GUSTAVO ANTONIO NELSON BALDAN[1]
(orientador)
RESUMO: O artigo em questão discute a diferença entre duas teorias jurídicas: a cegueira deliberada e o dolo eventual. Essas teorias são presentes no direito penal, principalmente para responsabilizar uma pessoa com base na intenção. Essas teorias ajudam a entender melhor como as decisões são tomadas em situações complicadas. A cegueira deliberada trata-se de uma pessoa que escolhe não saber de algo que poderia incriminá-la. Em outros países, essa ideia é altamente usada, pois ao entender que alguém ignorou uma ilegalidade é considerado tão grave quanto saber e não fazer nada. Já o dolo eventual acontece quando a pessoa, mesmo sem querer, resultando em um resultado ruim, aceita o risco de que ele aconteça. No Brasil, essa teoria é muito utilizada, especialmente em casos de crimes de trânsito, onde a imprudência do motorista equivale ao dolo. O artigo ainda explica como o Judiciário brasileiro lida com essas teorias, mostrando as dificuldades que surgem ao tentar diferenciá-las. Além disso, o estudo fala sobre as limitações das leis brasileiras em comparação com outros países, onde a cegueira deliberada é mais comum. Ademais, o artigo sugere uma solução para os problemas de interpretação dessas teorias.
PALAVRAS-CHAVE: Teorias. Cegueira deliberada. Dolo eventual. Judiciário.
ABSTRACT: The article in question discusses the difference between two legal theories: deliberate blindness and eventual intent. These theories are present in criminal law, mainly to hold a person responsible based on intention. These theories help to better understand how decisions are made in complicated situations. Willful blindness is a person choosing not to know something that could incriminate them. In other countries, this idea is highly used, because understanding that someone ignored an illegality is considered as serious as knowing and doing nothing. Possible intent occurs when the person, even unintentionally resulting in a bad result, accepts the risk of it happening. In Brazil, this theory is widely used, especially in cases of traffic crimes, where the driver's recklessness is equivalent to intent. The article also explains how the Brazilian Judiciary deals with these theories, showing the difficulties that arise when trying to differentiate them. Furthermore, the study talks about the limitations of Brazilian laws compared to other countries, where deliberate blindness is more common. Furthermore, the article suggests a solution to the problems of interpreting these theories.
KEYWORDS: Theories. Deliberate blindness. Possible fraud. Judiciary.
1 INTRODUÇÃO
No presente artigo, abordaremos as complexas distinções entre duas teorias jurídicas fundamentais no direito penal: a cegueira deliberada e o dolo eventual. Estas teorias são essenciais para a compreensão e aplicação da responsabilidade penal, particularmente no que diz respeito à intenção do agente no momento da prática delituosa.
A teoria da cegueira deliberada refere-se à situação em que um indivíduo opta por não se informar sobre fatos que poderiam incriminá-lo, visando evitar a responsabilidade por atos ilícitos. Esta abordagem é amplamente reconhecida em jurisdições internacionais, onde a decisão consciente de ignorar informações relevantes é tratada com a mesma gravidade que a consciência plena da ilegalidade. Em muitos sistemas jurídicos, essa teoria é utilizada para assegurar que indivíduos não escapem da responsabilização penal por escolher ignorar aspectos críticos da situação que poderiam levar a sua condenação.
Enquanto, o dolo eventual se caracteriza pela aceitação, ainda que implícita, do risco de que um resultado indesejado venha a ocorrer. Embora o agente não tenha a intenção direta de causar o resultado, ele assume a possibilidade de que o ato possa levar a consequências graves. No Brasil, essa teoria é amplamente aplicada, especialmente em casos relacionados a crimes de trânsito, onde a imprudência e a negligência podem ser tratadas como dolo, refletindo a aceitação do risco de dano.
O artigo examinará com profundidade como essas teorias são aplicadas no sistema jurídico brasileiro e os desafios enfrentados pelo Judiciário na distinção entre cegueira deliberada e dolo eventual. Serão discutidas as limitações das leis brasileiras em comparação com outros países, onde a cegueira deliberada é mais comumente utilizada.
Além disso, o artigo irá destacar que existe a aplicação específica da cegueira deliberada em casos envolvendo lavagem de dinheiro, sendo que nessa área a teoria tem demonstrado relevância e importância. A lavagem de dinheiro frequentemente envolve a ocultação intencional de atividades consideradas ilícitas e a cegueira deliberada se mostra indispensável para identificar e conseguir punir aqueles que evitam que terceiros descubram a origem ilícita dos fundos.
Por fim, o estudo irá propor algumas soluções para melhorar a forma de interpretar e aplicar essas teorias no Brasil, visando uma pacificação que permita uma justiça mais eficaz e justa. Essa análise realizada tem por pretensão adquirir uma visão crítica, contribuindo para um entendimento mais preciso das responsabilidades penais no cenário jurídico atual.
