e progressividade, sem jamais ter um alcance confiscatório. Assim, a capacidade econômica é tida como a aptidão do indivíduo em contribuir com os gastos públicos, dispondo de recursos econômicos que possam realizar o pagamento dos tributos. Logo, o princípio da capacidade econômica na Espanha é tido como fundamento da imposição tributária e somente na presença de índices de riqueza é que será possível o gravame tributário. O princípio da capacidade econômica serve de limite à tributação, já que o ente público não pode gravar além da capacidade econômica dos cidadãos (GONZÁLES apud SANTIN 200-?).
4 O Princípio da capacidade contributiva
O princípio da capacidade contributiva encontra importantes aplicações nas relações entre o fisco e o contribuinte, inserindo-se no centro do Estado de Direito no campo tributário.
Apesar de norma fundamental, a sua linha de contorno não está suficientemente bem definida, gerando dúvidas no seu campo de aplicação quanto aos seus efeitos.
Para Mota Filho (2006) o conceito do princípio da capacidade contributiva figura como sendo o critério fundamental e primordial em matéria de direito tributário para a divisão da carga tributária e está relacionado à realização da justiça social obedecendo a capacidade econômica dos contribuintes.
O princípio da capacidade contributiva envereda por caminhos diversos de outros princípios e institutos jurídicos.
Segundo Sabbag (2009) o principio da capacidade contributiva está intimamente ligado ao da igualdade, pois longe de servir apenas para coibir discriminações arbitrárias, abre-se para a consecução de um ideal de justiça para o direito tributário.
Ainda neste propósito, observa-se que este princípio comporta determinadas acepções, segundo aponta o doutrinador Mota Filho (2006) sob a perspectiva do princípio da igualdade, a capacidade contributiva pode ser vista como pressuposto ou fundamento do tributo, e ainda como critério de graduação e limite da tributação. Do ponto de vista objetivo, pra conhecimento da base imponível possível do tributo, a capacidade contributiva atuaria como critério de graduação e limite da tributação. Do ponto de vista valorativo ou axiológico, a capacidade contributiva atuaria como fundamento racional de justiça do tributo.
Sabido isto, conclui-se que o princípio da capacidade contributiva comporta mais de uma interpretação possível. Por esta razão, adverte-se que para sua correta aplicação, faz-se necessário ao operador do direito questionar qual o critério que deverá inspirar a norma ante seu interesse no caso concreto para que se atinja o resultado mais apropriado e por sua vez justo. Para isto, é importante que se proceda a uma metodologia de estudo racional e prudente, pois como já dito, a nossa Constituição Federal de 1988 não apresenta um sistema hierárquico, concluído e uniforme na sua moldura estrutural.
Esta ação de conduta levada a cabo será, antes de qualquer coisa, um dever, não uma discricionariedade posta ao aplicador da norma jurídica, exigência inerente ao formato sistêmico de nosso Direito brasileiro, e requisito do próprio regime democrático.
Ainda que existam variadas interpretações possíveis do aludido princípio, o mesmo deve atender ao valor da justiça fiscal e da igualdade tributária, cada qual contribuindo com significativa parcela para aferição daquela nomenclatura jurídica, sendo estes valores os mecanismos basilares no qual se apoiará o princípio da capacidade contributiva.
Acrescenta-se que o aplicador da vontade normativa constitucional, jamais, poderá valer-se de uma conduta que soe arbitrária na realização do seu trabalho de dizer quais fatos irão submeter-se a imposição tributária. Resumindo, passará necessariamente os atos atinentes à realização da vontade normativa concernente ao princípio da capacidade contributiva, em cada caso concreto, a revestirem-se de argumentos fundamentados e razoáveis para que não gerem efeitos arbitrários, ou entre em atrito com outras normas fundamentais prestigiadas nas políticas nacionais, dado o modelo de Estado Democrático que somos.
Na teoria da metodologia jurídica tradicional, a capacidade contributiva revela um ponto que é unânime, uníssono: a tributação deve-se dar de acordo com a riqueza dos contribuintes. Porém existem outras variáveis na equação desta nomenclatura, cada qual sob influência de interesses diferentes.
Destaca-se que não se confunde capacidade econômica com capacidade contributiva, embora seja bastante tênue a linha divisória entre estes dois institutos jurídicos, como aponta Mota Filho (2006), a capacidade econômica é a aptidão, de ordem genérica, para produzir ou dispor de riqueza. Revela, ao menos, indícios de força econômica. A capacidade contributiva denota uma noção jurídico-econômica, manifesta-se pela determinação da riqueza, que constitui a justificação da imposição tributária, na medida das forças econômicas dos contribuintes. É a aptidão do sujeito poder ser obrigado, pelo dever tributário, a concorrer à satisfação das despesas públicas.
Na Carta Magna, o princípio da capacidade contributiva, quanto à sua topologia, encontra-se em destaque absoluto. Assim, na Seção I, Capítulo VI, referente aos princípios gerais do sistema tributário nacional, consta apenas o princípio da capacidade contributiva. Os demais, reconhecidos e consagrados pela doutrina, estão estatuídos apenas na Seção II, das limitações do poder de tributar. Logo, em visível realce está a relevância desta norma qualificada.
Há necessidade de se operar no Brasil uma eficiente interpretação para que dê uma posterior aplicação ao princípio em estudo, atendendo ‘plenamente’ aos ditames da garantia constitucional da capacidade contributiva em prol dos contribuintes.
Sabidamente, não iria o legislador constituinte escrever qualquer instituto que fosse tido como uma “letra morta” num ordenamento que se diz lógico. Cabe ao intérprete buscar atribuir um sentido lógico a norma constitucional, qualquer que seja, por mais ambígua que ela possa parecer. Neste trabalho, ele certamente não poderá deixar de lançar mão da hermenêutica jurídica.
