ENIO WALCÁCER DE OLIVEIRA FILHO[1]
RESUMO: Neste artigo abordaremos o tratamento dado pela Lei 11.343 de 2006, conhecida como Lei de Drogas, quanto ao sujeito que se encontra na situação de usuário de drogas, verificando se efetivamente foi dado um tratamento não criminal a ele, tangenciando a esfera de atuação estatal quanto ao problema do usuário na esfera da saúde e da recuperação. O debate se faz encima de construções que diziam ter sido o uso de drogas descriminalizado, quando entendemos, e justificamos ao largo do artigo, que ao revés o uso além de não ser descriminalizado é em geral confundido com o crime de tráfico, a depender da condição socioeconômica do usuário, bem como as condições periféricas ou centrais de sua residência e vida. Neste sentido, abordamos ao largo do texto a possibilidade da utilização da justiça terapêutica como possibilidade de fuga do sistema penal tradicional no tratamento e recuperação do toxicômano, em vista de sua reinserção na sociedade e a mitigação dos danos causados em sua vida e na sociedade com o uso e exposição às drogas.
PALAVRAS-CHAVE: Lei de drogas. Usuário. Justiça Terapêutica.
ABSTRACT: In this article we will discuss the treatment given by Law 11.343 of 2006, known as the Drug Law, regarding the subject that is in the drug user situation, verifying if a non-criminal treatment was actually given to him, affecting the sphere of state performance to the problem of the user in the sphere of health and recovery. The debate is based on constructions that said that the use of drugs was decriminalized, when we understand and justify the article, that on the other hand the use, besides not being decriminalized, is generally confused with the crime of trafficking, depending on the socioeconomic condition of the user, as well as the peripheral or central conditions of his residence and life. In this sense, we approach the text of the possibility of using therapeutic justice as a possibility of escape of the traditional penal system in the treatment and recovery of the toxin, in view of its reintegration into society and the mitigation of the damages caused in its life and society with drug use and exposure.
KEYWORDS: Drug law. User. Therapeutic Justice.
INTRODUÇÃO
Vivemos como pessoas no mundo, sujeitos de nossas próprias experiências e caminhada de vida, logo, interpretamos o mundo de acordo com as nossas subjetividades e preconceitos, no qual, as pessoas veem o mundo de acordo com a fatia social na qual estão incluídas. Em um país de extrema desigualdade, pessoas tendem a ver o mundo, também, de maneira desigual, na medida de suas próprias cognições e experiências de vida.
Os investimentos na área da saúde e educação são elementos essenciais para o provimento de uma igualdade mínima, são direitos sociais criados para coibir as desigualdades naturais de nossa sociedade e estabelecer uma determinada igualdade de pontos de partida, para além da mera formalidade constitucional. Contudo, como são estes direitos metas a serem cumpridas e consolidadas ao longo do tempo, ainda não se consegue efetivar essa igualdade como se pretende em nossa Carta, sendo o Brasil um país ainda extremamente desigual, o que mantém determinadas fatias sociais extremamente vulneráveis e suscetíveis a problemas históricos das sociedades.
A desigualdade, a vulnerabilidade, o distanciamento dos aparatos estatais, tanto para garantir direitos quanto para prevenir e reprimir crimes em certas áreas faz com que naturalmente nestas áreas alheias ao Estado ascenda à criminalidade por meio do fortalecimento do poder paralelo, como se pode vê nos morros do Rio de Janeiro e em outras áreas marginais do Brasil.
De outra banda o nosso sistema carcerário é caótico, sobre este ponto, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes (2017) afirma em entrevista á BBC Brasil que “Nós temos 360 mil vagas e quase 700 mil presos, uma superlotação. As condições dos presídios são péssimas. E a tendência, em função da legislação e a questão do tráfico de drogas, é a intensificação das prisões, principalmente as preventivas. ’’ Deste modo, ele aponta que uma boa parte destes presos são presos provisórios e que a Justiça em geral não tem como julgá-los. Aduz ainda, que o fluxo de entrada são enormes e não tem saída -, é causa da superlotação. (MENDES, 2017, online).
Ademais, o ministro Gilmar Mendes aponta como uma medida para descarcerização são os mutirões carcerários para visualizar excessos, apresentar julgamentos, liberar aqueles que precisam ser liberado, mudar de regime. Ou seja, são as visitas de juízes in loco.
Neste mesmo norte, o Conselho Nacional do Ministério Público (2016) publicou um relatório que define o sistema penitenciário brasileiro como caótico, pois possui graves deficiências estruturais, superlotação carcerária e condições desumanas de custódia, que submete ao país umas séries de violações dos direitos fundamentais. (BRASIL, 2016).
Em decorrência deste superencarceramento um problema crescente no Brasil vem multiplicando-se: a superlotação dos presídios[2]. Alcançamos a marca de quarta população mundial em número de presos, e a tendência mostra uma crescente exponencial, somem-se a isso as condições precárias que se encontra o nosso sistema penitenciário, em que sequer garantias mínimas previstas nas legislações vigentes são aplicadas.
Vale destacar que o nosso ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em entrevista para a revista Estadão (2015), asseverou que nossos presídios são “masmorras medievais”. Daí pode extrair que os presídios brasileiros são fábricas de criminosos, basta verem que duas das maiores organizações criminosas brasileiras, o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital nasceram exatamente dentro destes sistemas falidos, e hoje os controlam, comandando rebeliões, separação de presos e toda a sorte de crimes que acontecem sob a égide de um empreendimento que deveria ser controlado pelo Estado.
No que concerne às drogas, questão de grande relevo no cenário jurídico atual, e sempre foi uma questão controversa na sociedade, o sistema carcerário brasileiro vem crescendo exponencialmente em grande medida pela criminalização indistinta de usuários e traficantes, pois conforme o relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciário (Infopen 2016), em virtude da Lei 11.343/2006 a população carcerária elevou-se a 28% (vinte e oito por cento), reflexo de que a Lei de Drogas não traz uma distinção clara entre um e outro, permitindo a discricionariedade na seleção de quem será classificado como um e outro no sistema.
