RESUMO: Este trabalho analisa o redirecionamento da execução fiscal para os sócios das empresas executadas pela atuação irregular deles. Dentre outros temas, estuda-se que é possível o redirecionamento da execução diante de indícios de dissolução irregular da pessoa jurídica e a inexistência de ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa quando se redireciona o feito executivo.
PALAVRAS-CHAVE: Redirecionamento. Execução Fiscal. Sócios. Dissolução Irregular.
SUMÁRIO: Introdução; 1. Responsabilização pessoal dos sócios resultante de ato praticado com excesso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos; 2. Possibilidade de redirecionamento da execução diante de indícios de dissolução irregular; 3. Inocorrência de ofensa ao princípio do contraditório no redirecionamento da actio executiva; Conclusão; Referências.
O atual contexto da economia brasileira indica um elevado índice de fracasso de empresas, as quais, não raramente, encerram suas atividades sem o devido adimplemento de dívidas tributárias. É recorrente, também, atuação irregular dos sócios na gerência das pessoas jurídicas, de modo que tais situações têm feito com que ganhe destaque na doutrina e jurisprudência o tema da responsabilidade dos sócios-gerentes em relação aos débitos das empresas.
Nesse cenário, é comum, nas ações de execução de dívida fiscal, a cobrança de determinado crédito tributário de terceiro que não realizou o fato gerador do tributo. Trata-se do redirecionamento, medida verificada no curso de um feito executivo fiscal já existente e fundada especialmente no artigo 135 do Código Tributário Nacional. Conforme estabelece o inciso III de tal dispositivo, os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias decorrentes de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto. Inclui-se, nesse contexto, a responsabilização dos sócios-gerentes de pessoa jurídica devedora que se dissolveu irregularmente.
Estabelece o parágrafo único do artigo 121 do CTN a existência de duas espécies de sujeito passivo: contribuinte e responsável. O contribuinte é quem tem relação pessoal e direta com a situação que constituiu o fato gerador, enquanto que o responsável, sem revestir a condição de contribuinte, tem sua obrigação advinda de disposição legal expressa. Ferragut[1] explica que a responsabilidade decorre da ocorrência de fato qualquer, lícito ou ilícito, não tipificado como tributário, que autoriza a constituição da relação jurídica entre o Estado-credor e o responsável, relação essa pressupõe a existência de um fato jurídico tributário. Assim, trata-se a responsabilidade de norma jurídica que implica inclusão de sujeito praticante de fato não tributário no critério pessoal passivo de relação tributária.
Pontifica Ferragut[2], ainda, que o sujeito designado como responsável pode ser qualquer pessoa, desde que indiretamente vinculada ao fato gerador da obrigação tributária ou direta ou indiretamente vinculado ao contribuinte. Ele é eleito por questões de conveniência e necessidade, sendo mais fácil para o Fisco fiscalizá-lo, ou como forma de sanção por ato praticado que tenha prejudicado o interesse fazendário e, eventualmente, de terceiros.
Nesse cenário, o sujeito ativo de uma obrigação pode, em determinados casos, incluir no polo passivo da execução pessoa diversa daquela praticante do fato gerador, que consta no título executivo. É o caso da aquisição de bens imóveis em que se sub-rogam na pessoa do adquirente os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, domínio útil ou a posse de bens imóveis, conforme disposto pelo artigo 130 do CTN. Trata-se esse exemplo de caso de responsabilidade por sucessão, espécie da responsabilização por transferência.
A responsabilidade por transferência é gênero no qual se inclui também os casos de responsabilidade de terceiros. Preconiza o artigo 135, III, do CTN, que “são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos os dirigentes, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.
Da leitura do artigo 135, III, do CTN, depreende-se que a simples condição de sócio não é suficiente para a responsabilização tributária. Faz-se necessário, para tanto, o preenchimento da posição de dirigente, gerente ou representante da empresa, associado à prática de atos abusivos ou ilegais. Sabe-se, nesse sentido, que o administrador da sociedade deve atuar com o zelo que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.
Assim, o sócio será responsabilizado apenas se for dirigente, gerente ou representante da sociedade, e praticar atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. Segundo o STF[3], tal responsabilização pode se dar tanto pelas obrigações tributárias cujo fato gerador tenha se desdobrado de sua atuação irregular, quanto por aquelas cujo adimplemento tenha ficado impossibilitado ante a atuação ilegal. Registra-se, nesse contexto, que a simples ausência de pagamento pela pessoa jurídica não gera infração capaz de atribuir responsabilidade ao sócio-gerente. Essa é a tese cristalizada na Súmula 430 do STJ, “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”, cuja ideia é aplicada no seguinte julgado:
TRIBUTÁRIO. SOCIEDADE ANÔNIMA E/OU SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. LIMITES DA RESPONSABILIDADE DO DIRETOR E/OU DO SÓCIO-GERENTE. Quem está obrigada a recolher os tributos devidos pela empresa é a pessoa jurídica, e, não obstante ela atue por intermédio de seu órgão, o diretor ou o sócio-gerente, a obrigação tributária é daquela, e não destes. Sempre, portanto, que a empresa deixa de recolher o tributo na data do respectivo vencimento, a impontualidade ou a inadimplência é da pessoa jurídica, não do diretor ou do sócio-gerente, que só respondem, e excepcionalmente, pelo débito, se resultar de atos praticados com excesso de mandato ou infração à lei, contrato social ou estatutos, exatamente nos termos do que dispõe o artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional. Recurso especial conhecido, mas improvido. (STJ. REsp 100.739/SP 1996/0043179-5, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 19/11/1998, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/02/1999).
