Resumo: O presente artigo objetiva analisar o dano moral coletivo, em especial no âmbito das relações trabalhistas, a fim de verificar a constitucionalidade e convencionalidade das alterações promovidas pela Reforma Trabalhista em relação ao instituto.
Palavras-Chaves: Dano moral coletivo. Relações de trabalho. Reforma Trabalhista.
Sumário: 1. Introdução. 2. Dano moral coletivo. 3. Dano moral coletivo nas relações de trabalho. 4. Reparação dos danos morais coletivos nas relações trabalhistas. 5. Dano moral coletivo na reforma trabalhista. 6. Conclusão. 7. Referência bibliográficas.
1 Introdução
Os danos morais coletivos correspondem a injustas e intoleráveis lesões ao patrimônio ético-cultural de uma dada comunidade, tendo por objetivo reparar ofensas a interesses de natureza metaindividual dignos de tutela, sobretudo os extrapatrimoniais da coletividade quando atingidos em princípios que lhe são caros, a exemplo da ofensa sistemática ao ordenamento jurídico, que traduz descrédito às instituições e às leis (art. 5º, V, X, XXX, CR; arts. 1º, IV, e 3º da LACP e art. 6º, VI, CDC).
Na seara trabalhista, os danos morais coletivos decorrem de violações a um determinado círculo de valores coletivos e do descumprimento reiterado da legislação trabalhista.
A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.647/2017) parece ameaçar a possibilidade de dano moral coletivo nas relações de trabalho. Contudo, é necessária uma interpretação do texto celetista em consonância com o ordenamento jurídico, especialmente em relação a Constituição da República e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, dotados de força, ao menos, supralegal.
2 Dano moral coletivo
O “Direito vem passando por profundas transformações, que podem ser sintetizadas pela palavra socialização”, conduzindo “o Direito ao primado claro e insofismável do coletivo sobre o individual” (BITTAR FILHO, 2005, p. 01).
Em respeito à alteridade e à tolerância, é necessário um posicionamento solidarista a fim de promover, no âmbito de toda a sociedade, a tutela dos direitos da humanidade como um todo. Assim, conforme Costa (2009, p. 43):
A missão do ordenamento jurídico é a proteção da pessoa, não apenas o indivíduo singular, mas a pessoa tomada em relação, inserida num dado contexto social, sendo possível uma pacífica vida comunitária entre os homens, regida por normas, inclusive a norma-princípio do solidarismo. (...) A solidariedade como valor significa a consciência racional dos interesses em comum, interesses de índole individual e coletiva que implicam a densificação do preceito do medievo-romana do respeito aos direitos alheios (neminem laedere).
De acordo com Bittar Filho (2005, p. 01), “Como não poderia deixar de ser, os reflexos desse panorama de mudança estão fazendo-se sentir na teoria do dano moral, dando origem à novel figura do dano moral coletivo”.
Dessa forma, a percepção de que o dano moral pode afetar não apenas o indivíduo, mas também a coletividade, pois os valores éticos individuais podem ser estendidos para a dimensão coletiva, conforme Araújo Júnior (2006, p. 99).
Em contrapartida, o reconhecimento do dano moral coletivo repercutiu na esfera do próprio instituto do dano moral, o qual precisou ser revisitado em seu conceito e em sua classificação, conforme exposto.
O dano moral coletivo está previsto na legislação pátria no art. 6º da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor):
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
E na Lei n. 7.437/85 (Lei da Ação Civil Pública):
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
l - ao meio-ambiente;
ll - ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
V - por infração da ordem econômica e da economia popular;
VI - à ordem urbanística.
Sampaio (2009, p. 09) apresenta o seguinte conceito para tal figura jurídica: “O dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de determinado círculo de valores coletivos”.
Romita (2007, p. 84), por sua vez, se posiciona da seguinte forma:
Pode-se, então, entender por dano moral coletivo aquele que decorre da violação de direitos de certa coletividade ou a ofensa a valores próprios dessa mesma coletividade, como sucede, por exemplo, com a crença religiosa, o sentimento de solidariedade que vincula os respectivos membros, a repulsa a atos de discriminação contra membros da coletividade ou do próprio grupo, como tal.
Como elementos caracterizadores do dano moral coletivo temos a conduta antijurídica do agente, pessoa física ou jurídica; lesão a valores da sociedade, detectados; a certeza do dano e o nexo causal entre aquela conduta antijurídica do agente e o dano sofrido.