Anteriormente, a Lei 6.368/1976 possuía um caráter repressivo e coercitivo, era conhecida como proibicionista. Diferentemente, a nossa legislação atual de drogas Lei 11.343/2006 vê a questão das drogas como uma questão de saúde pública, e como consequência deveria tratar o usuário de drogas como vítima de um problema de saúde pública, e não como alguém que merece punição.
Porém, observa-se que a nova Lei de Drogas não teve um resultado satisfatório, pois o índice de pessoas presas aumentou desde o início de sua vigência, como demonstra o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN (2016). Outro dado importante informado neste levantamento aponta para a criminalização desproporcional da comunidade preta, de baixa renda e de jovens, principalmente sem estudos, casos em que a simples posse de pequena quantidade de drogas é classificada, graças aos fatores socioeconômicos, como traficância.
Isso denota a dificuldade na diferenciação entre o usuário e o traficante na Lei de Drogas, já que os critérios não são quantitativos nem objetivos, deixando à margem do subjetivismo do aplicador da lei a definição e separação, o que inevitavelmente acontece sob as lentes dos preconceitos sociais inerentes a ele.
De antemão se verifica que o fulgor inovador que traria a nova lei, com uma visão mais ampla de tratamento das drogas como problema complexo que envolve o crime e a saúde pública, logo convolou-se em uma lei que amplificou a estratificação social do criminoso.
Neste ponto o presente trabalho pretende demonstrar como a Justiça Terapêutica, ou Justiça Restaurativa, pode servir muito mais aos princípios da própria Lei de Drogas como medida de reinserção do usuário de drogas na sociedade, com vistas à promoção da terapia para o tratamento não de um criminoso, mas sim de um doente, como deve ser tratado o usuário de drogas.
Tem-se então como objetivo deste artigo, apresentar as formas com as quais a justiça terapêutica pode contribuir para o tratamento do usuário de drogas e a forma de retirá-lo da situação de vulnerabilidade para o cometimento de outros crimes que pode decorrer da toxicomania.
A metodologia utilizada para o desenvolvimento desta pesquisa tem como método exploratório, buscará estudos bibliográficos, livros, artigos, monografias, leis, além de documentos e textos em meio virtual.
Dar-se-á especial ênfase neste trabalho à Justiça Terapêutica com enfoque na prevenção e tratamento dos usuários de drogas ilícitas demonstrando os seus pontos positivos para o combate a criminalidade e desencarceramento, tendo em vista as infrações cometidas sob efeitos das drogas. Para tanto, serão ressaltadas possíveis causas que levam indivíduos a reincidir no crime levando em conta à vulnerabilidade social.
O primeiro ponto a ser aludido, é sobre Drogas e Legislação Penal, fazendo uma breve comparação entre a Antiga Lei de Drogas – 6.368/1976 e a Nova Lei de Drogas – 11.343/2006, bem como, analisando a inconstitucionalidade do artigo 28 desta lei; posteriormente, falarei sobre a reincidência na criminalidade, levando possíveis causa e o índice de pessoas que voltam a reincidir conforme o relatório do Nacional de Informações Penitenciárias; por fim, apontarei como um artifício para causa caótica do sistema prisional brasileiro, a Justiça Terapêutica, dando ênfase em sua aplicabilidade ao tratamento alternativo ao usuário de drogas.
1. DROGAS E LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Anteriormente, tínhamos uma legislação que dispunha medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícita de entorpecentes e o seu uso, a lei 6.368/1976, conhecida também como ‘proibicionista’[3], sendo que umas das principais críticas ao antigo modelo seria a indefinição e separação de tratamento entre o traficante e o usuário de drogas, resumindo-se a diferenciação apenas no quantitativo da pena. A problemática residia exatamente em tratar o usuário como criminoso e não como uma pessoa doente, que necessite de recuperação.
A pena aplicada por esta lei ao usuário de droga seria de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa conforme elencado no seu artigo 16. Ao passo que o traficante seria incluso na pena de 3 (três) a 15 (quinze) anos de prisão. De forma teratológica, ao invés de buscar tratamento ao usuário o que se permitia era remetê-lo à prisão, um ambiente cabalmente tomado pelo tráfico de drogas, em decorrência dos problemas estruturais do sistema penal brasileiro.
Por outro lado, com o advento da nova Lei de Drogas – 11.343/2006, que entrou em vigor em outubro de 2006, em seu artigo 3° aduz que o Sistema Nacional de Drogas tem com finalidade a prevenção do uso indevido, a atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. Além disso, esta lei trata o usuário não como um criminoso e sim como uma pessoa que necessita de cuidados para tratar desta doença, aplicando outras medidas diversas da prisão para o usuário, e tratando-o como um doente que necessita do aparato estatal exatamente para livrar-se de seu vício.
Nesse sentindo, a aplicabilidade da Lei 11.343/2006 possibilitou a distinção do usuário e do traficante de drogas, no que concerne ao tratamento penal, deste modo, reconhecendo que os dependentes de drogas necessitam de um tratamento diferenciado, o que possibilita uma melhor aplicação da pena.
A nova lei de drogas trás como pena alternativa para o usuário de drogas conforme é previsto no seu artigo 28, as seguintes medidas:
[...] I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
[...]
§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. (BRASIL, 2006)
Segundo Gomes & Bianchini (2006) a nova lei de drogas trouxe, para o usuário, medidas despenalizadoras, à medida que não preveem mais o ergástulo, ainda que não sejam medidas administrativas, mas ainda penais (diversas da prisão).
Notamos que a nova tônica da Lei 11.343/2016 busca tratar o usuário de drogas como um doente, ao revés da antiga lei que o tratava como criminoso. Neste sentido, o artigo 48 parágrafo § 2° desta lei aduz que o usuário deve ser encaminhado imediatamente ao juízo competente para medidas cabíveis. Percebe-se então que não houve uma descriminalização e sim uma despenalização, tendo em vista, que o uso de drogas ilícitas não deixou ser relevante para o âmbito jurídico. Com a despenalização, há uma substituição da pena de prisão por uma medida educativa e de reinserção desses usuários. (BRASIL, 2017).
Nesta lógica, Lamarck (2015) defende que essas mudanças na legislação trouxeram reflexão e adoção de novas práticas, que possibilita um enfoque no sistema judiciário a fim de resolver os conflitos e descarcerização, e reinserir o paciente bem como reduzir a reincidência, tônica esta que vai de acordo com a superlotação do sistema prisional brasileiro, como apresentamos alhures.