Não obstante tal entendimento, hoje consolidado no STJ, houve período em que, para o referido Tribunal, o simples inadimplemento de tributos configurava infração à lei, suficiente para a responsabilização do sócio-gerente estabelecida pelo artigo 135, III. Veja-se:
EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE BENS PARTICULARES DE SOCIO-GERENTE. DESNECESSIDADE DE PREVIA APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE PESSOAL. Infringe a lei o sócio-gerente que deixa de recolher, tempestivamente, os tributos devidos pela firma devedora e, como responsável tributário, pode ser citado e ter seus bens particulares penhorados, mesmo que seu nome não conste da certidão de divida ativa. Inexigibilidade de previa apuração da responsabilidade. Recurso provido. (STJ. REsp 14.904/MG, Relator: Ministro GARCIA VIEIRA, Data do julgamento: 04/12/1991, PRIMEIRA TURMA, Data da Publicação: DJ 23/03/1992).
Com a tese de que o simples não pagamento de tributos pela empresa enseja responsabilização do sócio-gerente, o STJ desvalorizava o fato de que as pessoas jurídicas possuem patrimônio próprio, exigindo que os bens pessoais do sócio tivessem o indesejável papel de garantidor. Desse modo, a evolução relatada da jurisprudência possibilitou o desenvolvimento da atividade empresarial, sendo, portanto, comemorável.
Silva[4] esclarece que a responsabilização de terceiros prevista no artigo 135, III, do CTN não significa desconsideração da personalidade jurídica da empresa. A desconsideração é resposta ao abuso de direito à personalidade jurídica, na qual se “arranca a máscara da pessoa jurídica com o fim de revelar sua legítima expressão”[5]. Por outro lado, a responsabilidade dos administradores das empresas dá-se de forma direta, por atos por eles realizados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, sem, portanto, transposição da personalidade jurídica.
Comprova a tese de que responsabilização de terceiros não corresponde à desconsideração da personalidade jurídica o fato de que, se correspondesse, os tributos apurados cabíveis para sociedades, como Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Programas de Integração Social (PIS), dentre outros, não seriam devidos, vez que, do sócio, como contribuinte, apenas poder-se-ia exigir Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF).
Assim, a responsabilização não requer afastamento da pessoa jurídica, tendo sido os fatos geradores por ela praticados e sendo tais fatos característicos de tributos de pessoa jurídica. Essencial, portanto, a existência de ambas as personalidades: a sociedade, contribuinte, praticante do fato gerador e o sócio, responsável, a quem será imputado o dever de pegar.
Ainda sobre a desconsideração da personalidade jurídica, é importante fazer referência ao Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), inovação trazida pelo Novo Código de Processo Civil, a lei nº 13.105/2015. Trata-se o IPDJ de procedimento previsto nos artigos 133 a 137 do mencionado Código, que estabelecem a possibilidade de, na petição inicial ou incidentalmente, no cumprimento de sentença ou execução de título extrajudicial, caso da Certidão de Dívida Ativa (CDA), requerer-se a desconsideração da personalidade jurídica para alcançar o patrimônio pessoal de sócios-gerentes.
Conforme comenta Grupenmacher[6], magistrados reunidos no seminário nacional “O Poder Judiciário e o novo CPC”, provido pela Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Enfam), em agosto de 2015, decidiram por maioria de votos (77% a favor e 23% contra) pela não aplicação do IDPJ às execuções fiscais. Nesse sentido, editaram o Enunciado 53: “O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no artigo 133 do CPC/2015”.
Como se percebe, sedimentou-se o entendimento que é dispensável a instauração do IDPJ para que se promova a inclusão dos sócios-gerentes no polo passivo da demanda executiva. O fundamento dessa decisão não foi essencialmente jurídico, mas sim pragmático, objetivando-se celeridade na tramitação das execuções fiscais, consoante expõe Grupenmacher:
“Segundo ponderou o relator da proposta, o motivo que os conduziu à referida compreensão é a incompatibilidade do IDPJ com a ‘sistemática e a celeridade’ que devem ter as execuções fiscais, as quais, segundo esclareceu, totalizam 30% dos processos em tramitação no Brasil. Justificou ainda a proposição invocando peculiaridades do rito do IDPJ, em especial a suspenção do processo executivo com vistas à produção de provas, o que seria, segundo afirmou, um motivo a mais para impedir a aplicação do Incidente às execuções fiscais”[7].
É prescindível, portanto, a desconsideração da pessoa jurídica para que possível o redirecionamento, que se dá, como dito, de forma direta e deve ser entendido como a providência de utilização do processo de execução para alcançar bens de pessoas que não foram inicialmente indicadas como réus. Explica Machado:
“O redirecionamento da execução fiscal consiste na providência destinada a tornar efetiva a responsabilidade de alguém que não foi colocado no polo passivo da ação de execução fiscal, vale dizer, alguém que não foi colocado como réu. Providência visando a penhora de bens de alguém que, sem ter sido inicialmente colocado na condição de réu, é responsável pelo pagamento do crédito tributário em execução”[8].