Nas palavras de Bittar Filho (2009, p. 01), “Um valor que fica caracterizado precisamente como coletivo é a honra”, seja a honra do ponto de vista subjetivo, fundada “na dignidade, no decoro e na autoestima”, enfim, no juízo de valor que se faz de si mesmo, seja a honra em sua vertente objetiva, a reputação e o respeito de que se desfruta no meio social em que se insere, já que, sob o prisma coletivo, cada um tem respeito no meio em que se insere.
De acordo com Bittar Filho (2009:01),
Sob o prisma coletivo, também se vislumbra claramente a honra - cada um goza de reputação e respeito no meio em que vive, também a comunidade - agrupamento de pessoas e, portanto, de núcleos de valores - deve ser respeitada nas suas relações com coletividades outras, ou com indivíduos, ou com pessoas jurídicas (honra objetiva); assim como cada homem tem estima de si próprio, também a coletividade apresenta sua auto-estima.
Para Costa (2009,59), três vetores (tripé justificador) justificam o reconhecimento da ocorrência de danos excedentes da esfera da individualidade. O primeiro deles concerne à dimensão ou projeção coletiva do princípio da dignidade da pessoa humana:
Considerando que o princípio da dignidade da pessoa humana convolou-se no centro axiológico do ordenamento jurídico, além de possuir dimensão unitária e social, instituindo verdadeira cláusula de tutela e dever geral de respeito à personalidade humana, tem-se como consequência o fato de que toda violação da projeção coletiva desse princípio constitucional, consubstanciado em interesses/direitos extrapatrimoniais essencialmente coletivos (difusos e coletivos em sentido estrito) e, portanto, não adstritos a pessoas singulares, configurará dano moral coletivo. A reparação coletiva, como dito, convolou-se no “reverso da medalha” do princípio da dignidade da pessoa humana em sua projeção coletiva (COSTA, 2009:71).
O segundo, refere-se à ampliação do conceito de dano moral coletivo envolvendo não apenas a dor psíquica, porquanto a ampla proteção da pessoa humana não é pertinente à concepção reducionista pautada na associação do dano moral a caráter meramente subjetivista. A dor, o sofrimento, ou qualquer outro equivalente psíquico, correspondem, por conseguinte, tão somente a um consectário do dano moral individual. Na mesma linha, o sentimento de repulsa e indignação social é mera e possível consequência do dano moral coletivo (COSTA, 2009, p. 63-71).
Por fim, o terceiro vetor, é a coletivização dos direitos ou interesses por intermédio do reconhecimento legislativo dos direitos coletivos em sentido lato e a criação de meios processuais destinados a assegurar o irrestrito acesso de tais direitos ao Judiciário e a efetividade processual atenta às suas especificidades. “A violação desses interesses, cuja abrangência ultrapassa a esfera da singularidade, acarreta, por consequência óbvia, também danos sofridos em âmbito coletivo” (COSTA, 2009:65-71). Baseado no tripé justificador, Costa (2009, p. 71) define o dano moral coletivo:
Violação da projeção coletiva da dignidade da pessoa humana, consubstanciada em interesses/direitos extrapatrimoniais essencialmente coletivos (difusos e coletivos em sentido lato), sendo tal violação usualmente causadora de sentimentos coletivos de repulsa, indignação e desapreço pela ordem jurídica.
Em suma, de acordo com essa visão, a lesão à esfera moral de certa comunidade ou ao círculo de valores coletivos, implicando repulsa e indignação significa, de todo modo, violação à obrigação geral de respeito pela pessoa humana, seja individual ou coletivamente considerada (COSTA, 2009:60).
Schavi (2011, p. 08) sustenta que a reparação do dano moral coletivo está fundamentada no art. 5º, inciso X, da Constituição da República Federativa do Brasil, o qual denota que a reparação do dano moral pode transcender a esfera individual, atingindo a coletiva, pois se refere ao termo genérico “pessoas”, assim como pelo prestígio de princípios constitucionais assegurados pela reparação coletiva do dano moral: cidadania (inciso II), dignidade da pessoa humana (inciso III); do artigo 3º, da Constituição Federal: construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I), garantia do desenvolvimento nacional (II) e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação (IV) e artigo 4º: prevalência dos direitos humanos (II).
