RESUMO: O presente artigo objetiva dispor sobre a forma de execução em face dos conselhos profissionais, entes de reconhecida natureza autárquica, frente ao julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 938837.
Palavras-chaves: Fraude. Execução Fiscal. Divida Ativa. Inscrição, Recurso Repetitivo.
ABSTRACT: This article focuses the modalities of the debtor's fraud, in particular the Institute of fraud to tax foreclosure and their specificities facing Precedente 375 of the STJ and the trial of controversy's representative special appeal nº. 1.141.990/PR.
Keywords: Fraud. Tax Foreclosure. Debt. Registration. Repetitive Feature.
Sumário: 1. Conceito de Fazenda Pública. 2. Execução Forçada contra a Fazenda Pública. 3. Impenhorabilidade do Bem Público. 4. Análise do Julgamento do RE 938837. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A execução fiscal contra a Fazenda Pública possui regramento bem específico, diante da natureza do ente público a ser executado, o que implica analisar o conceito de Fazenda Pública e os entes que merecem tal tratamento, devendo, a partir do julgamento do RE 938837, analisar seus efeitos na execução fiscal em face dos conselhos profissionais.
Assim, a proposta desse trabalho é, após conceituar Fazenda Pública e sua forma de ser executada por quantia certa, discorrer sobre o julgamento do RE 938837, bem como construir uma conclusão de seus efeitos na forma de execução fiscal em face dos conselhos profissionais.
1.Conceito de Fazenda Pública
Segundo o doutrinador Misael Montenegro Filho (2011), é amplo o conceito de Fazenda Pública. Nele estão inseridos os entes da Administração Pública Direta, ou seja, a União Federal, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, os Territórios, as Autarquias e Fundações Públicas instituídas e mantidas pelo Poder Público.
Recorrendo a uma visão interdisciplinar, verifica-se que é esse o entendimento dos administrativistas. Nesse sentido, para o Direito Administrativo, quando a administração pública ingressa em juízo por qualquer de suas entidades estatais, seja pelas autarquias, fundações públicas ou por seus órgãos que possuam capacidade processual, recebe a denominação tradicional de Fazenda Pública, pois seu erário é que suporta os encargos patrimoniais da demanda. (MEIRELLES, 2008).
Aqui não se incluem as empresas públicas e as sociedades de economia mista, por se submeterem ao regime geral, que se dá através da execução por quantia certa contra devedor solvente, admitindo a penhora de bens para futura arrematação e pagamento em favor do credor. (MONTENEGRO FILHO, 2011)
Respeitadas certas peculiaridades, que certamente recebem um tratamento diferenciado por parte da doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, em linhas gerais, essas são as considerações para o conceito de Fazenda Pública.
Sendo os conselhos de fiscalização profissional, que exercem poder de polícia, entidades autárquicas federais, encaixam-se na definição de “Fazenda Pública”, razão pela qual bem decidiu o STJ que seus representantes fazem jus à intimação pessoal na execução fiscal (e nos correspondentes embargos, acrescento) por força do que dispõe o art. 25 da LEF (Lei 6.830/80).
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INTIMAÇÃO PESSOAL DO REPRESENTANTE DE CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL EM EXECUÇÃO FISCAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
O representante judicial de conselho de fiscalização profissional possui a prerrogativa de ser intimado pessoalmente no âmbito de execução fiscal promovida pela entidade. Incide, nessa hipótese, o disposto no art. 25 da Lei 6.830/1980 (LEF). Deve-se ressaltar, a propósito do tema, que o STF consolidou o entendimento de que os referidos conselhos possuem natureza jurídica autárquica, pois exercem atividade típica de Estado, de modo a abranger, no que concerne à fiscalização de profissões regulamentadas, o poder de polícia, o de tributar e o de punir. Nesse contexto, os créditos dos conselhos de fiscalização profissional devem ser cobrados por execução fiscal, pois a expressão “Fazenda Pública” constante do § 1º do art. 2º da LEF – “Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.” –, deve ser interpretada de maneira a abranger as autarquias. Dessa forma, existindo regra específica sobre a intimação pessoal dos representes da Fazenda Pública em execução fiscal (art. 25 da LEF), essa prerrogativa deve ser observada no caso dos representantes dos conselhos de fiscalização profissional. REsp 1.330.473-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 12/6/2013. INF 526
2.Execução Forçada contra a Fazenda Pública
Sabe-se que, em regra, os bens públicos são legalmente impenhoráveis. Daí porque a inexistência da possibilidade de execução contra a Fazenda Pública nos moldes comuns, ou seja, mediante penhora e expropriação. (THEODORO JÚNIOR, 2011).
