RESUMO: O presente estudo visa examinar a natureza da vulnerabilidade do menor de catorze anos prevista no artigo 217-A do Código Penal, a fim de verificar se é admissível a produção de provas em sentido contrário ou se o critério etário, por si só, é suficiente para a caracterização da vulnerabilidade e, consequentemente, do crime de estupro de vulnerável. Para tanto, far-se-á uma pesquisa bibliográfica a partir de doutrinas, artigos, legislações e entendimentos jurisprudenciais, bem como uma análise comparada e crítica das decisões a respeito da possibilidade ou impossibilidade da relativização. A questão merece destaque, em razão da alteração legislativa provocada pela lei n. 12.015/2009, que extinguiu a figura da “presunção de violência”, cujo caráter – absoluto ou relativo – era bastante controvertido, e instituiu o delito em análise. A referida mudança não pôs fim à discussão doutrinária e jurisprudencial existente, passando-se a questionar a possibilidade de relativizar a presunção de vulnerabilidade do menor frente às especificidades do caso concreto. Ao adotar a vulnerabilidade como absoluta, colocam-se em xeque vários princípios constitucionais e princípios norteadores do Direito Penal. Portanto, a solução que melhor coaduna com o ordenamento jurídico brasileiro e atual desenvolvimento sociocultural é entender que a vulnerabilidade é sim passível de flexibilização.
PALAVRAS-CHAVE: Estupro, vulnerável, presunção, relativização.
ABSTRACT: This study aims to examine the nature of the younger than fourteen-year-old children's vulnerability written in the article 217-A of the Penal Code, in order to verify whether the production of evidences to prove the contrary is admissible or the age criterion, by itself, is sufficient to characterize the vulnerability and, consequently, the crime of vulnerable’s rape. To this end, a bibliographic search will be done in doctrines, articles, laws and jurisprudential understandings, as well as a comparative and critical analysis of decisions about the possibility or impossibility of relativization. The subject deserves attention because of the legislative change caused by the law n. 12.015/2009, that abolished the figure of the "violence’s presumption", whose feature- absolute or relative- was very controversial, and instituted the crime in question. Such change did not put an end to the doctrinal and jurisprudential debate, and it started the discussion about the possibility to relativize the minor’s vulnerability presumption according to the particular case. By adopting the vulnerability as absolute, we put in check various constitutional principles and principles of criminal law. So the solution that best fit with the Brazilian legal system and current sociocultural development is to understand that vulnerability is susceptible to relativization.
KEY-WORDS: rape, vulnerable, presumption, relativization.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Do crime de estupro de vulnerável: 1.1 Conceito. 1.2 Sujeitos ativo e passivo. 1.3 Objeto material e bem juridicamente protegido. 1.4 Elemento subjetivo. 1.5 Erro de tipo e erro de proibição. 1.6 Ação penal e segredo de justiça. 2. Da vulnerabilidade: 2.1 Conceito de vulnerável. 2.2 A presunção de violência (art. 224) e a vulnerabilidade instituída pela lei n. 12.015/2009. 2.3 O caráter absoluto da vulnerabilidade e os princípios constitucionais. 2.4 Princípios da fragmentariedade, da intervenção mínima e da ofensividade. 2.5 Responsabilidade penal objetiva x princípio da culpabilidade. 2.6 O critério etário e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 2.7 O desenvolvimento social e o acesso às informações. 2.8 Da relativização da vulnerabilidade no caso concreto: 2.8.1 O consentimento da vítima e sua liberdade sexual. 2.8.2 A questão da prostituição. 2.8.3 Absolvição por atipicidade. 2.8.4 Jurisprudências dos Tribunais. Conclusão. Referências Bibliográficas
INTRODUÇÃO
A lei n. 12.015 de 07 de agosto de 2009 provocou alterações relevantes no Título VI do Código Penal que trata “Dos crimes contra a dignidade sexual”, antes intitulado “Dos crimes contra os costumes”, criando novos tipos penais incriminadores e unificando alguns já existentes, a fim de adequá-los ao desenvolvimento sociocultural brasileiro e solucionar divergências doutrinárias e jurisprudenciais decorrentes da exegese legislativa.
Dentre as modificações, têm-se a introdução do tipo penal “estupro de vulnerável” (artigo 217-A do Código Penal), resultante da combinação dos artigos 213 ou 214 (atentado violento ao pudor) com o artigo 224, todos da redação anterior do Código Penal. O extinto artigo 224 trazia a figura da “presunção de violência”, cuja natureza - se absoluta ou relativa - era bastante controvertida, mormente no que tange aos menores de catorze anos.
Com o intuito de sanar a supramencionada divergência, o tipo penal autônomo do artigo 217-A substituiu o termo “presunção” pela “vulnerabilidade”. No entanto, apesar de o preceito primário do dispositivo legal em análise ser bastante enfático ao criminalizar a conduta de “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”, vários doutrinadores, dentre os quais se destacam Guilherme de Souza Nucci e Cezar Roberto Bittencourt, defendem a possibilidade de relativização da vulnerabilidade, ante as peculiaridades do caso concreto, como o grau de maturidade sexual da vítima.
Diante disso e da ressonância da posição doutrinária nos Tribunais Superiores surge a problemática acerca do caráter absoluto ou relativo da vulnerabilidade - especialmente no tocante às vítimas menores de catorze anos - e sua relação com os princípios constitucionais, notadamente o do contraditório, da ampla defesa, e o confronto entre o princípio da culpabilidade e a responsabilização penal objetiva. Além disso, deve-se analisar a questão sob o enfoque dos princípios da intervenção mínima, da ofensividade e da fragmentariedade, para que o Direito Penal se constitua a ultima ratio.
Assim, este trabalho objetiva identificar o conceito de “vulnerabilidade” e averiguar, no caso concreto, se a idade da vítima (menor de 14 anos) é o bastante para afirmar a sua fragilidade, situação que busca o legislador proteger, consoante o próprio nomen juris. Além disso, demonstrar-se-á a ausência de tipicidade material de muitas condutas que se subsumem à descrição típica do artigo 217-A.
1. DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL
1.1 Conceito
O tipo penal autônomo do artigo 217-A do Código Penal de 1940, denominado “Estupro de vulnerável”, foi introduzido no ordenamento jurídico pela Lei n. 12.015 de 07 de agosto de 2009e resulta da combinação dos artigos 213 (estupro) ou 214 (atentado violento ao pudor) com o artigo 224, todos da redação anterior do Código Penal de 1940.
O preceito primário desse novo dispositivo criminaliza a conduta de: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze anos)”, cominando uma pena de reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos, superior àquela prevista para o crime de estupro, ante a especificidade das vítimas por ele mencionadas.
Na mesma pena incorre “quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”, conforme dispõe o §1º do artigo 217-A, do Codex Penal de 1940.
Assim, verifica-se que as condutas previstas nos artigos 217-A e 213 são as mesmas, englobando tanto a conjunção carnal (cópula pênis-vagina) como a prática de outros atos libidinosos, antes descritos pelo crime de atentado violento ao pudor.
De acordo com Luiz Regis Prado (2014, p. 1047):
Ato libidinoso, também elemento normativo extrajurídico, é toda conduta perpetrada pelo sujeito ativo que se consubstancia numa manifestação de sua concupiscência. Como exemplo de atos libidinosos podem ser citados: fellatio ou irrumatio in ore, cunnilingus, pennilingus, annilingus (casos de sexo oral ou lingual); coito anal, penetração interfemora; masturbação; toques e apalpadelas no corpo ou membros inferiores da vítima; contemplação lasciva; contatos voluptuosos, uso de instrumentos mecânicos ou artificiais, entre outros.
No entanto, a nova norma penal incriminadora proíbe o relacionamento sexual com aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, ou seja, o menor de 14 (catorze) anos ou o incapaz de consentir validamente para a prática sexual por enfermidade ou deficiência mental, eliminando a presunção de violência contida no revogado artigo 224 do Código Penal de 1940.
Além disso, diferentemente do crime de estupro, que exige para a sua configuração o constrangimento, não é necessário para a caracterização do delito tipificado no artigo 217-A o emprego de violência ou grave ameaça. Nesse sentido, oportuno transcrever a lição de Rogério Greco (2012, p.533):
O núcleo ter, previsto pelo mencionado tipo penal, ao contrário do verbo constranger, não exige que a conduta seja cometida mediante violência ou grave ameaça. Basta, portanto, que o agente tenha, efetivamente, conjunção carnal, que poderá até mesmo ser consentida pela vítima, ou que com ela pratique outro ato libidinoso. Na verdade, esses comportamentos previstos pelo tipo penal podem ou não terem sido levados a efeito mediante o emprego de violência ou grave ameaça, característicos do constrangimento ilegal, ou praticados com o consentimento da vítima (...)
Impende esclarecer que o crime de estupro de vulnerável não se trata, portanto, de uma espécie do crime de estupro, já que ausente o elemento “constranger” naquele tipo penal, e como cediço “ um crime só é espécie de outro, quando contiver todos os mesmos elementos do outro e mais um ou alguns, ditos especializantes” (TELES, S/D).
Os §§3º, 4º do dispositivo legal em tela preveem as modalidades de estupro de vulnerável qualificadas pelo resultado lesão corporal de natureza grave (pena de reclusão de 10 a 20 anos) e morte (pena de reclusão de 12 a 30 anos), respectivamente. Tais resultados devem decorrer da conduta utilizada para a prática do estupro.
Parcela da doutrina entende que as referidas qualificadoras só são aplicáveis a título de culpa, ou seja, quando a lesão corporal grave ou a morte da vítima não foram queridas e nem o risco de sua produção assumido pelo agente, tratando-se de crimes preterdolosos (dolo no antecedente e culpa no consequente).
Entretanto, como bem assevera Cezar Roberto Bitencourt (2012, p.102-103), apesar de ser um posicionamento minoritário, essas qualificadoras devem incidir mesmo que o resultado agravador seja produto de dolo, em virtude do princípio da razoabilidade. Isso porque se fosse aplicado o concurso material ou formal impróprio de crimes na hipótese de dolo, a pena resultante poderia ser inferior àquelas das figuras qualificadas. Assim, punir-se-ia a culpa de forma mais severa que o dolo.
Registra-se, outrossim, que a Lei n. 12.015/2009 pôs fim à discussão doutrinária e jurisprudencial acerca do caráter hediondo do estupro de vulnerável, sem violência ou grave ameaça, incluindo-o, expressamente, no rol do artigo 1º da Lei n.8.072/1990. [1]
1.2 Sujeitos ativo e passivo
Qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo do crime de estupro de vulnerável, seja ela homem ou mulher, podendo, inclusive, ser praticado contra vítima do mesmo sexo.
Porém, segundo Mirabete (2010, p. 409), apesar de ambos os gêneros poderem ser autores do estupro há de se ter a oposição de gêneros para que se configure o primeiro núcleo (verbo) do tipo penal, qual seja a conjunção carnal; já a prática de qualquer outro ato libidinoso independe de oposição de sexos, podendo ser o sujeito ativo e o passivo do mesmo gênero.
É importante ressaltar a possibilidade de haver concurso de agentes no delito em análise, tratando-se, portanto, de concurso eventual e não, necessário, uma vez que o tipo penal em testilha não faz referência a um determinado número de pessoas como condição para sua execução.
Ademais, incidirá a causa de aumento de pena prevista no artigo 226, inciso II, do Código Penal de 1940 quando o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela, em razão da maior reprovabilidade da conduta, já que essas pessoas possuem um dever de cuidado, proteção ou vigilância em relação à vítima.
Quanto ao sujeito passivo, este “deve ser pessoa vulnerável (menor de 14 anos, enfermo ou deficiente mental, sem discernimento para a prática do ato, ou pessoa com incapacidade de resistência)” (NUCCI, 2009, p. 36).
Verifica-se que um dos critérios utilizados pelo legislador para identificar a vulnerabilidade do ofendido é a sua idade, que consiste em um dado meramente objetivo, cronológico, motivo pelo qual será objeto de uma análise mais aprofundada no decorrer deste trabalho.
O outro critério é a ausência de discernimento para o ato sexual por enfermidade ou deficiência mental (artigo 217-A, §1º, do Código Penal de 1940). Neste caso, para se constatar a situação de vulnerabilidade é necessária a presença tanto do aspecto biológico como do psicológico, devendo ser feito um estudo casuístico, a fim de avaliar o grau de influência da enfermidade ou deficiência na capacidade de consentimento do sujeito passivo para atos desta natureza.
Por fim, quando a vítima não puder, por qualquer outra causa, oferecer resistência, também restará configurado o tipo penal em questão, o que também demanda um exame caso a caso. Exemplificando as situações de impossibilidade de resistência têm-se os casos de embriaguez letárgica, tetraplegia, hipnose e quando houver deficiência do potencial motor, conforme aduz o autor Odon Ramos Maranhão (2005, p.209).
1.3 Objeto material e bem juridicamente protegido
Entende-se por objeto material de um crime o “objeto corpóreo (coisa ou pessoa), incluído na definição do delito, sobre o qual recai a ação punível” (FRAGOSO, 1977, p. 1). No delito em estudo, o objeto material coincide com o sujeito passivo, e é o vulnerável, isto é, a criança ou o adolescente menor de 14 (catorze) anos, bem como aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não têm o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não podem oferecer resistência.
Em relação ao conceito de “bem jurídico” assiste razão a Roxin (apud GRECO e RASSI, 2011, p. 69) ao afirmar que este é prévio à lei penal, e serve para o legislador como um critério político-criminal pelo qual escolherá as condutas que serão punidas, sendo a Constituição Federal seu limite. Portanto, a tutela penal recai apenas sobre bens úteis ao livre desenvolvimento do ser humano, protegendo sua dignidade, que é fundamento do Estado Democrático de Direito.