Conforme Schiavi (2011, p. 10), o dano moral coletivo e o difuso são danos autônomos, ou seja, não correspondem à soma de direitos individuais, sendo que a reparação visa à tutela da própria sociedade como um todo vitimada por um prejuízo em abstrato. Ao contrário, a reparação dos direitos individuais homogêneos atinge cada vítima considerada em sua individualidade e incide, portanto, sobre um prejuízo individual.
O dano moral coletivo distingue-se, pois, da pretensão de danos morais individuais oriunda de direitos individuais homogêneos. Estes podem ser tutelados por ações coletivas e também pela ação civil pública, mas, nesse caso, há uma soma de interesses morais individuais. A percepção do valor reparado é destinada a cada interessado que se habilita em processo coletivo.
3 Dano moral coletivo nas relações de trabalho
O dano moral coletivo na esfera trabalhista respalda-se na possibilidade conferida pela Lei da Ação Civil Pública, que dispõe sobre ações de responsabilidade por danos morais a interesse difuso ou coletivo (art. 1º, inciso VI).
Todavia, Oliveira (2010, p. 119) registra que, no âmbito das relações de emprego, há quem negue a existência de direitos difusos, argumentando que, nesses casos, é inerente a determinação de sujeitos, o que contraria a noção de direitos difusos.
Inobstante opiniões em contrário, há de se ter em vista que empregado e empregador devem, reciprocamente, em todas as fases do contrato, incluída a preliminar, respeitar direitos e deveres individuais e coletivos elencados no caput do art. 5º da Constituição Federal.
Assim, conforme Oliveira (2010, p. 84), “têm, empregado e empregador, direito à intimidade, à liberdade de pensamento e expressão, de consciência e crença religiosa, de associação, de acesso a informações e de consciência, de convicção política ou filosófica, além de outras”.
No âmbito trabalhista, a ocorrência de direito ou interesse difuso é menos frequente, o que não obsta a sua possibilidade, por exemplo, em caso de anúncio vinculado nos meios de comunicação flagrantemente discriminatório para preenchimento de vagas de emprego. Nesse sentido, Minutti (2008, p. 01).
Na relação de trabalho, não apenas a prestação laboral é tutelada, mas também a pessoa física responsável por ela. A subordinação a que se sujeita o trabalhador não limita a tutela dos direitos da personalidade tampouco sua dignidade.
Schiavi (2011, p. 05-07) reconhece a defesa doutrinária no sentido de reconhecimento de dano moral de categoria diferenciada e restrita pela sua origem ao âmbito do Direito do Trabalho: “dano moral trabalhista”. Todavia, para referido autor, não há diferença ontológica entre o dano moral percebido na esfera laboral do civil, sendo ambas as reparações de índole constitucional e civil, diferenciadas apenas pelo nexo causal.
Assim, Shiavi (2011, p. 07) defende que inexistente o chamado “dano moral trabalhista”, havendo tão somente dano moral decorrente de relações de trabalho, “pois a reparação por danos morais não é uma parcela trabalhista “stricto sensu” e nem se confunde com as indenizações trabalhistas”.
O dano moral oriundo de lesões a interesses difusos ou coletivos, em sentido estrito, vislumbrados dentro da ótica do Direito do Trabalho - o qual, registra-se, tutela, além das relações de cunho estritamente empregatício, determinadas relações de trabalho normativamente especificadas (DELGADO, 2009, p. 49) -, tem amparo jurídico nas mesmas premissas do dano moral coletivo vislumbrado em outras esferas, como na proteção ao meio ambiente ou aos consumidores.
O dano moral coletivo encontra seu sustentáculo normativo na lesão à dignidade da pessoa humana concebida em sua esfera plena, tanto individual quanto coletiva, atingindo interesses metaindividuais.
Sobre o tema, a 5ª Turma do TST se posicionou em processo de relatoria da Ministra Kátia Magalhães Arruda:
RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREENCHIMENTO DA COTA PARA CONTRATAÇÃO DE PESSOAS PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS. DANO MORAL COLETIVO.