Pelo exposto, conclui-se que redirecionar configura atribuir responsabilidade superveniente, tornando-se legitimados os sócios apenas após a formação do título executivo. Tal legitimação não exclui a empresa do polo passivo da demanda, entendendo-se que a responsabilidade do artigo 135, III, do CTN é solidária entre a pessoa jurídica contribuinte e o sócio-gerente responsável. Não importa, pois, a situação patrimonial do devedor originário e se houve esgotamento de bens da empresa, posto que, conforme ensina Ribeiro Filho, “a norma de responsabilidade atua como verdadeira norma de extensão que amplia a sujeição passiva tributária”[9]. Sobre esse assunto, o STJ não possui entendimento unânime: há julgados estabelecendo ser a responsabilidade do terceiro solidária[10], subsidiária em relação à da sociedade[11] e exclusiva[12].
Prevê o artigo 124 do CTN duas hipóteses de solidariedade: a primeira decorre de interesse comum na situação constituinte do fato gerador e a segunda, de previsão legal. Na primeira, os sujeitos praticam de forma conjunta o fato gerador da obrigação principal, estabelecendo relação direta com ele e sendo ambos contribuintes. É o caso, por exemplo, dos coproprietários de um imóvel relativamente ao IPTU. Na segunda, há responsabilidade de terceiro atribuída por lei, havendo, pois, a figura do contribuinte e a do responsável.
Entende-se que a responsabilidade existente entre a pessoa jurídica contribuinte e o sócio-gerente responsável é solidária decorrente de previsão legal, no caso o próprio artigo 135, III. Assis, concordando com esse entendimento, explica:
“Em se tratando de responsabilidade de sócios e administradores de empresa, a pessoa jurídica é a contribuinte originária. Há, então, transferência de responsabilidade, da pessoa jurídica para as pessoas físicas. Posto isso, podemos afirmar que o art. 135 trata de responsabilidade tributária por transferência, descantando a hipótese de substituição tributária. (...) A expressão ‘pessoalmente responsáveis’, constante do caput do art. 135, não pode ser lida como ‘somente responsáveis’, não limita a responsabilidade exclusivamente às pessoas ali arroladas, com exclusão do contribuinte originário (no caso, a sociedade). A responsabilidade da contribuinte pessoa jurídica continua, posto que só se deve admitir a exclusão do sujeito passivo originário se por lei expressa”[13].
Como se vê, o artigo 135, III, do CTN diz que os sócios-gerentes são “pessoalmente responsáveis”, mas não diz que sejam os únicos. Tal caráter pessoal decorre da infração cometida, não significando exclusão da pessoa jurídica da execução. Ademais, da mesma forma que o art. 128 do CTN exige dispositivo legal expresso para a atribuição da responsabilidade a terceiro, também há de se exigir dispositivo legal expresso para excluir a responsabilidade do contribuinte.
Retirar a pessoa jurídica do polo passivo, considerando ser a responsabilidade do sócio-gerente exclusiva, significaria dificultar o recebimento do crédito pela Fazenda, já que pode o patrimônio do sócio estar ocultado no patrimônio da empresa, e premiar a empresa pelo ato ilícito cometido pelo seu sócio-gerente. Tal benesse não é possível, segundo Ribeiro Filho[14], pela culpa in elegendo e culpa in vigilando da pessoa jurídica, advindas, respectivamente, da má-escolha de pessoa para administrar a atividade empresarial e falha na fiscalização dos atos do administrador por parte de seus órgãos competentes.
Nos termos do parágrafo único do art. 124 do CTN, a ausência de benefício de ordem oponível à Fazenda Pública é característica central da responsabilidade solidária. Desse modo, pode o Fisco, nos casos de solidariedade, exigir todo o crédito de qualquer um dos responsáveis ou de todos ao mesmo tempo, de modo que, conforme prevê o artigo 125 do CTN, “o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais”, a “a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo” e “a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais”.
O benefício de ordem protege o responsável, que responde apenas pelo que o contribuinte deixar de adimplir e integra o polo passivo da relação somente quando frustrada a satisfação do crédito tributário. Nesse sentido, responsabilizar subsidiariamente o sócio-gerente também provocaria retardamento da execução e, por consequência, diminuição da possibilidade de êxito na cobrança do crédito tributário, já que a Fazenda teria que esgotar a busca de bens do devedor originário para só depois buscar bens do sócio responsável, o qual poderia já ter dilapidado seu patrimônio. Ademais, estar-se-ia desconsiderando, nos termos de Ribeiro Filho, que “a responsabilidade tributária tem a punição como um de seus aspectos justificantes”[15], desprezando a motivação central do redirecionamento, qual seja a atuação irregular do sócio.
É importante notar que não é o excesso de poder, infração à lei, contrato social ou estatuto que dá origem à obrigação tributária, inclusive porque, nos termos do artigo 3º do CTN, o tributo não pode se constituir como sanção de ato ilícito. A atuação irregular do sócio gera responsabilidade por transferência, sobrepondo-se à obrigação tributária para agregar solidariamente, no polo passivo, o contribuinte originário (pessoa jurídica) e o sócio que atuou além dos limites, responsável tributário.