Os bens juridicamente protegidos no crime sub examensão: a dignidade e liberdade sexual, além do desenvolvimento sexual do vulnerável.
A liberdade, um dos bens jurídicos mais importantes da sociedade, é frequentemente utilizada como meio para afrontar outros bens jurídicos, como se verifica em alguns crimes contra o patrimônio (roubo – artigo 157; extorsão mediante sequestro – artigo 159), contra a administração da justiça (exercício arbitrário das próprias razões - artigo 345), e contra a dignidade sexual (estupro – artigo 213; estupro de vulnerável – artigo 217- A) (BITENCOURT, 2012, p. 40).
Nos crimes sexuais a liberdade individual desempenha um papel secundário, visto que, ao seu lado, lesam-se outros bens jurídicos que, no contexto, possuem um papel mais importante na ordem sociojurídica.
Assim, destaca Muñoz Conde (apud BITENCOURT, 2012, p.40-41) que:
(...) a liberdade sexual,entendida como aquela parte da liberdade referida ao exercício da própria sexualidade e, de certo modo, a disposição do próprio corpo, aparece como um bem jurídico merecedor de uma proteção penal específica, não sendo suficiente para abranger toda sua dimensão a proteção genérica concedida à liberdade geral.
Nucci (2009, p. 36) aponta que o objeto jurídico é a liberdade sexual e, por sua vez, Rogério Sanches (2012, p. 419) aduz ser a dignidade sexual do vulnerável.
Enquanto o doutrinador Luiz Regis Prado (2014, p.1046) assevera que “A tutela penal, no caso em epígrafe, visa preservar a liberdade sexual em sentido amplo, especialmente a indenidade ou intangibilidade sexual das pessoas vulneráveis (...)”.
No concernente à proteção do desenvolvimento da formação sexual do menor, sustenta-se que o bem jurídico não tem o objetivo de interiorização, pela juventude, de certos valores morais da conduta sexual, mas sim protegê-los de certos estímulos, até que eles sejam capazes de decidir por si próprios acerca de sua sexualidade (NATSCHERADETZ, 1985, p. 153).
Para Greco (2012, p.539):
A lei, portanto, tutela o direito de liberdade que qualquer pessoa tem de dispor sobre o próprio corpo no que diz respeito aos atos sexuais. O estupro de vulnerável, atingindo a liberdade sexual, agride, simultaneamente, a dignidade do ser humano, presumivelmente incapaz de consentir para o ato, como também seu desenvolvimento sexual.
Em contrapartida, Bitencourt (2012, p. 95) ensina que:
(...) Na realidade, na hipótese de crime sexual contra vulnerável, não se pode falar em liberdade sexual como bem jurídico protegido, pois se reconhece que não há a plena disponibilidade do exercício dessa liberdade, que é exatamente o que caracteriza sua vulnerabilidade. Na verdade, a criminalização da conduta descrita no art. 217-A procura proteger a evolução e o desenvolvimento normal da personalidade do menor, para que, na sua fase adulta, possa decidir livremente, e sem traumas psicológicos, seu comportamento sexual.
Nesse passo, a liberdade sexual consiste no direito de cada indivíduo de autodeterminar-se no âmbito das relações sexuais de acordo com seus anseios, podendo escolher livremente com quem, como e quando praticá-las, sem se ver tolhido pela ação de outra pessoa.
Considerando que a vulnerabilidade do menor de 14 (catorze) anos deve ser averiguada in casu, sendo, portanto, passível de relativização, a liberdade sexual não deixa de ser um dos bens tutelados por esse tipo penal.
No entanto, ao entender que se trata de uma vulnerabilidade absoluta, a norma incriminadora do artigo 217-A do Diploma Repressivo atua muito mais restringindo a liberdade sexual do menor do que tutelando-a.
1.4 Elemento subjetivo
Conforme preleciona Nucci (2009, p.36): “O elemento subjetivo é o dolo, não se punindo a forma culposa. Cremos existente o elemento subjetivo específico, consistente na busca da satisfação da lascívia.”.
Assim, para configurar o crime em questão é necessário que o sujeito ativo tenha consciência atual de todos os elementos do tipo, isso quer dizer que o agente deverá agir com pleno conhecimento de sua conduta, que consiste na prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso; além de saber que realiza o ato sexual com menor de 14 (catorze) anos ou com alguém que, em virtude de sua deficiência mental, não tem o discernimento necessário para tanto, ou que, por outra causa, não possa oferecer resistência; sob pena de incidência do chamado erro de tipo, que exclui a tipicidade do fato.
O dolo pode ser direto, quando o autor tem ciência da menoridade da vítima; ou eventual, no qual ele, embora não tenha certeza da idade do sujeito passivo, cujas características físicas evidenciam sua tenra idade, assume o risco de sua conduta.
Exige-se, ainda, o elemento volitivo, que é a intenção de satisfazer a própria libido. Porém essa questão é bastante polêmica, haja vista que não restaria configurado o delito de estupro de vulnerável quando a intenção do agente fosse, por exemplo, divulgar imagens da vítima praticando atos sexuais, já que não visava satisfazer sua libido.
Nesse sentido, segue o magistério de Bitencourt (2012, p. 101):
(...) a vontade deve abranger, igualmente, a ação (prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso), o resultado (execução efetiva da ação proibida), os meios (de forma livre ou algum meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima) e o nexo causal (relação de causa de efeito). Por isso, quando o processo intelectual-volitivo não atinge um dos componentes da ação descrita na lei, o dolo não se aperfeiçoa, isto é, não se realiza. Na realidade, o dolo somente se completa com a presença simultânea da consciência e da vontade de todos os elementos constitutivos do tipo penal. Com efeito, quando o processo intelectual-volitivo não abrange qualquer dos requisitos da ação descrita na lei, não se pode falar em dolo, configurando-se o erro de tipo, e sem dolo não há crime, ante a ausência de previsão da modalidade culposa.
O referido autor concluiu que o delito de estupro de vulnerável enquadra-se na tipologia que Welzel (apud BITENCOURT, 2012, p.101) denominava “crimes de tendência”, nos quais:
(...) a ação encontra-se envolvida por determinado ânimo cuja ausência impossibilita a sua concepção. Em tais crimes não é a vontade do autor que determina o caráter lesivo do acontecer externo, mas outros extratos específicos, inclusive inconscientes (...)
Portanto, ainda que haja dolo por parte do agente, é necessário um elemento subjetivo especial, que é o especial fim de agir, para completar-se o tipo subjetivo desse injusto penal.
1.5 Erro de tipo e erro de proibição
De acordo com a lição de Rogério Greco (2010, p.286):
Entende-se por erro de tipo aquele que recai sobre as elementares, circunstâncias ou qualquer dado que se agregue a determinada figura típica, ou ainda aquele, segundo Damásio, incidente sobre os ‘pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secundários da norma penal incriminadora’.
O erro de tipo está previsto no artigo 20 do Código Penal de 1940 com suas sucessivas alterações e exclui o dolo, afastando-se, por conseguinte, a tipicidade penal da conduta. Ele ocorrerá, por exemplo, na hipótese em que o agente desconhecia ser a vítima menor de 14 (catorze) anos, uma vez que esta apresentava atribuições físicas bem desenvolvidas que não condizem com sua real idade.
De igual modo, se o sujeito ativo ignorar o fato de que a vítima, em razão de enfermidade ou deficiência mental, não possuía o necessário discernimento para a prática de atos de natureza sexual, incorrerá no supramencionado erro, por se tratar de uma elementar do tipo penal insculpido no artigo 217-A do Código Penal de 1940 com suas sucessivas alterações.
Quanto ao erro de proibição, este está disposto no artigo 21 desse mesmo diploma legale recai sobre a antijuridicidade do ato, podendo eliminar a culpabilidade. Segundo Luiz Flávio Gomes (2012):
Pode-se conceituar o erro de proibição como o erro do agente que recai sobre a ilicitude do fato. O agente pensa que é lícito o que, na verdade, é ilícito. Geralmente aquele que atua em erro de proibição ignora a lei. Há o desconhecimento da ilicitude da conduta.
Ocorrerá o erro de proibição quando alguém pratica relações sexuais com deficiente mental, desconhecendo o fato de que essa conduta caracteriza uma infração penal. Sobre este aspecto, Nucci (2009, p. 39) menciona que:
(...) deve-se supor o conhecimento do ilícito em relação à vedação de relacionamento sexual com menores de 14 anos. Aliás, nesse ponto, as medidas de divulgação contra a pedofilia têm servido de alerta. Porém, o relacionamento sexual consentido com enfermo ou deficiente mental, incluindo-se nesse cenário o retardado, desde que consentido, entre adultos, é ponto problemático. Nem todo mundo tem exata noção da vedação posta em lei.
Dessa forma, o renomado doutrinador alerta que, de acordo com o caso concreto, é perfeitamente escusável o eventual erro de proibição, que acarretará no afastamento da culpabilidade (artigo 21 do Código Penal de 1940), devendo ser analisado o tipo de enfermidade ou deficiência mental e o seu impacto na validade do consentimento da vítima no âmbito sexual.
Em sua obra, Rogério Greco (2012, p. 546) afirma que não se pode aceitar o argumento de erro de proibição no caso de o agente manter relações sexuais com menor de 14 (catorze) anos que já se prostituía, tendo em vista que a mídia conscientiza constantemente a população acerca da pedofilia e da criminalização da prática de qualquer ato libidinoso com crianças e adolescentes menores de 14 (catorze) anos.
1.6 Ação penal e segredo de justiça
Antes da Lei n. 12.015/2009, os chamados crimes contra os costumes estavam submetidos, em regra, à ação penal privada (artigo 225, caput, do Código Penal de 1940[2]), visando evitar o strepitusiudicci, ou seja, o escândalo provocado pelo ajuizamento da ação penal e possíveis outros danos que poderiam ser causados à vítima, conforme assinala Tourinho Filho (apud PIERANGELI, 2005, p. 837):
Algumas infrações penais afetam tão profunda e assinaladamente a esfera íntima do cidadão que, em face do conflito de interesses entre a necessidade de reprimi-las e o respeito à incolumidade pessoal da vítima e de sua família, o Estado prefere deixar ao arbítrio do ofendido a apreciação dos interesses familiares, íntimos e sociais que podem estar em jogo.
Entretanto, grande parte da doutrina não concordava com o fato de o inicio da persecução penal em crimes de extrema gravidade, como o estupro e o atentado violento ao pudor, ficar nas mãos, exclusivamente, do particular, estando sujeita à perempção (artigo 60, inciso II, do Código de Processo Penal) e, por conseguinte, à extinção da punibilidade do querelado.
Nesses termos, Luiz Regis Prado (apud PIERANGELI, 2005, p. 837) salienta a contradição criada pelo legislador da época:
Criou-se, por outro lado, um grave paradoxo na legislação penal. Por um lado, têm-se crimes que são considerados hediondos, como no caso do estupro e do atentado violento ao pudor, merecedores de tratamento rigoroso do legislador, que não permite ao réu o beneficio da liberdade provisória nem, como regra, o direito de apelar em liberdade (art. 2º, inc. II e §2º, da Lei 8.072/1990). Por outro lado, permite este mesmo legislador que a ação penal fique não só ao alvedrio da vítima ou dos seus representantes legais, como também que esta disponha do conteúdo material do processo (lide), perdoando o acusado (art. 105 do CP) ou abandonando a causa, dando lugar à perempção (art. 60 do CPP).
Destarte, era nítido o interesse estatal na punição dos agentes delitivos, devendo o Ministério Público, como representante do Estado, ter o poder de deflagrar a ação penal nesses crimes, ainda mais diante das prerrogativas que lhe são conferidas, das quais o particular não dispõe.
Em razão disso, a Lei n.12.015/2009, atendendo aos clamores doutrinários, estabeleceu no caput do artigo 225 do Código Penal de 1940, que nos crimes contra a liberdade sexual e nos crimes sexuais contra vulnerável, dispostos, respectivamente, nos Capítulos I e II do Título VI, a ação penal será pública condicionada à representação. Assim, continuou-se respeitando a vontade do ofendido, já que a denúncia somente pode ser ofertada após a representação.
Todavia, o parágrafo único do supracitado dispositivo legal preceitua que sendo a vítima menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável (na hipótese dos crimes previstos no Capítulo II do Título VI do Código Penal de 1940), proceder-se-á mediante ação penal pública incondicionada.
Verifica-se, portanto, um claro paradoxo, já que há duas previsões legais para os crimes descritos no Capítulo II (crimes sexuais contra vulnerável): segundo o caput do artigo 225, seriam de ação penal pública condicionada à representação, em contrapartida, seriam de ação pública incondicionada, de acordo com determinação de seu parágrafo único.
Visando solucionar tal contradição, Rogério Greco (2011, p. 679) assevera que:
Assim, temos de entender que como regra, as ações penais serão de iniciativa pública condicionada à representação quando disserem respeito ao capítulo I (dos crimes contra a liberdade sexual) (...). No que diz respeito ao capítulo II (dos crimes sexuais contra vulnerável) que prevê os delitos de estupro de vulnerável (art. 217-A) (...) a ação será sempre de iniciativa pública incondicionada (...).
Com esse entendimento corrobora Paulo Rangel (2009, p. 301):
Pensamos que o que se quis dizer (aqui o terreno é movediço: adivinhar o que o legislador quis dizer) no caput do art. 225, é que nos crimes definidos no capítulo I (apenas o capítulo I) a ação penal será pública condicionada à representação, e no parágrafo único do mesmo artigo, será pública incondicionada quando a vítima for pessoa menor de 18 anos ou pessoa vulnerável.