Talvez, uma das maiores dificuldades de se concretizar a vontade normativa em estudo, reside em grande parte ao motivo da Lei Maior brasileira não conter um sistema concluído e uniforme, lógico-axiomático ou hierárquico de valores.
A polêmica que envolve o princípio da capacidade contributiva pode ser atribuída ao modelo formalista e positivista do direito pátrio, que pauta-se na segurança jurídica como o seu valor maior e perseguido pela jurisprudência. Daí, o que vem a ser interpretado nos tribunais desse país revela um total desprestígio aos valores da justiça fiscal e da igualdade, em detrimento da segurança jurídica.
Como conseqüência, paira na consciência do povo a nítida sensação de injustiça para com os contribuintes, que têm freqüentemente desrespeitadas pelos aplicadores da norma, suas legítimas garantias; já que no momento de se praticar a apuração dos sujeitos passivos das relações tributárias que possuem idôneas condições de figurarem como tais, obrigam-nos a arcar com valores não condizentes com suas reais capacidade econômica, vitimando-os graças aos levianos critérios de interpretação seguidos insistentemente pelos tribunais.
Por outro lado, se dentro dessa realização interpretativa dos tribunais, estes tomassem conhecimento quanto à importância das diretrizes da justiça fiscal e da igualdade para a exigência dos tributos, os contribuintes, ao seu tempo, teriam o mínimo tributável mais fielmente respeitado. Fosse assim, doravante a mesma norma que se irradia no ordenamento tributário, disseminando-se em perfeita harmonia com outros valores políticos de extrema importância para os jurisdicionados, tais quais a propriedade, a dignidade da pessoa humana, e o próprio valor da segurança jurídica.
A cobrança de tributos deve estar ligada às diretrizes do estado democrático, observando isto que o valor segurança jurídica não é, modestamente falando, o mais apropriado para subsidiar a melhor interpretação. Infelizmente, tal idéia não é hoje a usada pelo judiciário brasileiro.
Na intenção de demonstrar a possibilidade em incorrer em erros interpretativos e omissões quanto a real vontade da lei, transcreve as ponderações seguintes de Guerra Filho apud Mota Filho (2006) onde a simples vigência de um texto constitucional não é suficiente para quê os valores que o inspiram se introduzam efetivamente nas estruturas sociais, passando a reger com preponderância o relacionamento político de seus integrantes.
Complementando o mencionado acima, destacam-se as palavras de Mota Filho (2006) mostrando que o Estado Democrático de Direito propõe uma visão do texto constitucional como uma “obra aberta”, cujo sentido é permanentemente construído por seus destinatários, ao buscar conciliar valores que só abstratamente se compatibilizam perfeitamente, uma vez que no momento de sua concretização podem se chocar.
4.1 Destrinchando o princípio da capacidade contributiva a partir da dicção do art. 145, §1º, CF
A Constituição de 1988 tem, dentre suas inúmeras virtudes, a de devolver ao princípio da capacidade contributiva a atenção constitucional que este tema requer.
Falar em capacidade contributiva no contexto jurídico pátrio corresponde a tratar de uma garantia constitucional conferida ao contribuinte. Instituto que foi reintroduzido no ordenamento com o advento da Constituição de 1988.
A designação do destinatário legal do imposto deve considerar a efetiva aptidão para contribuir e não a mera idoneidade para ser sujeito passivo da obrigação tributária.
Segundo Amaro (2009), em regra, o contribuinte é, na situação material descrito como fato gerador, ou, a pessoa que manifesta capacidade contributiva, ou seja, titularidade de riqueza seja renda, patrimônio ou outros.
Note que o conceito de capacidade contributiva é aplicável às pessoas jurídicas, as quais, também, se inserem no conceito de destinatário legal tributário.
Como visto em (BRASIL, 2009, p. 60) A cláusula "sempre que possível", do art. 145, § 1º, da Constituição Federal, não quer dizer que o caráter pessoal dos impostos e sua graduação segundo a capacidade econômica do contribuinte sejam de adoção facultativa pelo legislador. Segundo Sabagg (2009) a expressão “sempre que possível” não confere poder discricionário ao legislador, mas designa, sim, por meio do advérbio um inafastável grau de imperatividade no comando.
A pessoalidade dos impostos está condicionada à viabilidade jurídica de ser considerada a situação individual do sujeito passivo numa dada hipótese de incidência tributária. Já a graduação dos mesmos, consoante a capacidade econômica, somente pode ser completamente afastada ante a tributação exercida com finalidade extrafiscal, ou seja, aquela que não visa a arrecadar recursos que financiarão as políticas de atuação Estatal.
A graduação segundo a capacidade econômica é sempre possível e a interferência dos Entes Públicos na contribuição pessoal serve como forma de benefício ou prejuízo daquele que se quer gravar.
A alusão constitucional à capacidade contributiva não se resume ao preceito contido em seu artigo 145, § 1º. Diversos dispositivos estanques do texto fundamental prestigiam tal idéia mediante outros institutos, como a vedação à utilização de tributo com efeito de confisco (art.. 150, IV), a progressividade expressa do IR ( art. 153, § 2º, I, e II e art. 155, § 2º, I e III), e a fixação de um salário mínimo (art. 7º, IV).
A preservação do mínimo vital é decorrente do princípio examinado, correspondendo a uma isenção técnica, fundada na ausência de capacidade contributiva, não podendo ser revogada.
As isenções e as imunidades de natureza política constituem verdadeiras exceções ao princípio, posto que visam beneficiar pessoas que possuem capacidade para contribuir.
A apuração da inconstitucionalidade da imposição tributária no caso concreto, face à inobservância do princípio da capacidade contributiva, é viável, cabendo ao juiz, negar efeitos à lei impugnada in casu, quando constatar a ausência de capacidade contributiva relativa ou o excesso de carga fiscal sobre determinado sujeito.