Carvalho[16] propõe a caracterização dos atos que podem ser enquadrados em cada expressão do artigo 135 do CTN. Segundo ele, os atos praticados com excesso de poderes é aquele nos quais o administrador, “investido nos poderes de gestão da sociedade, pratica algo que extrapole os limites contidos nos contratos sociais”. Já a infração a lei se dá quando há “descumprimento de prescrição relativa ao exercício da administração”, enquanto que a infração do contrato social ou estatuto, por sua vez, “consiste no desrespeito à disposição expressa constante desses instrumentos societários, e que tem por consequência o nascimento da relação jurídica tributária”.
Não obstante a definição apresentada por Carvalho para a infração de lei a que se refere o artigo 135, do CTN, não existe, na doutrina e jurisprudência, interpretação uniforme do que seria tal infração. A conceituação proposta (“descumprimento de prescrição relativa ao exercício da administração”) é bastante ampla.
A aplicação do art. 135 do CTN recebeu um novo enfoque em julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça, que salientaram a possibilidade de redirecionamento da execução para o sócio diante de indícios de dissolução irregular. Nesse sentido, eis a Súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
Portanto, não encontrada a empresa no local indicado como seu domicílio fiscal, o sócio-gerente será responsabilizado pelos créditos tributários a ela imputados, de maneira que o encerramento irregular da empresa configura infração à lei. Tal infração, nos termos de Silva[17], é apurada objetivamente, presumindo-se que houve culpa lato sensu do administrador.
A própria Súmula 435, do STJ, contribui com a definição de “dissolução irregular”, existente quando o estabelecimento empresarial encerra suas atividades sem obediência aos expedientes legalmente previstos para tanto, como o regular processo de levantamento patrimonial e pagamento aos credores. Segundo Gonçalves, a dissolução irregular corresponde a “uma dissolução de fato, isto é, encerramento das atividades empresariais, normalmente acompanhada da divisão do restante do patrimônio entre os sócios remanescentes, apesar de subsistência formal da sociedade como ente jurídico”[18].
Havendo dissolução irregular, portanto, pode-se dizer que são descumpridas, dentre outras, as normas dos artigos 1033 a 1037 do Código Civil, que regulam o processo de dissolução de sociedades. Há descumprimento também do artigo 1150 do Código Civil, que estabelece vinculação do empresário e da sociedade empresária ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais e, consequentemente, de normas da lei que regula o Registro Público de empresas mercantis e atividades afins (Lei nº 8934/1994).
A dissolução irregular envolve, portanto, uma série de irregularidades. Diante desse cenário, veja-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça, que autoriza o redirecionamento do feito executivo contra o sócio-gerente pela ausência de atualização do registro cadastral:
TRIBUTÁRIO. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O SÓCIO-GERENTE. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. 1. A existência de indícios que atestem o provável encerramento irregular das atividades da empresa e a ausência de bens penhoráveis autorizam o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes. 2. Constitui obrigação elementar do comerciante a atualização de seu registro cadastral junto aos órgãos competentes. 3. O fechamento da empresa sem baixa na Junta Comercial constitui indício de que o estabelecimento encerrou suas atividades de forma irregular, circunstância que autoriza a Fazenda a redirecionar a execução. 4. Recurso especial provido. (STJ. Resp 985.616/RS, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 06/11/2007, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/11/2007).
O STJ possui entendimento consolidado de que a certidão emitida pelo Oficial de Justiça, servidor público auxiliar da Justiça, atestando que a empresa executada não mais funciona no endereço indicado no seu registro na Junta Comercial configura indício suficiente da dissolução irregular, sendo possível, pois, o redirecionamento da execução para os sócios-gerentes. Nesse sentido, observa-se[19]:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMPRESA NÃO LOCALIZADA. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO. RESPONSABILIDADE. SÓCIO-GERENTE. ART. 135, III, DO CTN. 1. A não-localização da empresa no endereço fornecido como domicílio fiscal gera presunção iuris tantum de dissolução irregular. Possibilidade de responsabilização do sócio-gerente a quem caberá o ônus de provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. Entendimento sufragado pela Primeira Seção desta Corte nos EREsp 716.412⁄PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 22.09.08. 2. Embargos de divergência conhecidos em parte e providos” (STJ. EREsp 852.437/RS, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 22/10/2008, PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 03/11/2008).
Verificada a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal em caso de dissolução irregular da pessoa jurídica devedora, urge identificar sobre qual sócio-gerente a execução recairá. Isso porque podem existir alterações no quadro societário da empresa, de modo que o sócio que exercia a administração na época do fato gerador da obrigação tributária não seja o mesmo da época da dissolução irregular.