2 AS ORIGENS E INTERPRETAÇÕES DA CEGUEIRA DELIBERADA E DOLO EVENTUAL
Na cegueira deliberada, que também é chamada de "instruções do avestruz", a pessoa decide ignorar a verdade sobre o que está acontecendo. Isso significa que ela cria barreiras para não perceber que o que está fazendo pode ser errado. Se estivesse prestando atenção, conseguiria notar ou até suspeitar que suas ações não são certas.
A cegueira deliberada é quando alguém escolhe não ver o que está acontecendo para se proteger de assumir a responsabilidade. Isso significa que, para a justiça, é a mesma coisa saber o que está fazendo e fingir que não sabe, como explicitado acima. Assim, tanto quem conhece os fatos quanto quem decide ignorá-los pode ser considerado responsável.
Essa comparação se baseia na ideia de que quem sabe o que está fazendo é tão culpado quanto quem poderia saber, mas escolhe não saber. Em ambos os casos, a responsabilidade é a mesma (Ragués i Valles, 2008, pg. 14/15).
Em outras palavras, isso justifica a punição criminal quando alguém se coloca intencionalmente em uma situação de ignorância sobre algo, buscando não saber, apenas para evitar as consequências legais do que fez.
Um dos maiores exemplos que integram esse assunto é o de tráfico de drogas. Em uma situação hipotética, um traficante pede a alguém para entregar um pacote fechado em um determinado lugar, sem dizer o que tem dentro. O entregador sabe que pode estar carregando algo ilegal, mas não pergunta nada, porque se souber, vai ser considerado responsável pelo tráfico. Assim, ele "fecha os olhos" ou "enterra a cabeça na areia", ditos populares, para não saber o que está transportando, tentando evitar a culpa pela sua ação, portanto, essa ideia de que não é responsável por não saber, não tem real importância, haja vista essa teoria.
A origem da cegueira deliberada vem do direito inglês, em 1861, no caso Regina v. Sleep. Foi no final do século XIX, que essa ideia foi adotada pelo direito dos Estados Unidos, no caso United States v. Spurr, decidido pela Suprema Corte em 1899 (Ragués i Vallès, 2007, p. 65).
A partir da década de 1970, a ideia de cegueira deliberada ganhou importância no direito americano, especialmente em casos de tráfico de drogas, como mencionado anteriormente.
A partir disso, outro caso famoso foi o do United States v. Jewell, em 1976. Nesse caso, o agente Jewell tentou entrar nos país dos Estados Unidos, haja vista estar oriundo do México, onde trazia grande quantidade de drogas, sendo que estava escondida em um compartimento no carro. Ele disse que o carro não era dele e que não sabia que havia drogas ali, embora soubesse do compartimento e escolhesse não olhar o que tinha dentro. O tribunal o condenou, e ele recorreu, argumentando que, se não sabia das drogas, não deveria ser considerado culpado.
No entanto, a Corte de Apelações decidiu que Jewell escolheu ignorar intencionalmente a natureza do que estava no carro para não ter que saber a verdade. O tribunal afirmou que a cegueira deliberada, que pode levar à condenação, acontece quando se prova, sem dúvida razoável, que a falta de conhecimento da pessoa é resultado de uma escolha consciente e voluntária de não querer saber a verdade.
Dentro do direito penal econômico, especificamente no crime de lavagem de dinheiro um caso importante que exemplifica a cegueira deliberada é o United States v. Campbell, de 1992. Nesse julgamento, a atuação da cegueira deliberada teve um papel significativo na decisão do tribunal.
A Campbell, que era corretora de imóveis foi acusada de lavagem de dinheiro por ajudar um terceiro sendo este um traficante de drogas que se fazia passar por empresário, a comprar um imóvel. Durante as reuniões esse traficante chegava com carros de luxo e até mostrou uma maleta com US$ 20.000,00 (dólares) em dinheiro para provar que podia comprar o imóvel. Ele comprou um imóvel por US$ 182.500,00 (dólares) e com o conhecimento da corretora pagou US$ 60.000,00 (dólares) "por fora" registrando a compra pelo valor restante.
Durante o julgamento da corretora uma testemunha disse que ela havia mencionado que o dinheiro poderia estar vindo de venda de drogas. O júri foi instruído de que o conhecimento pode ser base para a condenação, haja vista que se ficar claro que ela fechou os olhos para o que, de outra forma, seria evidente. A conclusão poderia vir, sem dúvidas alguma, que ela tinha a intenção consciente de evitar descobrir a verdade, isso pode ser considerado o mesmo que ter conhecimento do fato (crime).
Em outras palavras, a falta de conhecimento de Campbell sobre um fato pode ser deduzida da sua escolha de ignorar deliberadamente esse fato. Ao final do julgamento ela foi condenada pelo júri. Embora que sua sentença tenha sido revisada pela Corte Distrital, ao apelar a decisão da corte foi mudada e manteve a condenação dela.