A capacidade contributiva relativa ou subjetiva refere-se à concreta e real aptidão de determinada pessoa (considerados seus encargos obrigatórios pessoais e inafastáveis) para o pagamento de certo imposto.
Na outra ponta, a capacidade contributiva objetiva ou absoluta obriga o legislador tão somente eleger como hipóteses de incidência de tributos, aqueles fatos que, efetivamente, contenham indícios suficientes de capacidade econômica.
Por derradeiro, registre-se que a noção de capacidade contributiva tal qual está no dispositivo constitucional em mira, afina-se com outros direitos constitucionais, como a título exemplificativo o direito fundamental de propriedade, com o qual guarda relação necessária.
4.2 Princípio da capacidade contributiva e o princípio da pessoalidade
O princípio da capacidade contributiva, objeto dessa obra, é um ideal de justiça social tributária, apresentando-se atrelado ao princípio da pessoalidade.
O caráter pessoal que deve ser revestido o imposto, por exemplo, refere-se à aptidão de poder relacionar-se à pessoa do sujeito passivo da obrigação tributária, considerando a sua condição econômica, cujos indícios possam sugerir a existência da riqueza tributável. É uma técnica adotada para aferir a capacidade econômica.
Amaro (2009, p. 140) atenta para o fato de que “A personalização do imposto pode ser vista como uma das faces capacidade contributiva, à qual, sem dúvida, o imposto pessoal deve ser adequado.”
Em função disso, diz Machado (2009) que há a classificação dos impostos em reais e pessoais onde os impostos pessoais são aqueles em cujas quantificações são observadas pelas condições pessoais de cada contribuinte, seja na definição da base de cálculo ou da fixação da alíquota, já os impostos reais são aqueles em cujas quantificações se leva em conta apenas a matéria tributável.
Sendo os impostos de natureza pessoal, a aplicação do princípio da capacidade contributiva é simples. Basta que se analisem as condições do sujeito passivo da obrigação tributária para, em função destas qualidades, aferir-se sua capacidade de contribuir, e graduar a imposição de acordo com esta capacidade.
Por outro lado, os impostos de natureza real podem causar dificuldades relativamente à aplicação do princípio em questão; isto porque, conforme se verifica da própria conceituação desta espécie de tributo, a materialidade do fato gerador é indiferente ao sujeito passivo e suas qualidades.
No caso dos impostos reais, o legislador reconheceu que adequar os impostos à capacidade contributiva do consumidor é um pouco mais complicado, e sua aplicação dificilmente será tão fiel aos ditames normativos.
Dado o fato de que alguns impostos não permitem adequadamente a avaliação das características do sujeito passivo, como os impostos de natureza real, que, quer incidindo diretamente, como nos casos dos impostos que atingem o patrimônio, que incidindo indiretamente, como os impostos sobre a produção e circulação de riquezas, dificultam o prévio conhecimento das condições pessoais do contribuinte, verifica-se que o legislador constituinte, pela redação do §1º do art. 145, privilegiou a criação de impostos com caráter pessoal, por reconhecer que estes tendem a atingir melhor a justiça fiscal, em consonância com o princípio da capacidade contributiva.
Pela corrente de Carrazza (2003, p. ), advoga que a ressalva do §1º do art. 145 é imperativa, não devendo ser encarada como mera diretriz programática, incapaz de produzir efeitos, ensejando a inconstitucionalidade das leis que as afrontem, vinculando, portanto, os legisladores e os juristas. É o que obriga o legislador a buscar soluções para os impostos reais no que tange a persecução do princípio da capacidade contributiva.
E segue dizendo também Carrazza (2003, p. 84-85):
Podemos perceber a influência do princípio da capacidade contributiva em outras normas constitucionais tributárias. É o caso da que obriga o legislador a tornar o IPI seletivo em função da essencialidade do produto industrializado (art. 153, §3º, I, da CF), da que declara imunes à tributação por via do ITR os proprietários de glebas rurais (art. 153, §4º, da CF), da que protege da tributação por via de IR os rendimentos provenientes de aposentadorias e pensões recebidos por pessoas com idade superior a 65 anos (art. 153, §2º, II, da CF) etc.
4.3 O Princípio da capacidade contributiva e o princípio da progressividade
A forma como o princípio da capacidade contributiva se concretiza é através do princípio da progressividade. De acordo com Machado (1994, p. 60), “o tributo progressivo na verdade é o que mais adequadamente alcança a capacidade econômica das pessoas.”
Na tentativa de onerar o contribuinte na medida de sua aptidão para contribuir com os cofres públicos, as alíquotas aplicadas são graduadas levando em consideração a percepção de riqueza do cidadão, buscando aproximar-se ao máximo de sua capacidade contributiva.
A alíquota é o critério legal, normalmente expresso em porcentagem, que conjugado à base de cálculo, permite que se chegue o quantum debeatur. Forma com a base de cálculo, o elemento quantitativo do tributo, e de certo modo, também está predefinida na Constituição Federal.
Base de cálculo é a definição legal da unidade de medida, constitutiva do padrão de referência a ser observado na quantificação financeira dos fatos tributários. Consiste em critério abstrato para medir tais fatos que, conjugados à alíquota, permite obter a dívida tributária.
Decorre do princípio da capacidade contributiva que a hipótese de incidência e a base de cálculo dos impostos devem ter inequívoca dimensão econômica, em consonância com a obtenção de rendimentos.
A progressividade está limitada pelo princípio da capacidade contributiva visando à não confiscatoriedade e ao não cerceamento de outros direitos.
Aos contribuintes deve ser resguardado o direito de deduzir da base de cálculo as despesas que lhes garantem a subsistência e de seus dependentes econômicos, dando-lhes condições mínimas de existência; isto é, o mínimo vital deve ser insuscetível de tributação por força do princípio da capacidade contributiva.