Análise de julgados do STJ permite concluir que não há entendimento unânime do referido Tribunal acerca da dúvida decorrente de modificação dos sócios-gerentes de uma empresa. Autorizando expressamente o redirecionamento para os sócios que exerciam a gerência da pessoa jurídica devedora na época do fato gerador, tem-se[20]:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O SÓCIO-GERENTE. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE. POSSIBILIDADE. FATO GERADOR OCORRIDO À ÉPOCA EM QUE O SÓCIO INTEGRAVA O QUADRO SOCIETÁRIO DA EMPRESA. 1. Discute-se nos autos a possibilidade de redirecionamento de execução fiscal contra sócio-gerente da empresa irregularmente dissolvida. O agravante alega, em síntese, que o fato de ter se retirado da empresa antes de sua dissolução irregular obsta o redirecionamento da execução fiscal contra ele, a despeito de que integrava o quadro societário da sociedade à época do fato gerador. 2. A irresignação do agravante vai de encontro ao entendimento já pacificado por esta Corte no sentido de que a dissolução irregular da sociedade, fato constatado pelo acórdão recorrido, autoriza o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio-gerente da sociedade à época do fato gerador. Dessa forma, independentemente de constar ou não da CDA o nome do sócio alvo do redirecionamento da execução, é lícita a inclusão dele no pólo passivo da ação executiva. 3. Agravo regimental não provido. (STJ. AgRg no Ag 1.105.993/RJ, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 18/08/2009, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/09/2009).
O fundamento de tal tese é o de que o sócio-gerente da época do fato gerador da obrigação tributária concorreu para a realidade da empresa que levou à dissolução irregular. Desconsidera-se, pois, o fato de o sócio ter se retirado do quadro da pessoa jurídica e de não ter a dissolvido irregularmente. Desse modo, são evitadas eventuais fraudes verificadas quando há o desligamento de certo sócio com o intuito de não ser pessoalmente responsabilizado.
É de se perceber, porém, que autorizar o redirecionamento do feito executivo para a pessoa do sócio-gerente da época do fato gerador da dívida significa desconsiderar o verdadeiro motivo para a responsabilização do terceiro, qual seja a dissolução irregular, que ocorre em infringência à lei (art. 135, III, CTN). Significa fazer com que a inadimplência de obrigação tributária gere responsabilização do sócio com poderes de gerência, em desacordo com a Súmula 430 do STJ.
Assim, existem decisões do STJ que condicionam à responsabilização do sócio-gerente ao fato de ele estar presente no momento da dissolução irregular da sociedade. Veja-se[21]:
PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO QUE, EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO, DÁ PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIALPARA EXCLUIR DO POLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL O SÓCIO QUE HAVIA-SE RETIRADO DA SOCIEDADE. DECISÃO AGRAVADA EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. (...). 2. O pedido de redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da sociedade executada, pressupõe a permanência do sócio na administração da empresa no momento da ocorrência dessa dissolução, que é, afinal, o fato que desencadeia a responsabilidade pessoal do administrador (EREsp 100.739/SP, 1ª Seção, Rel. Min. José Delgado, DJ de 28.2.2000, p. 32). 3. (...). 4. A Primeira Seção, (...), referendou o posicionamento já reiteradamente adotado pelas Primeira e Segunda Turmas no sentido de que 'a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios, prevista no art. 135 do CTN'. (STJ. AgRg no AgRg no REsp 934.252/RJ, Relatora: Ministra DENISE ARRUDA, Data de Julgamento: 23/06/2009, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/08/2009).
Com tal entendimento, enfatiza-se que o elemento autorizador da responsabilização do sócio-gerente é a dissolução irregular, de modo que “descabe responsabilizar-se pessoalmente sócio que se retirou regularmente da empresa, que continuou em atividade, mas que só posteriormente veio a extinguir-se de forma irregular”[22].
Tal compreensão, entretanto, pode fazer com que certo sócio administrador que irregularmente dissolveu a empresa seja responsabilizado por dívidas anteriores inclusive à entrada dele no quadro societário da pessoa jurídica. Essa situação não é permitida pelo STJ, conforme se infere do seguinte julgado:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE. FATO GERADOR ANTERIOR AO INGRESSO DO SÓCIO NA SOCIEDADE. REDIRECIONAMENTO. INCABIMENTO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A responsabilidade do sócio, que autoriza o redirecionamento da execução fiscal, ante a dissolução irregular da empresa, não alcança os créditos tributários cujos fatos geradores precedem o seu ingresso na sociedade, como é próprio da responsabilidade meramente objetiva. Precedentes de ambas as Turmas da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. 2. Agravo regimental improvido. (STJ. AgRg no REsp 1.140.372/SP, Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Data de Julgamento: 27/04/2010, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/05/2010).
Diante desse contexto, é evidente a possibilidade de fraudes, vez que, deixando o sócio-gerente a empresa antes da dissolução irregular, sendo substituído por outro, estaria livre da responsabilização pessoal. Esse outro, por sua vez, alegando que entrou no quadro societário da pessoa jurídica devedora após o fato gerador da obrigação tributária, também fugiria da responsabilidade.
Valorizando-se a Súmula 430 do STJ, que indica que o inadimplemento de obrigação tributária não gera por si só responsabilização do sócio-gerente, a melhor tese é a de que deve ser responsabilizado o sócio com poderes de direção que dissolveu irregularmente a empresa, já que é justamente a dissolução irregular a situação fática (infração à lei, nos termos do artigo 135, III, do CTN) que autoriza o redirecionamento do feito executivo.