No âmbito das relações laborais, o dano moral coletivo caracteriza-se quando a conduta antijurídica praticada contra trabalhadores extrapola o interesse jurídico individualmente considerado e atinge interesses transindividuais socialmente relevantes para a coletividade. Contudo, ficou consignado no acórdão recorrido que a reclamada, reconhecendo que o número de portadores de deficiência contratados estava abaixo do mínimo legal exigido, comprometeu-se a ajustar sua conduta, conforme conciliação homologada em juízo, sob pena do pagamento de astreintes no valor de R$ 5.000,00, reversíveis ao FAT, compromisso formalizado em audiência conciliatória perante o juízo de primeiro grau. Não é certo, portanto, exercer o caráter pedagógico-preventivo e punitivo quando a empresa toma a atitude de corrigir sua conduta adequando seu quadro de funcionários às cotas destinadas aos portadores de necessidades especiais. Também deve se levar em conta a conjuntura econômica da empresa, a fim de não ocasionar uma quebra inesperada, pois não é esse o objetivo da Justiça Trabalhista. Resta ao Ministério Público do Trabalho observar se a reclamada está cumprindo com o convencionado, valendo-se da multa imposta nestes autos, caso assim não esteja procedendo. Recurso de revista conhecido, mas não provido.
Processo: RR - 98300-40.2007.5.24.0072 Data de Julgamento: 28/09/2011, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/10/2011. (Grifo nosso).
Ainda segundo Schiavi (2011, p. 08), a reparação por dano moral coletivo tem por finalidade a prevenção de eclosão de ações de danos morais individuais, a promoção do acesso à justiça e de uma ordem justa, e a garantia da proteção da moral coletiva bem como da própria sociedade.
O dano moral coletivo nas relações de trabalho evidencia-se diante de condutas atentatórias a direitos ou interesses transindividuais violadoras da dignidade da pessoa humana coletivamente considerada.
Exemplificam o dano moral coletivo na esfera trabalhista: exploração de crianças e adolescentes no trabalho; submissão de grupos de trabalhadores a condições degradantes, a serviço forçado, em condições análogas à de escravo, ou mediante regime de servidão por dívidas; descumprimento de normas trabalhistas básicas de segurança e saúde e prática de fraudes contra grupos ou categorias de trabalhadores, revistas íntimas coletivas que violem a intimidade dos empregados, submissão de trabalhadores, coletivamente, a assédio moral a fim de aderirem a Programa de Demissão Voluntária, meio ambiente de trabalho em condições de risco acentuado, descumprimento contumaz das garantias mínimas trabalhistas, máxime o pagamento do salário mínimo, períodos de descanso e limitação de jornada, grupo de trabalhadores que são tratados sem condições mínimas de dignidade pelos superiores hierárquicos, com manifesto abuso do Poder Diretivo e discriminações.
4 Reparação dos danos morais coletivos nas relações trabalhistas
A reparação do dano moral individual é atualmente matéria pacífica e o dano moral coletivo é reconhecido, inclusive em âmbito trabalhista.
A fim de compreender o âmbito de incidência do dano moral coletivo nas relações de trabalho, é necessário, inicialmente, analisar a teoria clássica do dano moral.
Três são as tradicionais funções da responsabilidade civil de acordo com a teoria clássica: preventiva, satisfatória e punitiva. A primeira tem como objetivo educar o ofensor e desmotivar a sociedade a realizar condutas semelhantes. A satisfatória, indenizar o lesado proporcionalmente ao grau de ofensa, compensando-o. E a função punitiva almeja castigar o ofensor.
No Brasil, o binômio compensação-punição tem sido adotado no caso dos danos morais individuais. Segundo Cavalieri (2005, p. 271).
No Brasil, o modelo adotado por nossos tribunais e pela doutrina tem sido binômio compensação-punição, sob o pressuposto de melhor atender aos princípios da indenização dos danos não patrimoniais, por considerar que, na medida em que compensa os prejuízos sofridos, pune o ofensor para desestimulá-lo à prática de novos atos lesivos.
O ressarcimento do dano moral individual deve, pois, ser compreendido como de natureza compensatória e punitiva. Compensatória por oferecer à vítima uma satisfação que visa à diminuição indireta dos sacrifícios experimentados em virtude da lesão aos direitos da personalidade e à sua dignidade.
E também punitiva, visto que ao ofensor o ordenamento jurídico deve impor uma pena, de forma que a “indenização funcionará também como uma espécie de pena privada em beneficio da vítima”, segundo Cavalieri (2005, p. 271).
