RESUMO: O presente trabalho científico aborda aspectos dogmáticos e teleológicos da Lei Penal 13.142/2015, que alterou os Arts.121 e 129 do Código Penal brasileiro, bem como a lei dos crimes hediondos, acrescentando uma nova modalidade de homicídio qualificado e causa especial de aumento de pena no crime de lesão corporal, quando este for praticado contra agentes das Forças Armadas e da Segurança Pública, assim definidos nos Arts. 142 e 144 da Constituição Federal, assim como contra o cônjuge, companheiro e parente consanguíneo. O trabalho avaliou ainda aspectos criminológicos e o contexto sob o qual foi criada a lei, avaliando ainda sobre sua possível eficácia tendo como norte os trabalhos de Luigi Ferrajoli dentre outros autores que evidenciaram a falência do Direito Penal como mecanismo exclusivo capaz de promover a contenção da criminalidade. A pesquisa teve como cerne a análise da interpretação da ‘’ expressão parentesco consanguíneo’’, sob a ótica do princípio da legalidade penal estrita e seu embate com a proibição também Constitucional de se fazer distinção entre parentesco consanguíneo e civil, resultando numa possível inconstitucionalidade da norma.
Palavras-chave: Direito Penal, Lei 13.142/2015, Princípio da Legalidade Estrita.
ABSTRACT: This scientific work deals with dogmatic and teleological aspects of the Criminal Law 13,142 / 2015which amended the Arts.121 and 129 of the Brazilian Penal Code and the law of heinous crimes, adding a new modality of aggravated homicide and special cause of increased feather in the crime of bodily injury when it is committed against officers of the Armed Forces and Public Security as defined below in Articles 142 and 144 of the Federal Constitution, as well as against the spouse, partner and blood relative. The study still evaluated the criminological aspects and the context under it was created the law, evaluating also about his possible effectiveness taking as starting point the work of Luigi Ferrajoli among other authors who have highlighted the failure of the criminal law as the exclusive mechanism capable of promote the containment of crime. The research had as core to analyze the interpretation of ''consanguineous parentage expression'' from the perspective of the principle of strict penal legality and its confrontation with the prohibition also constitutional to distinguish between consanguineous and marital relationship, resulting in a possible unconstitutional standard.
Key words: Criminal Law, Law 13,142 / 2015, Principle of Legality Strict.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ASPECTOS DOGMÁTICOS E TELEOLÓGICOS DA LEI 13.142/2015. 2.1 Aspectos dogmáticos gerais. 2.2 Aspectos teleológicos. 3. APLICAÇÃO DA LEI EM RELAÇÃO AO CÔNJUGE, COMPANHEIRO E PARENTE CONSANGUÍNEO. 4. A (IM)POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI 13.142/2015 EM RELAÇÃO AO PARENTESCO CIVIL DIANTE DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. 4.1 O princípio da legalidade penal – breve concepção histórica. 4.2 O princípio da legalidade no direito penal brasileiro. 4.3 A analogia e a interpretação extensiva. 5. A INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO PARENTESCO CONSANGUÍNEO NA LEI 13.142/2015. 6.CONCLUSÃO. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho científico aborda questões que tem suscitado controvérsias doutrinárias desde a aprovação da Lei nº 13.142/2015, que acrescentou uma modalidade de homicídio qualificado e acrescentou uma causa especial de aumento de pena ao crime de lesão corporal quando praticado em face de agentes da segurança pública e das forças armadas, assim como contra seus familiares.
A edição de uma lei penal, pela sua natureza e em atenção aos princípios mais elementares do Direito Penal, tal como a intervenção mínima, a legalidade, dentre outros princípios e garantias que devem ser observadas, tem necessariamente de ser precedida de um debate amadurecido, com dados aprofundados e analisados a respeito do índice de ocorrência do delito cuja reprimenda será criada ou agravada.
Ainda neste aspecto, toda a técnica legislativa que envolve a produção da norma penal deve se atentar as limitações estabelecidas pelos princípios do direito penal, sendo bastante clara e precisa.
Destaque-se então a relevância do presente estudo, que busca dar sua contribuição no recente debate que tem se estabelecido em torno da norma penal analisada, que ainda não foi sequer enfrentada pelos Tribunais.
Passamos então neste artigo a analisar a Lei 13.142/2015 sob um prisma técnico-científico, abordando inicialmente os aspectos dogmáticos básicos inerentes a norma, informando o núcleo do tipo penal apresentado, o seu sujeito passivo e as posições que começam a surgir do debate doutrinário envolvendo a temática da Lei 13.142/2015.
Prossegue-se a análise crítica da norma indicando seu aspecto teleológico, dentro do contexto em que foi produzida e confrontando estes objetivos com trabalhos consagrados de autores sobre política criminal, sem olvidar experiências legislativas passadas e que podem perfeitamente nortear, junto ao posicionamento dos mestres a crítica aqui dissertada.
Ponto central de discussão neste artigo científico, a interpretação a ser dada a expressão ‘’ parentesco consanguíneo ‘’, contida na lei 13.142/2015 é minunciosamente analisada, observando-se desde os conceitos legais de parentesco até as questões penais inerentes a missão de interpretar a norma, fazendo então uma contextualização histórica do princípio da legalidade, e suas implicações, em especial na interpretação da norma penal.
A metodologia aqui empregada consistiu em uma extensa pesquisa bibliográfica, que buscou contextualizar os autores mais clássicos do direito Penal brasileiro e internacional, com os autores mais atuais e os primeiros artigos e manifestações sobre a lei 13.142/2015, trazendo assim uma bagagem abrangente, mas que também consegue ser direcionada ao objeto de estudo.
O presente artigo cuidadosamente destaca a evolução do conceito e das consequências do Princípio da legalidade Penal de maneira universal, apontando de maneira minuciosa a presença deste princípio no ordenamento jurídico brasileiro, o que permite ao final demonstrar que em virtude da impossibilidade de dar interpretação extensiva a expressão ‘’parentesco consanguíneo ‘’, por se tratar de uma norma penal, esta cria distinção com o parentesco civil, ofendendo o Art. 227, § 6º da Constituição Federal.
2. ASPECTOS DOGMÁTICOS E TELEOLÓGICOS DA LEI 13.142/2015[1]
Analisar a situação do parentesco consanguíneo na Lei 13.142/2015 é uma tarefa que embora específica, exige um esforço de traçar embora que breves, parâmetros gerais onde indicaremos o contexto que a norma foi criada, assim como os aspectos mais elementares da norma em geral, indicando os sujeitos passivos que podem sofrer as condutas penais que referida lei alterou, em que circunstâncias se aplica e quais as consequências jurídicas mais relevante da Lei 13.142/2015 como um todo.
Não é objeto deste trabalho indicar com riqueza de detalhes eventuais discussões tratadas já no âmbito de quem são os agentes de segurança aos quais se refere a Lei 13.142/2015, porém seguindo a ótica legalista que norteia o trabalho, indicaremos os principais posicionamentos surgidos, dentro do aspecto da legalidade estrita.
Com a análise dos principais aspectos e elementos da norma, poderemos então verificar a discussão em torno da expressão ‘’parentesco consanguíneo’’ nela contida, sob o prisma legalista-garantista de Ferrajoli.