É verdade que o sócio da época do fato gerador pode ter contribuído para uma eventual situação de insolvência, porém, não se pode responsabilizá-lo pessoalmente ante a inexistência de nexo de causalidade de sua atuação para com a dissolução irregular. Havendo insolvência, os sócios devem iniciar o procedimento legal adequado e não simplesmente desconsiderá-lo dissolvendo de fato a empresa. Consoante conclui Correia, “não é possível apontar como responsável o sócio que exercia a direção da sociedade em época anterior ao fato que consiste no fundamento da responsabilidade”[23].
Correia, porém, pontua:
“consistindo o fundamento da responsabilidade em inadimplemento doloso, ou havendo o desligamento do sócio gerente antes da dissolução irregular com o intuito de fraudar a satisfação do crédito tributário, permite-se perseguir os bens pessoais do sócio que atua como diretor da sociedade à época do fato gerador. Nesses casos, os fundamentos da responsabilidade seriam outros, que não a dissolução irregular”[24].
Assim, não obstante a referida valorização da Súmula 430 do STJ, faz-se necessário analisar concretamente cada caso. A fim de se evitar fraudes, não deve ser tolerado, por exemplo, o sócio-gerente que saiu da empresa pouco antes da dissolução irregular evidentemente para fugir do pagamento de tributos. Com base no artigo 123 do CTN, se a retirada da sociedade por parte do sócio tiver sido parte de um procedimento fraudulento, tal saída não tem validade contra a Fazenda Pública, não interferindo na responsabilidade tributária dele. É essencial, portanto, uma análise individualizada do caso pelo magistrado que autoriza o redirecionamento.
Existem doutrinadores que defendem que o redirecionamento do processo de execução fiscal é incompatível com a natureza executiva do feito. Para eles, não deveria ser possível, em tais processos, a apuração da responsabilidade tributária do sócio-gerente. Franco comunga com tal posicionamento:
“De fato, a responsabilidade tributária deriva de ato ilícito praticado pelo sócio-gerente, nos termos do artigo 135 do CTN, ato ilícito que deve ser apurado em processo administrativo no qual a Administração oferecerá obrigatoriamente direito de defesa àquele que acusa de agir em infração de lei, contrato social ou estatuto. Daí se infere que a discussão sobre a atitude do sócio-gerente, se ele agiu dentro ou não da normalidade legal e convencional, não pode ser feita no bojo do processo de execução, que só admite forma mitigada de contraditório”[25].
A ideia de Franco é a de que o redirecionamento da actio executiva torna precário o direito de defesa daquele para quem a execução é redirecionada. Essa também é a visão de Souza, para quem a corresponsabilidade tributária não constitui matéria a ser apurada no curso da execução fiscal, mas “em momento anterior, durante o procedimento preparatório do lançamento, e, consequentemente, em processo administrativo tributário que garanta o exercício do contraditório ao contribuinte”[26]. De tal modo, para eles, nos termos de Franco, “caso o sócio-gerente da sociedade limitada não seja apresentado como responsável tributário na CDA, só se houver a substituição desta ou sua emenda para que possa vir a sê-lo; caso contrário, ele será parte ilegítima na demanda executiva”[27].
Marins posiciona-se no mesmo sentido:
“não se pode, após constituído título que não sujeite à dívida o responsável, sem haver prévia apuração de seu débito, cobrá-lo pela dívida. Só pode haver cobrança no caso de existir título que sujeite, tanto o devedor, quanto o responsável, ao processo executivo, sob pena de ineficácia da execução em relação àquele que não figura na CDA como obrigado”[28].
Não obstante tal entendimento, a jurisprudência pátria, acertadamente, vem considerando o redirecionamento inofensivo aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Isso porque o sócio pode exercer seu direito de defesa constitucionalmente garantido através dos embargos à execução, verdadeira ação paralela ao executivo fiscal movida pelo devedor contra a Fazenda Pública na busca pela desconstituição do título do Estado. Observe-se, assim, o seguinte julgado, que autoriza o redirecionamento da execução para sócio-gerente cujo nome não consta na CDA:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. EXECUÇÃO PROMOVIDA APENAS CONTRA A EMPRESA. SÓCIO CUJO NOME NÃO CONSTA DA CDA. (...) A Primeira Seção, no julgamento dos EREsp 702.232/RS, de relatoria do Ministro Castro Meira, assentou entendimento no sentido de que: (a) se a execução fiscal foi promovida apenas contra a pessoa jurídica e, posteriormente, foi redirecionada contra sócio-gerente cujo nome não consta da Certidão de Dívida Ativa, cabe ao Fisco comprovar que o sócio agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135 do CTN; (b) se a execução fiscal foi promovida contra a pessoa jurídica e o sócio-gerente, cabe a este o ônus de demonstrar que não incorreu em nenhuma das hipóteses previstas no mencionado art. 135; (c) se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, o ônus da prova também compete ao sócio, em virtude da presunção relativa de liquidez e certeza da referida certidão. 3. Na hipótese em exame, a execução fiscal foi promovida apenas contra a empresa e da Certidão de Dívida Ativa – CDA - não consta o nome dos sócios. Assim, considerando a jurisprudência que se firmou nesta Corte de Justiça, conforme acima delineado, conclui-se que, tendo sido a execução, posteriormente, redirecionada contra sócio cujo nome não consta da Certidão de Dívida Ativa, entende-se que cabe ao Fisco o ônus de provar que o sócio incorreu em alguma das hipóteses previstas no art. 135 do CTN. (...) (STJ, REsp 649.721/RJ, Relatora: Ministra DENISE ARRUDA, Data de Julgamento: 26/06/2007, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/08/2007).