Noutro passo, Bitencourt (2012, p.140) reconhece que a norma constante do caput do artigo 225, que define a ação penal como pública condicionada, é duplamente mais vantajosa, tanto para a vítima, que tem a preponderância de seu interesse frente ao interesse público, como para o infrator, já que a persecutio criminis depende da iniciativa do ofendido.
Ademais, defende que:
(...) a despeito da correção do raciocínio de Rogério Greco, quando invoca os princípios da proibição do excesso e da proteção deficiente, acreditamos ser razoável sustentar que se trata – nos crimes contra vulnerável – de ação penal pública condicionada, que é a interpretação mais consentânea com um Estado Democrático de Direito. Reconhecemos, contudo, que a solução definitiva dessa vexata quaestiosomente de lege ferenda poderá ser encontrada(BITENCOURT, 2012, p. 141).
Imperioso salientar que, em que pese haja divergência doutrinária quanto ao assunto, prevalece na doutrina e jurisprudência que no crime de estupro de vulnerável a ação penal é pública incondicionada, nos termos do parágrafo único do artigo 225 do Código Penal de 1940, após a reforma legislativa.
Bitencourt (2012, p. 142-144) ataca veementemente a publicização da ação penal, sustentando que a nova política criminal prioriza o interesse estatal em prejuízo do interesse privado da vítima. Acrescenta que tal modificação não confere maior proteção às vítimas de violência sexual e representa uma violência tanto à liberdade sexual como ao seu exercício, haja vista que o Estado obriga a vítima a se submeter publicamente ao strepitusfori.
Nos casos de estupro qualificado pela lesão corporal de natureza grave e pelo resultado morte, aplica-se a súmula 608 do STF, que assim dispõe: “No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”.
Isso porque tratar-se-á de um crime complexo, em que a natureza da ação penal segue a natureza da infração penal, conforme disciplina do aludido diploma legal.
Conforme o artigo 234-B do Código Penal de 1940, os processos relativos aos crimes contra a dignidade sexual (Título VI) correrão em segredo de justiça, a fim de preservar a imagem e intimidade da vítima e do acusado contra certos inconvenientes e sensacionalismos. “Apesar de o Código falar de processo, o sigilo deve atingir também o respectivo inquérito policial, porque, do contrário, semelhante previsão seria inútil.” (QUEIROZ, 2013, p. 516). Destaca-se que essa restrição de publicidade não alcança as partes e seus advogados.
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2. DA VULNERABILIDADE
Far-se-á uma análise crítica da vulnerabilidade no crime em debate, identificando seu conceito no âmbito legal e jurídico, a fim de inquirir se, no caso concreto, a idade da vítima (menor de 14 anos) é o bastante para caracterizá-la como sujeito vulnerável.
Posteriormente, frente às mudanças inseridas pela Lei n. 12.015/2009, se discutirá a possibilidade de relativizar a supracitada vulnerabilidade diante de cada casuística, considerando o grau de maturidade sexual do ofendido, seu consentimento, o desenvolvimento sociocultural atual e a influência dos meios de comunicação.
Nesse passo, será demonstrado o confronto existente entre o caráter absoluto da vulnerabilidade, os princípios constitucionais - dignidade da pessoa humana, contraditório, ampla defesa, presunção de inocência - a responsabilidade penal objetiva e a intervenção mínima do Direito Penal.
Por fim, mediante a colação de jurisprudências pertinentes, apresentar-se-á o tratamento dado ao tema na prática forense.
2.1 Conceito de vulnerável
A definição do adjetivo “vulnerável” é imprescindível para a problemática central, eis que integra o próprio nomen juris do crime tipificado no artigo 217-A do Código Penal de 1940, após a Lei n. 12.015/2009.
Segundo o dicionário da língua portuguesa Houaiss, “vulnerável” é o que pode ser fisicamente ferido; sujeito a ser atacado, derrotado, prejudicado ou ofendido.
Para Andreucci (2010, p.134) “vulnerável” é:
(...) frágil, com poucas defesas, indicando a condição daquela pessoa que se encontra suscetível ou fragilizada numa determinada circunstância. Pode ainda indicar pessoas que por condições sociais, culturais, étnicas, políticas, econômicas, educacionais e de saúde têm as diferenças, estabelecidas entre elas e a sociedade envolvente, transformadas em desigualdade.
Na esfera constitucional, foi dado um tratamento diferenciado aos “vulneráveis”, assim entendidos as crianças e os adolescentes, visto que o artigo 227[3] da Carta Magna de 1988 consagrou os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta dada às crianças e adolescentes, dispondo acerca de seus direitos fundamentais.
Do mesmo modo, a Lei Federal n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) preconizou a Doutrina da Proteção Integral, estabelecendo em seus artigos 3º e 4º[4] o dever conjunto da família, da sociedade e do poder público na efetivação dos direitos das crianças e adolescentes.
Esse sistema especial de proteção decorre do fato de tais sujeitos estarem em peculiar condição de pessoas humanas em desenvolvimento, o que justifica sua vulnerabilidade, sendo que é na infância que ocorre todo o processo de formação do indivíduo, tanto no plano biológico, como no psicológico e moral (LEAL e LEAL, 2012).
Em outro diapasão, a Lei n. 12.015/2009 utilizou a palavra “vulnerabilidade” para referir-se às situações que a doutrina estrangeira denomina “abuso sexual”, ou seja, nos casos em que o consentimento da vítima não é considerado.
Conforme assevera Francisco Dirceu Barros (2010), o conceito de "vulnerável" deverá ser nos termos da lei, ou seja, bem objetivo, já que o Direito Penal não permite interpretação extensiva e nem o uso da analogia in malam partem.
Destaque-se que o legislador criou dois conceitos para “vulnerável”, aquele previsto no artigo 217-A do Diploma repressivo, isto é, o menor de 14 (catorze) anos; e toda pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato sexual ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. E o “vulnerável” para os fins de configuração do delito de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (artigo 218-B do Código Penal), que seria o menor de 18 (dezoito) anos; e alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone.
Nessa mesma linha de raciocínio, corrobora o estudioso Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 96-97):
Na realidade, o legislador utiliza o conceito de vulnerabilidade para diversos enfoques, em condições distintas. Esses aspectos autorizam-nos a concluir que há concepções distintas de vulnerabilidade. Na ótica do legislador, devem existir duas espécies ou modalidades de vulnerabilidade, ou seja, uma vulnerabilidade absoluta e outra relativa; aquela refere-se ao menor de quatorze anos, configuradora da hipótese de estupro de vulnerável (art. 217-A); esta refere-se ao menor de dezoito anos, empregada ao contemplar a figura do favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (art. 218-B). Aliás, os dois dispositivos legais usam a mesma fórmula para contemplar a equiparação de vulnerabilidade, nas respectivas menoridades (quatorze e dezoito anos), qual seja, ‘ ou a quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência’ (...).
De fato o critério etário utilizado pelo legislador para caracterizar a vulnerabilidade é bastante objetivo e elucidativo. No entanto, partindo-se de uma interpretação teleológica da norma jurídica, constata-se que a finalidade do dispositivo em questão é tutelar a dignidade sexual do menor de catorze anos que não possui maturidade necessária e discernimento mínimo para a prática de atos sexuais.
Não seria plausível considerar que a lei visa proibir, sob ameaça de severa sanção penal, a prática de todo e qualquer ato libidinoso com todo menor de catorze anos, indistintamente, incluindo-se aí os jovens maiores de doze anos e menores de catorze que apresentam pleno desenvolvimento físico e psíquico, capazes de discernir sobre atos da sexualidade e aptos a exercê-los.
Isso porque os adolescentes com as referidas características que se relacionam afetivamente e praticam atos libidinosos com o consentimento de seus pais, não se encontram em situação de fragilidade e incapacidade física ou mental, os quais são ínsitos ao conceito de “vulnerabilidade” exposto acima.
Sendo assim, é necessário interpretar o caput do artigo 217-A em harmonia com seu §1º e daí extrair o conceito de “vulnerável”. Logo, só é vulnerável, e por isso, alcançado pela proteção da norma, o menor de catorze anos que não tem discernimento ou não pode resistir, isto é, quem não pode ter vontade livre. Quem não sabe discernir, ou seja, quem não tem capacidade de entendimento, não pode escolher entre fazer ou não fazer. E quem, mesmo tendo capacidade de entendimento, não pode, por qualquer razão, resistir, não tem liberdade de agir. Por isso está na situação de vulnerabilidade (TELES, S/D).
Guilherme Souza Nucci (2009, p.35) conceitua o “vulnerável” como um sujeito passível de lesão, despido de proteção, que é incapaz de consentir validamente para o ato sexual.
Destarte, há que ser tido por “vulnerável” e, portanto, merecedor da tutela penal, no campo dos delitos contra a dignidade sexual, aquele que realmente se mostrar impossibilitado de externar o seu consentimento racional, seguro e pleno. Ora, um adolescente hoje já é dotado de capacidade intelectual para compreender a seriedade do ato sexual, podendo, por conseguinte, externar sua opinião e desejo ao se deparar com tal situação (ARAUJO e COELHO, 2012).
Consoante lição de DíezRipollés (apud PRADO, 2014, p.1047):
A vulnerabilidade, seja em razão da idade, seja em razão do estado ou condição da pessoa, diz respeito a sua capacidade de reagir a intervenções de terceiros quando no exercício de sua sexualidade. É dizer: o sujeito passivo é caracterizado como vulnerável quando é ou está mais suscetível à ação de quem pretende intervir em sua liberdade sexual, de modo a lesioná-la.
Desse modo, resta patente a polissemia do vocábulo “vulnerabilidade”, que pode ser tido como “capacidade de compreensão” – no caso do artigo 217-A, “caput” e §1º e artigo 218-B, última parte, todos do Código Penal – e, ainda, como “vícios do consentimento” – na hipótese do artigo 218-B, primeira parte (RASSI, 2011, p.71).
Quanto ao menor de catorze anos, elementar do delito do artigo 217-A, “vulnerável” seria aquele que não possui capacidade de compreensão, que é pressuposto do consentimento válido e eficaz.
Todavia, de acordo com os ensinamentos de João Daniel Rassi (2011, p. 75-76), a menoridade é um elemento normativo que não possui natureza absoluta quando se estiver diante de um menor entre 12 e 14 anos, caso em que sua vulnerabilidade será constatada no caso concreto, tendo em vista sua relativa capacidade. Assim, é possível encontrar uma aplicação razoável da capacidade de compreensão da vítima, a informar a situação de vulnerabilidade ou não desta, no caso concreto.
Frisa-se que não há dúvidas quanto à vulnerabilidade das crianças (menores de doze anos), que deve ser considerada absoluta na seara dos crimes contra elas perpetrados.
Importa destacar que o §1º do artigo 217-A prevê outras hipóteses que podem configurar a vulnerabilidade da vítima, vale dizer, enfermidade ou deficiência mental que exclua o necessário discernimento para a prática do ato, ou qualquer outra causa que a impeça de oferecer resistência. Infere-se, então, que tanto o critério biológico quanto o psicológico devem estar presentes para que se aplique o preceito legal em testilha.
Enfermidade mental compreende “toda doença ou moléstia que comprometa o funcionamento adequado do aparelho mental. Nessa conceituação devem ser considerados os casos de neuroses, psicopatias e demências mentais” (GOMES, apudGRECO, 2012, p.535).
Deficiência, por outro lado, significa “insuficiência, imperfeição, carência, fraqueza, debilidade. Por deficiência mental entende-se o atraso no desenvolvimento psíquico” (GOMES, apudGRECO, 2012, p.535).
Tais causas devem ser aferidas no caso concreto por perícia técnica, a qual irá verificar a ausência do necessário discernimento para a prática do ato libidinoso, haja vista que o objetivo do legislador não é tolher a liberdade sexual e o direito à sexualidade das pessoas acometidas das aludidas enfermidades ou deficiências.
Diante disso, conclui-se que essa condição de vulnerabilidade emerge da incapacidade de compreensão por parte da vítima, que se encontra privada de sua razão ou sentido de forma permanente, temporária ou mesmo acidental (DONNA, apudPRADO, 2014, p. 1048).
2.2 A presunção de violência (art. 224) e a vulnerabilidade instituída pela lei n. 12.015/2009
Como já fora pontuado acima, após o advento da Lei n. 12.015/2009, a figura da “presunção de violência” ou “violência ficta ou induzida” estabelecida no revogado artigo 224 do Código Penal de 1940 cedeu lugar à “vulnerabilidade” insculpida no novel artigo 217-A do Código Penal.
A antiga “violência presumida” consistia em uma ficção legal, por meio da qual se atribuía ao agente uma conduta violenta que na realidade fática não existiu.
Conforme relembra SILVA (2006, p. 223-224):
No plano do direito penal internacional, o primeiro a estabelecê-la foi Carpzovio, que formulou o princípio quivelle non potuit, ergo noluit – quem não pode querer, consequentemente dissente (...) Embora a teoria tivesse encontrado seguidores, foi asperamente criticada pela incoerência que apresentava: um desses críticos foi Hommel, que demonstrou que o incapaz de querer é também incapaz de não querer, não havendo, logicamente, o porquê de se presumir o dissenso. Distinguiu também, o mestre alemão, o perigo de se argumentar com critérios de índole do direito civil em matéria criminal – o que, nota Fragoso, constitui uma ‘ lição até hoje não suficientemente aprendida por certos penalistas’(...).
Aplicava-se a supracitada presunção quando: a vítima não era maior de catorze anos; era alienada ou débil mental, e o agente tinha ciência desta circunstância; não podia oferecer, por qualquer motivo, resistência (artigo 224).
Segundo a Exposição de Motivos do Código Penal (n. 70), o fundamento da existência da ficção legal “no caso dos adolescentes, é a innocentiaconsillido sujeito passivo, ou seja, a sua completa insciência em relação aos fatos sexuais, de modo que não se pode dar valor algum ao seu consentimento”.