2.1 Aspectos dogmáticos gerais
Em meio a um cenário de efervescente crise política e econômica, e de intensa atividade legiferante, onde inserimos neste contexto a problemática da segurança pública, que aflige todos os cidadãos, independentemente de sua condição social, econômica ou profissional, foi aprovada a Lei 13.142/2015, que acrescentou uma nova modalidade qualificada de homicídio, acrescentando o inciso VII ao art.121 do Código Penal, aplicado quando este for praticado contra Agente de Segurança Pública ou integrante das Forças Armadas, em razão de sua função, ou no exercício desta.
A alteração legislativa não se limitou ao Art.121 do Código Penal, tendo a legislação em análise alterado também disposições no crime de lesão corporal, tipificado ao teor do Art.129 do Código Penal, criando uma causa especial de aumento de pena de um a dois terços, no § 12 do referido Artigo, aplicada na mesma hipótese da novel qualificadora do homicídio, isto é, quando praticada contra os agentes de Segurança Pública, no exercício de suas atividades ou em razão de sua função.
A Lei também estabelece que dá mesma forma serão tratados os crimes de Homicídio e lesão corporal quando praticados contra cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo, em razão da condição de parentesco com o agente de segurança pública. Abra-se neste ponto destaque para a opção do legislador pelo termo ‘parente consanguíneo’’, que será adiante discutida neste trabalho científico.
A lei traz então, atenção diferenciada para o crime de homicídio e lesão corporal, quando praticado contra os integrantes das Forças Armadas e Agentes de Segurança Pública descritos nos Arts. 142 e 144 da Constituição Federal, podendo então ser sujeitos passivos do delito que já vem sendo denominado ‘’homicídio funcional’’ apenas os agentes literalmente descritos nos dispositivos constitucionais enunciados pela lei, assim observados seus parágrafos e incisos.
Portanto, delimita-se a aplicação da lei 13.142/2015 aos homicídios praticados contra os membros das forças armadas, assim descritas no art. 142 da Constituição Federal como Aeronáutica, Exército e Marinha, não havendo distinção entre integrantes do oficialato ou praças.
Seguindo ao art.144, observamos a aplicação da lei em relação aos agentes de segurança pública, polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares, conforme enumerou Cunha (2015), que conclui ainda pela aplicação da lei quando for a conduta praticada contra os guardas civis municipais, agentes da força nacional e agentes do sistema carcerário, posição também defendida por Cabette (2015), que analisando a aplicação em relação aos integrantes do sistema prisional elenca Diretores de Presídios, Secretários da Administração Penitenciária, Diretores de Centros de Detenção Provisória, Diretores de Cadeias Públicas, sem desvirtuar o objetivo da norma, tudo isto abrangido pelos arts.142 e 144 da Constituição Federal e seus parágrafos.
Quanto aos servidores aposentados, a regra geral é a não aplicação da lei, pois a aposentadoria põe termo à condição de ‘’ agente de segurança pública’’, que é protegida pela lei, posição já exposta por autores como Cunha(2015) e Bittencourt (2015), onde este vislumbra em sede de exceção a aplicação da hipótese qualificadora/causa de aumento de pena quando o delito efetivamente guardar relação com o anterior exercício da função, por represália, vingança ou outra motivação neste sentido.
Em manifestação isolada Barros (2015) aduz que podem ser ainda sujeitos passivos do delito Ministros do STF e STJ, membros da Magistratura e do Ministério Público, Estadual ou Federal, desta forma sustentando que ao trazer a lei a palavra ‘’ autoridades’’, poderíamos nela compreender as figuras mencionadas.
Ainda no plano dogmático, a legislação em comento alterou a Lei 8.072/90, a Lei dos crimes hediondos, onde acrescentou ao rol dos crimes considerados hediondos a nova modalidade de homicídio qualificado, seguindo o que já era estabelecido pela lei, que considera hediondo todas as modalidades qualificadas de homicídio e ainda acrescentou a lesão corporal gravíssima e a seguida de morte, praticada contra os agentes de segurança pública por razões ligadas à sua função, nos moldes já apresentados, onde, traz neste ponto o que pode ser considerado uma das alterações mais impactantes trazidas pela lei.
Ressalte-se que a lei exige para a aplicação da qualificadora no homicídio e na causa de aumento na lesão corporal, o especial fim agir, a motivação específica de o crime ter sido cometido contra o agente de segurança pública no exercício da função, ou em razão desta. Conforme observou Bitencourt (2015), o tratamento é dado à função, e não a pessoa, não podendo ser entendido como um privilégio pessoal.
A circunstância trazida pela lei tem então caráter claramente subjetivo, conforme anota Cunha (2015), que afirma ainda que caso o crime venha a ser praticado contra as pessoas descritas na Lei 13.142/2015, mas não haja relação com a função de agente de segurança pública, não se aplica a qualificadora no homicídio e tampouco a causa de aumento no crime de lesão corporal.
Portanto, não basta que o homicídio ou lesão corporal sejam praticados em face dos sujeitos passivos da lei 13.142/2015. É necessário ainda que se verifique o especial fim de agir do réu, que consiste em atentar contra a função de agente da segurança pública.
2.2 Aspectos teleológicos
A lei tem portanto objetivo de dar uma ‘’ resposta’’ aos crescentes índices de homicídios praticados contra agentes de segurança pública, em especial contra aqueles que atuam, conforme bem observou Cunha(2015) no ‘’ front’’ de combate à criminalidade. O professor sustenta que a norma fortalece o Estado, na figura de deus agentes segurança, ao trazer norma penal que assegura punição mais severa a quem comete determinados crimes contra os agentes de segurança pública.
Assim, busca-se justificar a lei pelo maior risco ao qual os agentes de segurança pública estão expostos, além de buscar dar uma suposta proteção à função exercida, de notório interesse público. Destaque que não é o fato de o crime de homicídio ou lesão corporal ter sido praticado contra os agentes de segurança pública que irá automaticamente levar a aplicação da lei, e sim a motivação deste delito, que deverá necessariamente ser em razão da função ou no exercício desta, conforme observou Cunha(2015).
Por este motivo, a aprovação da lei gerou grande repercussão, principalmente entre os agentes de segurança, que comemoraram a lei como a vitória, embora seja de eficácia duvidosa em relação a real prevenção deste tipo de delitos, conforme bem observou Cabete(2015), que tece severas críticas a lei em análise, concluindo que as disposições que trouxe são inócuas, pois de por um lado não são capazes de efetivamente reduzir os índices de criminalidade, por outro o tratamento mais grave dado aos delitos já poderia ser observado com as qualificadoras e dispositivos já existentes no Código Penal.
A lei penal como forma de prevenção de delitos já vem ao longo do tempo sendo criticada, porém continua ao que nos parece sendo utilizada, principalmente pelos agentes políticos como forma de esconder a ineficiência do estado em promover políticas públicas e sociais que efetivamente tragam resultado concreto, visando exclusivamente atender ao clamor popular imediato, conforme observou de maneira brilhante Ripóles (2015).
Observa-se da obra de Ferrajoli (2006) que este já tecia críticas as correntes justificacionistas do Direito Penal, seja nas vertentes retributivistas ou ainda utililitaristas da prevenção especial, pois na sua crítica, constituem muitas vezes na escolha do legislador ao positivar o direito penal, uma forma de legitimação ideológica que se aproxima com o direito penal máximo, profundamente criticado pelo autor garantista.
Esta legislação penal, cada vez mais simbólica e que busca atender a cada classe atingida por um determinado tipo de delito através de uma resposta penal, cria verdadeira inflação legislativa, que tem consequências nefastas para o próprio Estado Democrático de direito.