Segundo Alexandrino e Paulo (2009, p. 62 ):
A técnica da progressividade destinada a atender à capacidade contributiva, significa incidências de maiores alíquotas quanto maior for a base de cálculo, permitindo alíquotas mais elevadas as rendas mais altas. A progressividade faz com que as alíquotas dos impostos sejam cada vez mais altas, quanto maior for a riqueza, ou seja, quanto maior seja a capacidade contributiva. Trata-se de um instrumento municiado para alcançar equidade na tributação, objetivo primordial do Princípio da Capacidade Contributiva.
Dentro desta ótica, Amaro (2009, p. 142) bem observou a relação entre estas diretrizes:
Outro preceito que se aproxima do princípio da capacidade contributiva é o da progressividade, previsto para certos impostos, como o de renda, por exemplo. A progressividade não é uma decorrência necessária da capacidade contributiva, mas sim, um refinamento desse postulado.
As normas que tratam da capacidade contributiva e da progressividade são normas cogentes, isto é, de observância obrigatória pelo legislador. A lei poderá regular o modo pela qual se dará a observância da pessoalidade (capacidade contributiva) do gravame e a progressividade de suas alíquotas.
Vale aqui citar um trecho da obra de Amaro (2009, p. 141), que procedeu a uma análise breve, porém perspicaz quanto à progressividade escrevendo que “o gravame fiscal deve ser diretamente proporcional à riqueza evidenciada em casa situação impositiva”.
Impende advertir que a tributação, mesmo que gradativa segundo a capacidade contributiva deve, inevitavelmente, respeitar o limite do princípio constitucional que veda o confisco, impedindo que o tributo seja estipulado de forma tão elevada, que possa gerar obstáculo a continuidade da geração de riquezas, e ao desenvolvimento.
Seguindo os apontamentos, realçamos o sábio ensinamento do mestre Sabagg (2009, p. 122):
O princípio da capacidade contributiva impõe, na esteira da justiça distributiva, que aqueles cidadãos dotados de maior poder aquisitivo devem pagar impostos, em princípio com alíquotas maiores, de forma que o sacrifício econômico por eles sentido seja proporcionalmente maior do que o suportado pelos contribuintes mais economicamente vulneráveis.
O fundamento da progressividade é o de procurar igualar o sacrifício do ônus fiscal de todos os contribuintes, realizando a capacidade contributiva, impondo uma tributação justa e eqüitativa.
Carraza (2003), com propriedade, pôs em paralelo ambos os princípios, o da capacidade contributiva e o da progressividade, e conclui dizendo que, em nosso sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por quê? Porque é graças à progressividade que eles conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva. Melhor esclarecendo, as leis que criam in abstracto os impostos devem estruturá-los de tal modo que suas alíquotas variem para mais à medida que forem aumentando suas bases de cálculo. Assim, quanto maior a base de cálculo do imposto, tanto maior deverá ser a sua alíquota.
Enfim, trata-se de uma relação de interdependência. O princípio da capacidade contributiva é um ideal abstrato louvável, contudo sua tônica é de difícil concretização no plano real das relações tributárias. Diante disso, é exatamente aí que mora a importância da progressividade, para a sua concretização de uma forma justa.
4.4 Relação do princípio da capacidade contributiva com alguns Princípios do Sistema Tributário Constitucional
Machado apud Mota Filho (2006), elenca os maiores princípios jurídicos atinentes à tributação na nossa Carta Magna de 1988, os quais serão comentados apenas quanto aos que se julgam conveniente ao proposto nesta obra, para que não se desvie o foco do estudo, são eles: o princípio da legalidade, da isonomia, da capacidade contributiva, da anterioridade, da vedação do confisco e da liberdade de tráfego.
Observa-se o maior relacionamento do princípio da capacidade contributiva com os princípios da legalidade.
Segundo Nogueira apud Sabbag (2009) o fundamento de toda a tributação parte do princípio da legalidade tributária, sem este princípio não há como se falar em Direito Tributário.
O princípio da capacidade contributiva liga-se de maneira coesa e permanente ao princípio da legalidade.
É a lei que estabelecerá as hipóteses de incidência dos impostos, tomando como base o delineamento genérico da Norma Constitucional e observando que a idéia de tributar está em razão direta com a riqueza dos indivíduos.
Aqui cabe ilustrar com as sabias palavras de Barbosa apud Sabbag (2009, p. 91) “... a regra da igualdade (ou da isonomia) consiste senão em aquinhoar igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”.
O princípio da capacidade contributiva, em verdade, é a concretização do princípio da isonomia no ramo do direito tributário. Exige tratamento fiscal igual aos que ostentam situações econômicas equivalentes, e desigual aos que ostentam situações econômicas diversas. O encargo fiscal deve, em resumo, ser tanto maior quanto maiores forem as possibilidades econômicas das pessoas que o suportam.
Em se tratando do principio do não-confisco, segundo Amaro (2009), observa-se que este atua em conjunto com o da capacidade contributiva e se traduz na capacidade de suportar a carga tributária sem que se anule a riqueza privada.
Pelo princípio do não-confisco é vedado utilizar o tributo com efeito de confisco, derivação do princípio da capacidade contributiva. As leis que criam impostos, ao levar em consideração a capacidade econômica dos contribuintes, não podem compeli-los a colaborar com os gastos públicos além de suas possibilidades. Assim é confiscatório o imposto que esgota a riqueza tributável das pessoas, isto é, não leva em conta suas capacidades contributivas.
O princípio do não-confisco limita o direito do Fisco de expropriar os bens privados. Assim exemplificativamente, os impostos devem ser graduados de modo a não incidir sobre as fontes produtoras de riqueza dos contribuintes, e portanto, a não atacar a consistência originária das suas fontes de ganho.