Nesses termos, o consentimento do menor, como manifestação de sua vontade, poderia até existir no plano objetivo, porém não teria nenhuma validade jurídica, presumindo-se, assim, a existência de violência.
Magalhães Noronha (apud PIERANGELI, 2005, p. 832-833) insurgiu-se contra a fixação de uma idade como limite de validade de consentimento, sustentando que o amadurecimento fisiológico de uma pessoa não segue padrões fixos, variando de indivíduo para indivíduo, consoante os fatores étnicos, mesológicos, etc.
A ausência de consentimento válido também serviu de fundamento para estender a presunção ao alienado ou débil mental, e em relação a eles não havia dúvida na doutrina sobre a relatividade da presunção (GOMES, 2001, p. 17).
Sobre o tema surgiram três teorias: absoluta, relativa e a posição constitucional[5]. Para os adeptos da corrente absoluta, a presunção de violência era juris et de jure, não aceitando prova em sentido contrário. Tal teoria retrata um nítido positivismo legalista. Eram seus defensores: Andreucci[6], Bento de Faria e Eneida Taquary[7]. Vale lembrar que esses doutrinadores apenas consideraram como absoluta a presunção atinente à menoridade da vítima, não fazendo menção explícita às demais hipótese elencadas no artigo 224.
Na literatura jurídico-penal brasileira predominou a teoria relativa da presunção de violência, segundo a qual a presunção possuía natureza juris tantum, isto é, admitia prova em contrário, afastando, desse modo, a incidência da responsabilidade penal objetiva. Diferentemente da corrente absoluta, as ideias dessa teoria, de um modo geral, estendiam essa sua compreensão para todas as hipóteses contempladas no artigo 224, abarcando, assim, desde a menoridade da vítima, alienação ou debilidade, até as hipóteses de outra causa que impossibilite a resistência da pessoa ofendida (SILVA, 2006, p. 229).
Quanto à menoridade da vítima, a teoria relativa entendia ser admissível, a fim de afastar a presunção de violência e descaracterizar o delito, o agente provar que incorreu em erro, seja qual for sua motivação, como a aparência da pessoa por seu porte físico (NORONHA, 1954, p. 318), uma certidão de nascimento falsa exibida ao agente (JESUS, 2002, p. 141), “o fato de ser a vítima uma prostituta de porta aberta” (HUNGRIA, 1956, p. 240), ou mesmo se a pessoa já se mostra experiente em matéria sexual (MIRABETE, 2003, p. 450).
A jurisprudência acolhia quase que pacificamente a supracitada teoria, sendo paradigmático o voto proferido com tamanha exatidão pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, em sede do Habeas Corpus n. 73.662/MG, conforme transcrito abaixo:
(...) Nos nossos dias não há crianças, mas moças de doze anos. Precocemente amadurecidas, a maioria delas já conta com discernimento bastante para reagir ante eventuais adversidades, ainda que não possuam escala de valores definida a ponto de vislumbrarem toda a sorte de consequências que lhes pode advir. (...) De qualquer forma, o núcleo do tipo é o constrangimento e à medida em que a vítima deixou patenteado haver mantidorelações sexuais espontaneamente, não se tem, mesmo a mercê da potencialização da idade, como concluir, na espécie, pela caracterização. A presunção não é absoluta, cedendo as peculiaridades do caso como são as já apontadas, ou seja, o fato de a vítima aparentar mais idade, levar vida dissoluta, saindo altas horas da noite e mantendo relações sexuais com outros rapazes, como reconhecido no depoimento e era de conhecimento público. (grifou-se)
Por fim, havia ainda aqueles que propugnavam pela inconstitucionalidade da presunção de violência, destacadamente Luiza Eluf (1999, p. 97) e Moura Teles (2004, p. 54):
(...) é evidente que essa norma é inconstitucional (...) se [a violência] não existiu não pode haver estupro. Nem a lei pode mandar que seja presumida, porque aí o sujeito é punido pelo que não fez, pelo que não aconteceu, por algo apenas imaginado pela norma.
Luiz Flávio Gomes (2001) também era partidário da teoria constitucional, tendo como base argumentativa o fato de que a presunção de violência ofendia vários princípios constitucionais, tais como: o princípio do fato, do nullum crimen sine iniuria, da culpabilidade e da inocência.
Com a lei n. 12.015/2009 o legislador visava solucionar as divergências apresentadas acima, criando um tipo penal autônomo (artigo 217-A - estupro de vulnerável) em substituição às hipóteses de presunção de violência constantes do revogado artigo 224 do Código Penal de 1940.
Em que pese o polêmico termo “presunção de violência” não estar, atualmente, positivado na legislação penal brasileira, ela figura implicitamente na nomenclatura “vulnerabilidade” criada pela lei ora em tela.
Isso porque as causas que antes caracterizavam a “presunção de violência”, hoje configuram a chamada “vulnerabilidade”, sendo que a menoridade passou a ser uma elementar do crime de estupro de vulnerável, optando o legislador por manter a posição doutrinária de que o menor não tem liberdade, ou se tem, não tem consentimento para exercê-la em razão da idade (RASSI, 2011, p. 75).
Além disso, o §1º do artigo 217-A consagrou as demais hipóteses da antiga “violência ficta”, quais sejam, a incapacidade de resistência da vitima por enfermidade ou doença mental, que não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Outrossim, essa presunção implícita da violência fica ainda mais evidente em razão de não ter o legislador, ao criar esse novo delito, utilizado a “violência ou grave ameaça” reais, presentes no crime de estupro (artigo 213), substituindo-as pela menoridade e figuras equiparadas.
Destarte, a mudança terminológica operada pela nova lei não se mostrou suficiente para alterar as peculiaridades da vida humana, bem como não foi capaz de por fim ao debate, discutindo-se agora sobre a natureza absoluta ou relativa da vulnerabilidade. Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 97) critica tal alteração:
De notar-se que o legislador, dissimuladamente, usa os mesmos enunciados que foram utilizados pelo legislador de 1940 para presumir a violência sexual. Constata-se que o legislador anterior foi democraticamente transparente (mesmo em período de ditadura), destacando expressamente as causas que levavam à presunção de violência; curiosamente, no entanto, quando nosso ordenamento jurídico deve redemocratizar-se sob os auspícios de um novo modelo de Estado Constitucional e Democrático de Direito, o legislador contemporâneo usa a mesma presunção de violência, porém, disfarçadamente, na ineficaz pretensão de ludibriar o intérprete e o aplicador da lei.
Nessa mesma linha, tem-se o brilhante entendimento de Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 37):
A proteção conferida aos menores de 14 anos, considerados vulneráveis, continuará a despertar debate doutrinário e jurisprudencial. O nascimento de tipo penal inédito não tornará sepulta a discussão acerca do caráter relativo ou absoluto da anterior presunção de violência. Agora, subsumida na figura da vulnerabilidade,pode-se tratar da mesma como sendo absoluta ou relativa. Pode-se considerar o menor, com 13 anos, absolutamente vulnerável, a ponto de seu consentimento para a prática sexual ser completamente inoperante, ainda que tenha experiência sexual comprovada? Ou será possível considerar relativa a vulnerabilidade em alguns casos especiais, avaliando-se o grau de conscientização do menor para a prática sexual? Essa é a posição que nos parece acertada. A lei não poderá, jamais, modificar a realidade e muito menos afastar a aplicação do princípio da intervenção mínima e seu correlato princípio da ofensividade. Se durante anos debateu-se, no Brasil, o caráter da presunção de violência – se relativo ou absoluto -, sem consenso, a bem da verdade, não será a criação de novo tipo penal o elemento extraordinário a fechar as portas para a vida real. O legislador brasileiro encontra-se travado na idade de 14 anos, no cenário dos atos sexuais, há décadas. É incapaz de acompanhar a evolução dos comportamentos na sociedade (...).
Não compartilha desse entendimento o doutrinador Delmanto (2010, p. 756):
Com a revogação do antigo art. 224 do CP, que previa para essa hipótese a chamada presunção de violência, objeto de inúmeras discussões (principalmente se ela era relativa ou absoluta), basta, agora, para a configuração desse grave crime que a vítima tenha menos de 14 anos e o agente saiba dessa circunstância. Observe-se que ao contrário do art. 213, neste art. 217-A não é necessário que haja constrangimento da vítima mediante violência ou grave ameaça, mesmo porque seu eventual consentimento, para fins penais, não é válido. A idade de 14 anos foi uma opção do legislador, a nosso ver acertada, não sendo admitida relativização com fundamento no ECA que dispõe ser criança quem tiver até 12 anos em adolescente, de 12 até 18 anos.
Data máxima vênia ao posicionamento supratranscrito, é forçoso concluir que a presunção de vulnerabilidade presente no novo texto legal, a despeito da dissimulação do legislador, é relativa, recomendando avaliação casuisticamente (BITENCOURT, 2012, p. 98), conforme se demonstrará adiante.
2.3 O caráter absoluto da vulnerabilidade e os princípios constitucionais
Mesmo diante do atual desenvolvimento sociocultural brasileiro e da realidade circundante, que evidencia o contato cada vez mais precoce dos jovens com fatos de conteúdo sexual e um amadurecimento antecipado dos adolescentes para a sexualidade, muitos autores defendem que a vulnerabilidade do menor de catorze anos não é passível de relativização.
Nesse sentido, Greco (2012, p.533) argumenta que a determinação da idade foi uma eleição político-criminal feita pelo legislador. Acrescenta que o tipo penal não está presumindo nada, ou seja, está tão somente proibindo que alguém tenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com menor de catorze anos, bem como com aqueles mencionados no § 1º do art. 217-A do Código Penal.
Assevera, ainda, que a lei penal determinou, de maneira absoluta e objetiva, que uma criança menor de catorze anos, independentemente de sua vida sexual desregrada, ainda não é desenvolvida o suficiente para decidir sobre os seus atos sexuais, eis que a sua personalidade ainda está em formação e seus conceitos e opiniões ainda não estão consolidados.
Rodrigo e João Leal (2012, p. 52-77) seguem essa mesma opinião, destacando que a ideia da legislação é a proteção integral do ser humano ainda criança, visando a preservar a sua integridade sexual de todas as formas, o que inviabiliza qualquer debate sobre relativização do consentimento para atos sexuais proferidos por vulneráveis.
Nada obstante tais posições doutrinárias é imperioso reconhecer que ao considerar como absoluta a vulnerabilidade trava-se um confronto direto com vários princípios constitucionais, notadamente: o da presunção de inocência, do contraditório, da ampla defesa, da harmonia familiar e o da paternidade responsável.
Preliminarmente, é importante delinear um breve conceito de princípio constitucional. Na concepção de Luís Roberto Barroso (1999, p. 147-149):
Os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie [...] Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que ‘costuram’ suas diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos.
Destaca-se também a lição de Celso Bastos (2000, p. 57):
Os princípios constituem idéias gerais e abstratas, que expressam em menor ou maior escala todas as normas que compõem a seara do direito. Poderíamos mesmo dizer que cada área do direito não é senão a concretização de certo número de princípios, que constituem o seu núcleo central. Eles possuem uma força que permeia todo o campo sob seu alcance. Daí por que todas as normas que compõem o direito constitucional devem ser estudadas, interpretadas, compreendidas à luz desses princípios. Quanto os princípios consagrados constitucionalmente, servem, a um só tempo, como objeto da interpretação constitucional e como diretriz para a atividade interpretativa, como guias a nortear a opção de interpretação.
Observa-se que os princípios constitucionais são o ápice do sistema jurídico, servindo de diretrizes para a elaboração das normas infraconstitucionais, que devem com eles guardar conformidade. Ademais, orientam o aplicador do direito na atividade interpretativa e integrativa da norma jurídica.
Desse modo, não pode o intérprete da lei entender como absoluta a vulnerabilidade, pois atenta contra o princípio constitucional da inocência ou não culpabilidade, disposto no artigo 5º, inciso LVII[8], da Carta Magna, já que o contato sexual com menor de catorze anos configuraria, por si só, o delito tipificado no artigo 217-A do Código Penal, independentemente da experiência sexual do menor ou de suas condições individuais.
Tal fato implica em uma culpabilidade antecipada do acusado quando comprovada a autoria e não se tratar de erro de tipo inevitável. Insta ressaltar que quando atingido o critério objetivo de idade da vítima, o réu fica impossibilitado de provar sua inocência.
É pertinente transcrever os dizeres de Alexandre Bizzotto (2003, p. 248-250) no tocante ao aludido princípio:
(...) O sistema constitucional revolta-se com qualquer modalidade de presunção legal ou interferência exegética que possa levar a caminhos hipotéticos que auxiliem a formação de convicção jurisdicional condenatória. Exige-se um alicerce probatório marcante para se destruir a situação da não-culpabilidade. A prova é toda da acusação (nullaaccusatiosineprobatione). Ela é quem tem todo o encargo de modificar a situação constitucional (...) Conclui-se que o vigor do principio da não-culpabilidade faz com que o juiz, ao se deparar em dilema interpretativo, com mais de uma situação processual possível à defesa, seja no âmbito do tratamento ou da avaliação das provas, escolha aquela que mais se aproxima da não-culpabilidade. (grifou-se)
Portanto, resta patente que entender a vulnerabilidade como absoluta cuida-se de uma interferência exegética que auxilia na formação da convicção condenatória do juiz, afastando-se do princípio da não culpabilidade e criando uma situação não legitimada pelo Estado Democrático de Direito.
Também é evidente a violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa previstos no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, in verbis: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”.
O princípio do contraditório é o meio ou instrumento técnico para a efetivação da ampla defesa, e consiste praticamente em poder contrariar a acusação; poder requerer a produção de provas que devem ser obrigatoriamente produzidas, se pertinentes; acompanhar sua produção e manifestar-se sempre e em todos os atos e termos processuais (GRECO FILHO, 1991, p. 65).