Portanto, o Código de Processo Civil prevê um procedimento especial para as execuções por quantia certa contra a Fazenda Pública, visto que não tem natureza própria de execução forçada, pois se faz sem expropriação ou transferência forçada de bens. Assim, tal procedimento executório é realizado por meio de mera requisição de pagamento, feita entre o Poder Judiciário e Poder Executivo, conforme os artigos 730 e 731 do CPC, (THEODORO JÚNIOR, 2011).
O novo Código de Processo Civil modificou o procedimento adotado pelo CPC de 1973, que preconizava um processo de execução contra a Fazenda Pública, conforme a dicção de seu art. 730.
O novo CPC previu dois procedimentos diferentes:1) Se o título executivo for JUDICIAL: o procedimento é chamado de cumprimento de sentença, sendo regido pelos arts. 534 e 535.2) Se o título executivo for EXTRAJUDICIAL: o procedimento é chamado de execução contra a Fazenda Pública (art. 910).
No CPC/73 não havia o nome cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública (isso era chamado de execução contra a Fazenda Pública). No NCPC passou a existir um procedimento próprio chamado de cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública. A nomenclatura execução contra a Fazenda Pública ficou destinada para a execução fundada em título extrajudicial.
Dessa forma, não mais será instaurado necessariamente um processo autônomo de execução, com a citação da Fazenda Pública para a oposição de embargos, mas será requerido pelo credor o cumprimento de sentença, com a intimação da devedora para apresentar a sua impugnação.
Fica a cargo do exequente a apresentação do crédito discriminado, havendo necessidade do trânsito em julgado para a expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor, conforme o disposto no art. 100 da Constituição Federal.
No cumprimento de sentença, a defesa da Fazenda é chamada de IMPUGNAÇÃO. Já na execução contra a Fazenda Pública, esta se defende por meio de EMBARGOS.
Tanto o prazo da impugnação como dos embargos continua sendo de 30 dias.
OBS: A ampliação do prazo para a oposição de embargos do devedor pela Fazenda Pública para 30 dias, inserida no art. 1º-B da Lei nº 9.494/97, é constitucional e não viola os princípios da isonomia e do devido processo legal. O estabelecimento de tratamento processual especial para a Fazenda Pública, inclusive em relação a prazos diferenciados, quando razoáveis, não constitui propriamente restrição a direito ou prerrogativa da parte adversa, mas busca atender ao princípio da supremacia do interesse público. A fixação do prazo de 30 dias para a Fazenda apresentar embargos à execução não pode ser considerado como irrazoável, afinal de contas esse é o mesmo prazo que o particular goza para apresentar embargos em caso de execuções fiscais contra ele movidas pela Fazenda Pública (art. 16 da Lei nº 6.830/80). STF. Plenário. ADI 2418/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 4/5/2016 (Info 824).
3.Impenhorabilidade Do Bem Público
Sabe-se que, em regra, os bens públicos são legalmente impenhoráveis. Daí porque a inexistência da possibilidade de execução contra a Fazenda Pública nos moldes comuns, ou seja, mediante penhora e expropriação. (THEODORO JÚNIOR, 2011).
Segundo essa característica, é vedada a penhora de bem público. É incabível, em uma execução contra entidade pública, a constrição judicial de bem público, pois a penhora tem por finalidade a subsequente venda para que o valor arrecadado seja utilizado na satisfação do crédito.
Trata-se de uma característica decorrente da inalienabilidade dos bens públicos que, na forma do art. 833, I, do CPC, são impenhoráveis, mesmo que sejam dominicais. Também por essa razão, a execução contra a Fazenda Pública segue o regime especial dos precatórios, previsto no art. 100 da CF e no art. 910 do CPC, sendo admitido, apenas, o sequestro de valores para a satisfação do débito, em determinadas condições processuais.
4. Análise Do Julgamento Do RE 938837
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão realizada em 19 de abril de 2017, decidiu que o regime dos precatórios para pagamentos de dívidas decorrentes de decisão judicial não se aplica aos conselhos de fiscalização profissional. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 938837, com repercussão geral reconhecida. Prevaleceu o entendimento do ministro Marco Aurélio, acompanhado pela maioria de votos, ficando vencido o relator do processo, ministro Edson Fachin.
A decisão do Plenário deu provimento ao RE interposto pela Mútua de Assistência dos Profissionais da Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Caixa de Assistência dos Profissionais do Crea) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) que entendeu que os conselhos têm natureza jurídica de autarquia, são abrangidos pelo conceito de Fazenda Pública e devem, portanto, submeterem-se ao regime de precatórios.