Franco insiste:
“é absurda a simples alegação admitida como correta pelo STJ, segundo a qual cabe ao sócio-gerente provar, por meio de embargos, que não agiu ilicitamente. Em primeiro lugar, porque não há ato administrativo que sustente presumida responsabilidade do sócio-gerente, se a execução fiscal foi contra ele direcionada, ainda mais se se lembrar que ele sequer figura na CDA. Não há ato administrativo em que possa estribar tal presunção nem título capaz de legitimar a execução movida contra ele”[29].
É de se perceber que à época do processo administrativo, a execução estava voltada somente em face da empresa. Ao propor a ação, a Fazenda Pública não visualizava qualquer fato capaz de estender a responsabilidade também ao sócio-gerente. A responsabilidade deste somente teve início quando demonstrada a ocorrência de infração à lei, contrato social ou estatuto, incluindo-se, nesse contexto, a dissolução irregular da pessoa jurídica devedora.
Dessa forma, não sendo reconhecido como devedor na época do trâmite do processo administrativo tributário, não existia motivação para o sócio ser chamado para apresentar defesa. Sua responsabilidade apenas foi verifica em sede judicial, quando se deferiu o redirecionamento. O respeito às garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa, nesse caso, deve ocorrer durante o próprio processo judicial de cobrança, isto é, no curso da ação de execução fiscal, como dito, através dos embargos.
Frisa-se, nessa situação, que a demonstração acerca da ocorrência de dissolução irregular da empresa ou infração lei, contrato social ou estatuto por parte do sócio-gerente deve ficar a cargo do Fisco. Portanto, é insensato admitir que o processo executivo fiscal deve ser paralisado a fim de que se obtenha administrativamente “título capaz de legitimar a execução”, mesmo provada a existência de alguma das causas autorizadoras do redirecionamento e possibilitada a defesa do sócio-gerente via embargos. Se ocorresse, tal paralisação iria de encontro ao princípio constitucional da celeridade processual e dificultaria sobremaneira a atividade fazendária na busca pela satisfação do crédito tributário.
Registra-se que, constando na Certidão de Dívida Ativa (CDA) tanto o nome da pessoa jurídica quanto do sócio-gerente, o ônus da prova se inverte. Isso porque, segundo os artigos 204 do CTN e 3º da lei nº 6830/80, a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, tendo efeito de prova pré-constituída e admitindo prova em contrário a cargo do responsável. Assim, já figurando na CDA a figura do sócio-gerente como corresponsável tributário, se proposta a execução contra a pessoa jurídica ou contra esta e o sócio-gerente, caberá a este último demonstrar que não existe qualquer das hipóteses autorizativas do art. 135 do CTN.
É ilegítima, assim, a cobrança judicial em face de determinado contribuinte cujo nome consta na CDA sem que tenha existido, administrativamente, apuração do débito e infrações relacionadas, possibilitando-lhe a oportunidade de se defender. Dito de outro modo, não é legal a inclusão do nome do sócio na CDA correspondente a processo administrativo do qual somente a empresa participou. Por outro lado, comprovada a existência de alguma causa que autorize o redirecionamento durante o curso do feito executivo e possibilitada a defesa do sócio-gerente através embargos à execução, não há que se falar em ofensa ao contraditório e à ampla defesa.
Conclusão
Diante do exposto, oportuno consignar que o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade do seu sócio-gerente. O redirecionamento é medida de responsabilização de terceiros pelos atos por eles realizados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, incluindo-se, nesse contexto, a dissolução irregular da pessoa jurídica executada, consoante demonstrado no segundo capítulo.
A responsabilidade do sócio-gerente é solidária em relação à da pessoa jurídica, devendo esta ser mantida no polo passivo da execução, e que a responsabilização do sócio é direta, sem transposição da personalidade jurídica, e não desrespeita as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa. Isso porque o executado poderá apresentar embargos à execução, debatendo a matéria e exercendo, pois, seu direito de defesa.
Nos casos de redirecionamento por conta de dissolução irregular, de forma geral, o sócio-gerente a ser incluído no feito executivo é aquele da época da dissolução, sendo esse o evento autorizador do redirecionamento e em valorização da Súmula 430 do STJ. É necessário, entretanto, que cada caso seja analisado em suas particularidades, a fim de se evitar fraudes: não deve ser tolerado, por exemplo, certo sócio-gerente que deixou o quadro societário da empresa pouco antes da dissolução irregular claramente para fugir da responsabilização pessoal.
Referências
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[1] FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária: Conceitos Fundamentais. In: Responsabilidade Tributária. Coord. Maria Rita Ferragut e Marcos Vinicius Neder. São Paulo: Dialética, 2007, p. 11.
[2] FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária: Conceitos Fundamentais In: Responsabilidade Tributária. Coord. Maria Rita Ferragut e Marcos Vinicius Neder. São Paulo: Dialética, 2007, p. 22-23.