Conforme observado, essas origens vieram dos Estados Unidos, uma vez que o sistema jurídico-penal estadunidense desconhece a figura do dolo eventual. Nos Estados Unidos, a responsabilidade penal é composta pela ação e pela intenção. Os estados mentais que configuram a intenção são classificados no Model Penal Code, que a maioria das legislações estaduais adota, naquele país. Eles são divididos em quatro categorias, do mais grave para o menos grave, o primeiro sendo o "propositadamente"; segundo, conhecimento; terceiro, imprudência; e por último, negligência (Sweet & Maxwell, 1982, p. 46).
O fato de a pessoa possuir um conhecimento sobre a existência de um fato específico já se pode configurar parte do crime, essa causa já será considerada provada se a pessoa tiver ciência da probabilidade, entretanto se somente se ela realmente acreditar que o fato não existe, não há crime.
Assim, o conhecimento é considerado igual a ter consciência de uma alta probabilidade de que um elemento do crime exista, exceto nos casos em que a pessoa confia que ele não existe, o que é uma situação raramente abordada em decisões de outros países.
Com esses fatos, durante as últimas décadas esse debate sobre cegueira deliberada espalhou para cortes de diversos lugares e países, causando sérios problemas em relação à sua interpretação haja vista que cada lugar aplicava de uma forma, especificamente na análise do elemento subjetivo do crime.
Enquanto o dolo eventual é um tipo de crime doloso em que a pessoa assume o risco de causar um resultado proibido pela lei, mesmo sem querer realmente causar esse resultado. Para que o dolo eventual seja reconhecido, a pessoa deve: prever o resultado e ser indiferente à possibilidade de que ele aconteça. Esse tipo de dolo é comum em casos de homicídio, especialmente em crimes de trânsito.
O dolo eventual possui uma teoria que é a teoria do consentimento onde sugere que a pessoa aceita a possibilidade de o resultado acontecer. A principal diferença entre dolo eventual e culpa consciente é que, na culpa consciente, a pessoa acredita de verdade que o resultado não vai ocorrer. A decisão sobre se um ato foi cometido com culpa consciente ou dolo eventual é responsabilidade do Tribunal do Júri.
Nesse sentido, a respeito do dolo direto o doutrinador Greco (2012, p. 187/188) esclarece que:
[...] O agente, nesta espécie de dolo, pratica sua conduta dirigindo-a finalisticamente à produção do resultado por ele pretendido inicialmente. Assim, João, almejando causar a morte de Paulo, seu desafeto, saca seu revólver e o dispara contra este último, vindo a matá-lo. A conduta de João, como se percebe, foi direta e finalisticamente dirigida a causar a morte de Paulo.
Para que exista o dolo direto, é necessário que a pessoa pratique uma ação. Essa ação é dividida em três fases. Na primeira fase, o agente imagina o resultado que deseja alcançar. Na segunda fase, ele se prepara para realizar essa ação. Por fim, a terceira fase diz respeito ao momento em que a ação é efetivamente realizada, incluindo os meios utilizados para cometer o crime.
No dolo de segundo grau, ao buscar seu objetivo, a pessoa acaba atingindo mais pessoas do que inicialmente pretendia. Isso significa que, enquanto tenta alcançar sua meta, o agente não se importa com as consequências adicionais de suas ações, atingindo outros indivíduos no processo.
Neste mesmo sentido, o doutrinador Nucci (2012, p. 238) argumenta que:
É a vontade do agente dirigida a um resultado determinado, porém vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro. Por isso, a lei utiliza o termo “assumir o risco de produzi-lo”. Nesse caso, de situação mais complexa, o agente não quer o segundo resultado diretamente, embora sinta que ele pode se materializar juntamente com aquilo que pretende o que lhe é indiferente.
Enquanto, no dolo eventual, a pessoa assume o risco de que um resultado indesejado ocorra. Embora não queira que esse resultado se concretize, ela reconhece que é provável e possível, e aceita essa possibilidade.
Assim, o dolo eventual é caracterizado pela probabilidade de a ação delituosa acontecer. Não há um desejo claro de cometer o crime, mas sim uma falta de cuidado que poderia evitar que a ação ilícita ocorra.
O doutrinador Prado (2010, p. 340) esclarece:
No dolo eventual, o agente conhece a probabilidade de que sua ação realize o tipo e ainda assim age. Vale dizer: o agente consente ou se conforma, se resigna ou simplesmente assume a realização do tipo penal.
Assim, verifica-se que no dolo eventual há um consentimento ou uma previsão do resultado que o agente busca. Ele acredita que sua ação pode levar a um crime, mas não se recusa a realizá-la, agindo para cometer o delito.
Entre as teorias sobre o dolo eventual, destaca-se a teoria do consentimento. Segundo essa teoria, o agente aprova a possível realização do resultado, pois, além de considerar o resultado provável, ele ignora os perigos envolvidos e decide praticar a ação mesmo assim.
Em resumo, o dolo eventual mostra que o agente não se importa com as consequências das suas ações. Ela aceita o risco de que algo indesejado aconteça, mesmo que não queira que isso ocorra.