Em colocação bastante lúcida, Toledo(1991) já havia asseverado, que embora diversos doutrinadores clássicos proponham que a tarefa do direito penal é a luta contra o crime[2], não se pode atribuir esta tarefa como exclusiva do direito penal. O autor, de maneira brilhante nos recorda que é tarefa não só do Estado, mas de toda a sociedade, família, educadores, órgãos de assistência e dentre outros promover a real prevenção à prática dos delitos.
A lição que vem desde Becaria(1998) parece cada vez mais esquecida nos dias atuais, onde tem se privilegiado a expansão do poder punitivo e o Direito Penal meramente simbólico, em detrimento de políticas que efetivamente tragam a prevenção do delito.
Diversos autores tem se insurgido diante do que vem se denominando ‘’ hipertrofia legislativa’’, ou ainda ‘’inflação legislativa, onde Greco(2010, p.17) analisa que a inflação legislativa possui efeitos idênticos que a inflação monetárias, isto é, ocasionam a perda do valor da norma, em raciocínio que nos cumpre aqui colacionar, em virtude de sua exatidão e didática:
‘’ Na verdade, o número excessivo de leis penais, que apregoam a promessa de maior punição para os delinquentes infratores, somente culmina por enfraquecer o próprio Direito Penal, que perde seu prestígio e valor, em razão da certeza, quase absoluta da impunidade.’’
Podemos extrair do pensamento do autor, que claramente bebe na fonte de Becaria(1999), que não é a produção da lei penal que efetivamente irá prevenir a prática do delito, e sim a integração de políticas sociais e públicas, com a otimização e aplicação das normais penais já existentes, preferindo-se antes de criar uma nova norma penal, aplicar efetivamente as que já existem.
No caso da lei 13.142/2015, a inclusão da modalidade qualificada de homicídio é notadamente simbólica, posto que não havia necessidade da qualificadora para agravar a conduta daqueles que praticassem crimes contra agentes de segurança pública em razão de sua função. Basta observar a qualificadora do motivo torpe, que na lição dos mestres Hungria e Fragoso (1979) ‘’ é aquele que mais vivamente ofende a moralidade média ou o sentimento ético-social comum’’.
Na observação desta qualificadora, certamente o crime praticado contra o agente de segurança pública em razão da sua função, pode ser perfeitamente configurado nesta hipótese de qualificadora, razão pela qual se demonstra simbólica a lei 13.142/2015, conforme anotou Cabete(2015), que prossegue argumentando que igualmente nos crimes praticados no exercício da função, também podemos observar a qualificadora ‘’ para assegurar vantagem ou impunidade em outro crime’’.
Outra observação que se sobressalta é que a vingança, a represália também se enquadra neste contexto de torpeza, e de maneira contundente, o que já foi inclusive verificado na jurisprudência, muito antes da aprovação da lei 13.142/2015:
“Configura-se a agravante do homicídio cometido para assegurar a ocultação, impunidade ou vantagem de outros crimes, se o acusado, para forrar-se à confrontação com a autoridade pública a qual, pelo seus antecedentes criminais em investigação, sabia ser-lhe desvantajosa, resiste e atira mortalmente no policial que o detinha” (TJSP – Rec. – Rel. Acácio Rebouças – RT 446/387).
Desta forma, vislumbra-se que a lei 13.142/2015 tem seu sentido esvaziado na medida em que o tratamento mais grave ao crime contra a vida do agente de segurança no exercício de suas funções já existia no ordenamento jurídico brasileiro, trazendo mais simbologia do que efetiva inovação no tratamento dado à conduta.
A única alteração efetiva fica por conta do agravamento do tratamento dado ao crime de lesão corporal, em todas as suas modalidades quando praticado em face dos sujeitos passivos ‘’protegidos’’ pela lei 13.142/2015, onde chegou inclusive a incluir a lesão corporal gravíssima e a seguida de morte no rol dos crimes hediondos.
Neste ponto, voltamos a considerar as lições dos grandes mestres, que sempre alertaram para a parcimônia do uso do direito penal, contestando a ação do Estado que historicamente tenta solucionar tensões sociais através do ‘’terrorismo penal’’, como assevera Batista (2011) Apud Radbruch (1961).
Analisando esta evolução no recrudescimento das penas, a conclusão que podemos chegar diante da histórica ineficiência do Direito Penal, no âmbito da prevenção geral, em solucionar por sí só as problemáticas que levam ao cometimento dos delitos é que poderíamos agravar as penas até o infinito, mas caso não se busque a real solução do problema, a criminalidade persistirá, conforme escreveu Ferrajoli (2006) Apud Bettiol (1945) ‘’ existe um trágico ponto de chegada: a pena de morte para todos os crimes’’.
Segundo Becaria (1999), a persistência no aumento gradativo das penas vai a longo prazo tornando desproporcional a resposta penal dada ao cometimento dos delitos. A pena então vai aos poucos ganhando ares de vingança, perdendo credibilidade no aspecto da prevenção geral, sendo o inflacionamento punitivo, sendo maléfico ao próprio Direito Penal, distanciando-o de seus objetivos primordiais.
3.1 Aplicação da lei em relação ao cônjuge, companheiro e parente consanguíneo
A lei em análise traz em sua redação a possibilidade de sua aplicação quando os crimes, acima estabelecidos fossem praticados contra o cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo do agente de segurança pública, estendendo assim essa suposta proteção buscada e analisada aos parentes mais próximos dos agentes de segurança, que estando na linha de frente do combate ao crime, estão mais vulneráveis à prática de delitos, especialmente contra a vida e a integridade física.
Aqui então o legislador entendeu que os parentes dos agentes de segurança estariam expostos à prática de delitos relacionados à função, havendo especialmente risco de represálias e ações por vingança, em razão das ações desempenhadas pelo parente que age em nome da segurança pública.
Neste ponto, a aplicação da Lei 13.142/2015 em relação ao cônjuge, companheiro e parente consanguíneo deve guardar estrita relação com a função, sendo de natureza subjetiva, conforme já anteriormente exposto, onde mais uma vez se destaca a lição de Bitencourt (2015), sustentando que em nenhum momento a lei protege a pessoa da autoridade [tampouco seus parentes],e sim a função que por eles é exercida, e no caso dos parentes, o risco de represália e ataque à função pública dos agentes de segurança através de ataques a seus familiares.
Assim, através da proteção dos parentes, o legislador busca na ratio essendi da norma proteger a função e seu desempenho, que pode sofrer ataques diretos e através dos familiares dos agentes, buscando garantir uma atuação firme e isenta dos agentes de segurança, isto em tese jurídica.
A opção do legislador foi pela linha de parentesco mais próxima do agente se segurança pública, sendo aplicada a Lei 13.142/2015 em relação ao cônjuge, em razão da convivência e proximidade, que faz com estes possam ser alvos da ação delituosa, e toma o cuidado de incluir expressamente o companheiro, evitando assim distinção no tratamento entre o casamento a união estável.
O Cônjuge é aquele que mediante o casamento civil constitui a sociedade conjugal, nos termos do Art. 226 da Constituição Federal, que também dita que a família tem proteção do Estado, o que inspira a legislação em análise. A união estável, ainda segundo a Constituição Federal deve ter tratamento semelhante ao casamento, e é entendida pela lei civil como a união contínua, pública e duradoura com o fim de constituir família.
Conforme analisa Bitencourt (2015), o fato de estar incluso o companheiro permite perfeitamente a aplicação da legislação em relação ao companheiro homoafetivo, não havendo motivo algum que justifique interpretação diversa, sendo tratado da mesma forma que a união heteroafetiva, prevenindo assim quaisquer conflitos de interpretação e constitucionalidade, tratando da mesma forma o casamento e a união estável.