A indenização do dano moral surge como instrumento capaz de abrandar o sofrimento da vítima por meio de compensação pecuniária e/ou do reconhecimento em público pelo agressor da inocência do ofendido, como também se caracteriza pela natureza pedagógica, na medida em que a fixação da indenização por dano moral também objetiva inibir novas práticas ofensivas (ARAÚJO JÚNIOR, 2006:101)
A reparação do dano moral individual tem, portanto, natureza dupla: indenizatória (compensatória) e punitivo-pedagógica. Por outro lado, pelas suas particularidades, a reparação do dano moral coletivo não possui o mesmo tratamento da relativa ao dano moral individual, no qual as funções não se apresentam em ordem hierárquica, prevalecendo, assim, a natureza punitivo-pedagógica em detrimento da compensatória.
Bittar Filho (2011) defende que a condenação, quando em dinheiro, deve ter dupla função - compensatória para a coletividade e punitiva para o ofensor -, objetivando-se evitar a reiteração de violações aos valores coletivos. A fixação do quantum debeatur deve ser pautada em critérios de razoabilidade, considerando fatores também aplicáveis na seara individual como gravidade da lesão, situação econômica do agente e circunstâncias do fato.
DANOS MORAIS COLETIVOS. VALOR ARBITRADO. Em atenção aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade entre a gravidade da culpa e o dano sofrido, deve ser reformada a decisão regional, reduzindo-se o valor arbitrado a título de indenização por danos morais. Recurso de revista conhecido e provido.- (RR-117100-43.2005.5.15.0006, Relator Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, DEJT de 8/4/2011)
Em razão da natureza do bem jurídico violado, a dignidade da pessoa humana em sua dimensão coletiva, a lesão a interesses ou a direitos metaindividuais apresentam alta carga de prejuízo social, sobressaindo as funções preventivo-pedagógica e socioeducativa.
Para Costa (2009, p. 74/75), a compensação do dano à vítima resta prejudicada na seara dos direitos metaindividuais, nos quais o lesado é uma coletividade composta por vítimas não identificadas, ao menos a priori.
A finalidade punitiva do valor pecuniário quando se trata de lesão a direitos difusos e coletivos que acarrete em dano moral coletivo é, portanto, destacável. Nesse sentido, manifestou-se a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho.
DANOS MORAIS COLETIVOS - VALOR DA INDENIZAÇÃO. Nas hipóteses de danos morais coletivos, em face da inegável relevância de sua reparação, deve ser dada maior ênfase ao caráter punitivo. Assim, embora não se negue a existência de caráter compensatório na indenização por danos morais coletivos - já que os seus valores são destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e, portanto, serão destinados à defesa de interesses equivalentes àqueles que geraram a condenação judicial -, é inevitável reconhecer que o seu arbitramento deve observar, principalmente, o caráter sancionatório-pedagógico, de forma a desestimular outras condutas danosas a interesses coletivos extrapatrimoniais. Na hipótese dos autos, a ação civil pública foi motivada pela alegação de supressão de diversos direitos. Dentre eles, podemos destacar como passíveis de gerar danos à coletividade aqueles relativos à medicina e à segurança do trabalho, ou seja, o direito à disponibilização de camas, colchões, equipamentos de proteção individuais, água potável e instalações sanitárias, além da proibição de acesso e trabalho de menores de 18 anos nas plantas de carbonização e a abstenção da empresa em contratar empreiteiras para atuarem em sua atividade-fim (fls. 53/54). O parágrafo único do artigo 944 do Código Civil Brasileiro determina que se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. Nesse passo, entendo que o valor fixado no acórdão regional (R$ 1.000.000,00) implicou em um valor por demais elevado, em especial pelo fato de que o Tribunal Regional visou indenizar o dano sofrido pelos trabalhadores em decorrência da adoção de -jornada de trabalho superior ao permitido por lei, ausência de intervalo intra e interjornada-, que, conforme antes ressaltado, dizem respeito a direitos individuais, que deveriam ser pleiteados em ações próprias, e não na presente, em que se busca o arbitramento de indenização por dano moral à coletividade, com destinação do valor arbitrado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Assim, considerando-se a restrição das condutas praticadas pela reclamada enquadradas como lesivas a um espectro mais amplo de indivíduos e a toda a classe de trabalhadores, entendo ser necessária a adequação do valor arbitrado a título de danos morais coletivos em R$ 100.000,00 (cem mil reais). Recurso de revista conhecido e parcialmente provido.- (RR-148840-63.2005.5.03.0067, Redator Ministro Renato de Lacerda Paiva, 2ª Turma, DEJT de 6/8/2010) (Grifo nosso)
Nas palavras de Silva (2004, p. 133), “A ação tendente à reparação do dano moral coletivo objetiva ao ressarcimento de um prejuízo abstrato infligido (...), a qual há de ser recolhida a um fundo com destinação social”.