Por sua vez, o princípio da ampla defesa, de acordo com Edilson Mougenot Bonfim (2012, p. 83): “(...) consubstancia-se no direito das partes de oferecer argumentos em seu favor e de demonstrá-los, nos limites em que isso seja possível.”.
A natureza juris et de jure da vulnerabilidade elimina a possibilidade de produção probatória em contrário por parte do acusado no sentido de demonstrar que a realidade fática diverge daquela presumida pelo legislador, principalmente, quando se está diante do consentimento do menor que possui pleno discernimento para a prática de atos sexuais.
Assim, não há que se falar em defesa “ampla”, uma vez que o agente fica limitado às teses de negativa de autoria e erro de tipo. Registra-se que nada o impede de alegar em sua defesa a ausência de vulnerabilidade do ofendido, menor de catorze anos, com quem se relacionava amorosamente, por exemplo. Contudo, tais alegações não serão capazes de influenciar a formação da convicção do magistrado, cujo “livre convencimento motivado” foi tolhido por esse caráter absoluto.
Outro problema decorrente da vulnerabilidade absoluta é a ofensa aos princípios da paternidade responsável, garantido expressamente no artigo 226, §7º[9], da Magna Carta, e da harmonia familiar.
A paternidade responsável diz respeito à responsabilidade que deve ser observada desde a concepção até a manutenção da família, objetivando o planejamento familiar.
Assim, Barros (2010) exemplifica que um homem que engravida uma moça com 13 anos de idade hesitará em reconhecer a paternidade, haja vista que, se assim o fizer, correrá o risco de ser condenado pelo crime de estupro de vulnerável, cuja pena varia entre 8 (oito) e 15 (quinze) anos de reclusão, além da causa de aumento de pena decorrente da gravidez.
Quanto à harmonia familiar, o artigo 1520 do Código Civil de 2002 dispõe que: "Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1.517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.”.
É comum na sociedade moças de 13 (treze) anos de idade se relacionarem com rapazes de 18 (dezoito) anos, resultando em gravidez, desejada ou não. Muitos casais residem juntos e visam constituir uma família, no entanto, o Direito Penal figura como óbice a essa união, cominando uma grave reprimenda.
Nesses termos, Barros (2010) acrescenta que se o pai quiser reconhecer a paternidade e se casar com a jovem de 13 (treze) anos, deverá requerer a habilitação de casamento. Porém,o Promotor de Justiça, em contato com a referida habilitação e em atendimento ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, terá que requerer a instauração de inquérito policial e futuramente terá que denunciar o autor da gravidez, para que ele possa ser condenado em uma pena mínima de 8 (oito) anos de reclusão.
Destaca-se que o casamento da vítima com o autor do crime não extingue a punibilidade, pois o inciso VII do Código Penal, que autorizava tal extinção, foi revogado pela Lei n. 11.106/2005. Nem é cabível a concessão do perdão do ofendido por parte do representante legal da vítima, já que a Lei n.12.015/2009 tornou o estupro de vulnerável crime de ação penal pública incondicionada.
Conclui-se, então, que o entendimento perfilhado por parte da doutrina e da jurisprudência de que a vulnerabilidade do menor não comporta prova em contrário (natureza absoluta) fere todos os princípios supracitados, não guardando harmonia com o texto constitucional.
2.4 Princípios da fragmentariedade, da intervenção mínima e da ofensividade
A natureza da vulnerabilidade discutida no presente trabalho deve ser analisada em consonância com os princípios da intervenção mínima, da ofensividade e da fragmentariedade, sendo este corolário dos primeiros.
Desse modo, o princípio da intervenção mínima, também chamado da subsidiariedade ou da ultima ratio, constitui princípio limitador do jus puniendi estatal e é considerado um dos princípios constitucionais implícitos aplicados ao Direito Penal.
Segundo Luiz Regis Prado (2014, p. 115), este princípio decorre das ideias de necessidade e de utilidade da intervenção penal, e estabelece que o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Isso porque a sanção penal reveste-se de especial gravidade, acabando por impor as mais sérias restrições aos direitos fundamentais.
Conforme preleciona Cezar Roberto Bitencourt (2007, p. 13):
(...) a criminalização de uma conduta só é legítima se constituir meio necessário à proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis e administrativas, são essas que devem ser empregadas e não as penais (...).
Nesses termos, é interessante salientar que o papel do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos considerados essenciais ao indivíduo e à coletividade. No entanto, a tutela penal só é legítima quando fundamental à manutenção da dignidade e liberdade humana, bem como da paz e convívio social; e quando os demais ramos do direito não se revelarem meios idôneos, adequados ou eficazes para a proteção de tais bens relevantes à própria existência humana.
Portanto, as limitações da liberdade sexual dos alienados e dos menores só são possíveis quando estas suponham um ataque à sua dignidade ou ao seu livre desenvolvimento, e isso não pode ser valorado de uma forma genérica por meio de presunções juris et de jure, ou seja, pelo simples fato de ser menor de catorze anos ou alienado mental (SANCHEZ TOMAS, apud GRECO e RASSI, 2011, p. 74-75).
Não se pode antever que todo contato sexual estabelecido com um menor de catorze anos, que assentiu livremente para tanto, prejudicará seu desenvolvimento futuro e ofenderá sua dignidade. Assim, de acordo com a lição de Natscheradetz (1985, p.154), certos contatos entre os jovens não podem ser qualificados como casos de exploração ou abuso e, sabendo-se que as experiências sexuais entre eles são benéficas para seu crescimento sexual, devem ser elas excluídas do campo de atuação penal.
Ademais, o uso indiscriminado da sanção penal não confere uma maior proteção de bens jurídicos, pelo contrário, afasta-se do princípio da efetividade, condenando o sistema criminal a uma função meramente simbólica e ineficaz.
Em sua obra Dos delitos e das penas, Beccaria (2009, p. 20) aduz sabiamente que:
As penas que vão além da necessidade de manter o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano propiciar aos súditos.
Ainda sobre a classificação do Direito Penal como ultima ratio, o renomado autor Mir Puig (2002, p. 109-110) assevera que:
A ultima ratio parte do pressuposto de que o Direito Penal, e seu caráter sancionatório da pena e da medida de segurança, não são os únicos meios para se impor, no controle social, o respeito à dignidade da pessoa humana. Assim, quando da existência de outros mecanismos menos lesivos que os meios próprios do Direito Penal, deverão ser eles os aplicados, já que apresentam um caráter menos agressivo, e, muitas vezes, são mais eficazes para o fim a que se destinam. No entanto, se nenhum desses meios desprovidos de caráter de sanção apresentarem-se suficientes, em ultimo caso, estará legitimado o recurso da pena e da medida de segurança.
Dessarte, restou evidenciado que o sistema penal é um meio de controle social extremo, eis que limita um dos bens jurídicos mais preciosos do ser humano, qual seja, sua liberdade pessoal. Em razão da coerção penal, que é um caráter que o diferencia dos outros ramos do direito, o Direito Penal somente deve atuar quando as demais formas de resposta social e de atuação estatal não conseguem atingir seu objetivo.
O princípio da ofensividade está diretamente relacionado ao princípio da intervenção mínima, pois enquanto este permite a interferência do Direito Penal unicamente nos casos de violação a bens jurídicos imprescindíveis e diante da insuficiência das demais áreas do direito; o princípio da ofensividade limita ainda mais sua atuação, estabelecendo que apenas as condutas que representem, de fato, uma ofensa a bens jurídicos socialmente relevantes podem ser criminalizadas pela lei penal.
Para Luiz Flávio Gomes (2002, p.28) o mencionado princípio exerce duas funções na seara penal:
(a) função político-criminal (momento em que se decide pela criminalização da conduta) e (b) função interpretativa ou dogmática (instante em que se interpreta e se aplica concretamente o Direito penal). A primeira função do princípio da ofensividade constitui um limite ao direito de punir do Estado (ao ius puniendi) (sentido subjetivo). Está dirigida ao legislador. A segunda configura um limite ao Direito penal (ao iuspoenale) (sentido objetivo). Está dirigida ao intérprete e ao juiz (ao aplicador da lei penal).
O mesmo autor adverte que ambas as funções são complementares, na medida em que, quando o legislador não cumpre o seu papel e criminaliza condutas independentemente de possuírem conteúdo lesivo, nos termos do principio ora em exame, essa tarefa é transferida ao juiz e ao intérprete da lei.
No tocante à função interpretativa, compete ao juiz juntamente com o intérprete averiguar, no caso concreto, qual o bem jurídico tutelado pela norma e se esse bem foi lesionado ou colocado em perigo.
Ao aplicar as disposições do artigo 217-A do Diploma repressivo, cujos bens jurídicos tutelados são a dignidade e liberdade sexual do vulnerável, além de seu desenvolvimento sexual, o magistrado deve se ater às peculiaridades do caso e se questionar se houve lesão ou ameaça de ofensa a tais bens.
Isso quer dizer que diante de uma relação amorosa entre um jovem maior de dezoito anos e outra de treze anos, por exemplo, em que há a prática de conjunção carnal ou outros atos libidinosos, livremente consentidos e sem violência, deve o juiz verificar se a adolescente possui maturidade e discernimento para os referidos atos e, por conseguinte, apreciar se ocorreu ofensa concreta aos bens protegidos por essa norma jurídica.
Em observância ao princípio da ofensividade, não se pode admitir que o aplicador da lei penal feche os olhos para as especificidades dos autos e, ao constatar a menoridade da vítima, dado meramente objetivo, já presuma uma suposta lesão aos bens jurídicos.
Assim, o juiz pode deixar de aplicar a pena contra conduta que, embora seja formalmente típica, na realidade fática não se mostra nada ofensiva aos bens jurídicos previamente tutelados.
Nessa esteira, segue a doutrina de Francisco de Assis Toledo (1991, p. 130-131):
A conduta, para ser crime, precisa ser típica, precisa ajustar-se formalmente a um tipo legal de delito (nullum crimen sine lege). Não obstante, não se pode falar ainda em tipicidade sem que a conduta seja, ao mesmo tempo, materialmente ofensiva a bens jurídicos.
É inconcebível a criação de uma presunção juris et de jure de que todo contato sexual desejado pelo menor de catorze anos e com ele praticado importará violação à sua dignidade e prejudicará seu desenvolvimento, merecendo, assim, a intervenção penal. Pelo contrário, se assim se entender, a norma penal servirá para restringir a liberdade sexual do menor e não para tutelá-la.
Por fim, o princípio da fragmentariedade preconiza que nem todos os comportamentos que lesionam bens jurídicos merecem a tutela penal, mas tão somente aqueles que ofendem de forma mais violenta os bens mais relevantes ao individuo e à comunidade, daí o caráter fragmentário do Direito Penal.
De acordo com Muñoz Conde (1975, p. 71-72):
(...) nem todas as ações que atacam bens jurídicos são proibidas pelo Direito Penal, nem tampouco todos os bens jurídicos são protegidos por ele. O Direito Penal, repito mais uma vez, se limita somente a castigar as ações mais graves contra os bens jurídicos mais importantes, daí seu caráter ‘fragmentário’, pois que de toda a gama de ações proibidas e bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico, o Direito Penal só se ocupa de uma parte, fragmentos, se bem que da maior importância.
Prado (2014, p. 116) afirma que a fragmentariedade é o “limite necessário a um totalitarismo de tutela, prejudicial para a liberdade.”.
Diante do exposto, conclui-se que ao adotar a vulnerabilidade do menor de catorze anos (maior de doze anos) como absoluta, a norma passa a tutelar a moralidade sexual (pudor), e não mais os bens jurídicos inicialmente pretendidos pelo legislador. Desse modo, é relevante a análise da possibilidade de sua relativização, a fim de que o Direito Penal atue exclusivamente na proteção de bens jurídicos cruciais gravemente lesionados ou colocados em risco, para que ele não se afaste de seus preceitos fundamentais, constituindo-se sempre a ultima ratio.
2.5 Responsabilidade penal objetiva x princípio da culpabilidade
No início da vigência do Código Penal de 1940, Magalhães Noronha (apud LEAL e LEAL, 2009) defendia que era inadmissível a ideia de presunção de violência absoluta, porque se puníssemos "sempre o agente que tivesse contato carnal com um menor, estaríamos consagrando a responsabilidade objetiva, coisa, entretanto, que nossa lei repudia".
Após a Lei n. 12.015/2009 a situação jurídica mudou, mas apenas formalmente. Não se pode mais falar em “presunção de violência”, já que se criou a vulnerabilidade. Conquanto, tem-se agora uma presunção de innocentia consilli do menor de catorze anos para a prática de qualquer ato de natureza sexual, denominando-o “vulnerável”.
Dessa forma, considerar como absoluta a vulnerabilidade do menor de catorze anos significa responsabilizar criminalmente todo sujeito que com ele mantiver contato sexual, independentemente da existência de dolo ou culpa, infringindo, assim, o princípio da nullum crimen sine culpa (não há crime sem culpa).
Portanto, restaria configurada uma situação de responsabilidade penal objetiva, a qual é refutada pelo ordenamento jurídico brasileiro, ante a adoção do princípio da culpabilidade.
O princípio da culpabilidade deve ser entendido sob três enfoques. Em sua primeira concepção, a culpabilidade atua como terceiro elemento integrante do conceito analítico de crime, ao lado da tipicidade e da antijuridicidade, revelando um juízo de reprovabilidade e censura do injusto praticado pelo agente, o qual podia agir de modo diverso, mas não o fez. O segundo sentido da culpabilidade refere-se à aplicação da pena, atuando como fundamento e limite da imposição da reprimenda, conforme preceitua o artigo 59 do Código Penal e o princípio constitucional da individualização da pena.