Por fim, o legislador é taxativo ao indicar a aplicação da lei 13.142/2015 aos ‘’ parentes consanguíneos até o terceiro grau’’, aqui abrangidos os ascendentes, descendentes e também os colaterais, como observa Bitencourt(2015), revelando o legislador seu objetivo de proteção ao núcleo familiar mais próximo. Aqui o legislador ao contrário do que fez com o casamento e a união estável, delimitou a aplicação ao parente consanguíneo.
Aqui, cumpre-se estabelecer uma breve distinção entre os tipos de parentesco, para fins de aplicação da lei 13.142/2015, tomando como base os critérios legalmente estabelecidos. Conforme dispõe o Art. 1593 do Código Civil, o parentesco pode ser natural ou civil, conforme seja oriundo de laços consanguíneos ou outra origem.
O parentesco natural, ou ainda consanguíneo é aquele de origem biológica, enquanto o civil decorre de quaisquer outras origens, e conforme leciona Gonçalves (2007), pode ser exemplificado na figura da adoção, que cria um laço de parentesco civil, assim com a inseminação artificial heteróloga. O renomado autor afirma, que diante do sistema legal e constitucional vigente não pode haver qualquer distinção entre o parentesco natural e o civil.
O parentesco natural ou consanguíneo pode ser ainda em linha reta ou colateral. Tanto o parentesco em linha reta como o colateral decorrem de laços biológicos, consanguíneos, tendo sido esta a opção do legislador, sendo todos sujeitos passivos da lei 13.142/2015, pois o legislador não fez esta distinção.
Na linha reta verificam-se os ascendentes e descendentes, estando até o 3º grau abrangidos pela lei 13.142/2015, verificando assim a aplicação, na linha descendente em relação aos filhos (1º grau), netos (2º grau) e bisnetos (3º grau). Na linha ascendente os pais (1º grau), avós (2º grau) e bisavós (3º grau), também são sujeitos passivos da lei 13.142/2015. Já na linha colateral, irmãos (1º grau), tios(2º grau) e sobrinhos ( 3º grau), também constam na esfera de aplicação da lei 13.142/2015.
Caso o primo de um agente de segurança pública seja vítima de algum delito estabelecido na lei 13.142/2015, em virtude da função do parente, não será aplicada a lei, por critério do legislador.
O parentesco por afinidade também não foi incluído pelo legislador na lei 13.142/2015, e encontramos sua definição no Art. 1595 do Código Civil, observando Gonçalves (2007) que este parentesco é aquele que se forma dos laços conjugais, segundo o autor tanto do casamento como da união estável, entre os cônjuges e companheiros e os parentes do outro consorte.
Por fim há ainda o parentesco sócio afetivo, que decorre de laço de afeto e convivência, conforme definem os estudiosos do direito de família, dentre os quais podemos citar Orlando Gomes (1987), que já sustentava o entendimento da formação de um núcleo familiar a partir de uma constituição de família de fato, onde os parentes sócio afetivos teriam os mesmos direitos e garantias.
Assim, observa-se de plano que a lei foi bastante clara, delimitando a aplicação ao Cônjuge, companheiro e parente consanguíneo. Neste aspecto, as demais espécies de parentesco, como os parentes por afinidade, e até mesmo os parentes socioafetivos, como bem observou Barros (2015), estão excluídos da aplicação da Lei 13.142/2015, por expressa opção do legislador.
Resta ainda analisar a situação do parentesco civil, que na definição da Lei, no Art. 1593 do Código Civil é aquele que decorrente de outra razão que não a consanguineidade. É o caso, como principal exemplo, do filho adotivo. Neste caso, Barros (2015) defendeu que pode ser interpretada extensivamente a lei, para não restar distinto o tratamento dado ao filho consanguíneo e ao filho adotivo na Lei 13.142/2015, posição esta não seguida por Cabete (2015), e que será adiante desenvolvida.
De toda forma, caso um homicídio venha a ser praticado contra estas pessoas não abarcadas pela Lei 13.142/2015, nada impede que eventual homicídio seja qualificado, por exemplo pelo motivo torpe, se cometido em razão do parentesco com agente de segurança pública, conforme já fora abordado, onde cabem aqui as mesmas críticas já argumentadas.
A problemática que envolve a segurança pública de um modo geral, e em especial em relação aos riscos sofridos por quem está cotidianamente exposto a situações de tensão e risco em razão de sua função é bastante complexa, principalmente no que trata a extensão dessa suposta proteção a seus familiares. Observamos historicamente leis penais em momentos de tensão e clamor popular, que serviram tão somente conforme anota Ripóles (2015) para atender ao clamor popular.
A lei 13.142/2015, que adquire os contornos de populismo legislativo destacado por Ripóles (2015), tem nela as características apontadas pelo autor, como ausência de um debate amadurecido sobre a questão, falta de dados precisos e uma análise sociológica mais aprofundada sobre a modalidade delitiva em questão, principalmente em relação aos parentes dos agentes de segurança.
Ainda na lição de Ripóles (2015), este tipo de política criminal afasta a análise técnica e os especialistas no assunto em detrimento do atendimento de um clamor popular, ou ainda no caso apresentado de uma classe específica, gerando um empobrecimento do conteúdo das normas, inclusive na sua parte técnica em detrimento na tentativa, por parte de segmentos do legislativo de aparentarem ser mais rigorosos no ‘’combate’’ a criminalidade.
O mais correto, nesta linha de raciocínio seria um estudo mais profundo sobre os índices de crimes cometidos em face destes agentes, suas motivações e quais ações poderiam prevenir esta prática, assim como proteger seus familiares.
A questão que se sobressalta ao analisarmos sobre a possível ineficácia da norma, é que o indivíduo que não cometes ilícitos penais, dificilmente mantém esta conduta em razão do fato estar descrito como crime, mas sim em virtude de questões morais do indivíduo; por outro lado, dificilmente o criminoso reflete sobre praticar ou não um ato delituoso em razão da pena cominada, conforme aduz Elena Laurrarri (2000, p. 174): A prevenção geral funciona para os que não precisam, para os que precisam não funciona, porque, (..) pensamos que “eles”, os outros, vão desistir por medo da pena’’.
Não se defende que não haja punição, mas sim a alteração no foco do debate, pois a legislação já existente dava plenas condições de punir o indivíduo que comete este tipo de delito, inclusive os cometidos contra os parentes dos agentes de segurança Pública, e ainda assim não foi solucionada a problemática.
Anote-se ainda que a Lei 13.142/2015 traz problemas de ordem técnica, pois o legislador ao promover a aplicação em relação ao Cônjuge, companheiro e parente consanguíneo acaba aqui deixando uma lacuna que diante dos princípios próprios do Direito Penal, é de difícil solução.
A lei além de excluir de sua esfera de aplicação os parentes por afinidade e sócio-afetivos, faz também uma distinção entre o parentesco civil e consanguíneo, pois o legislador expressa claramente a opção pela proteção ao Cônjuge e companheiro, assim como protege o parentesco consanguíneo, deixando em aberto a questão do parentesco civil, onde se inclui por exemplo, o filho adotivo.
A finalidade da lei é de proteção ao núcleo familiar do agente de segurança pública, porém a opção do legislador em delimitar especificadamente os sujeitos passivos não pode ser analisada somente sob a ótica da finalidade da lei, mas precisa ser confrontada com os princípios basilares do direito penal, que também possuem raízes constitucionais.