Relator
O ministro Edson Fachin, relator do RE 938837, destacou que, segundo a jurisprudência do STF, os conselhos de fiscalização profissionais, embora sejam autarquias especiais – que não estão sujeitas à administração ou supervisão direta de qualquer órgão público e nem recebem recursos do Estado –, por exercerem atividade típica de Estado, são pessoas jurídicas de direito público. Ele entendeu que, por este motivo, é possível a aplicação a eles da regra constitucional que obriga a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado (artigo 100, parágrafo 5º).
Em voto pelo desprovimento do recurso, o relator salientou que o regime de precatórios existe para preservar a necessidade de previsão do pagamento de dívida pública e evitar que eventual constrição de valores ocorra para o pagamento de dívidas individualizadas e afete o funcionamento da entidade pública, além de observar a isonomia entre os credores.
Divergência
No entendimento do ministro Marco Aurélio, que proferiu o primeiro voto divergente em relação ao do relator, os conselhos são autarquias especiais e, por este motivo, são pessoas jurídicas de direito público submetidas a diversas regras constitucionais, entre as quais a fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) e a exigência de concurso público para contratação de pessoal. Entretanto, por não terem orçamento ou receberem aportes da União, não estão submetidos às regras constitucionais do capítulo de finanças públicas (artigos 163 a 169 da Constituição), o que inviabiliza sua submissão ao regime de precatórios.
O ministro salientou que a inexistência de orçamento inviabiliza o cumprimento de uma série de regras dos precatórios, como a exigência de dotações orçamentárias específicas para este fim ou a consignação direta de créditos ao Poder Judiciário. Frisou, ainda, que, caso se entenda que os conselhos integram o conceito de Fazenda Pública, possíveis débitos dessas entidades autárquicas seriam automaticamente estendidos à Fazenda Pública federal.
Tese
A tese de repercussão geral fixada pelo Plenário foi a seguinte: “Os pagamentos devidos em razão de pronunciamento judicial pelos conselhos de fiscalização não se submetem ao regime de precatórios”.
5. Conclusão
Objeto de grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial, o debate em torno da sujeição dos Conselhos de Fiscalização ao regime de precatórios foi recentemente enfrentado pelo Supremo (Inf. 861).
Os Conselhos de Fiscalização Profissional – sejam os Conselhos Regionais (Conselho Regional de Medicina, por exemplo), sejam os Conselhos Federais (ilustrativamente, o Conselho Federal de Farmácia) – ostentam a natureza jurídica de autarquias federais em regime especial, é dizer, pessoas jurídicas de direito público. A Lei 9.649/97, por sinal, tentou imprimir-lhes personalidade jurídica de direito privado, algo rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal, que a teve por inconstitucional neste aspecto.
Desse reconhecimento de sua roupagem jurídica como autarquias federais decorre, por exemplo, a atração das causas em que figurem os Conselhos regionais ou federais como autor, réu, assistente ou oponente para a Justiça Federal (CF, art. 109, I), valendo anotar, outrossim, a sujeição à exigência de concurso público (CF, art. 37, II) e à fiscalização do Tribunal de Contas da União (CF, art. 71). Na mesma direção, como autarquias, estariam sujeitos os Conselhos ao regime de precatório. Certo?
Errado.
O grande ponto é que os Conselhos de Fiscalização Profissional não participam do orçamento público. E o regime de precatórios, como é cediço, se operacionaliza através de dotações orçamentárias para o pagamento, em ordem cronológica, das condenações judiciais transitadas em julgado. Não havendo dotações orçamentárias destinadas aos Conselhos – cujas receitas advêm notadamente da arrecadação de anuidades e multas -, não há como aplicar-lhes o regime de precatórios, conquanto, insista-se, tenham personalidade jurídica de direito público.
Logo, as execuções movidas contra os Conselhos de Fiscalização Profissional não seguirão rito das execuções contra a Fazenda Pública (que envolvem o regime de precatórios), mas sim o procedimento comum, aplicável a todos os demais particulares. De se notar, por oportuno, que seus bens serão, pois, penhoráveis – se não, como se desenvolveria a execução? A impenhorabilidade dos bens públicos deriva, em termos de direito positivo, exatamente do art. 100 da CF. Aguardemos, apenas, para ver se a jurisprudência não evoluirá para reconhecer certos bens dos Conselhos como impenhoráveis, mormente os necessários à continuidade do serviço público.
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Procurador da Fazenda Nacional na Advocacia-Geral da União. Formado em Direito na Universidade do Grande Rio - UNIGRANRIO - Duque de Caxias - RJ. Especialista em direito público pela Universidade Estácio de Sá- Campus Madureira -RJ<br><br> <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, João Nunes de Viveiros. Execução fiscal em face de Conselhos Profissionais, diante do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 938837 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51113/execucao-fiscal-em-face-de-conselhos-profissionais-diante-do-julgamento-do-recurso-extraordinario-re-938837. Acesso em: 07 nov 2024.
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