Por fim, sua terceira face é a de repúdio a qualquer espécie de responsabilidade penal objetiva, ou seja, sem culpa. Nesta vertente, Nilo Batista (apud GRECO, 2012, p. 87) afirma que o princípio da culpabilidade
(...) impõe a subjetividade da responsabilidade penal. Não cabe, em direito penal, uma responsabilidade objetiva, derivada tão-só de uma associação causal entre a conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico.
Sobre a responsabilidade objetiva, discorre Zaffaroni e Pierangeli (2013, p. 470-471):
A imputação da produção de um resultado, fundada na causação dele, é o que se chama responsabilidade objetiva. A ‘responsabilidade objetiva’ é a forma de violar o princípio de que não há delito sem culpa, isto é, diz respeito a uma terceira forma de tipicidade, que se configuraria com a proibição de uma conduta pela mera causação de um resultado, sem exigir-se que esta causação tenha ocorrido dolosa ou culposamente. (...) Estas formas de responsabilidade objetiva estão quase erradicadas no direito penal contemporâneo, sobrevivendo no direito anglo-saxão com o nome de strictliability, e que é criticada por quase toda a doutrina desses países.
O Código Penal de 1940 com suas sucessivas alteraçõesconsagrou em seus artigos 18, parágrafo único, e 19 a responsabilidade penal subjetiva ou imputação subjetiva, segundo a qual ninguém pode ser responsabilizado criminalmente por uma ação ou omissão se não tiver atuado ao menos culposamente.
Assim sendo, repara-se que se a idade cronológica da vítima for o bastante para a constatação de sua vulnerabilidade e, consequentemente, para a configuração do delito tipificado no artigo 217-A do Código Penal, estar-se-á diante de uma clara hipótese de inobservância do princípio da culpabilidade, já que pouco importa o aspecto subjetivo da conduta do agente, o qual responde simplesmente por ter causado materialmente o evento.
Imperioso ressaltar que a possibilidade de relativizar a vulnerabilidade vai ao encontro do supradito princípio, que condiz com os ditames de um Estado democrático de Direito, além de ser uma conquista da modernidade, pois o direito penal primitivo caracterizava-se por responsabilizar fundamentalmente em razão do resultado.
Ademais, conforme preleciona Luiz Regis Prado (2014, p.111): “De relação direta com a legalidade penal, esse princípio reafirma o caráter inviolável do respeito à dignidade do ser humano. É postulado garantista essencial ao Estado democrático de Direito.”.
2.6 O critério etário e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Analisando detidamente as disposições do ECA e do Código Penal, é possível notar uma discrepância entre os conceitos de criança e adolescente, principalmente em relação à idade, abordados nesses dois diplomas legais.
Enquanto o primeiro disciplina, coerentemente, em seu artigo 2º que “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescenteaquela entre doze e dezoito anos de idade.” (grifou-se); a lei n. 12.015/2009, ao criminalizar a conduta de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de catorze anos, ultrapassa o limite temporal do conceito de criança, estendendo seus efeitos ao adolescente.
Em que pese seja louvável a iniciativa do legislador em dar maior proteção ao desenvolvimento futuro, à integridade e dignidade dos adolescentes, conforme preconiza o artigo 5º[10]do ECA; não se pode subsumir todo contato sexual com menor de catorze anos a esse tipo penal.
Isso porque em razão do critério etário previsto no artigo 217-A do Código Penal, até mesmo o adolescente, menor de catorze anos, detentor de uma maturidade sexual (precoce) e pleno de volição estaria impedido de se relacionar sexualmente, uma vez que recairiam sobre seu parceiro as severas sanções penais cominadas para o referido tipo.
Outra questão curiosa que merece ser pontuada é o fato de que o ECA atribui ao adolescente a capacidade de discernimento acerca da ilicitude de seus atos, imputando-lhe o cometimento de ato infracional (conduta descrita como crime ou contravenção penal – artigo 103) e, consequentemente, sua sujeição às medidas socioeducativas, dentre elas, a privação de liberdade por meio de internação (artigo 112, inciso VI, do ECA).
Por outro lado, o legislador “retira” do adolescente (entre doze e catorze anos) a capacidade de decidir sobre os atos sexuais que queira praticar, presumindo-o vulnerável. Tem-se aí uma evidente incoerência, pois o mesmo adolescente que pode ser punido pela prática de ato infracional não pode decidir livremente sobre sua sexualidade.
A esse respeito, Nucci (2010, p. 928) corrobora que:
Perdemos uma oportunidade ímpar para equiparar os conceitos com o Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, criança é a pessoa menor de 12 anos; adolescente, quem é maior de 12 anos. Logo, a idade de 14 anos deveria ser eliminada desse cenário. A tutela do direito penal, no campo dos crimes sexuais, deve ser absoluta, quando se tratar de criança (menor de 12 anos), mas relativa ao cuidar do adolescente (maior de 12 anos). É que demanda a lógica do sistema legislativo, se analisado em conjunto. Desse modo, continuamos a sustentar ser viável debater a capacidade de consentimento de que possua 12 ou 13 anos, no contexto do estupro de vulnerável.
Oportuno ainda, trazer à colação o excerto de Greco e Rassi (2011, p. 175):
As alterações do Código, mantendo a idade de 14 anos, não acompanharam o conceito de criança do Estatuto da Criança e do Adolescente, no qual a idade da criança vai somente até 12 anos. Em princípio, poderia se afirmar que as leis são autônomas e, portanto, no caso, não teriam influência recíproca. No entanto, consideramos que a elementar da menoridade da vítima é normativa e, como tal, não é absoluta e sua interpretação estará condicionada a existência do abuso sexual sofrido pelo menor.
Isto posto, como o legislador não se aproveitou do ensejo da lei n. 12.015/2009 para unificar os conceitos de criança e adolescente de acordo com o ECA, cabe ao juiz, ao se deparar com o caso concreto, realizar uma interpretação sistemática de todo o arcabouço jurídico, não podendo considerar como absoluto o critério etário prescrito no artigo 217-A do Código Penal.
2.7 O desenvolvimento social e o acesso às informações
Através do escorço histórico realizado no capítulo inicial do presente trabalho constata-se que a realidade social, os costumes e a moral sempre influenciaram o controle exercido pelo Direito Penal na esfera da sexualidade. Assim, “a construção social é o elemento central do estudo da sexualidade, já que fornece subsídios para se estabelecer a relação entre o comportamento sexual e o tratamento jurídico que lhe é dispensado” (GRECO E RASSI, 2011, p. 4).
É notório, na sociedade contemporânea, o amplo e indiscriminado acesso de crianças e adolescentes às informações de conteúdo sexual, seja por meio escrito, televisivo e, sobretudo, pela internet. Isso decorre do avanço tecnológico que propicia uma maior rapidez e difusão de informações, as quais influenciam de forma decisiva no contato precoce dos jovens com atos dessa natureza.
Diante disso, a fim de conscientizá-los a respeito da sexualidade e dos riscos que lhe são inerentes, muitas grades escolares ofertam, já no ensino fundamental, disciplinas com esse enfoque. Ademais, elas ampliam o conhecimento dos jovens quanto ao desenvolvimento de seu próprio corpo e as transformações sofridas em virtude da puberdade, período em que corpo se desenvolve física e mentalmente.
Ora, ante o atual desenvolvimento social, não se pode olvidar que uma adolescente de treze anos detém conhecimento do que é a conjunção carnal ou outro ato libidinoso e possui discernimento bastante para se autodeterminar sexualmente. Desse modo, não pode o legislador presumir de maneira absoluta que todo menor de catorze anos seja despido de maturidade sexual, intitulando-o vulnerável.
Nesse diapasão, é pertinente invocar um trecho do já mencionado voto proferido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, no Habeas Corpus n. 73.662/MG, o qual, apesar de datar de 1996, se encaixa perfeitamente à realidade pós-moderna:
(...) A presunção de violência prevista no artigo 224 do Código Penal cede à realidade. Até porque não há como deixar de reconhecer a modificação de costumes havida, de maneira assustadoramente vertiginosa, nas últimas décadas, mormente na atual quadra. Os meios de comunicação de um modo geral e, particularmente, a televisão são responsáveis pela divulgação maciça de informações, não as selecionando sequer de acordo com medianos e saudáveis critérios que pudessem atender às menores exigências de uma sociedade marcada pela dessemelhança. Assim é que, sendo irrestrito o acesso à mídia, não se mostra incomum reparar-se a precocidade com que as crianças de hoje lidam, sem embaraços quaisquer, com assuntos concernentes à sexualidade, tudo de forma espontânea, quase natural. Tanto não se diria no idos dos anos 40, época em que exsurgia, glorioso e como símbolo da modernidade e do liberalismo, o nosso vetusto e ainda vigente Código Penal. Àquela altura, uma pessoa que contasse doze anos de idade era, de fato, considerada criança e, como tal, indefesa e despreparada para os sustos da vida.
O direito, que tem como fim precípuo proporcionar a convivência harmônica dos indivíduos na sociedade, deve acompanhar a evolução do comportamento humano, visando atender aos anseios dessa coletividade que está em constante transformação. Como é cediço, as mudanças sempre estarão à frente da legislação, incumbindo ao intérprete flexibilizar o texto normativo face à realidade fática.
Insta salientar que a moral sexual contemporânea sofreu uma grande alteração, o que pode ser verificado nos vestuários, comportamentos, gestos e modismos, especialmente em virtude do grande apelo sexual realizado pela mídia. Segundo argumenta Paulo Queiroz (S/D):
Além da autodeterminação sexual, o legislador, confessada ou inconfessadamente, pretende também ditar uma determinada moral sexual (dominante), que, segundo a sua perspectiva, seria a moral sexual saudável, honesta, digna, enfim. E mais, trata-se, em geral, de uma pretensão de moralização da sexualidade grandemente conservadora, anti-hedonista e pouco secular, que de algum modo vê o ato sexual como perigoso e capaz de corromper e degradar o sujeito. Cuida-se, enfim, de uma moral sexual que, a pretexto de ditar a moral sexual digna, parece não perceber que a atividade sexual é, antes de tudo, uma atividade fisiológica tão natural e necessária e prazerosa quanto qualquer outra, a exemplo de comer, beber etc.
Ainda quanto à tendência moralizadora do Direito Penal sexual, Greco e Rassi (2011, p. 25) explicam que:
Fato é que, não obstante a própria moral ter variado ao longo dos tempos, na medida em que o comportamento sexual foi se modificando, dando novas dimensões sobre a sexualidade (...) as leis penais que foram produzidas no passado, sob influência de determinada moral, seguem, em grande parte, firmemente integradas no Direito, pensamento e prática dos tempos modernos. Tais circunstâncias tem gerado inúmeras críticas por parte da doutrina, que sempre denunciou a tendência moralizadora dessa seara do Direito Penal. O que se questiona a esse respeito é a legitimidade da criminalização de condutas ofensivas à moral social sexual não substantiva.
Entretanto, é imperioso advertir que a referida moral sexual diverge conforme o segmento social e o meio em que o jovem se encontra, daí a importância de se averiguar as peculiaridades do caso sub examen, relativizando a vulnerabilidade quando necessário.
2.8 Da relativização da vulnerabilidade no caso concreto
Como já fora exaustivamente discorrido, a vulnerabilidade em razão do fator etário é sim passível de relativização, mormente nas hipóteses em que há o consentimento válido da vítima. A relevância ou não desse consentimento é objeto de muitas discussões doutrinárias e jurisprudenciais a ser debatida adiante.
A partir da análise de cada caso concreto, caberá ao juiz verificar se é legítimo, naquela hipótese, afastar a vulnerabilidade, tornando a conduta do agente atípica.
Paulo Queiroz (2013, p. 548-549) elenca as situações em que a relativização da condição legal de vulnerável é, em princípio, legítima, são elas: a) relações afetivas/sexuais entre crianças e adolescentes; b) relações entre casais de namorados; c) quando não houver indício algum de abuso.
E acrescenta, acertadamente, o autor que:
Além do mais, a proteção penal não pode ter lugar quando for perfeitamente possível uma autoproteção por parte do próprio indivíduo, sob pena de violação ao princípio de lesividade.
Finalmente, a iniciação sexual na adolescência não é necessariamente nociva, motivo pelo qual a presumida nocividade constitui, em verdade, um preconceito moral.
Assim, ao menos em relação a adolescentes (maiores de doze anos), é razoável admitir-se prova em sentido contrário à previsão legal de vulnerabilidade, de modo a afastar a imputação de crime sempre que se provar que, em razão da maturidade (precoce), o individuo de fato não sofreu absolutamente constrangimento ilegal algum, inclusive porque lhe era perfeitamente possível resistir, sem mais, ao ato.
2.8.1 O consentimento da vítima e sua liberdade sexual
Pela vitimologia, constata-se uma valorização do papel da vítima no Direito Penal, que pode ser vista por dois ângulos distintos. Inicialmente, tem-se nos crimes sexuais a chamada vitimização secundária, que é “a violência institucional do sistema processual penal, fazendo das vítimas infanto-juvenis novas vítimas, agora do estigma processual-investigatório” (BITENCOURT, 2012, p. 93).
Por outro lado, de acordo com a lição de Rassi (2011, p. 63):
(...) a própria vitimologia tem mostrado que certas vítimas, de um modo ou de outro, contribuem para a lesão do bem jurídico de que são titulares, podendo ser consideradas, pelo menos em um sentido amplo, como parcialmente corresponsáveis por tal lesão (...)
Nos delitos sexuais, o dissenso do ofendido é fundamental para a caracterização do tipo penal, em contrapartida, seu consentimento válido é capaz de afastar a tipicidade do comportamento.
Muito se questiona acerca da relevância penal do consentimento do menor de catorze anos no crime de estupro de vulnerável, haja vista que o legislador presumiu sua incapacidade absoluta para assentir com a prática de atos sexuais, devido a sua completa insciência em relação a esses fatos.