Daí a necessidade de se fazer uma leitura aprofundada dos institutos básicos de direito penal para se adotar uma posição adequada em relação a interpretação da norma, em especial o princípio da legalidade, principal núcleo axiológico das garantias penais, conforme nos ensina com maestria Ferrajoli (2006).
4. A (IM)POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI 13.142/2015 EM RELAÇÃO AO PARENTESCO CIVIL DIANTE DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA
Traçados os principais aspectos dogmáticos e teleológicos da lei 13.142/2015, poderemos então adentrar no objeto principal da pesquisa, qual seja a dimensão da expressão parentesco consanguíneo estabelecida na norma e a situação do parentesco civil, que por ordem constitucional não deve ser tratado de maneira distinta.
Diagnosticaremos esta situação se valendo do princípio da Legalidade como núcleo axiológico do Direito Penal, onde se faz então necessário compreender com maior profundido este princípio, sua importância histórica e como se dá sua aplicabilidade no sistema jurídico penal.
A partir do amadurecimento do conceito deste princípio, é possível caminhar no sentido da orientação que este traz em relação a interpretação da norma penal, o que será fundamental na análise da Lei 13.142/2015.
4.1 O princípio da legalidade penal – breve concepção histórica
O direito penal, como arma mais forte do estado contra os cidadãos, embora tenha como princípio clássica garantir o combate a criminalidade, conforme já apresentado, foi sofrendo ao longo do tempo inúmeras discussões sobre a sua aplicação, posto que é a maneira mais incisiva que o estado tem para interferir sobre os indivíduos e um de seus bens mais preciosos, qual seja a liberdade.
Um dos principais mecanismos para conter o arbítrio do estado e seu poder punitivo é o Princípio da legalidade, por trazer através da limitação formal aos crimes e penas, se converte em segurança jurídica, essencial no Direito Penal.
Existe um grande desdobramento do princípio da legalidade, observado de forma bastante clara por Barros (1999), qual seja a reserva legal, que não se confunde com o princípio da legalidade e se materializa na exigência de lei em sentido estrito para tipificar condutas e cominar penas, enquanto a legalidade em sentido amplo é exigência de conteúdo normativo prévio para que o estado interfira nas liberdades individuais dos cidadãos.
Nos dias de hoje, é praticamente inimaginável vislumbrar a tipificação de crime sem uma lei o definindo, porém nem sempre foi desta forma. No Direito Romano, como nos rememora Schmidt (2001), não havia necessidade de lei para tipificar crimes, havendo possibilidade de punir ações ao arbítrio dos chamados Tribunais populares, embora Mazini em sua obre destaque que durante um período houve exigência de expressa incriminação da conduta, esta situação não durou muito tempo, sendo novamente expandidas as fontes materiais do direito penal.
O autor prossegue na evolução histórica do conceito de legalidade penal, expondo que na Idade Média, houve pequeno avanço neste sentido, com a adoção de leis escritas, mas ainda havia prevalência dos costumes, sendo ainda comum até o Século XVIII a permissão de analogia em matéria penal, o que era permitido pelas codificações dentre as quais Schdmidt(2001) exemplifica o Codex Juris Bavarici Criminalis (1751), o Código Criminal de Carlos V (1523), dentre outros no período.
Durante o avançar das civilizações, foram surgindo documentos que trouxeram, ainda que de forma tímida o Princípio da legalidade, conforme observou Batista (2011), indicando a Magna Charta, que contudo apenas dava a garantia aos ditos ‘’homens livres’’, ainda bastante distante da concepção atual do princípio.
O princípio da legalidade, ainda segundo Schmidt (2001) foi desenvolvido de maneira mais contundente pelos teóricos iluministas, com suas ideias liberais e de limitação no poder viam como fundamental a existência de lei, em face da arbitrariedade estatal, limitando assim a atuação do estado contra as liberdades individuais, com forte influência dos jusnaturalistas, tendo Becaria (1999) em posição vanguardista, no Século XVIII estabelecido que somente as leis poderiam decretar penas e delitos, sendo reservado ao legislador, que representaria a sociedade reunida no contrato social.
Retomando a análise profunda de Schmidt (2001), este assevera que foi um filósofo eminentemente ligado ao jusnaturalismo, Alselm von Feuerbach que trouxe uma definição mais precisa do princípio da legalidade e suas implicações, de forma bastante próxima da concebida atualmente.
Neste contexto, a presença da garantia com a edição da Declaração dos Direitos do homem e do cidadão, passou a figurar expressamente no texto normativo, e conforme anota Schmidt (2001), este princípio foi incorporado pelas Constituições Francesas de 1971 e 1973, sendo ele insculpido em moldes idênticos aos atuais. Neste sentido, Batista(2011) exemplifica a Declaração de Direitos da Virgínia (1776) e a Constituição Americana.
Após este contexto, o que se viu foi uma espécie de alternância entre a afirmação do princípio da legalidade, e mitigações do mesmo, acompanhando as tensões que sobrevieram na história da humanidade, onde vimos severas distorções no princípio da legalidade, como retroatividade de leis penais, para alcançar condutas praticadas antes da lei, criação de juízos de exceção, dentre outros mecanismos que sustentaram atrocidades históricas, como o holocausto dos judeus.
Exemplificando este diálogo entre o direito e a sociedade, Schmidt (2001) demonstra na história contemporânea ataques ao princípio da legalidade na Rússia Soviética, onde em fissura ao princípio da legalidade se permitiu a analogia, dentre outras violações as garantias individuais, assim como na Alemanha nazista, que também recorreu a analogia para expandir o poder punitivo estatal, regimes estes manifestamente autoritários e cujas ações catastróficas resultaram em milhares de mortes, o que causou uma pausa histórica na ruptura do diálogo com a legalidade estrita no direito penal, o sedimentando como base do direito criminal até os dias de hoje.
Passado o período de rupturas, Schmidt(2001) aponta que o princípio da legalidade alcançou então, aprendendo a severa lição do desrespeito as garantias, passando a tipicidade a desempenhar instrumento de combate a insegurança jurídica, posto que a partir de então, se fortaleceu a ideia de que não há crime sem tipo penal estabelecido.
O autor nos traz ainda como último avanço histórico do princípio a concepção da reserva legal, restringindo a possibilidade de criação destes tipos penais as leis em sentido estrito e através do devido processo legislativo, deflagrado por autoridade competente. Esta forma de conceber o princípio da legalidade tem raízes no garantismo penal de Ferrajoli(2006), que através de seu sistema de garantias estende a aplicação do princípio da legalidade desde a criação da norma, a análise da legitimidade na proibição das condutas até seu intérprete final, com a vedação de interpretação analógica, dentre outras garantias.
4.2 O princípio da legalidade no direito penal brasileiro
No que tange ao ordenamento jurídico brasileiro, em especial no que se refere ao Direito Penal, Schmidt(2001) assevera que o Princípio da legalidade e da reserva legal figurou em praticamente todas as constituições, embora tenha sofrido também mitigações, como por exemplo na Constituição outorgada por Getúlio Vargas em 1937.
Na legislação penal infraconstitucional, podemos observar a presença histórica do princípio de legalidade desde o Código Criminal de 1830, conforme nos anota Pierangelli ( 2001), analisando a evolução deste princípio no ordenamento jurídico brasileiro, passando pelo Código Penal de 1890, Código Penal de 1940, até a concepção atual, estabelecida pela reforma de 1984 e que manteve o princípio da legalidade intacto[3].