[3] STF. RE 562.276/PR, Relatora: Ministra ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 03/11/2010, Data de Publicação: DJe 10/02/2011.
[4] SILVA, Alexandre Alberto Teodoro da. A desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 104.
[5] SILVA, Alexandre Alberto Teodoro da. A desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 104.
[6] GRUPENMACHER, Betina Treiger. Magistrados reunidos aprovam enunciado contra o direito de defesa e o contraditório. Disponível em: Acesso em: 02 nov. 2017.
[8] MACHADO, Hugo de Brito. apud MELO FILHO, João Aurino; SANDRI, Marcos Paulo. Legitimidade no processo de execução fiscal: Fazenda Pública exequente e devedor ou responsável executado. In: Execução Fiscal Aplicada. Coord. João Aurino de Melo Filho. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 105.
[9] RIBERIRO FILHO, Eduardo de Assis. A responsabilidade tributária do sócio administrador, por uma concepção subjetiva e solidária. Disponível em: Acesso em: 18 nov. 2017.
[10] STJ. REsp 86.439/ES, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data de Julgamento: 10/06/1996, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/1996.
[11] STJ. REsp nº 833.621/RS, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 29/06/2006, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/08/2006.
[12] STJ. REsp 724.180/PR, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 05/10/2006, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/11/2006.
[13] ASSIS, Emanuel Carlos Dantas de. Arts. 134 e 135 do CTN: Responsabilidade Culposa e Dolosa dos Sócios e Administradores de Empresas por Dívidas Tributárias da Pessoa Jurídica. In: Responsabilidade Tributária. Coord. Maria Rita Ferragut e Marcos Vinicius Neder. São Paulo: Dialética, 2007, p. 155-156.
[14] RIBERIRO FILHO, Eduardo de Assis. A responsabilidade tributária do sócio administrador, por uma concepção subjetiva e solidária. Disponível em: Acesso em: 18 nov. 2017.
[15] RIBERIRO FILHO, Eduardo de Assis. A responsabilidade tributária do sócio administrador, por uma concepção subjetiva e solidária. Disponível em: Acesso em: 18 nov. 2017.
[16] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 636.
[17] SILVA, Alexandre Alberto Teodoro da. A desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 106.
[18] GONÇALVES, Marco Fratezzi apud MELO FILHO, João Aurino. Modificações no polo passivo da execução fiscal: consequências da falência, da morte, da dissolução irregular da pessoa jurídica e da sucessão empresarial no processo executivo. In: Execução Fiscal Aplicada. Coord. João Aurino de Melo Filho. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 340.
[19] No mesmo sentido: STJ. EREsp 716.412/PR, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 12/09/2007, PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 22/09/2008.
[20] No mesmo sentido: STJ. AgRg no AgREsp 506.531/RJ, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 05/06/2014, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/06/2014.
[21] No mesmo sentido: STJ. EAg 1.105.993/RJ, Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Data de Julgamento: 13/12/2010, PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 01/02/2011; STJ. AgRg no AREsp 262.317/SP, Relatora: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 05/09/2013, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/09/2013.
[22] STJ. REsp 824.503/RS, Relatora: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 10/06/2008, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/08/2008.
[23] CORREIA, Rebecca Pereira Greenhalgh Santos. Prazo prescricional para o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio gerente por dissolução irregular da sociedade devedora. 59 f. 2014. TCC (Direito) – Faculdade de Direito de Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2014.
[24] CORREIA, Rebecca Pereira Greenhalgh Santos. Prazo prescricional para o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio gerente por dissolução irregular da sociedade devedora. 59 f. 2014. TCC (Direito) – Faculdade de Direito de Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2014.
[25] FRANCO, Tiago. Aspectos Processuais da ilegitimidade passiva e da responsabilidade dos sócios-gerentes de sociedades limitadas nas execuções fiscais. Revista tributária e de finanças publicas, São Paulo, vol. 90, nº 90, p. 255, jan/fev. 2010.
[26] SOUZA, Alexandre Antônio Nogueira de. A vulnerabilidade do contribuinte no redirecionamento das execuções fiscais. Revista tributária e de finanças publicas, São Paulo, vol. 19, nº 97, p. 227, mar./abr. 2011.
[27] FRANCO, Tiago. Aspectos Processuais da ilegitimidade passiva e da responsabilidade dos sócios-gerentes de sociedades limitadas nas execuções fiscais. Revista tributária e de finanças publicas, São Paulo, vol. 90, nº 90, p. 250, jan/fev. 2010.
[28] MARINS, James. Direito Processual tributário brasileiro (administrativo e judicial). 2 ed. São Paulo: Dialética, 2002, p. 576.
[29] FRANCO, Tiago. Aspectos Processuais da ilegitimidade passiva e da responsabilidade dos sócios-gerentes de sociedades limitadas nas execuções fiscais. Revista tributária e de finanças publicas, São Paulo, vol. 90, nº 90, p. 259, jan/fev. 2010.
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Pós Graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MAGALHAES, Romero Solano de Oliveira. A atuação irregular dos sócios como fundamento do redirecionamento do feito executivo fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2017, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51131/a-atuacao-irregular-dos-socios-como-fundamento-do-redirecionamento-do-feito-executivo-fiscal. Acesso em: 06 nov 2024.
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