Essa adoção de novas práticas é aplicável em um programa que envolve grupo de profissionais da área da saúde, psicologia e assistência social, onde, há uma espécie de terapia que parte de um processo desintoxicação, seja ela psíquica, por meio de cursos, como em medidas extremas por meio da internação e a desintoxicação química.
O nosso sistema vigente de prisão parece não resolver o problema da dependência do usuário de drogas. “Apenas e tão somente retirá-lo da rua não irá eliminar a droga ou o anseio de consumi-la. A real preocupação deve ser como recuperar o usuário, sua vida, seu cotidiano e afastá-lo do convívio nocivo com a droga”. (GONÇALVES, 2012, p. 9)
Contudo, há controvérsia na 11.343/2006 em relação à aplicabilidade e tratamento do dependente e usuário de droga, uma vez que, esta lei tem finalidade de reinserção social destas pessoas, sendo no diploma legal o uso de drogas identificado como um caso de saúde pública e não de justiça criminal.
Segundo Emmanuela (2009), no que tange aos usuários e o tratamento da Lei de Tóxicos, a Lei fracassou, tendo em vista, que apesar de distinguir o traficante do usuário de drogas formalmente, a grade dificuldade que a justiça tem em aplicar as medidas despenalizadoras. A uma porquanto há uma extremada dificuldade prática em se separar o usuário do traficante pelos critérios legais aplicados na lei[4], a duas pela introjeção de fatores subjetivos nesta análise e não quantitativos, que podem levar a uma aplicação diferenciada em regiões diferenciados por conta de estigmas sociais inerentes à nossa sociedade desigual, uma verdadeira perseguição àqueles indivíduos que estão em desvantagens na sociedade, os outsiders de Becker.
Segundo Karam (2008, p. 118), a Lei de Drogas não chegou a despenalizar o usuário, apenas delimitou o tipo de pena aplicável ao usuário, mantendo seu caráter de penalização, e consequentemente os efeitos decorrentes da pena, tanto de prevenção quanto de repressão ao usuário, bem como os efeitos estigmatizatórios do mesmo.
Neste sentido, a antiga lei de drogas já mantinha o mesmo caráter, à medida que, como efeito prático, as penas aplicadas de detenção, consideradas de menor potencial ofensivo no caso, eram sempre passíveis ou de medidas despenalizadoras já na Lei 9.099/95 (transação penal e suspensão condicional do processo), bem como subsidiariamente a possibilidade de substituição por medidas diversas da prisão, consoante o art. 44 e seguintes do Código Penal. (KARAM, 2008, p. 118)
Em se tratando de drogas o perigo não está em sua circulação, mas na sua proibição e em decorrência a possibilidade de fomentar, sem o controle de produção e venda pelo Estado, um poder paralelo, neste sentido defende Karam (2008, p. 119) que em decorrência desta proibição acabemos “expandindo o poder punitivo, superpovoando prisões e negando direitos fundamentais, acaba por aproximar democracias de Estados totalitários”.
A expansão do poder punitivo impulsiona a guerra contra as drogas, consequente a perseguição do usuário como efeitos colaterais desta guerra.
Nas atuais tendências expansionistas do poder punitivo, impulsionadas, em grande parte, por essa “guerra às drogas”, a figura do “inimigo” ou de quem tenha comportamentos vistos como diferentes, “anormais” ou estranhos à moral dominante, se confunde nos criados perfis do “criminoso”, do “terrorista” ou do “dissidente” (KARAM, 2008, p. 119).
Ademais, o procedimento para tratativa que envolve o usuário de drogas é feito sem uma devida cautela “visto que a definição do que vem a ser usuário depende de uma análise subjetiva do magistrado ao se deparar com a quantidade e qualidade da droga como prevê o § 2.º do art. 28’’ da citada lei. (GONÇALVES, 2012, p. 2).
Vale ressaltar ainda, que há um conflito no tocante a aplicação do artigo 28 e 33 da citada lei, pois ambos os artigos possuem seus dispositivos os mesmos verbos: “adquirir”, “transportar”, ‘‘trazer’’ consigo drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Deste modo, “o grande enfrentamento é determinar o que seria consumo pessoal e tráfico, pois se quatro previsões são colidentes como aferir o princípio de Justiça? Afinal, a disparidade de penas entre as condutas é enorme’’. (GONÇALVES, 2012, p. 2)
Nesse seguimento, o procedimento para a identificação do usuário ainda é dificultoso, tendo em vista, primariamente, se identifica quantidade, o local e as condições em que foram encontradas substâncias ilícitas, posteriormente determinar a tipificação. (GONÇALVES, 2012, p. 2)
Desta feita, surge à indagação, qual seria a quantidade para enquadrar o agente com um usuário ou um traficante? E se o agente for encontrado nessas condições acima com uma quantidade elevada de drogas para o consumo próprio? “Será que dividir um cigarro de maconha com um amigo pode ser considerado tráfico, pensamento plenamente inteligível e adequado ao art. 33 que prevê o oferecimento como causa de tráfico”. Destaca-se que são tipificações e penas totalmente diferentes como inicialmente demonstrado. (GONÇALVES, 2012, p. 2-3)
Logo, o legislador pretendeu preservar o usuário de droga, pois nota-se que o universo prisional ao invés de recuperá-lo, irá agravar ainda mais a situação deste. Isto posto, o nosso sistema prisional atual é inviável para os usuários de drogas, pela facilidade com a qual se encontram dentro do sistema prisional. (GONÇALVES, 2012, p. 3)
Dentro do sistema penal a maioria da população é de jovens, negras, pobres e de baixa escolaridade e que a maioria dos encarceramentos é por crimes relacionados às drogas ilícitas. Entre as pessoas presas, 40% são provisórios e que as pesquisas indicam como principal fator dessa quantidade de encarcerados é a Lei 11.343/2008 – Lei de Drogas. (Infopen, 2017)
Segundo o relatório realizado pela Human Rights Watch (2017), organização internacional não-governamental que defende e realiza pesquisa sobre direitos humanos:
Um fator chave para o drástico aumento da população carcerária no Brasil foi a lei de drogas de 2006, que aumentou as penas para traficantes. Embora a lei tenha substituído a pena de prisão para usuários de drogas por medidas alternativas como o serviço comunitário – o que deveria ter reduzido a população carcerária –, sua linguagem vaga possibilita que usuários sejam processados como traficantes. Em 2005, 9 por cento dos presos haviam sido detidos por crimes associados às drogas. Em 2014, eram 28 por cento, e, entre as mulheres, 64 por cento, de acordo com os últimos dados disponíveis (HUMAN RIGHTS WATCH, 2017, p. 4).