Então, a reserva legal ou legalidade estrita, como é concebido o Princípio da legalidade no âmbito penal, limita ainda mais a atuação do estado sobre as liberdades individuais. Se o princípio da legalidade em seu sentido amplo nos garante que não somos obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei(onde esta lei é entendido em sentido amplo, podendo advir estas limitações de outras espécies normativas), quando falamos sobre legalidade penal, estrita, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, estamos afirmando que somente a lei formal em sentido estrito, através do devido processo legislativo pode estabelecer crimes e cominar penas.
O princípio da legalidade estrita é exaltado por Ferrajoli (2006) como centro do sistema de garantias, de onde ainda segundo o autor, procedem todas as demais garantias elencadas em seu sistema. Sem dúvidas, as garantias penais em sua essência decorrem, em uma análise mais profunda, invariavelmente do princípio de legalidade. Na valiosa lição de Nilo Batista (2011) ‘’O princípio da legalidade, base estrutural do próprio estado de direito, é também a pedra angular de todo direito penal que aspire à segurança jurídica’’.
Não poderia ser expressa da melhor forma a importância do princípio da legalidade no direito penal, pois toda e qualquer aplicação ou interpretação deste deve ser feita, como se depreende da lição dos mestres mencionados, tomando por ponto de partida o princípio da estrita legalidade, forma de assegurar o sistema de garantias penais de Ferrajoli.
No direito brasileiro o Princípio da legalidade tem papel de destaque no âmbito penal, e encontra-se disposto logo no Art. 1º do Código Penal: Art.1º ‘’ Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal’’. O Princípio também está encartado na Constituição Federal, no Art.5º, XXXIX: ‘’ não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal’’.
Já a reserva legal se materializa na competência privativa atribuída pela Constituição Federal à União para legislar sobre Direito penal, seguindo o devido processo legislativo formal e material. Tal disposição se encontra estabelecida no Art. 22, I da Constituição Federal de 1988.
Podemos estabelecer quanto a acepção atual do princípio da legalidade, segundo Batista (2011) quatro implicações principais no nosso ordenamento, sendo a primeira a vedação da retroação de lei penal incriminadora (nullum crimem nulla poena sine lege previa). Esta garantia, conforme nos relembra Batista, e conforme foi abordado na análise histórica do princípio, busca evitar episódios lastimáveis como ocorreu em Nurenberg durante a Alemanha nazista, com a aplicação retroativa de lei penal como fundamento de atrocidades.
Prosseguindo, o autor nos traz como segunda grande implicação a proibição da criação de crimes pelo costume ( nullum crimem nulla pena sine lege scripta ), aqui em evidente afirmação da reserva legal, como fonte exclusiva da produção de normas penais, sendo no direito brasileiro monopólio do legislativo a criação de tipos penais e cominação de sanções desta natureza, sendo vedado, por exemplo a edição de medida provisória em matéria penal, ainda segundo Batista ( 1983).
O terceiro postulado, continuando nas lições de Batista (2011) se refere a proibição da analogia em matéria penal ( nullun crimem nulla poena sine lege scricta ), no que se refere a tipificação de condutas, agravamento destas, enfim, qualquer aspecto que possa ser prejudicial ao indivíduo.
A analogia, permitida de forma genérica no direito brasileiro, quando for omissa a lei[4] é um procedimento, segundo Batista (2015) de aplicação de uma norma singular em outra situação semelhante, que não a originalmente descrita, porém sem previsão legal, aplicando-se assim a norma em virtude da semelhança.
No direito brasileiro portanto, é inadmissível o uso da analogia em desfavor do réu, sendo entretanto admissível quando favorável a condição do indivíduo, posição amplamente destacada na doutrina.[5] É a afirmação da legalidade estrita, da reserva de lei como única fonte do direito penal brasileiro no que se refere a tipificação de crimes e cominação de penas.
Neste ponto, é vedada também a interpretação extensiva, pois ao dar um alcance à norma penal maior do que estabeleceu o legislador, estaríamos praticando uma espécie de analogia, conforme nos ensina Bobbio (2014), que esclarece que a interpretação extensiva nada mais é que um raciocínio analógico. Como a proibição da analogia é um dos postulados fundamentais sobre o princípio da legalidade, igualmente não se deve conceber a possibilidade de interpretação extensiva, posto que em última verificação esta é analógica.
O último desdobramento se refere a proibição de leis penais que criem tipos vagos e indeterminados ( nullum crimem nulla poena sine lege certa ). Neste ponto, Batista destaca a ofensa ao princípio da legalidade com a criação de tipos penais abertos, que permitem alto grau de discricionariedade e subjetivismo por parte do julgador.
Todos estes aspectos principais sobre o princípio da legalidade comportam múltiplos desdobramentos, no sentido de garantir ao indivíduo a proteção em face do arbítrio e do poder punitivo estatal. As garantias que se apresentam não podem ser concebidas como meros obstáculos a aplicação da lei penal, seja qual objetivo desta lei, mas devem ser sempre entendidas como mecanismos de promover a segurança jurídica e a garantia das liberdades individuais.
4.3 A analogia e a interpretação extensiva
Observando a vedação da analogia em normas penais incriminadoras, durante bastante tempo foi debatido, ainda havendo até os dias de hoje, quem sustente a diferença de tratamento entre a analogia e interpretação analógica ou extensiva, sustentando a possibilidade de admissão desta.
Esta diferenciação entre analogia e interpretação analógica remonta a autores clássicos, onde se argumentava que diferente da analogia, a interpretação extensiva valeria para dar a norma o sentido buscado pelo legislador, conforme sustentou Battaglini (1973).
No direito brasileiro, doutrinadores clássicos como Fragoso (1978), também defendiam o emprego da interpretação extensiva sustenta que ‘’ A analogia distingue-se da interpretação, porque constitui um processo de integração da ordem legal, e não meio de esclarecer o conteúdo da norma’’.
No mesmo sentido, Hungria (1978) também admitia a interpretação extensiva como forma de extrair o conteúdo da norma penal incriminadora, posição também adotada por Toledo (1991), contudo de maneira mais ponderada, reconhecendo que na maioria das hipóteses, deve vigorar o princípio do favor rei, afastando a possibilidade de extensão na maioria dos casos, contudo admitindo o autor a interpretação extensiva quando adequado em conjunto com critérios teleológicos e sistemáticos.
A questão central defendida pelos que sustentavam a possibilidade de interpretação analógica ou ainda interpretação extensiva (cabe destacar que alguns autores fazem distinção entre interpretação extensiva e analógica, dentre os quais podemos citar Assis Toledo, Frederico Marques, Greco), é de que a extensão é justificada na falta de expressão verbal na lei que corresponda ao objetivo da norma, admitindo assim um viés teleológico.
Contudo, atualmente cresce a vertente de afirmação do Princípio da legalidade estrita, onde Schmidt (2001) de maneira brilhante, destaca que a admissão da interpretação extensiva em matéria penal é perigosa, principalmente em virtude da linha tênue que separa a analogia da interpretação extensiva e da interpretação analógica, e todas as espécies desrespeitam a exigência de lei prévia e estrita no âmbito penal incriminador.
O autor aponta que o texto contido na norma pode se aproximar de maneira mais contundente aos fatos, onde se dizia que o aplicador da lei estaria interpretando, ou quando mais distante, estaria o julgador se utilizando de interpretação analógica, e por fim, somente onde houvesse total ausência da norma e não apenas uma lacuna desta, e neste contexto fosse criado tipo penal utilizando outro por semelhança estaríamos diante da analogia.