Acrescenta-se àqueles princípios postos por Machado apud Mota Filho (2006), os princípios da tipicidade e segurança pública.
O princípio da tipicidade é uma forma de império constitucional, delimitando pelos modelos ou tipos, a forma pelas quais deverão ser ajustadas as situações nas quais incidirão os efeitos tributários, da lei.
O conceito de fato tributário caracteriza-se por um requisito formal, a tipicidade, e por um requisito material, a capacidade contributiva.
O princípio da segurança pública está ancorado nos postulados de certeza e da igualdade, exige que as discriminações efetuadas pela lei tributária apresentem relação de causalidade entre a discriminação eleita e a distinção procedida em razão dela, o que ocorre na aplicação da capacidade contributiva, maior riqueza, maior carga tributária.
4.5 A quantia a ser desembolsada pelo sujeito passivo da obrigação tributária: a base de cálculo e a alíquota
A quantia a ser desembolsada pelo sujeito passivo é o resultado de duas grandezas: a base de cálculo e a alíquota.
A base de cálculo deverá dirigir-se para o fato econômico inscrito no círculo da hipótese de incidência tributária; deverá guardar relação íntima com a capacidade objetiva determinada pelo legislador.
A alíquota é uma fração da base de cálculo que leva ao valor que o contribuinte deverá desembolsar.
Como descrito, a base de cálculo é a definição legal da unidade de medida, constitutiva do padrão de referência a ser observado na quantificação financeira dos fatos tributários. Consiste em critério abstrato para medir tais fatos que, conjugados à alíquota, permite obter a dívida tributária.
Já a alíquota é o critério legal, normalmente expresso em porcentagem, que conjugado à base de cálculo, permite que se chegue o quantum debeatur. Forma com a base de cálculo, o elemento quantitativo do tributo.
4.6 As espécies de exações tributárias em que o princípio da capacidade contributiva vai ou não ser aplicado
Segundo Madeira apud Sabbag (2009, p. 118):
O princípio da capacidade contributiva é aplicável a todas as espécies tributárias. No tocante a impostos, o princípio é aplicável em todas as suas extensão e efetividade. Já no caso dos tributos vinculados, é aplicável restritivamente, devendo ser respeitados apenas os limites que lhe dão os contornos inferior e superior, vedando a tributação do mínimo vital e a imposição tributária que tenha efeitos confiscatórios.
4.6.1 A Capacidade Contributiva e os Impostos
Nos impostos o sujeito passivo realiza comportamento indicador de riqueza que não foi, de maneira alguma, provocada pelo Poder Público; daí essa modalidade de exação fundar-se na capacidade contributiva do sujeito passivo.
Imprime à tendência de personificação dos impostos a capacidade contributiva. Contudo, há de ser observada a dita personificação sempre que a estrutura do aspecto material da hipótese de incidência o comporte até mesmo nos impostos reais.
Nos impostos indiretos, que são aqueles pelo qual o contribuinte de jure não é aquele que absorve o impacto da imposição tributária, sendo repassada ao contribuinte “de fato”. Nessa modalidade de imposto, a garantia constitucional atuará de maneira um tanto diferenciada. Dada a dificuldade da operatividade do princípio, em conseqüência da inviabilidade de se imprimir feição ‘pessoal’ aos impostos indiretos, caracterizando a distinta forma com que este princípio incide aí.
Salienta-se que se a capacidade contributiva não puder ser levada em conta para a graduação do tributo indireto, ao menos prestar-se-á como indicador das hipóteses em que deve conceder isenção na obrigação tributária.
No direito tributário brasileiro, parece que não há espaço para entendimento que não seja o de refutar o princípio da capacidade contributiva aplicada às taxas.
No tributo em estudo, tem-se como seu conceito: aquele cuja hipótese de incidência consiste numa atuação estatal direta e imediatamente referida ao compelido pela lei a satisfazer a obrigação tributária principal, sendo um tributo vinculado.
Têm as taxas uma natureza remuneratória da atuação do Poder Público Estatal.
Esclarece Costa (2003, p. 55-56) que:
Sustentar a necessidade de observância do princípio da capacidade contributiva nas taxas é não atentar para a natureza dessas imposições tributárias. Significando uma contraprestação pela atuação do Poder Público, diretamente referida ao contribuinte, não se pode erigir nas taxas, como critério informador desses tributos, uma circunstância absolutamente alheia a essa atuação estatal. Vale dizer, se, com a taxa, se pretende remunerar a atuação estatal, essa remuneração deve reportar-se ao custo da mesma, e não à capacidade contributiva do sujeito passivo, irrelevante para a hipótese de incidência ou para a graduação da taxa.
Tanto assim é que o sujeito da taxa, seja rico ou pobre, pagará o tributo na mesma proporção, consoante o serviço público oferecido ou a atividade de polícia desencadeada.
Vale endossar o raciocínio de Costa (2003), que demonstra que as taxas não atendem ao princípio da capacidade contributiva.
Destaca-se com isso, a fundamentação da afirmação que é devido ao caráter restitutivo que carregam as taxas, que seu quantum debitório será proporcional ao efetivamente despendido pelo Poder Público na realização de sua parte da obrigação sinalagmática tributária.
Por outro lado, Sabbag (2009) mostra que determinadas taxas podem ser passiveis da aplicação do aludido princípio, o exemplo ilustrativos reside na situação onde em há assistência integral e gratuita para registros civis de nascimento e óbito, quando o solicitando não possui recursos.
Segundo reza o artigo 145, III, da Constituição Federal, “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...) III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.” (BRASIL, 2009, p. 160).
O dispositivo em voga, preleciona sobre as contribuições de melhoria, cuja sua cobrança requer uma prévia feitura de obras públicas que convertam-se em benefício que venha necessariamente a valorizar o bem do seu sujeito passivo da imposição tributária. Ocorrido isso, haverá um acréscimo na riqueza do beneficiário desta obra. Todavia a riqueza será proporcionada pelo Poder Público, descaracterizando qualquer vinculação jurídica que faça-o atender ao princípio da capacidade contributiva, desclassificando este postulado.