Os valores auferidos nas condenações por dano moral coletivo são revertidos a Fundo estabelecido pela Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), art. 13. No âmbito do Direito do Trabalho, os recursos são destinados ao Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT), criado pela Lei n. 7.998/90, o qual tem por finalidade o custeio do Programa de Seguro-Desemprego, pagamento do Abono Salarial (PIS), e o financiamento de programas de desenvolvimento socioeconômico voltado para o interesse dos trabalhadores.
Tendo em vista que o FAT não tem por escopo destinação de recursos a recomposição de interesses de ordem coletiva, é grande a discussão doutrinária acerca de sua procedência. Todavia, a ausência de fundo próprio na seara trabalhista para recebimento de valores arrecadados a título de condenação por lesão a interesses ou direitos difusos ou coletivos torna, na atualidade, a utilização do FAT uma realidade.
Diante dessa crítica, Costa (2009, p. 79) se posiciona no sentido de que,
Vem-se construindo, na rotina jurisdicional e administrativa dos atores sociais das ações coletivas e também em sede doutrinária, a correta concepção de que a legislação, ao instituir fluido receptor de pecúnia, não afastou a concepção social prioritária da necessidade de recomposição, na medida do possível, mesmo não sendo por intermédio de aparelhamento monetário do fundo (...). Em outras palavras significa a premência da proteção social, não a indenização em pecúnia.
Nessa perspectiva, ganham destaques compromissos firmados em sede de Ações Civis Públicas e Termos de Ajustamento de Conduta (TAC’s), por intermédio do Ministério Público do Trabalho (MPT) para a não aplicação de valores arrecadados ao FAT, e sim, a destinações de cunho coletivo, como criação de campanha para conscientização social sobre discriminação ou para o combate ao trabalho infantil; compra de computadores e veículos destinados a equiparar equipes de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); investimento em cursos profissionais de empregados (COSTA, 2009:79-81).
5 Dano moral coletivo na reforma trabalhista
A Reforma Trabalhista parece ameaçar a possibilidade de dano moral coletivo nos artigos 223-A e 223-B da CLT, de acordo com os quais:
Art. 223-A. “Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.”
Art. 223-B. “Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.”
Diante das alterações promovidas pela Reforma Trabalhista, é necessária uma interpretação, conforme Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado (2017), lógico-racional, sistemática e teleológica do texto celetista, em consonância com o ordenamento jurídico, especialmente em relação a Constituição da República e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, dotados de força, ao menos, supralegal, como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 466.343/SP.
Nesse teor, deve-se ter em mente não apenas as regras jurídicas, mas também os princípios jurídicos, que possuem, igualmente, força normativa, hábeis a impulsionar uma hermenêutica concretizadora da eficácia dos direitos fundamentais, com aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º, da Constituição da República).
Assim, a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CR/88), que se encontra no epicentro dos valores nos ordenamentos jurídicos ocidentais, seja em sua dimensão individual ou coletiva, quando atinge interesses metaindividuais, deve guiar o intérprete do Direito diante da leitura de normas infraconstitucionais.
Qualquer legislação que restrinja a efetividade da reparação do dano moral viola o art. 5º da Constituição da República, especificamente os inciso V e X, pois a intenção do constituinte foi proteger e reparar o dano moral.
Os direitos fundamentais são fruto de um processo histórico de reconhecimento. As restrições aos direitos fundamentais não podem atingir o núcleo ineliminável desses direitos, a fim de que não ocorra um verdadeiro retrocesso social, devendo se respeitar o princípio da implementação progressiva dos direitos sociais, conforme arts. 1º e 5, II, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), no art. 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto San Jose da Costa Rica) e, na seara dos direitos trabalhistas, no art. 7º, caput, da Constituição da República.
Denota-se do art. 223-A da CLT uma tentativa de afastar os diplomas normativos aplicáveis à tutela do dano moral coletivo nas relações de trabalho, sobretudo o microssistema processual coletivo, a teor da Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) e da Lei 8.078/90 (CDC), restringindo a aplicação ao texto celetista.