Em suma, percebe-se a forma pelo o qual é tratado o usuário e o traficante não mudou na prática, a velha política repressiva e coercitiva é a que prevalece, neste ponto, a forma de analisar o indivíduo é de forma seletiva, pela questão da vulnerabilidade social e fator econômico.
A evolução história do Direito Penal, é marcada pela crueldade e derramamento de sangue. Não eram respeitadas as garantias fundamentais e muito menos a dignidade da pessoa humana. Passando-se por período de vinganças divinas (povos primitivos), vingança privada (prática de justiça pelas próprias mãos); vingança pública (com o fortalecimento dos Estados); pela Idade Média (ascensão do período político – direito penal grego, divisão dos crimes – Direito Romano); Idade Média (Direito Penal Germânico e Direito Penal Canônico); e pela Idade Moderna (período humanitário). (TRIGUEIROS, 2016, p. 811)
Com isso, pode-se observar que o Direito Penal evoluiu de acordo com as necessidades sociais da época em qual é vivida adaptando conforme a evolução da sociedade, sempre demonstrando os fatores mais democráticos ou autoritários de uma sociedade, como aduz Goldshimit.
Partindo desse norte, atualmente, temos uma legislação penal arcaica que não cumpre o seu papel na sociedade conforme a sua finalidade primitiva e que precisa ser modificada conforme os anseios da sociedade atual e principalmente a nossa realidade.
Então, a princípio deve ressaltar a finalidade do Direito Penal, que é uma norma reguladora do comportamento humano, que protege o direito mais relevante da sociedade, tais como: a vida, o tempo, a liberdade, o patrimônio e outros. Assim, pode-se dizer que o Direito Penal possui uma face de proteção da sociedade de atos ilícitos no âmbito criminal (GARCIA, 2016, P. 809).
Para tanto, a essência do Direito Penal Brasileiro é de fato, evitar que o crime ocorra. Porém, o que na prática ocorre é uma inversão da finalidade deste ramo do direito, uma vez, que o Direito Penal é usado para punir, somente punir, e não evitar que o crime aconteça, assim, trás para a sociedade uma sensação de insegurança porque o papel do Direito Penal não está sendo cumprido conforme a sua essência. (TRIGUEIROS, 2016, p. 809).
Para Silveira & Dias (2016) o sistema punitivista adotado pelo Brasil não alcança uma efetividade satisfatória, é uma máquina de privações que perde sua finalidade e ainda, não cumpri com o seu papel, muitos menos evita a reincidência e não efetividade no combate a criminalidade, desde modo o que esperar de um sistema que causa insegurança para a sociedade? A sua ineficiência é tão grande que sequer trás para uma sociedade uma sensação de conforto, pois temos um sistema punitivista que não passa de uma fábrica de criminosos.
O Direito Penal Brasileiro tem uma força coercitiva, logo quando nos deparamos com alguma ação delituosa já se passa pela mente uma punição. Porém, de certo, se ocorreu um crime é porque a norma penal não foi eficiente na sua missão primária, que é evitar que o crime aconteça, há uma profusão de tipos penais incriminatórios, mas uma pouca efetividade na evitação destes crimes e ainda em sua apuração.
Diante da situação que o nosso país vem vivenciando nesses últimos anos percebe-se que de fato deve haver uma revisão no nosso Código Penal. Nesse sentido, deve-se adotar como meio de cumprimento de pena que trás para a nossa sociedade uma segurança enquanto eficácia das normas existentes no nosso ordenamento jurídico diferente da norma repressiva e punitivista vigente.
Deste modo, verifica-se que a importância de um direito penal que respeita a dignidade humana, bem como possibilita aos indivíduos que age em desfavor da lei um tratamento eficaz para que este não volte a reincidir, dessa forma, diminuir o índice da criminalidade. Pois norma penal reflete nas demais sanções imposta aqueles indivíduos que pratica crime tipificado em leis espaça, no caso em estudo, a Lei de Drogas.
3. A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 28 DA LEI 11.343/200
Para o ministro Gilmar Mendes o artigo 28 da Lei 11.343/2006 que criminaliza o porte de droga para o uso pessoal é inconstitucional. Existe, neste sentido, uma ação de Inconstitucionalidade em curso, pendente de julgamento, que busca efetivamente essa declaração, tendo inclusive votos já prolatados em sede de julgamento. (BRASIL, 2015).
Para tanto, o ministro Gilmar Mendes relator do Recurso Extraordinário votou pela inconstitucionalidade, sob o argumento:
Apesar do abrandamento das consequências penais da posse de drogas para consumo pessoal, a mera previsão da conduta como infração de natureza penal tem resultado em crescente estigmatização, neutralizando, com isso, os objetivos expressamente definidos no sistema nacional de políticas sobre drogas, em relação a usuários e dependentes, em sintonia com políticas de redução de danos e prevenção de riscos (BRASIL, 2015).
O Ministro Gilmar Mendes (2015) abarca ainda o direito a personalidade dos usuários, em seus termos “o direito ao desenvolvimento da personalidade em suas várias manifestações, de forma, portanto, claramente desproporcional”.
Nesse mesmo sentido, Maria Lúcia Karam (2006) aduz que:
A simples posse para uso pessoal das drogas qualificadas de ilícitas, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto, direto e imediato para terceiros, são condutas que não afetam nenhum bem jurídico alheio, dizendo respeito unicamente ao indivíduo, à sua intimidade e às suas opções pessoais. Em uma democracia, o Estado não está autorizado a intervir sobre condutas de tal natureza, não podendo impor qualquer espécie de pena, nem sanções administrativas, nem tratamento médico obrigatório, nem qualquer outra restrição à liberdade do indivíduo. Em uma democracia, enquanto não afete concreta, direta e imediatamente direitos de terceiros, o indivíduo pode ser e fazer o que bem quiser. (KARAM, 2008, p.118).