As contribuições parafiscais podem ser tidas como interventivas ou corporativas, segundo dispõe o artigo 149, da Constituição Federal. Aqui, tem-se que são tributos vinculados, cuja hipótese de incidência consiste numa atuação estatal indireta e mediata, referida ao obrigado, podendo seu aspecto material revestir-se de modalidade de taxa ou imposto.
Quando representar um imposto, automaticamente deverá atender ao princípio da capacidade contributiva.
Caso corresponda a um modelo característico de taxa na sua imposição prática, esta não precisará satisfazer aos ditames do princípio da capacidade contributiva.
Quanto aos empréstimos compulsórios, coloca-se perfeitamente possível a sua vinculação ao princípio da capacidade contributiva para sua justa efetivação.
Como se pode abstrair da prática da cobrança tributária, os empréstimos compulsórios podem assumir feições de imposto (dada sua vinculação), de taxas, ou mesmo de contribuição de melhoria.
Recebe realce o fato de, quase que sempre assumirem forma de impostos os empréstimos compulsórios. Implica com isto, que é evidente a sua sujeição ao princípio da capacidade contributiva nessa modalidade de imposição tributária, prescrita por força da Constituição Cidadã.
5 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOBREPOSTOS AO PODER DE TRIBUTAR
De acordo com Carrazza (2003), a Constituição Brasileira, ao tratar dos direitos fundamentais, garantiu a igualdade de todos perante a lei, a inviolabilidade da propriedade privada, a liberdade de ir e vir da pessoa, a liberdade de consciência, a liberdade de associação e reunião etc. Nesse mesmo sentido alberga o direito que tem a pessoa de não ter o que é seu expropriado, ao limitar o poder de tributar do Estado. Essas garantias apresentam-se como proibições ao Estado de lesar, por meio de leis, atos administrativos ou decisões judiciais, aqueles valores prestigiados por nossa Carta Magna. As leis, os atos administrativos e as decisões judiciais, que, eventualmente, contrariem tais valores podem ser anulados com base em sua inconstitucionalidade.
A Constituição Federal Brasileira de 5 de outubro de 1988 contém uma série de versículos que vinculam os direitos fundamentais do homem e suas garantias que, limitam a ação do Estado, não só proibindo-o de prejudicá-los, como obrigando-o, mesmo, a encaminhar-se no sentido do interesse público. Estes direitos seriam o mínimo para que todos possam viver e desenvolver livremente suas atividades.
A par desta lição, é possível concluir que determinados princípios constitucionais, são desdobramentos de outras normas tidas como fundamentais. Nesse contexto, exemplificativamente, teríamos o princípio da capacidade contributiva, atuando como corolário do direito fundamental da igualdade.
Tendo-se em mente que o princípio da capacidade contributiva deriva de outro princípio de maior amplitude, irradiador de efeitos por todo o ordenamento jurídico, é importante observar o texto de Derzi apud Baleeiro (1997, p. 536 e 697) :
Universalmente a igualdade é aceita como regra de tratamento igual de direitos e deveres dos cidadãos. Ora, o tributo é um dever cuja característica é ser econômica, patrimonial. O levar dinheiro aos cofres públicos. O que se postula é puramente que esse dever seja idêntico para todos e importe em sacrifício igual a todos os cidadãos (…) Ora, o critério básico, fundamental e mais importante (embora não seja o único), a partir do qual, no Direito Tributário, as pessoas podem compor uma mesma categoria essencial e merecer o mesmo tratamento, é o critério da capacidade contributiva. Ele operacionaliza efetivamente o principio da igualdade no Direito Tributário. Sem ele, não há como aplicar o mais importante e nuclear direito fundamental, ao Direito Tributário: a igualdade.
Oliveira apud Mota Filho (2006) transcreve, sinteticamente, as várias facetas em que a igualdade se desdobra no direito tributário:
a) Se todos são iguais perante a lei, todos devem ser por ela tributados (princípio da generalidade);
b) O critério de igualação ou desigualação há de ser a riqueza de cada um, pois o tributo visa a retirar recursos do contribuinte para manter as finanças públicas; assim, pagarão todos os que tenham riqueza; localizados os que têm riqueza (logo, contribuintes) devem todos estes ser tratados igualmente – ou seja - tributados identicamente na medida em que possuírem igual riqueza (princípio da igualdade tributária);
c) ‘Essa riqueza só poderá referir-se ao que exceder o mínimo necessário à sobrevivência digna, pois até este nível o contribuinte age ou atua para manter a si e aos seus dependentes, ou à unidade produtora daquela riqueza (primeira acepção do princípio da capacidade contributiva, como pressuposto ou fundamento do tributo);
d) Essa tributação, ademais, não pode se tornar excessiva, proibitiva ou confiscatória, ou seja, a tributação, em cotejo com diversos princípios e garantias constitucionais (direito ao trabalho e à livre iniciativa, proteção à propriedade), não poderá inviabilizar ou até mesmo inibir o exercício da atividade profissional ou empresarial lícita nem retirar do contribuinte parcela substancial de propriedade (segunda acepção do princípio da capacidade contributiva, como critério de graduação e limite da tributação).
Seja como for, a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal, ao fazerem uso de suas competências tributárias, são obrigados a respeitar os direitos individuais e suas garantias.
O contribuinte tem a faculdade de, mesmo sendo tributado pela pessoa política competente, ver respeitados seus direitos públicos subjetivos, constitucionalmente garantidos; ou mesmo, os direitos fundamentais explícitos como: o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade.