A teoria do consentimento destaca que o agente reconhece a possibilidade do resultado e, mesmo assim, decide agir, sabendo dos perigos.
Essa ideia é importante para entender como as pessoas podem ser responsabilizadas penalmente, pois ajuda a diferenciar entre querer causar um dano e aceitar que ele pode acontecer.
Portanto, essa teoria é amplamente usada no contexto jurídico brasileiro, estando pacificada dentre as jurisprudências atuais.
3 A CEGUEIRA DELIBERADA E SUA ACEITAÇÃO PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES BRASILEIROS
Atualmente, a doutrina da cegueira deliberada foi adotada pela jurisprudência brasileira. Um exemplo importante é o acórdão do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, no caso 5520-CE 2005.81.00.014586-0, de 2005, pelo Relator Des. Federal Rogério Fialho Moreira.
Nesse caso, dois sócios de uma empresa que vendia automóveis foram condenados, em primeira instância, pelo crime de lavagem de dinheiro. Eles aceitaram R$ 980.000,00 em notas de cinquenta para a compra de vários carros por um mesmo comprador, que havia assaltado o Banco Central do Brasil um dia antes.
O Tribunal de primeira instância decidiu nos seguintes termos:
…tais construções, em uma ou outra forma, assemelham-se ao dolo eventual da legislação e doutrina brasileira. Por isso e considerando a previsão genérica do art. 18, I, do CP, e a falta de disposição legal específica na lei de lavagem contra a admissão do dolo eventual, podem elas ser trazidas para a nossa prática jurídica. (…) Aquele que habitualmente se dedica à lavagem de dinheiro de forma autônoma, o profissional da lavagem, é usualmente indiferente à origem e natureza dos bens, direitos ou valores envolvidos. O conhecimento pleno da origem e natureza criminosas é até mesmo indesejável porque pode prejudicar a alegação de desconhecimento em futura e eventual persecução penal. O cliente, ademais, também não tem interesse em compartilhar as informações acerca da origem e natureza específica do provento do crime. (…) Em realidade, algumas afirmações deixavam claro que não lhes cabia realizar indagações da espécie ao cliente ou agir como uma autoridade pública. Atitude da espécie caracteriza indiferença quanto ao resultado do próprio agir. Desde que presentes os requisitos exigidos pela doutrina da "ignorância deliberada", ou seja, a prova de que o agente tinha conhecimento da elevada probabilidade da natureza e origem criminosas dos bens, direitos e valores envolvidos e, quiçá, de que ele escolheu permanecer alheio ao conhecimento pleno desses fatos, não se vislumbra objeção jurídica ou moral para reputá-lo responsável pelo resultado delitivo e, portanto, para condená-lo por lavagem de dinheiro, dada a reprovabilidade de sua conduta. Portanto, muito embora não haja previsão legal expressa para o dolo eventual no crime do art. 1.º, caput, da Lei 9.613/1998 (como não há em geral para qualquer outro crime no modelo brasileiro), há a possibilidade de admiti-lo diante da previsão geral do art. 18, I, do CP e de sua pertinência e relevância para a eficácia da lei de lavagem, máxime quando não se vislumbram objeções jurídicas ou morais para tanto.
No entanto, essa sentença foi reformada em apelação, com os seguintes argumentos:
Entendo que a aplicação da teoria da cegueira deliberada depende da sua adequação ao ordenamento jurídico nacional. No caso concreto, pode ser perfeitamente adotada, desde que o tipo legal admita a punição a título de dolo eventual. (…) Conforme já registrei, a própria sentença ressaltou que Elizomarte e Dermival não tinham conhecimento efetivo sobre a origem do dinheiro. acrescente-se que, segundo Fauto de Sanctis, o delito previsto naquele dispositivo não admite o dolo eventual. (…) a transposição da doutrina americana da cegueira deliberada (willful blindness), nos moldes da sentença recorrida, beira, efetivamente, a responsabilidade penal objetiva; não há elementos concretos na sentença recorrida que demonstrem que esses acusados tinham ciência de que os valores por ele recebidos eram de origem ilícita, vinculada ou não a um dos delitos descritos na Lei n.º 9.613/98. O inciso II do § 2.º do art. 1.º dessa lei exige a ciência expressa e não, apenas, o dolo eventual. Ausência de indicação ou sequer referência a qualquer atividade enquadrável no inciso II do § 2º.
Assim, é importante ressaltar que a última decisão menciona a doutrina da cegueira deliberada e busca aplicá-la como uma forma de substituir o "conhecimento" pleno.
Em relação à sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, é importante destacar os três requisitos apontados para equiparar a doutrina da cegueira deliberada à figura do dolo eventual. O primeiro requisito é a suspeita de uma alta probabilidade de que a natureza e a origem dos bens sejam criminosas. O segundo é a capacidade de abandonar a situação de ignorância. Por fim, o terceiro requisito é a "reprovabilidade da conduta", que indica a necessidade de uma avaliação negativa das ações do agente.