Karam (2008) defende que essa criminalização antecipada viola o princípio da lesividade ou ofensividade da conduta proibida, em esta conduta só poderá ser objeto de criminalização quando, direta, imediata e significativa afete um bem juridicamente relacionados aos direitos individuais concretos. Dessa maneira, as drogas que consiste em tutelar a saúde pública, que só poderia ser visualizado com a produção e distribuição destas.
Com isso, diante o princípio da ofensividade pode se afirmar que não há crime sem lesão ou perigo concreto ao bem juridicamente tutelado nos crimes de perigo abstrato aos quais se enquadra o porte de droga para o uso pessoal.
4. A REINCIDÊNCIA NA CRIMINALIDADE
Ao longo da história, conforme preconiza Durkhein, o crime consiste num ato que ofende certos sentimentos coletivos dotados de uma energia e de uma clareza particulares, sendo para ele um fator normal e decorrente da própria sociedade, e até necessário e útil, sendo que muita vezes, ele constitui uma simples antecipação da moral futura.
Conforme a Bíblia Sagrada (2012) assim que Deus criou o mundo, o homem e a mulher a eles foram determinados que todos os frutos Adão e Eva poderiam comer, porém, apenas o fruto de uma única árvore “fruto proibido’’ eles não podiam comer. Assim, eles não resistiram e comeram o fruto proibido, ou seja, transgrediram a Lei de Deus e suas punições foi suas expulsões do Jardim do Éden.
Segundo Veiga (2011) também, encontramos fato histórico na mitologia grega, onde, “na tragédia grega tudo acontece pelo desejo do homem se livrar dos limites lhes impostos pelos deuses e transcender pelo êxtase, comungando com a imortalidade”.
Trazendo esses contextos para os nossos dias atuais, considerando a finalidade das normas que é regular o comportamento dos homens, e que não pode ser escusável o seu desconhecimento, o que ocorre com o Direito Penal, é que foi criado com a finalidade de evitar que o crime ocorra. Sendo assim, qualquer ato praticado que configurar crime acarretará uma pena.
Para tanto, para compreendermos a questão da reincidência do indivíduo na criminalidade, devemos levar em consideração a motivação do crime, o porquê ocorreu o crime. Aqui levamos em consideração que os motivos que fazem com que um indivíduo cometa um crime são as desvantagens sociais. Pois o que vêm sendo apontado nas pesquisas realizadas nas penitenciárias brasileiras é que a população carcerária é composta por maioria de negros e pobres.
Dessa maneira, Silveira e Dias (2016) afirmam que a questão dos indivíduos estarem vulneráveis torna-os mais propensos a se deixarem corromper no mundo do crime. Pois vivemos em sociedade desigual, que gira em torno do consumismo exacerbado que acarreta frustrações na vida pela questão do prazer sem limites, com isso, buscamos a felicidade em uma sociedade capitalista que trás como consequências frustrações para nossas vidas.
Então, podemos observar que o Estado é falho em não possibilitar a sociedade os elementos básicos (mínimos) para a construção do ser humano para sua convivência no meio social. Juntamente com o preconceito que é inerente na nossa sociedade que vem deste os primórdios até os dias de hoje.
Portanto, é uma série de fatores que fazem com que os indivíduos se corrompam e pratiquem crimes, recebendo penas que não contribuem para a libertação deste mal voltando à vida da criminalidade e delinquência, pois o nosso Sistema Penal não cumpre com o seu papel em vista da sua inversão.
Nos dias de hoje, a banalização das drogas está afetando todos os grupos e classes sociais brasileiras. É o que pode ser apontado como uma das principais causas que influenciam as pessoas principalmente pela globalização e o mundo capitalista e consumista em que vivemos que trazem consequências frustradas para nossas vidas.
Para tanto, as relações entres as pessoas sejam no ambiente familiar, grupos de amigos ou pelas próprias relações vividas entre homem e sociedade, que de alguma forma influencia o individuo a entrar nesse mundo que para muitos é um caminho sem volta.
Como mecanismos que contribuem para influenciar os indivíduos no mundo de drogas, pode ser explicado por algumas fases estas que podem ser compreendidas como primariamente uma busca de novas experiências, no qual o indivíduo busca as drogas devido à curiosidade, que envolve “pressão de amigos ou vontade de imitar um ídolo, entre os adolescentes principalmente, o ato de usar drogas e tido como uma aventura e que algumas pessoas que consomem a droga pela primeira vez passa a praticar o que médicos e psicólogos chamam de uso recreativo ou social” (MARIANO, 2013, p. 18).
No segundo momento a droga não mais será usada por curiosidade, agora o indivíduo será influenciado pelo o ambiente ao qual se encontra. Por fim, a terceira fase pode ser explicada pela relação familiar, pelo fato do desemprego, educação e laser (MARIANO, 2013, p. 18).
Diante disso, o reflexo dessas fases é a elevação de números de usuários de drogas e consequentemente o aumento da criminalidade, devido à vulnerabilidade social, o que possibilita a estes a praticarem crime.
No tocante a reincidência do usuário de drogas no mundo da criminalidade é que no nosso ordenamento jurídico encontramos formas de reabilitação dessas pessoas que não passa da forma teórica codificada, pois o Estado não oferece um tratamento digno para estes usuários, porque de fato, o nosso Sistema Penal não ressocializa o preso, o que ele faz é punir o indivíduo privando lhe sua liberdade e jogando lhe na fábrica da bandidagem.
Nesse sentindo, o que encontramos é um estado caótico do sistema prisional brasileiro, que com os efeitos da lei antidrogas, ocorre excesso de prisões provisórias, regime fechado (mesmo quando cabem penas alternativas). É preocupante, com a ausência de ações efetivas de ressocialização a consequência é o fortalecendo do crime.
Desta feita, é possível uma alternativa para diminuir a criminalidade através da política pública Justiça Terapêutica que pode mudar o patamar que a sociedade se encontra, pois a Justiça Alternativa tem um compromisso de ressocializar os indivíduos que cometem crimes sob efeito de drogas.