Xavier apud Becker (1998, p. 490):
Nem todas as situações da vida abstratamente suscetíveis de desencadear efeitos tributários podem, pois, ser designadas pelo legislador como fatos tributáveis. Este encontra-se limitado na sua faculdade de seleção pela exigência de que a situação da vida a integrar na previsão da norma seja reveladora de capacidade contributiva, isto é, de capacidade econômica, de riqueza, cuja expressão sob qualquer forma se pretende submeter a tributo.
Pode o Legislador escolher livremente as manifestações de riqueza que repute relevantes para efeitos tributários, bem como delimitá-las por uma ou outra forma, mas sempre deverá proceder a essa escolha de entre as situações da vida reveladoras de capacidade contributiva e sempre a estas se há de referir na definição dos critérios de medida do tributo.
Os Poderes de Investigação do Fisco permitem ao Estado-Administração aferir a capacidade contributiva dos grupos de contribuintes, e não para fiscalizá-los em época posterior. Este poder de polícia o Fisco sempre teve, obedecidos os devidos processos e procedimentos legais e respeitados os direitos fundamentais.
A Constituição deseja obrigar a administração a cumprir e realizar o princípio da capacidade contributiva investigando a realidade, sem intuito fiscalizatório dos contribuintes para que possa preparar os projetos de leis tributárias dentro de um sistema efetivo e justo. Por isto a CF rejeita as técnicas presuntivas de aferição da capacidade contributiva.
A norma em discussão tem por fundamento a justiça distributiva. A capacidade econômica é a concretização da potencialidade econômica da pessoa, seu relacionamento ou vínculo com o poder, já a capacidade contributiva (objeto desse estudo) leva em conta a capacidade econômica em face da imposição global ou específica, como um aspecto próprio de um vínculo com o poder tributante, no interesse coletivo, no dever da solidariedade e na aptidão para realizar o interesse público. Nunca se pode perder de vista a primazia dos direitos fundamentais. Sempre.
6 SUPREMACIA CONSTITUCIONAL LIMITADORA DO ARBÍTRIO DO PODER ESTATAL
Silva apud Mota Filho (2006) afirma que a nossa Constituição é rígida, e, em conseqüência é a lei fundamental e maior do Estado brasileiro. Todo poder só nela encontra fundamento e só ela confere autoridades e competências governamentais.
Na linha de raciocínio do ilustre constitucionalista José Afonso da Silva, pode-se observar que a Constituição é a Base de todo o Direito Público, notadamente do Direito Tributário.
Analisando a matéria tributarista, o aguçado cientista jurídico atentará ao fato de boa parte das normas tributárias apresentarem-se como corolário dos direitos fundamentais, como apontado anteriormente.
Não é exagero afirmar que a supremacia constitucional é, no Estado Democrático de Direito, o único e soberano instrumento que detém o contribuinte, como meio apto a frear o arbítrio Estatal. Afinal, para limitá-lo está a Constituição.
No Brasil, o assunto tem merecido grande atenção pelo fato da Constituição ser rica em normas tributárias.
No sistema político nacional, o cidadão elege o constituinte para que este crie uma legislação que atenda aos seus anseios – constatação extraída de uma análise bastante apressada - a partir da instituição desta que será a Lei-Base, a Lei-Mãe, a Lei-Fundante, é que ter-se-á, por assim dizer, a personificação formal e abstrata das políticas máximas que regem a nação brasileira.
A Carta Magna discrimina a competência tributária para instituir impostos, fixando em sede constitucional as possíveis hipóteses de incidência e a competência residual da União para criar outros impostos.
Observe que na seção tributária, preferiu o constituinte, redigir explicitamente no corpo da constituição, as competências dos entes políticos integrantes do estado brasileiro. Disciplinou também as respectivas receitas, e vinculações compulsórias as quais devem obedecer estes entes políticos. Com isto, percebe-se que foi feliz o legislador constituinte, porquanto, coibiu de pronto, as gincanas legislativas e fiscais aconteceriam, caso contrário. Não tivesse tomado essas precauções de disciplinar no próprio corpo constitucional as referidas matérias, muito possivelmente os legisladores infraconstitucionais travariam intermináveis disputas, cada qual buscando avocar para si o que bem lhe aprouvesse, almejando principalmente engordar suas receitas. Não é difícil imaginar, que diante deste cenário de total insegurança jurídica no plano tributário, o Estado experimentaria uma total voracidade fiscal, e sem proporções, ainda pior que a realidade atual.
Reitere-se que na realidade cotidiana o sentimento quase que generalizado dos brasileiros não é de contentamento. Ao contrário, é alvo freqüente de inúmeras críticas ao modelo tributário.
Numa outra perspectiva, a denúncia não só é ao fato de o legislador constituinte ter, ou não ter sido omisso ou comisso no que toca à atribuição de competência, à discriminação das receitas, ou quanto ao rol das vinculações compulsórias. Importa agora saber, que é grave o descumprimento das normas constitucionais, graças a distorções interpretativas que soam arbitrárias. O contribuinte, impotente, tem de suportar com opressão as gritantes inconstitucionalidades, que acabam por instituir, a contrario sensu, um sistema de injustiça fiscal.
No Estado Democrático de Direito o cidadão-contribuinte encontra na Constituição seu precioso subsídio de proteção jurídica, lhe conferindo mecanismos que salvaguardam suas pretensões na relação jurídico-tributária. Para tanto, compõe esta vontade constitucional um conjunto de normas, seja regras ou princípios, que dirigem o legislador e o aplicador.
O Estado de Direito é aquele que, tanto quanto os particulares respeita as leis e as decisões judiciais.
A Constituição brasileira também acolheu essa idéia central de sujeição e acomodação do Estado ao direito, em razão disso a vontade constitucional deve ‘efetivamente’ ser levada a cabo; e mais ainda, deve ser compreendida pelos jurisdicionados, enraizada de vez na consciência de todos, pois só aí terá atingido a educação fiscal, capaz de proporcionar a paz social na seara tributária.