A crítica de Schmidt(2001) se fundamenta na dificuldade, ou real impossibilidade de se estabelecer uma distinção segura entre analogia e interpretação analógica (extensiva), pois as próprias definições soam bastante imprecisas, sustentando que ambos institutos estão ligados a uma raiz comum, a semântica da linguagem jurídica, assim, toda interpretação extensiva se convola em analogia, devendo ser extirpada do âmbito penal (incriminador).
Até mesmo uma posição aparentemente mais equilibrada, como a de Toledo foi refutado na obra de Schmidt (2001), que advoga a impossibilidade de interpretação-teleológico extensiva, pois a legalidade estrita e a reserva legal são garantias máximas do indivíduo, e o autor em passagem que se destaca afirma:
‘’Tendo em vista que a restrição da liberdade, mediante a proibição penal, é uma exceção (posto que a liberdade é a regra), a única interpretação teleológica que poderá ser admitida é a restritiva’’
A obra de Schmidt (2001), que aprofunda com bastante riqueza o princípio da legalidade e todos os seus desdobramentos nos traz com precisão que a admissão da interpretação extensiva é caminho perigoso e que deve ser combatido, não se admitindo em hipótese alguma, nem a analogia, nem interpretação analógica e nem mesmo extensiva, pois o conjunto de limitações decorrentes do princípio da legalidade convergem para o tolhimento do ordenamento jurídico de tipos penais que ocasionem insegurança jurídica e que sejam interpretados ao arbítrio do julgador.
5. A INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO PARENTESCO CONSANGUÍNEO NA LEI 13.142/2015
Retornando a análise da lei 13.142/2015, um dos pontos que mais vem sendo alvo de críticas é a expressão ‘’ parentesco consanguíneo’’, contida na lei ao dispor sobre a ampliação de sua esfera de aplicação em relação aos parentes dos agentes de segurança.
Neste sentido, nomes como GOMES, BIANCHINI e MAGGIO (2015) e Bittencourt (2015) já se posicionaram inclusive pela inconstitucionalidade desta expressão na norma, assim como defenderam a impossibilidade de interpretação extensiva da mesma, posição também seguida por Cabete (2015).
Esta opção do legislador se revela inadequada a partir do momento que delimita a aplicação das sanções previstas na lei 13.142/2015 ao crime praticado contra o parente consanguíneo, o que conforme já exposto, não abrange o parentesco civil, modalidade de parentesco onde se insere o filho adotivo, que não pode ser tratado de maneira distinta do filho biológico, ao teor da disposição do Art. 227, § 6º da Constituição Federal.
Diante da legalidade estrita, e da proibição da analogia e interpretação extensiva, não haveria como entender pela aplicação da Lei 13.142/2015 em relação ao filho adotivo, posição defendida de maneira bastante precisa por Bitencourt (2015) e Cabete (2015). Em sentido diverso, Barros (2015) sustenta que não se trata de analogia, e sim de uma interpretação conforme a Constituição, mesma posição sustentada por Reis (2015).
Encontramos na obra de Greco (2010) posição do autor sustentando que como exemplo de interpretação extensiva válida, teríamos o exemplo do crime de Bigamia, encartado no Art. 235 do Código Penal vigente, onde referido tipo abrangeria, por interpretação extensiva também a poligamia.
Ocorre que analisando os elementos do tipo penal, não se faz necessário tal raciocínio de modo a tipificar a conduta daquele que contraia não dois, mas vários casamentos simultâneos. É que a consumação do delito ocorre a partir do momento que é contraído o segundo casamento, já sendo o agente casado, a partir daí pouco importando para fim de tipificação penal se foram dois ou mais os matrimônios em desconformidade com a lei, posto que a partir do segundo já estariam presentes todas as elementares do tipo, o que não ocorre quando se trata da análise da situação do parentesco consanguíneo na Lei 13.142/2015, onde esta define a aplicação em relação ao parente consanguíneo, o que conforme já exaustivamente apresentado, embora deva ter tratamento semelhante, é diferente do parentesco civil
Verificam-se então barreiras sistemáticas inerentes aos princípios mais elementares do Direito Penal e seus mecanismos de interpretação, que conduzem invariavelmente ao entendimento da impossibilidade de se estender a aplicação da Lei 13.142/2015 ao parentesco civil, e aqui se inclui por exemplo, o filho adotivo, o que certamente só aumenta a celeuma em torno de uma possível adequação do texto a sua finalidade como argumento para subsidiar uma flexibilização da estrita legalidade penal.
Ocorre que até mesmo a maneira como o legislador articulou o seu texto dificulta a interpretação extensiva-teleológica, pois o mesmo precisamente estabeleceu a aplicação da norma em relação ao cônjuge e ao companheiro, acrescentando o parentesco consanguíneo, de maneira bastante clara e precisa, não havendo margem de dúvidas que permita interpretação.
Observe-se neste aspecto, que o legislador delimita especificadamente a aplicação da norma em relação ao cônjuge e ao companheiro, não criando aqui distinções e os tratando isonomicamente, de maneira expressa, já antevendo os problemas que eventual omissão ( da expressão companheiro, por exemplo ) causaria, em virtude da legalidade penal estrita, diligência que faltou ao legislativo ao tratar da aplicação da Lei 13.142/2015 em relação ao parentesco.
Se o legislador tivesse apenas se utilizado de parentesco, haveria aqui margem larga para que o julgador definisse até onde poderia ser aplicada a norma, podendo neste aspecto o judiciário estabelecer os parâmetros de acordo com o espírito da lei, porém ao delimitar a uma espécie, não cabe ao julgador ampliar este significado.
Ao analisar o conteúdo da lei 13.142/2015, Bittencourt (2015) fala em ‘’tipicidade estrita’’, o que nos faz refletir sobre a importância da interpretação dada a norma, principalmente ao tipificar um crime, delimitando seu sujeito passivo, o que deve ser feito sempre tomando como norte a legalidade penal.
Isto porque, não há matéria que deve ser tratada com mais cautela pelos legisladores, órgãos julgadores e operadores do direito em geral como o Direito Penal, especialmente quando se fala na tipificação de condutas e agravação de penas. A segurança jurídica ganha papel de primazia na seara criminal, e tem como seu maior guardião o Princípio da legalidade. Relativizar este princípio é enfraquecer a segurança jurídica no campo Penal, atingindo o arcabouço de garantias como um todo, sistemático que é, conforme perfeita análise de Ferrajoli (2006) que trata as garantias não isoladamente, mas como um sistema onde as normas se completam entre sí,
Assim, não há como se falar em interpretação extensiva na Lei 13.142/2015, em especial no que se refere a expressão ‘’parente consanguíneo’’, não cabendo ao julgador corrigir a imperfeição legislativa ampliando o sentido da norma.
Também não é adequado admitir a distinção que se estabelece entre o filho consanguíneo e o filho adotivo, o que ofende a Constituição Federal, que proíbe o tratamento diferenciado entre filhos adotivos e biológicos, sendo a solução a declaração de inconstitucionalidade desta expressão na norma, em razão da ofensa direta ao Art.227§ 6º da Constituição Federal.
Não é adequada, seguindo a posição de Schdmit (2001), uma ‘’interpretação conforme a constituição’’ que faz na verdade uma analogia, e dá aplicação mais abrangente do que a prevista na lei, pois o texto do legislador é preciso na delimitação dos sujeitos passivos. Ademais a garantia da legalidade estrita também tem natureza constitucional, conforme já foi exposto, e inclusive integra o núcleo imutável da Constituição, que dispõe sobre as garantias fundamentais.