Este terceiro elemento cabe destacar dos demais pela sua inovação. O tribunal de justiça, por fim, apela assim à natureza da conduta para justificar o porquê de tal situação (ignorância deliberada) merecer um tratamento punitivo semelhante ao do dolo.
Entretanto, isso é feito de maneira muito vaga, pois em nenhum momento é justificada a razão pela qual a conduta é tão reprovável quanto uma ação dolosa. Contudo, ao levantar esse ponto, podemos concluir que a "cegueira deliberada" deveria ter uma motivação semelhante àquela encontrada no dolo para que merecesse um tratamento punitivo equivalente.
Dessa decisão, é curioso notar que o tribunal considera que a figura da cegueira deliberada deve ter sua base legal no artigo 18.º, § I, apesar de o Código Penal brasileiro definir o dolo por meio de uma concessão volitiva. Isso pressupõe a existência de um elemento cognitivo, já que é impossível assumir o risco de causar um resultado sem, pelo menos, ter um conhecimento mínimo sobre a situação. Essa abordagem evidencia uma clara contradição.
Quanto à decisão da apelação, esta também aceitou expressamente a doutrina da cegueira deliberada como uma forma de equiparação ao dolo eventual. No entanto, isso só foi aceito quando o próprio crime previa a possibilidade de punição sob essa figura.
Nesse contexto, esses argumentos simplistas não são válidos, pois se um crime exige a verificação do dolo, mesmo que eventual, isso implica a necessidade de um "conhecimento". Portanto, aceitar uma interpretação tão ampla — a ponto de permitir algo contrário ao que está estipulado — viola claramente o princípio da legalidade penal.
No entanto, a doutrina da cegueira deliberada voltou a ser mencionada em outras sentenças do Supremo Tribunal Federal. Um exemplo é a "Ação 470" de Minas Gerais, datada de 22 de abril de 2013, conhecida como o "caso Mensalão", que também fez referência à teoria da cegueira deliberada em votos relacionados à ocorrência de "lavagem de dinheiro".
Nesse contexto, analisava-se a crença dos beneficiários do crime em relação à origem criminosa do dinheiro que receberam. Nesse sentido, mencionou-se a teoria da cegueira deliberada ao abordar a possibilidade de estar diante de uma situação de dolo eventual, com o objetivo de reforçar essa teoria. A esse respeito, é importante destacar a seguinte passagem:
A admissão do dolo eventual decorre da previsão genérica do art. 18, I, do Código Penal, jamais tendo sido exigida previsão específica ao lado de cada tipo penal específico. O Direito Comparado favorece o reconhecimento do dolo eventual, merecendo ser citada a doutrina da cegueira deliberada construída pelo Direito anglo-saxão (willful blindness doctrine). Para configuração da cegueira deliberada em crimes de lavagem de dinheiro, as Cortes norteamericanas têm exigido, em regra, (i) a ciência do agente quanto à elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos provenham de crime, (ii) o atuar de forma indiferente do agente a esse conhecimento, e (iii) a escolha deliberada do agente em permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possível a alternativa. Nesse sentido, há vários precedentes.
Assim, conclui-se que os casos de cegueira deliberada, pelo menos na forma como foram utilizados pela jurisprudência brasileira, não são mais do que casos de dolo como os que são conhecidos.
Mesmo que se considere a possibilidade de configurar a cegueira deliberada como uma figura autônoma ela nunca poderia ser aplicada aos casos em questão, pois teria uma estrutura conceitual distinta desses, que, na nossa opinião, são casos típicos de dolo. Caso contrário, estaríamos diante de uma doutrina supérflua.
4 APLICAÇÃO DA CEGUEIRA DELIBERADA NOS CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO
Um dos principais casos para a aplicação da teoria da cegueira deliberada foi na lavagem de dinheiro. Esse crime envolve diversas ações destinadas a ocultar a origem ilícita de determinados bens e valores, conferindo a eles uma aparência de legalidade durante sua aquisição e movimentação.
Embora os especialistas em direito tenham definições diferentes para o conceito de lavagem de dinheiro, a maioria concorda que se trata de um procedimento utilizado para conferir uma aparência legal a bens e valores adquiridos de forma ilegal. Segundo Callegari (2001, p. 49), lavagem de dinheiro "é a atividade de investir, ocultar, substituir ou transformar e restituir o dinheiro de origem sempre ilícita aos circuitos econômicos e financeiros legais, incorporando-o a qualquer tipo de negócio como se fosse obtido de forma lícita".
A definição legal desse crime está no Art. 1º, Lei 9.613/1998, que diz: "Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal."
No Brasil, ainda não há um consenso na doutrina e na jurisprudência sobre a aplicação da lei aos agentes que, deliberadamente, optam por não saber a procedência ilícita dos bens que movimentam. Embora a maioria aceite essa ideia, alguns defendem que seria necessário modificar a legislação para incluir explicitamente a teoria da cegueira deliberada.