6. JUSTIÇA TERAPÊUTICA
6.1. ORIGEM DA JUSTIÇA TERAPÊUTICA
A Justiça Terapêutica é inspirada nas Drug Courts (tribunais de drogas) que se iniciou por volta dos anos 70 em Miami, Estados Unidos da América e já adotada em alguns estados brasileiros como o Estado do Rio Grande do Sul, “consiste na combinação de um sistema jurídico associado a um sistema de tratamento” que abrange um conjunto de medidas voltado ao usuário abusivo ou dependente de substâncias entorpecentes em conflito com a justiça. É aplicado nos casos em que o uso de drogas está envolvido na prática criminosa de menor potencial ofensivo, deste modo, será aplicado a estes casos um tratamento contrário da aplicação de pena privativa de liberdade (VAILATE & MOTA, 2015, p. 6).
Segundo Fensterseifer (2009) a Justiça Restaurativa surgiu nos Estados Unidos da América em um momento de avanço de usuários de drogas:
[...] num momento em que o uso de drogas e o aumento da criminalidade apresentavam-se em níveis próximos à insuportabilidade. Nesse contexto, foram implantadas varas para atender os crimes cometidos por usuários de drogas que gostariam de participar de um programa de reabilitação em vez de responder a um processo criminal tradicional [...]. (FENSTERSEIFER, 2009, p. 11)
Na legislação brasileira passou a ser reconhecida que o fator drogas influência na criminalidade, com isso, com o advento do Estatuto da Criança e do adolescente – ECA de 1990, em seu artigo 101, inciso V e VI, surgiu à proposta de tratamento ao jovem infrator que possui dependência química. Tratamento este que será “autoridade competente, requisite o tratamento psicológico, médico e/ou psiquiátrico em ambiente ambulatorial e/ou hospitalar ou inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoolista e toxicômanos” (VERGARA, 2011, p. 2).
Conforme Fensterseifer (2009) os tribunais das drogas são medidas jurídica e penal que direcionam os usuários de drogas e infratores que manifestam condutas violentas e antissociais para inicialmente tenham tratamento de desintoxicação em clínicas médicas e hospitais. Que requer um monitoramento da execução da pena – tratamento com a solicitação de avaliações, exames e relatórios da equipe de saúde e da assistência social e psicológica.
No ano de 1996 e 1997, o Ministério Público do Rio Grande do Sul deu inicio ao “Projeto Consciência”, que buscava tratar a criminalidade relacionada ao uso de drogas de forma mais satisfatória. Tal projeto transformou-se no programa denominado “RS sem Drogas”. Já no ano de 2000, foi criada a Associação Nacional de Justiça Terapêutica – ANJT, que busca incentivar os acusados que praticaram delitos sob efeitos de drogas a aderirem ao tratamento (FENSTERSEIFER, 2009, p. 12-13).
A justiça terapêutica, hodiernamente, já abrange alguns estados brasileiros, tais como: Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Sergipe e Paraná). No entanto, o estado mais significativo através da justiça terapêutica é o estado de Pernambuco, onde, existe desde 2001 o Centro de Justiça Terapêutica. (GIACOMINI, 2009)
6.2. VIABILIZAÇÃO DO PROGRAMA JUSTIÇA TERAPÊUTICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A aplicabilidade da Justiça Terapêutica gira em face da resolução de conflitos nas áreas de crimes de violência doméstica, crimes cometidos por menores de idade, entres outras infrações onde o elemento drogas está presente em vista do abuso de substâncias psicóticas. O estudo também envolve a questão do modelo de tratamento adotado pelo nosso Estado em torno desses crimes, que é o iminentemente coercitivo, e que este tipo de cumprimento de pena pesa no bolso da sociedade e que de nada adianta, pois o através desse sistema punitivista o nível de reincidência é bastante elevado.
Para Lamarck (2009) o fato de que cada vez mais existirem pessoas que possui dependência química de drogas no Brasil, trás consequências dolorosas de violência físicas sofridas e praticadas com o objetivo de obter dinheiro para manter o vício, sofrimento no âmbito familiar, bem com, abandono dos filhos e do trabalho, o encarceramento pelo uso de drogas, e em muitos casos a pratica de crimes contra o patrimônio e a vida.
De acordo com Brandão (2014) o aumento da população carcerária no país é exorbitante. Enquanto a população brasileira cresceu 36% no período de janeiro de 1992 a junho de 2013, o número de pessoas presas aumentou 403,5%, (quatrocentos e três e cinco centésimos por cento) segundo dados do Ministério da Justiça.
A população carcerária brasileira atualmente chega a mais de 622 mil detentos, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN (2016). O relatório mostra que os perfis das pessoas presas são jovens, negras, pobres e de baixa escolaridade e que a maioria dos encarceramentos é por crimes relacionados às drogas ilícitas.
Diante dos excessos de prisões provisórias o sistema penal adotado pelo Brasil somente serve para punir o indivíduo, não oferecendo um tratamento eficaz de recuperação do paciente para o seu retorno ao convívio social evitando a sua reincidência na criminalidade.
Inicialmente pode-se apontar como ponto para a viabilização da Justiça Terapêutica, como já demonstrando anteriormente, a Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA em seu dispositivo 101 possibilita aos dependentes químicos um tratamento diferente do sistema adotado pelo atual sistema criminal. Esse sistema alternativo tem inspiração dos tribunais para dependentes químicos dos Estados Unidos e do Canadá.
Com o advento da Lei de Drogas nº 11.343/2006 foi criada a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), que institui as medidas para prevenção, repressão, recuperação, tratamento, recuperação, reinserção social do paciente, e aduz que no caso de infrações penais por porte, uso e aquisição de drogas ilícitas seja processado pelo Juizado Especial Criminal – JECRIM.