Ao analisar o choque entre a proibição na distinção entre o parentesco civil e consanguíneo, estabelecido no Código Civil, a proibição na distinção entre o filho natural e o adotivo estabelecida na Constituição Federal e o Princípio da legalidade, que também tem natureza Constitucional, Bittencourt (2015) afirma com propriedade que o respeito ao nullum crimen, nulla poena sine lege deve prevalecer, pois está na raiz do próprio Estado Democrático de Direito.
Tal problema não pode jamais ser entendido como preciosismo daqueles que adotam posturas garantistas, nem pode ser concebido como uma falha na aplicação do princípio da legalidade, não devendo jamais ser admitida flexibilização destas garantias.
Todo o embate demonstrado se operou em virtude de falha do legislador, que poderia através da simples supressão da expressão ‘’consanguíneo’’ solucionar o problema. Conforme anota Schdmit (2001), em casos extremos o próprio poder legislativo pode reformar sua lei, adequando sua aplicação a finalidade buscada.
Não é através do arbítrio do judiciário que poderia ser solucionada a questão, o que nos traria um precedente perigoso e nos levaria a caminhar rumo a insegurança jurídica e ao Direito Penal máximo, que em outras oportunidades deixou consequências severas na história da humanidade.
Contudo, conforme observa Cabete (2015), a discussão perde fôlego quando se observa que a qualificadora do motivo torpe já solucionaria a questão, sendo a própria lei 13.142/2015 desnecessária neste aspecto, conforme já foi avaliado anteriormente.
Assim, a permanência ou não no ordenamento jurídico desta disposição, ainda que somente resida a discussão em torno da expressão ‘’parente consanguíneo’’, não terá reflexo notável no que se refere ao tratamento dos delitos praticados contra os familiares dos agentes de segurança, que podem ser igualmente reprimidos pela legislação anterior, exceto nas hipóteses do crime de lesão corporal, onde a elevação do crime de lesão corporal ao rol dos hediondos embora questionável não faz parte do objeto desta pesquisa.
A inconstitucionalidade da expressão ‘’parente consanguíneo’’ na lei 13.142/2015 é reflexo da garantia estabelecida pelo princípio da legalidade, que não admite que seja dada interpretação além do que estipulou o legislador, que distinguiu o parentesco civil do parentesco consanguíneo, de maneira que somente o legislador poderá, através do devido processo legislativo adequar o texto da norma à Constituição, não cabendo ao julgador esta tarefa.
6. CONCLUSÃO
Da análise realizada, concluímos apoiados nas lições dos grandes mestres que a Lei 13.142/2015 foi concebida desde a sua publicação com problemas estruturais e conjunturais, devidamente apresentados durante a exposição dos resultados da pesquisa bibliográfica aplicada a verificação científica da Lei 13.142/2015.
A problemática conjuntural da norma se relaciona com a baixíssima probabilidade de a edição da lei atingir uma efetiva redução dos índices de crimes praticados contra agentes da segurança pública, onde pode se observar que a lei na verdade não trouxe muitas alterações, tendo em vista a possibilidade de dar o mesmo tratamento mais gravoso trazido pela Lei 13.142/2015 aos crimes praticados contra os agentes de segurança e seus parentes através dos institutos penais já estabelecidos.
Outro ponto de destaque observado foi a falência do utilitarismo penal, lição apresentada por Ferrajoli ( 2006 ) e que norteou a análise da falta de efetividade deste tipo de norma, onde podemos concluir que não é tarefa da lei penal, em especial a analisada lei 13.142/2015 ser o mecanismo para concretamente reduzir o índice da prática do delito abarcado pela lei.
A principal conclusão do trabalho pode ser considerada a violação da Lei 13.142/2015 ao Art. 227 § 6º, no momento em que por uma má redação especifica sua esfera de atuação em relação ao parentesco consanguíneo, criando aqui distinção de tratamento com o parentesco civil, que embora sejam distintos juridicamente, não podem por imposição Constitucional serem tratados de maneira diversa pela norma.
O estudo que atingiu esta concluão foi dirigido pela ótica garantista do Direito Penal, o que permitiu seguir esta linha durante toda a pesquisa, chegando ao entendimento final pela impossibilidade de se ampliar o sentido da expressão ‘’ parentesco consanguíneo’’ contido na Lei 13.142/2015, posto que o Princípio da legalidade Penal proíbe de maneira firme que seja adotada analogia ou mesmo interpretação extensiva como forma de integrar norma penal incriminadora.
Assim, em virtude da impossibilidade de uma correção por parte do judiciário da falha legislativa, a expressão ‘’ parentesco consanguíneo’’ deve ser extirpada da Lei 13.142/2015, sob pena de ofensa à Constituição, situação que somente pode ser reformada pelo legislativo, sendo vedado ao judiciário ampliar o sentido de norma penal incriminadora.
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[1] BRASIL. Lei n. 13.142, de 06 de Julho 2015. Altera os arts. 121 e 129 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei de Crimes Hediondos)..
[2] Neste Sentido, BATTAGLINI, Giulio. Direito Penal. Trad. Paulo José da Costa Júnior, Arminda Bergamini Miotto e Ada Pellegrini Grinover. São Paulo, Saraiva, 1973; BRUNO, Aníbal. Direito penal. Rio de Janeiro, Forense, 1967; HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, 5ª ED., Forense, 1979.
[3] Art. 1º. ‘’Não haverá crime ou delicto (palavras synonimas neste código) sem uma lei anterior que o qualifique’’ (BRASIL, Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal. Fonte http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm. Acesso em 12 de Outubro de 2015). Art. 1º ‘’Ninguém poderá ser punido por facto que não tenha sido anteriormente qualificado crime, e nem com penas que não estejam previamente estabelecidas. A interpretação extensiva, por analoigia ou por paridade, não é admissível para qualificar crimes ou aplicar-lhes penas’’( BRASIL, Decreto nº 847 ? de 11 de Outubro de 1890. Promulga o Código Penal.Fonte:legis.senado.gov.br/Legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049. Acesso em 12 de Outubro de 2015). Art.1º ‘’Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal’’.(BRASIL, Decreto-Lei 2.848, de 07 de Setembro de 1940.Código Penal. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm. Acesso em 12 de Outubro de 2015. Art.1º ‘’ Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal’’ (BRASIL, Lei 7.209, de 11 de Julho de 1984. Altera os dispositivos do Decreto Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal e dá outras providências. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art1. Acesso em 12 de Outubro de 2015.
[4]Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. (BRASIL, Decreto-Lei 4.657 de 04 de Setembro de 1942. Lei de Introdução as normas do Direito Brasileiro.) Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm Acesso em 13 de Outubro de 2015.
[5] Neste sentido, TOLEDO (1991), FRAGOSO (1978), NUCCI (2008), GRECO (2010),BATISTA (2011). Discordou de maneira isolada HUNGRIA (1979).
Advogado OAB/CE. Bacharel em Direito pela Estácio FIC - 2015.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FRANCISCO DE PAULO QUEIROZ BERNARDINO JúNIOR, . A análise da expressão ''parentesco consanguíneo'' na Lei 13.142/2015 sob o prisma do princípio da legalidade penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jan 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51253/a-analise-da-expressao-parentesco-consanguineo-na-lei-13-142-2015-sob-o-prisma-do-principio-da-legalidade-penal. Acesso em: 06 nov 2024.
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