Para os casos descritos no Art. 1º e §1º da Lei Antilavagem, essa discussão perde força, já que não há obstáculos para alinhar essa lei com o dolo eventual, o que permite usar a teoria da cegueira deliberada.
Sobre as condutas previstas no Art. 1º, §2º, I, da Lei nº 9.613/1998, após a atualização pela Lei nº 12.683/2012, as dúvidas sobre a aplicação da teoria da cegueira deliberada diminuíram bastante. A maioria dos especialistas agora aceita a ideia de dolo eventual para a prática desse crime.
Antes da mudança, a redação antiga da lei exigia que o agente agisse de forma consciente ao cometer o crime, ou seja, precisava ter a intenção direta de realizar a ação ilegal, especialmente no contexto da lavagem de dinheiro. A expressão "que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes" indicava que o criminoso deveria ter conhecimento da origem ilegal dos bens. Isso exigia uma interpretação mais detalhada da lei e da omissão deliberada do agente em investigar a origem dos bens, para evitar que a responsabilização fosse considerada objetiva.
Com a nova redação, que diz apenas "utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal", o legislador retirou a necessidade de o agente saber da origem ilícita. Agora, qualquer pessoa, seja empresário ou não, pode ser punida se, de propósito, escolher não investigar a origem dos bens usados em suas atividades, desde que haja certos requisitos: suspeita justificada, acesso à informação e a escolha consciente de ignorar o fato. Também é possível aplicar a teoria da cegueira deliberada se houver uma alta probabilidade de os bens serem de origem criminosa e o agente agir de maneira indiferente a esse conhecimento, dependendo da interpretação adotada.
Essa mudança na lei facilitou a punição de pessoas que optam por ignorar a ilegalidade dos bens usados em suas atividades, sem exigir que tenham conhecimento direto da origem ilícita, aumentando a eficácia no combate à lavagem de dinheiro.
Sobre as alterações trazidas pela Lei nº 12.683/2012, Lima (2017, p.78) esclarece:
Na medida em que o caput do art. 1°, bem como os tipos penais do § 1° e § 2°, inciso I, da Lei n° 9.613/98, não fazem uso de expressões equivalentes, inexistindo referência a qualquer circunstância típica referida especialmente ao dolo ou tendência interna específica, conclui-se que é perfeitamente possível a imputação do delito de lavagem tanto a título de dolo direto, quanto a título de dolo eventual.
Em 2005, após o famoso furto ao Banco Central em Fortaleza, onde foram roubados mais de 160 milhões de reais, a teoria da cegueira deliberada foi discutida pela primeira vez nos tribunais brasileiros. No entanto, essa teoria foi apenas analisada, mas não aplicada, assim como no caso inglês Regina vs. Sleep, de 1861. Embora tenha sido utilizada em um julgamento de primeira instância, acabou sendo rejeitada no tribunal de apelação.
Esse caso, digno de filme, resultou em um processo criminal envolvendo 22 acusados. Entre eles estavam os irmãos José Elizomarte Fernandes Vieira e Francisco Dermival Fernandes Vieira, donos da revendedora de automóveis Brilhe Car, que foram acusados de lavagem de dinheiro com base no art. 1º, V e VII, §1º, I, §2º, I e II da Lei 9.613/98, além dos artigos 9 e 10 da mesma lei. A principal linha de acusação contra os empresários foi baseada na teoria da cegueira deliberada.
O Ministério Público Federal pediu a condenação dos irmãos, que foi aceita em primeira instância, devido às circunstâncias em que o negócio quase milionário foi realizado entre a organização criminosa responsável pelo furto e os empresários. Eles venderam 11 veículos para os criminosos, com pagamento em dinheiro, e esses carros foram transportados para fora do estado, com parte dos 4 milhões de reais escondidos na lataria dos veículos. Além disso, houve um depósito em espécie para a compra futura de outros carros, o que aumentou a suspeita sobre a legalidade das transações.
Essa situação foi crucial na argumentação da acusação, que usou a teoria da cegueira deliberada para afirmar que os irmãos escolheram não investigar a origem dos valores envolvidos nas negociações.
Depois que o Banco Central foi roubado, um grupo de criminosos comprou 11 carros de uma revendedora por R$ 730.000,00. Eles também deixaram R$ 250.000,00 como depósito para comprar mais carros depois. O pagamento foi feito com notas de R$ 50,00, todas guardadas em sacos de plástico.
O juiz da 11ª Vara Federal do Ceará, que estava seguindo a lei antiga antes da Lei nº 12.683/2012, condenou os donos da revendedora por lavagem de dinheiro. Ele achou a compra dos carros bem estranha e suspeita. O uso das notas de R$ 50,00 e o fato de que o roubo de milhões de reais aconteceu no mesmo lugar e na mesma época deixaram tudo ainda mais suspeito.