Conforme Silva (2014) os efeitos do artigo 28 da Lei n° 11.343/2006 no programa Justiça Terapêutica, vão além que prescrito:
a. Contravenções penais (Decreto-Lei nº 3.688/41): via de fato, provocação de tumulto, perturbação do trabalho ou sossego alheios, importunação ofensiva ao pudor, embriaguez e perturbação da tranquilidade;
b. Crimes contra a pessoa: homicídio, aborto, lesões corporais, notadamente envolvendo relações domésticas e/ou familiares e de vizinhança, perigo para a vida ou saúde de outrem, abandono de incapaz e maus tratos;
c. Crime contra o patrimônio: furto, roubo, dano, apropriação indébita, estelionato e receptação;
d. Crimes contra os costumes: estupro, atentado violento ao pudor, corrupção de menores e favorecimento da prostituição, casa de prostituição, rufianismo e ato obsceno;
e. Crimes contra a assistência familiar: abandono material e abandono intelectual;
f. Crimes contra a paz pública: quadrilha ou bando;
g. Crimes praticados por particular contra a administração geral: resistência, desobediência e desacato;
h. Crimes praticados contra a administração da justiça: exercício arbitrário das próprias razões;
i. Crimes da Lei nº 6.368/76: porte para uso de substâncias entorpecentes;
j. Crimes da Lei 9.437/97: porte ilegal de arma de fogo e dispara de arma de fogo em local habitado;
k. Crimes da Lei 9.503/97: homicídio culposo, lesão corporal culposa, condução de veículos sob a influência de álcool ou de efeitos análogos e participação de corrida ou competição na via pública.
Com as alterações que sucederam com Lei de Drogas foi possível à distinção entre o traficante e o usuário de drogas ilícitas, ao qual, reconheceu que estes necessitam de um tratamento diferenciado, deste modo, a pena mostra-se com melhor eficácia.
Nesse sentido, essas mudanças na legislação trouxeram reflexão e adoção de novas práticas que tem como um enfoque na resolução de conflitos e descarceirização que visa à reinserção e a redução da reincidência, mesmo que ainda haja uma grande dificuldade, graças a lacuna na lei, de diferenciação por ausência de critérios claros de definição sobre o que vem a ser um usuário.
Ainda, com o advento da Lei N° 11.343/2006 – Lei de Drogas, em especial no artigo 28, inciso III, foi inovação que esta lei trouxe para o Sistema Judiciário Brasileiro, onde, viabilizou a Justiça Terapêutica. Sua aplicação tem como finalidade o direito do agente dependente de drogas a um tratamento de desintoxicação em clínicas médicas e hospitais, monitorada por equipe de saúde, assistência social e psicóloga.
Dessa forma, a Justiça Alternativa possibilitará se colacionada a uma correta aplicação na distinção entre usuários e traficantes, um tratamento digno e ressocialização do usuário de drogas através da junção entre as políticas criminais e de saúde pública.
6.3 TRATAMENTO
O tratamento oferecido pela justiça terapêutica é um benefício processual que dever ser oferecido ao envolvido que se enquadram nos propósitos da medida alternativa, é um direito subjetivo da pessoa, que leva em conta o seu livre arbítrio de se suceder a medida ou não, no caso, sua reposta seja negativa de não aderir ao tratamento, correrá o processo judicial normalmente. Nesse sentido, a partir do momento que o dependente de drogas adere ao programa imediatamente será controlado judicialmente e passará a ser supervisionado.
Para Giacomini (2009), o procedimento poderá ser feito por fases, quais são: o momento prejudicial, que avaliará se a conduta tem relação com o consumo de drogas e uma segunda etapa, chamada de fase judicial, aonde é apresentado o programa ao paciente, no qual, decidirá pela aplicação ou não do programa, neste momento será usado os requisitos e formalidades legais pelo juiz competente.
A fase judicial vai desde o momento anterior à proposição da denúncia, no qual poderá ser feita a transação penal, até o final do cumprimento da pena, visto que, durante a execução penal, poderão ocorrer diversos incidentes de interesses do Poder Judiciário. (GIACOMINI, 2009, p. 11)
Ainda conforme Giacomini (2009):
È nessa fase que acontece o encaminhamento do usuário, pelo juiz, à instituição na qual será realizada a medida de tratamento, com o envolvimento de médicos, psicólogos, ONG´s e uma série de outros profissionais, além do juiz que deve acompanhar o desenvolvimento, por meio de relatórios. (GIACOMINI, 2009, p. 12)
Neste tratamento, o infrator passará por uma equipe interdisciplinar, que envolverá vários especialistas em que inicialmente será feito um diagnótico global deste.
Giacomini (2009) explica que tratamento será feito em parceria com a rede pública e da rede privada de saúde, envolvendo ainda, diversos grupos de apoio, como Associações, em convênio com a Administração Pública e o Poder Judiciário.
6.4 BENEFÍCIOS DO PROGRAMA
O simples afastamento do usuário do sistema carcerário falido no Brasil atual já é demonstração suficiente dos benefícios de incorporação da justiça terapêutica ao usuário de drogas. Pode se somar a isso a redução da superpopulação carcerária no Brasil, bem como a redução dos custos envolvidos no processo, sob uma ótica pragmática. Sob uma ótica individual de garantias, tem-se uma efetiva consolidação dos fins da pena, em especial da reinserção do usuário na cadeia produtiva da sociedade.
Podemos elencar especificamente pontos que denotam essas vantagens, na seguinte ordem:
a. Permite a solução do problema legal, ou seja, da infração cometida, bem como a do problema de saúde que envolve o uso de drogas;
b. Evita a prisão e oferece ao infrator a possibilidade de receber atendimento profissional especializado;
c. Aumenta a probabilidade de se romper o binômio droga-crime;
d. Diminui a reincidência da conduta infracional e o comportamento recorrente do uso de drogas com consequente redução na criminalidade;
e. Reduz o custo social, por ser a atenção à saúde menos cara e mais efetiva que o simples encarceramento;
f. O infrator tem seus processos arquivados, não constando ao final, antecedentes criminais. (LIMA, 2009)
Dessa forma, o grande diferencial do tratamento oferecido pelo programa é a sua eficácia no tocante a reeducação e reinserção do infrator usuário na sociedade, além de apresentar para o Estado um custo financeiro reduzido.