7 conclusão
O princípio da capacidade contributiva, posto expressamente na Constituição, encontra-se em destaque absoluto no ordenamento constitucional tributário.
Não se pode dizer que o princípio em voga é mera diretriz do sistema constitucional aos legisladores.
Pode assumir acepções distintas o princípio da capacidade contributiva, sendo utilizado ora como fundamento ou pressuposto do tributo, e ainda como critério de graduação e limite da tributação.
A interpretação do princípio a luz da capacidade econômica é, seguramente o critério mais propenso a se atingir a justiça fiscal e a igualdade tributária; sendo este critério aceito em uníssono pelos juristas em razão de não revestir-se de arbitrariedade quanto a sua metodologia de justificação.
Reiterando, a capacidade econômica informa com grande valia a aferição da capacidade contributiva dos sujeitos passivos, não ao arrepio da lei, em desarmonia com o todo sistemático perquirido no ordenamento. Observa-se a capacidade econômica esboçando a feição técnica da capacidade contributiva, o legislador ordinário, e o aplicador da norma in casu, obrigatoriamente, deverão deduzir os eventuais gastos que se fazem necessários à aquisição, à produção, e principalmente à manutenção da renda e do patrimônio daquele que se ver compelido a pagar tributo, não cerceando o seu mínimo existencial, sob pena de ser caçada a eficácia da norma ou a efetiva cobrança, via decretação de sua inconstitucionalidade.
É evidente em nossa sociedade, quase de forma universal, o sentimento de descontentamento e às vezes de revolta devido a elevada carga tributária que o Estado brasileiro criou.
Têm os jurisdicionados o seu patrimônio, a sua renda atingidos pela demasiada voracidade fiscal dos entes tributantes, muitas vezes de forma injusta. Sabido é que hodiernamente ouve-se reclamações provenientes de todos os setores da sociedade, pondo em cheque as essas elevadas tributações, muito embora não se perceba uma contraprestação do Estado que faça jus a tamanha avareza. Nem o mais insensível e insensato brasileiro negaria essa realidade.
A garantia constitucional da capacidade contributiva, nitidamente, é o mais importante mecanismo conferido ao cidadão-contribuinte, porém não é o único. É importante seu fiel cumprimento para que não haja infração por tabela, a uma série de outros direitos à esta norma afinado, inclusive direitos historicamente consagrados como o da dignidade da pessoa humana e de propriedade.
Em que pesem os esforços empenhados para que se leve a cabo a observância à capacidade contributiva, ainda são pequenos os resultados alcançados. Parece-nos que há uma gama de entraves que impedem o êxito de sua aplicação no plano prático; arriscamos a apontar, dentre outras causas que impedem o sucesso desta norma, a equivocada interpretação que vem sendo manejada nos tribunais desse país.
Vimos que os tribunais primam pelo valor da segurança jurídica nas suas decisões jurisprudenciais tangentes a conflitos de cunho tributário. Em grande parte isso se deve ao formalismo e ao positivismo do nosso Direito, haja vista jurisprudência dos conceitos que nos servem de paradigma. Aqui vale conceituar a jurisprudência dos conceitos como aquela que concebe o Direito orgânico e lógico, representado ilustrativamente como uma pirâmide de conceitos, cada qual se sobrepondo uns aos outros hierarquicamente, logo, desse rígida vinculação o de conceito inferior jamais ultrapassará as limitações que lhe for atribuído pelo de conceito superior, sob pena de invalidez.
Este entendimento teimoso dos tribunais maculam o espírito da norma constitucional da capacidade contributiva, uma vez que refutam de plano os valores da justiça fiscal e da igualdade. Entretanto nós vivemos num estado democrático de direito que clama pela justiça e exige dos operadores do direito a construção de um ordenamento equilibrado, harmônico. Por fim deve-se operar um único pensamento dos valores da segurança jurídica, da justiça fiscal e da igualdade inerente às relações tributárias, revendo o critério norteador da prudente interpretação que mais obedeça à capacidade contributiva.
Realçamos que não são todos os tributos que atenderão ao postulado da capacidade contributiva. Como visto, esta norma fundante do sistema tributário aplicar-se-á aos tributos não vinculados a uma atuação estatal (impostos, contribuições sociais e empréstimos compulsórios na medida em que estes assumem o formato de impostos) .
Emana do princípio da capacidade contributiva a restrição de tributar o sujeito passivo respeitando o seu mínimo existencial ou vital.
Merece holofote a idéia de que na imposição tributária in concreto, em desatendimento a diretriz da capacidade contributiva, deve ser declarada a inconstitucionalidade deste ato, bastando demonstrar a ausência de idoneidade para agente figurar como sujeito passivo ou apontar o excesso de carga fiscal aplicado a esta pessoa.
Derradeiramente, salientamos que seria bem vindo no Brasil a edição de um Código de Defesa do Contribuinte, certamente com a feitura deste diploma legal, a positivação inibiria enormemente o cometimento de arbitrariedades por parte dos entes tributantes, melhor instruiria os jurisdicionados quanto à matéria tributária, edificando com maior clareza e objetividade o direito tributarista.
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Bacharel em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce - UNIVALE, Especialista em Ensino de Língua Portuguesa pela Universidade Cândido Mendes - UCAM, possui Licenciatura em Sociologia pela Faculdade Polis das Artes - FPA, e graduando em Letras Português/Espanhol pela Universidade de Federal do Triângulo Mineiro - UFTM. Servidor Público da Universidade Federal do Triângulo Mineiro em Uberaba/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETO, Daniel Brandão. O Princípio da Capacidade Contributiva na Constituição Federal de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 nov 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50978/o-principio-da-capacidade-contributiva-na-constituicao-federal-de-1988. Acesso em: 07 nov 2024.
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