O juiz de primeira instância na sentença condenatória de nº 2005.81.00.014586-0 afirmou:
310 - Assim, como já mencionado, resta incontroverso que ocorreu a venda de onze veículos por parte da Brilhe Car e com a intervenção de José Charles, sendo que este sabia que o numerário utilizado tinha origem no furto ao Banco Central (art. 1º, V e VII, §1º, I, §2º, I e II da Lei 9.613/98), não sendo o caso dos irmãos José Elizomarte e Francisco Dermival que, ao que tudo indica, não possuíam tal percepção, mas certamente sabiam ser de origem ilícita. Conclui-se, assim, como fato incontroverso, que foi o réu JOSÉ CHARLES MACHADO DE MORAIS quem efetuou o pagamento de R$ 980.000,00 em notas de cinquenta reais, referente aos onze veículos adquiridos da Brilhe Car, tendo os réus JOSÉ ELIZOMARTE FERNANDES VIEIRA E FRANCISCO
DERMIVAL FERNANDES VIEIRA recebido tal importância sem questionamento, nem mesmo quando R$ 250.000,00 foi deixado por José Charles para compras futuras (primeira conduta de lavagem de José Charles e única dos irmãos José Elizomarte e Francisco Dermival art. 1º, V e VII, §1º, I, §2º, I e II da Lei 9.613/98, bem como art. 9º e 10º e seguintes da mesma lei). 311 – Outrossim, foi José Charles quem entregou oito dos onze veículos escolhidos e adquiridos por ele com numerário furtado pelo Banco Central para outros integrantes da quadrilha, bem como foi preso em flagrante quando transportava os outros três veículos restantes, escolhidos e adquiridos da mesma forma, sendo que, em ditos três veículos, foram encontrados ocultados
R$ 3.956.750 (três milhões, novecentos e cinquenta e seis mil, setecentos e cinquenta reais) também proveniente do furto ao Banco Central, sendo certo, como já mencionado, que apenas uma pessoa de extrema confiança dos demais integrantes da organização criminosa responsável pelo furto ao Banco Central seria encarregada de tal mister (segunda conduta de lavagem art. 1º, incs. V e VII, § 1º, II e § 2º, I e II. da Lei 9613/98 - independente e com desígnios próprios com relação a primeira conduta de lavagem c/c art. 288 do Código Penal).
A condenação dos sócios da revendedora pelo crime de lavagem de dinheiro foi depois modificada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região. O Tribunal decidiu que a lei da época não se aplicava ao conceito de dolo eventual, que é quando a pessoa assume o risco de algo acontecer, mas não tem certeza de que vai acontecer.
Para que os empresários fossem responsabilizados criminalmente, era necessário provar que eles tinham dolo direto, ou seja, que sabiam com certeza que o dinheiro usado para comprar os carros vinha de um crime. Como isso não foi provado, eles não podiam ser considerados culpados.
Além disso, neste julgamento, o Tribunal destacou:
Entendo que a aplicação da teoria da cegueira deliberada depende da sua adequação ao ordenamento jurídico nacional. No caso concreto, pode ser perfeitamente adotada, desde que o tipo legal admita a punição a título de dolo
eventual. [...] No que tange ao tipo de utilizar “na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo” (inciso I do § 2º), a própria redação do dispositivo exige que o agente SAIBA que o dinheiro é originado de algum dos crimes antecedentes. O núcleo do tipo não se utiliza sequer da expressão DEVERIA SABER (geralmente denotativa do dolo eventual). Assim sendo, entendo que, ante as circunstâncias do caso concreto, não há como se aplicar a doutrina da willful blindness. As evidências não levam a conclusão de que os sócios da BRILHE CAR sabiam efetivamente da origem criminosa dos ativos. Não há a demonstração concreta sequer do dolo eventual.
Avançando no tempo, a teoria da cegueira deliberada também foi usada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Penal nº 470, que ficou famosa como o escândalo do mensalão. O STF aplicou essa teoria para justificar a condenação de vários réus por lavagem de dinheiro.
No entanto, nem todos os ministros concordaram com essa aplicação. Alguns acharam que os conceitos básicos dos crimes de lavagem de dinheiro, previstos na Lei nº 9.613/1998, não deveriam se encaixar no dolo eventual (quando a pessoa assume o risco de um resultado). Apesar disso, a maioria dos ministros aceitou usar a cegueira deliberada, reconhecendo-a como uma possibilidade, mesmo antes das mudanças feitas pela Lei 12.683/2012.