No entanto, enfatiza Lamarck (2015) que diante a realidade em que se encontra o Brasil, a atual a Justiça Terapêutica pode ser um atalho para o não encarceramento, pois dispõe ao indivíduo e a sua família tratamento, acompanhamento, educação formal, qualificação, estímulo ao crescimento pessoal, familiar e social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou-se analisar uma possível alternativa diversa da punição para minimizar dois grandes problemas que afetam toda a sociedade brasileira, quais são: drogas e a criminalidade.
É evidente que a população brasileira sofre com a omissão do Estado, pois falta de investimentos voltados para as áreas da saúde e educação que, por sua vez, são elementos essenciais para prove-se uma igualdade mínima da sociedade brasileira. Essa omissão estatal afeta todas as classes sociais, principalmente aquela que se encontram as margens da sociedade.
Com isso, a vulnerabilidade social pode explicar o grande avanço da quantidade de usuário de drogas, que por consequência, viabiliza a criminalidade. Dessa forma, notamos que esse problema se tornou algo sem solução, e que o Estado só tem a oferecer para combater esses males, um sistema prisional falido que não possui nenhuma eficácia, porque suas formas são arcaicas, onde, preocupa em somente castigar aqueles contrários a lei, sem se procurar com a restauração do indivíduo, isso é um fato preocupante, que devido à ausência de ações efetivas de ressocialização o resultado é o fortalecendo do crime.
Sabemos que as drogas e a criminalidade percorrem juntas, deste modo, para que tenhamos bons resultados em seu combate é necessário que primeiro resolver a questão do uso de drogas, que não é necessário a sua descriminalização, despenalização, e muito menos, punir o infrator usuário, pois a dependência sempre existirá. Na verdade, para que se alcance bons resultados, como foi enfatizado neste trabalho, é o tratar esses indivíduos, que por ser dependentes de drogas, não deixam de ter dignidade. Dessa maneira, deve adotar medidas alternativas (diversa da prisão) para o tratamento dos usuários de drogas, como é oferecido pela justiça terapêutica.
Neste contexto, buscou se demonstrar o cabimento da medida alternativa para o tratamento multidisciplinar dos usuários de drogas que cometem crimes sob o seu efeito destas, deste modo, enfatizamos a sua inovação no tocante da visão de tratar o usuário/dependente, pois isso é questão de saúde pública. Entretanto, ressaltamos a sua negatividade, pois com o advento da Lei 11.343/2006 o número da população carcerária elevou-se, chegando atualmente a quarenta por cento da população carcerária pela traficância, conforme aponta o relatório do INFOPEN (2016). O que evidencia que há um problema na aplicabilidade da lei, pois nota-se a dificuldade de distinguir, o traficante do usuário de drogas fazendo que muitos usuários fossem para trás das grades, o que faz agravar ainda mais a situação desses indivíduos, pois é sabido que os presídios são escola da bandidagem.
O programa oferece uma possibilidade de desmembrar a droga da criminalidade, porque esse afasta da ceara de punição, e se direciona ao cuidado de restabelecer a saúde do usuário/dependente de drogas como forma de restaurar o infrator, de tal maneira, que este não volta a delinquir, ou seja, a justiça terapêutica preocupa com a reinserção deste para o convívio social.
Para tanto, tratamento oferecido pela justiça terapêutica é um benefício processual que dever ser oferecido ao envolvido que se enquadram nos propósitos da medida alternativa, é um direito subjetivo da pessoa, que leva em conta o seu livre arbítrio de se suceder a medida ou não, no caso, sua reposta seja negativa de não aderir ao tratamento, correrá o processo judicial normalmente. Nesse sentido, a partir do momento que o dependente de drogas adere ao programa imediatamente será controlado judicialmente e passará a ser supervisionado.
Observamos que para o deferimento da medida alternativa, é preciso que preliminarmente um processo judicial para verificar a possibilidade da aplicação da medida, que posteriormente será apresentado ao usuário. O tratamento envolve uma equipe interdisciplinar, que engloba vários profissionais. Veja que o tratamento é realizado com a parceria com a rede pública.
Pelo o que foi exposto nesta pesquisa, a Justiça Terapêutica é o método que demonstra ser mais eficaz para recuperar o usuário de drogas, possibilitando a este um tratamento mais digno, pois trabalha com a recuperação da saúde do infrator usuário, que busca a reeducação e reinserção do infrator usuário na sociedade, além de apresentar para o Estado um custo financeiro reduzido.
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[1] Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos, Especialista em Ciências Criminais, Pós-graduado em Direito e Processo Administrativo, Graduado em Direito e em Comunicação Social, todos os cursos pela UFT – Universidade Federal do Tocantins. Escritor dos Livros Constituição & Inquisição (Lumen Juris), e Tutela penal das modernas Biotecnológias, organizador de obras jurídicas, professor e palestrante.
[2] Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, hoje o Brasil conta com 403.170 vagas e uma lotação de 655.222 presos, com um déficit de 252.052 presos, o que demonstra a falência da estrutura carcerária para abrigar a demanda de presos em nossa atualidade. Fonte: http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php, acesso em 08/11/2017.
[3] Para Maria Lúcia Karam, em A Lei 11.343/06 e os repetidos danos do proibicionismo, afirma que essa temática proibitiva da antiga e da nova Lei de Drogas são reproduções de dispositivos criminalizadores das proibicionistas convenções da ONU, que por sua vez, se baseiam na supressão de direitos fundamentais e suas garantias. Drogas e Cultura: novas perspectivas. P. 107.
[4] Os critérios da Lei 11.343/2006 são: análise das substâncias recolhida, a quantidade, local e condições que se encontrava o agente portador da droga, circunstância sociais e pessoais do indivíduo, conduta do agente, e seus antecedentes, bem como o local e o contexto aonde se encontrava o agente.
Bacharelando do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BATISTA, Sebastião Henrique Viana. Justiça Terapêutica: um novo paradigma para a justiça brasileira no combate a reincidência da criminalidade pelo uso das drogas licitas e ilícitas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51096/justica-terapeutica-um-novo-paradigma-para-a-justica-brasileira-no-combate-a-reincidencia-da-criminalidade-pelo-uso-das-drogas-licitas-e-ilicitas. Acesso em: 07 nov 2024.
Por: EMILY PANISSE MENEGASSO
Por: Valdeir Britto Bispo
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Por: ALESSANDRO BERNARDO DOS SANTOS
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