Costa (2017, p. 186), após elencar os diplomas normativos aplicáveis ao dano moral coletivo ou extrapatrimonial nas relações trabalhistas, como a Constituição da República, Lei 7.347/85, Lei 4.717/65, Lei 8.078/90, Leis de regência dos Ministérios Públicos Estaduais e Lei Orgânica do Ministério Público da União, além de diplomas especiais acerca da tutela coletiva, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 7.913/89, Lei 8.884/94 e Estatuto do Idoso, afirma que:
Ora, considerando a verdadeira simbiose dos citados textos normativos, cujo movimento restou deflagrado há muitas décadas, com esteio no reconhecimento constitucional de direitos que ultrapassam a esfera da individualidade, bem como na chancela, também constitucional, da ampla possibilidade de reparação do dano de natureza extrapatrimonial (art. 5º, V e X), não se pode reconhecer como correta tal pretensão de imposição de aplicação exclusiva celetista para o instituto do dano extrapatrimonial coletivo. Como já citado várias vezes, temos aí a consagração de anos de retrocesso...
Assim, a alteração legislativa não modifica a atuação do Ministério Público do Trabalho e os pedidos de indenização por dano moral coletivo, na medida em que continuam plenamente vigentes e aplicáveis os dispositivos constitucionais e do direito comum que amparam tais pedidos, por força do art. 8º da CLT, não revogado.
Por outro lado, o art. 223-B da CLT tem a pretensão de restringir os danos extrapatrimoniais a titulares determinados, ao afirmar que pessoas físicas ou jurídicas são as titulares exclusivas do direito à reparação, o que não se compatibiliza com a tutela dos danos morais coletivos, por se relacionarem a sujeitos de titularidade indeterminada.
A tentativa de restrição do direito de ação ao titular do direito material afronta o art. 129 da CR/88, pois excepciona a legitimidade conferida, constitucionalmente, ao Ministério Público do Trabalho de propor a ação civil pública para a defesa de interesses transindividuais na esfera das relações trabalhistas, o que abrange os direitos extrapatrimoniais, a teor a do art. 6º, VII, “a”, da Lei Complementar 75/93.
As alterações legislativas promovidas pela Reforma Trabalhista não possuem o poder de aniquilar o entendimento doutrinário e jurisprudencial consolidado acerca do dano moral coletivo nas relações de trabalho, que se encontra em consonância com o ordenamento jurídico hodierno.
Ademais, no que tange à possível alegação de tarifação do dano moral coletivo em razão do art. 223-G da CLT, há de se destacar que os critérios elencados em tal dispositivo conectam-se à dimensão subjetiva e individual do dano, pois mencionam a intensidade do sofrimento ou da humilhação, possibilidade de superação física ou psicológica ou os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão.
A feição individual do dano choca-se com a natureza objetiva do dano moral coletivo, já que não subordinada à esfera subjetiva dos sujeitos. Dessa forma, não é pertinente a aplicação dos critérios subjetivistas previstos no art. 223-G da CLT, cuja inconstitucionalidade é questionável, à quantificação do dano moral coletivo.
6 Conclusão
As alterações legislativas promovidas pela Reforma Trabalhista não possuem o poder de aniquilar o entendimento doutrinário e jurisprudencial consolidado acerca do dano moral coletivo nas relações de trabalho, que se encontra em consonância com o ordenamento jurídico hodierno, incluindo os princípios jurídicos, dotados de força normativa.
Assim, as modificações promovidas no texto celetista devem ser lidas em consonância com a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CR/88), com os arts. 5º, V, X e §1º, 7º e 129, caput, da CR/88, além do art. 6º, VII, “a”, da Lei Complementar 75/93, assim como com os arts. 1º e 5, II, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), no art. 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto San Jose da Costa Rica) e ainda em conjunto com todo o microssistema processual coletivo, incluindo as Lei 7.347/85, Lei 4.717/65, Lei 8.078/90, Leis de regência dos Ministérios Públicos Estaduais e Lei Orgânica do Ministério Público da União, além de diplomas especiais acerca da tutela coletiva, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 7.913/89, Lei 8.884/94 e Estatuto do Idoso.
Por conseguinte, conclui-se, a partir da interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica do texto celetista, que não é possível se aplicar os arts. 223-A, 223-B e 223-G da CLT aos danos morais coletivos nas relações de trabalho.
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Analista Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Pós Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMORMINO, Tatiana Costa de Figueiredo. Dano moral coletivo e as alterações promovidas pela reforma trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jan 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51263/dano-moral-coletivo-e-as-alteracoes-promovidas-pela-reforma-trabalhista. Acesso em: 06 nov 2024.
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