No entanto, na atual época, considerar que um adolescente de treze anos não possui conhecimento de sexualidade e suas consequências é abstrair hipocritamente a realidade.
O consentimento é visto como a capacidade de compreensão atrelada à exteriorização inequívoca da vontade. “A doutrina penal considera como vícios do consentimento a fraude, a violência física e a ameaça” (ROXIN apud RASSI, 2011, p. 82). Portanto, nos casos em que restar bem caracterizada a prova da capacidade de compreensão da vítima sobre atos de natureza sexual e ficar evidenciado que sua manifestação de vontade não foi eivada de vícios, é forçoso reconhecer a validade de seu consentimento, o qual é capaz de elidir a presunção de vulnerabilidade.
Em sentido contrário, Prado (2011, p. 832) aduz que o delito em análise se configura ainda que a vítima tenha consentido no ato, pois:
(...) a lei ao adotar o critério cronológico acaba por presumir iuris et de iure, pela razão biológica da idade, que o menor carece de capacidade e discernimento para compreender o significado do ato sexual. Daí negar-se existência válida a seu consentimento, não tendo ele nenhuma relevância jurídica para fins de tipificação do delito.
Tal entendimento encontra ressonância na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 217-A DO CP. OCORRÊNCIA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. CONSENTIMENTO. IRRELEVÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Pacificou-se a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, segundo o sistema normativo em vigor após a edição da Lei n.º 12.015/09, a conjunção carnal ou outro ato
libidinoso com menor de 14 (catorze) anos configura o crime do artigo 217-A do Código Penal independentemente de grave ameaça ou violência (real ou presumida), razão pela qual tornou-se irrelevante eventual consentimento ou autodeterminação da vítima para a configuração do delito. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2014) (grifou-se).
Data vênia ao posicionamento da douta Corte Superior, Sanchez Thomaz (apud GRECO e RASSI, 2011, p. 73) bem sustenta que:
(...) a doutrina reconhece o consentimento do menor ou do alienado mental quando este é negativo, ou seja, se não consente ao ato sexual, seu não consentimento é válido, de modo que haverá crime sexual violento, com violência real. Se consentir, ao revés, seu consentimento é inválido porque se presume a violência. Não se podem estabelecer dois pesos e duas medidas sem uma razão lógica: considerar válido o não consentimento ao ato sexual, e não considerar válido o consentimento.
Aliás, “o consentimento deve ser sempre visto como expressão da liberdade de ação em geral” (RASSI, 2011, p. 63). Assim, de qual modo o legislador estaria tutelando a liberdade sexual do menor, cuja manifestação de vontade é simplesmente ignorada?
Nesse diapasão, Sanchez Thomaz (apud GRECO e RASSI, 2011, p. 73) indica a dupla opção doutrinária que se apresenta:
(a) entender que os menores e doentes mentais gozam de liberdade sexual, mas a lei presume de modo iureet de iureque não está facultado a exercê-la, o que vale dizer, só se pode ofender a liberdade sexual através de uma ficção normativa; (b) entender que ditos sujeitos não gozam de liberdade sexual, na medida em que é pressuposto da mesma uma certa capacidade de conhecimento e vontade, características que eles não têm pela situação objetiva que se encontram e, portanto, não será este o bem jurídico protegido, senão a intangibilidade sexual.
Finalmente, vale ressaltar que a incapacidade absoluta do menor de doze anos é indubitável. Nos demais casos, para se editar um decreto absolutório é necessário aferir se houve o consentimento da vítima, se esta era apta a consentir, nos termos expostos, e a ausência de abuso ou exploração por parte do autor.
2.8.2 A questão da prostituição
A tese defensiva consistente no fato de que a vítima já se prostituía ao tempo do crime não se apresenta viável para fins de relativização da vulnerabilidade, dado que é notória sua situação de vulnerabilidade social e econômica, igualmente sua maior suscetibilidade de exposição a danos físicos e morais.
Não se pode perder de vista que é a “vulnerabilidade” que legitima a criminalização do ato sexual com o menor, a qual está ainda mais presente quando o adolescente já exerce a prostituição. Na maioria das vezes, tal adolescente não tem a exata noção de sua conduta e de sua respectiva consequência, mas, face às precárias condições sociais a que está submetido, não pode escolher entre fazer ou não fazer, ficando evidente sua maior fragilidade.
Quanto ao afastamento da vulnerabilidade na hipótese em tela, Paulo Queiroz (2013, p. 549) elucida que:
Não cabe afastá-la, porém, relativamente a criança ou incapazes que exerçam a prostituição, uma vez que, em geral, são crianças e adolescentes que estão numa situação de maior vulnerabilidade social/material, e por vezes com histórico de abuso sexual, a justificar, plenamente, o reconhecimento do crime de estupro por parte de quem, aproveitando-se dessa condição, pratica conjunção carnal ou ato libidinoso com tais pessoas.
Destaca-se que quando as circunstâncias fáticas conduzirem o agente a um inevitável erro sobre a idade da vítima devem ser aplicadas as disposição atinentes ao erro de tipo (vide item 2.6).
Nesses termos, Leal e Leal (2009, p. 1) alegam que:
(...) a exemplo da violência presumida, a nosso ver a presunção de vulnerabilidade do menor de 14 anos pode, também, ser afastada diante da prova inequívoca de que a vítima de estupro possui experiência da prática sexual e apresenta comportamento incompatível com a regra de proteção jurídica pré-constituída. Esta é uma questão delicada, mas cremos que, em casos especiais, é possível admitir-se a exceção à regra geral, desde que essa condição de experiência sexual do sujeito passivo venha a constituir um fator determinante para o agente incidir em erro de tipo. (grifou-se)
Nessa mesma linha de raciocínio, no dia 16 de junho de 2014, a 1ª Câmara Criminal Extraordinária do Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu um fazendeiro, hoje com 79 anos de idade, da acusação de estupro de uma menina de 13 anos, sob os fundamentos a seguir transcritos:
Não se pode perder de vista que em determinadas ocasiões podemos encontrar menores de 14 anos que aparentam ter mais idade, mormente nos casos em que eles se dedicam à prostituição, usam substâncias entorpecentes e ingerem bebidas alcoólicas, pois em tais casos é evidente que não só a aparência física como também a mental desses menores se destoará do comumente notado em pessoas de tenra idade.
(...) justamente pelo meio de vida da vítima e da sua compleição física é que não se pode afirmar, categoricamente, que o réu teve o dolo adequado à espécie(MIGALHAS, 2014).
A decisão supracitada foi alvo de muita polêmica, com várias manifestações no sentido de que o órgão julgador estaria incentivando a exploração sexual e ferindo gravemente os direitos fundamentais das crianças e adolescentes assegurados pelo ECA.
Outro acórdão que ganhou bastante repercussão foi o proferido, em 2012, pela 3º Seção do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria da eminente Ministra Maria Thereza de Assis Moura, que inocentou, por maioria de votos, um homem da acusação de ter estuprado três meninas menores de 14 e maiores de 12 anos. A absolvição baseou-se no fato de que não se pode considerar crime a conduta que não viola a liberdade sexual do menor – bem jurídico tutelado –, já que “as menores a que se referia o processo julgado se prostituíam havia tempos quando do suposto crime”. Dessa forma, ratificou a sentença de primeiro grau, a qual, após a análise dos depoimentos prestados por todos os envolvidos, pais e conselheiros tutelares da comarca – os quais confirmaram que as vítimas não eram ingênuas ou desinformadas –, decidiu por absolver o acusado (VILARES, 2012).
A despeito de ambos órgãos julgadores terem absolvido os acusados que mantiveram relação sexual com menor de catorze anos já prostituída, é importante salientar que os fundamentos suscitados pelo egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo e pela Corte Superior são divergentes.
O primeiro alega a ocorrência de erro de tipo no tocante à idade da vítima, capaz de ensejar a atipicidade da conduta. Noutra vertente, o Superior Tribunal de Justiça pondera que as menores possuíam consciência para a prática de atos sexuais, razão pela qual não houve violação ao bem jurídico tutelado pela lei penal.
Frente ao exposto, mostra-se plausível a absolvição em decorrência de erro de tipo escusável. Contudo, o édito absolutório não pode se pautar na ausência de vulnerabilidade do menor, tendo em vista o cenário de comercialização do corpo em que se encontra.
Atualmente, o agente que pratica atos sexuais com uma prostituta menor de dezoito anos responde pelo crime previsto no artigo 218-B do Código Penal (favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável). Nesse passo, se a vulnerabilidade do menor de catorze anos for tida como relativa devido ao fato de se prostituir, tem-se uma grave ruptura do ordenamento jurídico brasileiro, pois o menor entre doze e catorze anos ficaria despido da proteção legal.
2.8.3 Absolvição por atipicidade
Como bem se observa até o momento, foram expostos os fatores jurídicos e sociais que contribuem para a defesa da natureza relativa da vulnerabilidade insculpida no artigo 217-A do Código Penal. Cabe, agora, ser feita uma análise das consequências da relativização no plano do Direito.
A inexistência de vulnerabilidade concreta do menor de catorze anos impõe a absolvição do agente que com ele se relaciona sexualmente, em virtude da atipicidade material de sua conduta, com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
No que tange à tipicidade, esta se subdivide em objetiva e subjetiva; aquela pode ser formal, que é a perfeita adequação do fato à pura letra da lei (tipo penal) e material, a qual é formada por juízos valorativos e relaciona-se com o conteúdo da norma proibitiva (grau de ofensividade do comportamento ao bem jurídico protegido pela lei).
Desta feita, para que uma conduta seja considerada crime é necessário que preencha os requisitos formais e materiais do tipo penal. A esse respeito:
(...) não se deve pensar que, quando uma conduta se adequa formalmente a uma descrição típica, só por esta circunstância é penalmente típica. Que uma conduta seja típica não significa necessariamente que é antinormativa, isto é, que esteja proibidapela norma (pelo ‘não matarás’, ‘não furtarás’ etc). O tipo é criado pelo legislador para tutelar o bem contra as condutas proibidas pela norma, de modo que o juiz jamais pode considerar incluídas no tipo aquelas condutas que, embora formalmente se adequem à descrição típica, realmente não podem ser consideradas contrárias à norma e nem lesivas do bem jurídico tutelado (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2013, p. 411).
Ora, não obstante o preceito primário do artigo 217-A do Código Penal criminalizar o comportamento de “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de catorze anos”, não restará configurado o delito em tela quando se verificar, nas singularidades do caso, a maturidade e capacidade de autodeterminação sexual da vítima menor de catorze anos. Decorre disso a ausência de ofensa à sua dignidade e liberdade sexual, não havendo, então, tipicidade material.
Outro aspecto que exclui também a tipicidade, mas agora a formal, é o consentimento válido do menor:
(...) quando o tipo penal exige o dissentimento da vítima, expresso (estupro, invasão de domicílio), havendo consentimento válido, não há dúvida que fica excluída a tipicidade, mais precisamente a tipicidade formal (porque não concretizados todos os requisitos objetivos formais do tipo). Só existe estupro se a vítima dissente. Sendo ela maior de catorze anos (há discussão sobre a validade do consentimento da vítima com mais de doze anos), seu consentimento válido exclui a tipicidade (formal) do estupro. Não há que se falar em estupro. Nesse caso o consentimento (que parte da doutrina chama de acordo) exclui indubitavelmente a tipicidade formal (ou sistemática, como diria ZAFFARONI) (GOMES, 2009, p. 185-186).
Sobre o consentimento do ofendido maior de doze anos, defende-se, no presente trabalho, sua validade (vide item 2.8.1).
Assim sendo, na hipótese de existência de aliança afetiva entre o agente e a vítima, robustamente comprovada pela prova coligida aos autos, em que o menor consente de forma livre e voluntária para a prática de atos sexuais, e após a análise do perfil subjetivo do ofendido, é imperiosa a absolvição ante a ausência de tipicidade material e formal da conduta.
2.8.4 Jurisprudências dos Tribunais
Após essa breve exposição acerca da vulnerabilidade e dos entendimentos doutrinários quanto à possibilidade ou não de ser flexibilizada diante da situação fática, é pertinente apresentar o tratamento dado à matéria nos julgados pátrios, sobretudo para evidenciar o quão antiga é a discussão, a qual ainda não possui um consenso.
Ademais, vislumbram-se claras mudanças de posicionamentos dentro de um mesmo Tribunal. Dessa maneira, dar-se-á ênfase aos argumentos jurídicos utilizados tanto por aqueles que sustentam a absolvição, em razão do caráter juris tantum da vulnerabilidade, como nos casos de condenação, em que se refuta a relativização.