Ainda, firmou o entendimento a Suprema Corte no acórdão da Ação Penal nº 470:
O Direito Comparado favorece o reconhecimento do dolo eventual, merecendo ser citada a doutrina da cegueira deliberada construída pelo Direito anglo-saxão (willful blindness doctrine). Para configuração da cegueira deliberada em crimes de lavagem de dinheiro, as Cortes norte-americanas têm exigido, em regra, (i) a ciência do agente quanto à elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos provenham de crime, (ii) o atuar de forma indiferente do agente a esse conhecimento, e (iii) a escolha deliberada do agente em permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possível a alternativa. Nesse sentido, há vários precedentes, como US vs. Campbell, de 1992, da Corte de Apelação Federal do Quarto Circuito, US vs. Rivera Rodriguez, de 2003, da Corte de Apelação Federal do Terceiro Circuito, US vs. Cunan, de 1998, da Corte de Apelação Federal do Primeiro Circuito. Embora se trate de construção da common law, o Supremo Tribunal Espanhol, corte da tradição da civil law, acolheu a doutrina em questão na Sentencia 22/2005, em caso de lavagem de dinheiro, equiparando a cegueira deliberada ao dolo eventual, também presente no Direito brasileiro, Na hipótese sub judice, há elementos probatórios suficientes para concluir por agir doloso - se não com dolo direto, pelo menos com dolo eventual -,quanto a Pedro Corrêa, Pedro Henry, Valdemar da Costa Neto, Jacinto Lamas, estes dois na extensão do voto do Revisor, Enivaldo Quadrado e a Breno Fischberg.
Ao analisar os trechos do acórdão em que os Ministros falam sobre a teoria da cegueira deliberada para justificar algumas condenações, fica claro que essa teoria foi vista como um sinônimo de dolo indireto ou como um tipo especial de dolo por assentimento.
O Supremo Tribunal Federal inicialmente aceitou a possibilidade de punir a lavagem de dinheiro apenas com base na simples assunção do risco de violar os bens protegidos pela Lei Antilavagem. Depois de confirmar a validade do dolo indireto, o Tribunal desenvolveu a ideia de que a teoria da cegueira deliberada é compatível com o sistema jurídico brasileiro. Isso significa que, mesmo sem saber diretamente que o dinheiro era de origem ilícita, a pessoa pode ser responsabilizada se mostrar um comportamento de ignorância voluntária sobre o risco de estar lidando com dinheiro sujo.
5 CONCLUSÃO
O tema da pesquisa surgiu a partir da análise da teoria da cegueira deliberada no contexto jurídico brasileiro. Essa teoria, que vem do sistema jurídico anglo-americano, foi estudada para entender como se adapta ao direito penal do Brasil e sua relação com o dolo eventual.
Durante o estudo, foram discutidos conceitos essenciais como dolo e culpa, além da própria teoria da cegueira deliberada, mostrando como ela evoluiu no direito penal dos EUA e como tem sido tentada no Brasil. Foi observado que a teoria, também chamada de "willful blindness", foi usada pelos tribunais brasileiros para justificar condenações por lavagem de dinheiro, mas sua aplicação gerou debates.
Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal aceitaram a teoria como uma forma de dolo indireto, mesmo antes das mudanças na Lei nº 12.683/2012. No entanto, outros criticaram essa abordagem, apontando que o dolo eventual, um conceito do direito penal brasileiro, não tem um correspondente direto no direito americano. A cegueira deliberada foi vista como uma tentativa de preencher essa lacuna, mas com riscos, como a ampliação do conceito de dolo e a possível violação do princípio da legalidade.
A pesquisa também ressaltou a importância de combater eficazmente os crimes de lavagem de dinheiro, dada sua ameaça às economias e à segurança global. No entanto, a aplicação da teoria da cegueira deliberada no Brasil tem sido controversa e muitas vezes inadequada, já que a doutrina e a jurisprudência brasileiras ainda não definiram claramente os critérios para seu uso.
A análise conclui que, embora a teoria possa ser útil, sua aplicação fora de contexto pode comprometer princípios básicos do direito penal e levar a uma responsabilização exagerada. Portanto, é crucial encontrar um equilíbrio que permita um combate eficaz à lavagem de dinheiro sem comprometer os direitos e garantias legais dos indivíduos.
Ademais, a formação de profissionais do direito sobre a teoria da cegueira deliberada é crucial, pois isso pode contribuir para uma interpretação mais equilibrada e fundamentada, minimizando os riscos de abusos. Somente assim será possível garantir que o combate à lavagem de dinheiro ocorra dentro de um marco jurídico que respeite os direitos fundamentais e promova a justiça de forma equitativa.
Portanto, a reflexão crítica sobre a aplicação dessa teoria é um passo importante para fortalecer não apenas a luta contra a criminalidade financeira, mas também a integridade do próprio sistema de justiça.
REFERÊNCIAS
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[1] Professor orientador. Mestre em Direito pela Universidade de Camilo Castelo Branco. Especialista em Direito Penal e Processo Penal com Capacitação para o Ensino no Magistério Superior pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus. Membro da Comissão de Dados - Estudos Jurídicos da 63ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de São Paulo. Professor universitário. E-mail: [email protected]
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Jales – UNIJALES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENEGASSO, EMILY PANISSE. A teoria da cegueira deliberada e a equiparação ao dolo eventual no direito penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2024, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66886/a-teoria-da-cegueira-deliberada-e-a-equiparao-ao-dolo-eventual-no-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 31 out 2024.
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