Preliminarmente, impende colacionar a ementa do já apontado Habeas Corpus n. 73.662/MG - que entendeu pela presunção relativa de violência - devido à contemporaneidade da decisão, em que pese fora proferida antes da edição da Lei n. 12.015/2009:
COMPETÊNCIA - HABEAS-CORPUS - ATO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação à qual guardo reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas-corpus impetrado contra ato de tribunal, tenha esse, ou não, qualificação de superior. ESTUPRO - PROVA - DEPOIMENTO DA VÍTIMA. Nos crimes contra os costumes, o depoimento da vítima reveste-se de valia maior, considerado o fato de serem praticados sem a presença de terceiros. ESTUPRO - CONFIGURAÇÃO - VIOLÊNCIA PRESUMIDA - IDADE DA VÍTIMA - NATUREZA. O estupro pressupõe o constrangimento de mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça - artigo 213 do Código Penal . A presunção desta última, por ser a vítima menor de 14 anos, é relativa. Confessada ou demonstrada a aquiescência da mulher e exsurgindo da prova dos autos a aparência, física e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos 14 anos, impõe-se a conclusão sobre a ausência de configuração do tipo penal. Alcance dos artigos 213 e 224 , alínea a, do Código Penal (BRASIL, 1996). (grifou-se)
A contrario sensu, mas na mesma época, segue abaixo a posição conservadora do Superior Tribunal de Justiça:
PENAL. ESTUPRO PRESUMIDO. PRESUNÇÃO, DOLO E CONSENTIMENTO. ART. 224, ALINEA "A" DO C. PENAL. MAJORANTE DO ART. 226, INC. III DO C. PENAL. I - A PRESUNÇÃO DE VIOLENCIA, PREVISTA NO ART. 224, ALINEA "A" DO C. PENAL, EXIGE QUE O DOLO, DIRETO OU EVENTUAL, CONSIDERE O ELEMENTO REFERENTE A IDADE DA VITIMA, NÃO PODENDO SER, ASSIM, ADMITIDA A RESPONSABILIDADE OBJETIVA. II - NO ESTUPRO FICTO, A NORMA IMPÕE UM DEVER GERAL DE ABSTENÇÃO DA PRATICA DE CONJUNÇÃO CARNAL COM AS JOVENS QUE NÃO SEJAM MAIORES DE 14 ANOS. III - O CONSENTIMENTO DA VITIMA, NO CASO, NÃO TEM RELEVANCIA JURIDICO-PENAL. IV - AO CONTRARIO DO QUE ACONTECER NOS DELITOS DE SEDUÇÃO E DE CORRUPÇÃO DE MENORES, A ANTERIOR EXPERIENCIA SEXUAL DA OFENDIDA NÃO DESCARACTERIZA O ESTUPRO PRESUMIDO. V - A MAJORAÇÃO DO ART. 226, INC. III DO C. PENAL EXIGE PROVA NA FORMA DO ART. 155 DO CPP. VI - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (BRASIL, 1997). (grifou-se)
Com o advento da Lei n. 12.015/2009, que, conforme visto não pôs fim à discussão, a Corte Superior, diante de um caso de assentimento da vítima menor de catorze anos e prévia experiência sexual, nos mesmos moldes da jurisprudência supratranscrita, firmou o entendimento de que a natureza da presunção de violência seria relativa:
ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA E PRÉVIA EXPERIÊNCIA SEXUAL. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VIOLÊNCIA. ATUAL ENTENDIMENTO DESTA CORTE SUPERIOR. 1. O Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado da 3ª Seção (EResp-1.021.634/SP), firmou o entendimento de que a presunção de violência nos crimes sexuais, antes disciplinada no art. 224, 'a', do Código Penal, seria de natureza relativa. 2. Agravo regimental a que se nega provimento (BRASIL, 2012).
Curiosamente, nos últimos dois anos, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura alterou seu posicionamento, defendendo que a presunção de violência é absoluta, independente de eventual consentimento ou autodeterminação da vítima.
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 217-A DO CP. OCORRÊNCIA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. CONSENTIMENTO. IRRELEVÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Pacificou-se a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, segundo o sistema normativo em vigor após a edição da Lei n.º 12.015/09, a conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos configura o crime do artigo 217-A do Código Penal independentemente de grave ameaça ou violência (real ou presumida), razão pela qual tornou-se irrelevante eventual consentimento ou autodeterminação da vítima para a configuração do delito. 2. Agravo regimental a que se nega provimento (BRASIL, 2014). (grifou-se)
Prevalecia no egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás a natureza relativa da vulnerabilidade:
RELAÇÕES SEXUAIS CONSENTIDAS. O conjunto probatório está a revelar que a adolescente, à época dos fatos com 13 anos de idade e o réu mantiveram relacionamento amoroso as escondidas advindo atos sexuais consentidos. 2- VULNERABILIDADE RELATIVA. Os atos sexuais que não derivaram de exploração sexual, mas do desenrolar de um relacionamento afetivo, onde era perfeitamente possível à vítima resistir, descaracterizam a ocorrência do artigo 217-A do CP, frente a inexistência de vulnerabilidade concreta da ofendida e, de consequência, ausência da tipicidade material, impondo-se, assim, a manutenção da absolvição com base no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal. 3 - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (GOIÁS, 2013). (grifou-se)
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA ADOLESCENTE MENOR DE 14 ANOS. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VULNERABILIDADE. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. MANUTENÇÃO. 1 - O art. 217-A do Código Penal deve ser interpretado sistematicamente com a Lei 8.069/90, sendo desarrazoado que o adolescente menor de 14 anos, não obstante detenha maturidade reconhecida em lei para ser apenado com medida socioeducativa, caso venha a praticar ato infracional, seja presumido destituído de capacidade de autodeterminação sexual. 2 - Confirma-se o juízo absolutório do processado do cometimento do delito de estupro de vulnerável quando os elementos informativos e probatórios colhidos revelam que a vítima nutria sentimentos afetivos por aquele agente, sendo a diferença de idade entre ambos diminuta e a adolescente menor de 14 anos praticou a relação sexual de maneira espontânea, consciente e consentida, porquanto o Direito Penal, como ultima ratio da intervenção estatal na dignidade humana, objetiva tutelar a liberdade, e não a moralidade sexual (pudor). APELO CONHECIDO E IMPROVIDO (GOIÁS, 2013). (grifou-se)
Os julgados dos demais Estados não destoavam desse entendimento:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA QUE CEDE DIANTE DAS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. CÓPULA CONSENTIDA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. Inviável a condenação apenas com base na equivocada ideia de que a presunção de violência nos crimes sexuais seja absoluta. Caso em que a prova dos autos deixou clara a prévia relação de namoro entre as partes, de conhecimento de ambas as famílias, bem como a prática livre e consentida de relação sexual entre réu e ofendida, ambos jovens e com pouca diferença de idade. Contexto fático que não evidencia situação a configurar vulnerabilidade e ofensa a liberdade/dignidade sexual, não atraindo o interesse do Direito Penal.APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DESPROVIDO. MAIORIA (RIO GRANDE DO SUL, 2013). (grifou-se)
Estupro de vulnerável Sentença absolutória - Vulnerabilidade relativa - Possibilidade diante das peculiaridades do caso concreto - Relação de namoro entre a vítima e o réu - Consentimento válido da ofendida, que confirmou em juízo, quando já contava com 14 (catorze) anos, que os atos foram consentidos - Absolvição mantida, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal Recurso ministerial improvido (SÃO PAULO, 2014). (grifou-se)
APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO DE VULNERÁVEL - VULNERABILIDADE NÃO COMPROVADA - ABSOLVIÇÃO - POSSIBILIDADE. 1- A condição de vulnerabilidade da vítima, trazida pela Lei nº 12.015/09, é relativa, já que o direito penal não admite presunções absolutas, ainda mais nos dias atuais, onde as cenas sexo são temas dominantes na mídia televisiva. 2- Admitir-se hipocritamente que uma jovem com idade inferior a 14 anos seja ingênua e inexperiente, sem capacidade de se autodeterminar em relação à sua sexualidade, é fazer vista grosa à moderna realidade que aí está, onde as meninas, como no caso dos autos, tomam as iniciativas das relações sexuais, dizendo ao namorado que queria perder a virgindade com ele. 3- Restando comprovado que a conjunção carnal ocorreu de comum acordo, sem que tenha havido qualquer tipo de violência ou grave ameaça, não há que se falar em crime de estupro de vulnerável, pois a inexistência da innocentiaconsilii afasta vulnerabilidade da vítima. 3- Recurso defensivo provido. Recurso ministerial prejudicado (MINAS GERAIS, 2011).
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - ESTUPRODE VULNERÁVEL - PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA - RELATIVIDADE - CONJUNÇÃO CARNAL CONSENTIDA - CASAL DE NAMORADOS -
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. RELAÇÃO CONSENTIDA. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. RELATIVA. CONSENTIMENTO VÁLIDO. AUSÊNCIA DE VÍCIO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
1.A sentença absolutória deve ser mantida, pois, o principal fundamento da intervenção jurídico-penal no domínio da sexualidade é a proteção contra o abuso e a violência. Não é contra atos sexuais consentidos praticados em razão de relação de afeto.
2.Mesmo que se considere que o apelado tinha plena consciência da idade da vítima - apesar da sua compleição física avantajada para sua idade, conforme se denota do Laudo Pericial, no qual, consta que ela possuía 1,56 cm de altura, pesando 52 Kg, com desenvolvimento e saúde mental normais - o crime de estupro contra vulnerável não se configurou.
3.In casu, percebe-se claramente que a vítima não sofria de qualquer enfermidade ou deficiência mental, conforme atestaram os peritos criminais. Assim, há de se levantar em conta o seu consentimento nos atos sexuais, não havendo qualquer vício em sua vontade, uma vez que tinha pleno conhecimento sobre sexo, tendo em vista que afirmou em juízo que somente terminou o namoro com o recorrido porque ficou sabendo da sua infidelidade. 4.Recurso conhecido e não provido (DISTRITO FEDERAL, 2011). (grifou-se)
Todavia, em julgamento realizado pela Terceira Seção do STJ no dia 26 de agosto de 2015, sob o rito dos recursos repetitivos (artigo 543-C do Código de Processo Civil), de relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, foi fixada a seguinte tese (tema 918): “Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime.” Cumpre ressaltar que a aludida decisão orientará as instâncias inferiores sobre como proceder em casos idênticos, a fim de evitar que recursos que sustentam posições contrárias cheguem ao STJ.
Constata-se aí, uma visão retrógrada do Superior Tribunal de Justiça, que está se distanciando da realidade de uma sociedade pós-moderna, que pugna a todo tempo por uma separação entre as concepções morais e as condutas de fato ofensivas a um bem jurídico. Os comportamentos sexuais não são estáticos, eles evoluem com o decurso do tempo, ainda mais lidando com uma sociedade tão diversificada, onde a moral sexual não é uniforme.
Enfim, após visualizar a abordagem do tema na prática forense, infere-se que os argumentos invocados pelos magistrados tem supedâneo no ordenamento jurídico, notadamente nos princípios já trabalhados. As decisões demonstram que os julgadores não devem ser meros aplicadores da pura letra da lei, eis que exercem um papel de garantia do equilíbrio e paz social, além do bem-estar, tranquilidade e harmonia da comunidade em que se encontram inseridos. Dessarte, a interpretação da norma penal deve se adaptar às mudanças de conceitos e preconceitos de uma sociedade plural.
CONCLUSÃO
A despeito de haver posicionamento doutrinário e jurisprudencial em sentido contrário, é imperioso o reconhecimento do caráter juris tantum da vulnerabilidade do adolescente menor de catorze anos, elementar da figura típica denominada “estupro de vulnerável”.
Diante da sociedade contemporânea, caracterizada pela preponderância dos meios de comunicação em massa, que veiculam a todo instante atos de conotação sexual para um público de todas as idades, indiscriminadamente; o juiz não deve se subordinar à estrita letra da lei, ignorando a realidade circundante. Cabe a ele fazer uma ponderação de interesses no caso concreto, a fim de proporcionar a verdadeira justiça social por meio da aplicação da norma.
Assim, é cada vez maior o número de julgados no sentido de reconhecer a possibilidade de relativizar a vulnerabilidade insculpida no artigo 217-A do Código Penal, buscando afastar a mera utilização do critério etário para aferir a capacidade de autodeterminação sexual da vítima. Principalmente porque a análise do contexto fático demonstra muitas vezes que, embora o ofendido seja adolescente menor de catorze anos, a situação não configura vulnerabilidade e ofensa à sua liberdade e dignidade sexual, já que se relacionava amorosamente com o acusado, sendo a relação sexual entre eles livre e consentida, despida de qualquer violência real.
Verifica-se, ainda, que ao adotar a vulnerabilidade como absoluta, a norma passa a tutelar a moralidade sexual (pudor), e não a liberdade e dignidade sexual, bens jurídicos pretendidos inicialmente pelo legislador. Isso porque ao “presumir” que o menor de catorze anos não tem maturidade para a prática de atos dessa natureza, desconsiderando as especificidades do caso concreto, a norma atua muito mais para restringir sua liberdade do que para proteger o aludido bem jurídico.
Outrossim, ao se filiar ao supradito entendimento, tem-se uma evidente hipótese de responsabilidade penal objetiva, a qual é incompatível com o princípio da culpabilidade, que rege o ordenamento jurídico brasileiro.
Por fim, mister é admitir a relativização da vulnerabilidade, para que o Direito Penal não se distancie de seu propósito elementar, intervindo apenas nas situações de seu interesse, em homenagem aos princípios da intervenção mínima e da ofensividade.
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[1] Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, capute §§ 1o, 2o, 3o e 4o);(Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
[2]Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa.
§ 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:
I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;
II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.
§ 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação.
[3]Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[4] Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
[5] Apesar dessa teoria serdenominada “constitucional”, o Supremo Tribunal Federal considerou que a presunção de violência não padece do vício dainconstitucionalidade.
[6]“Entendemos que a presunção é absoluta, em face da nítida intenção do legislador de proteger as vítimas com idade igual ou inferior a 14 anos.“ (ANDREUCCI, Ricardo Antônio,Manual de Direito Penal, p.17)
[7]“é presunção de caráter absoluto diante do texto constitucional que não admite concessões em relação à liberdade sexual da criança e do adolescente”. (TAQUARY, Eneida Orbage de Brito,Dos crimes contra os Costumes, p. 29-30)
[8] LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
[9]“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”
[10] Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Graduada em direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Pós- graduanda em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Procuradora do Estado do Mato Grosso do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOULART, Jordana Pereira Lopes. A relativização da vulnerabilidade no crime de estupro do menor de catorze anos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51155/a-relativizacao-da-vulnerabilidade-no-crime-de-estupro-do-menor-de-catorze-anos. Acesso em: 07 nov 2024.
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