RESUMO: A Teoria do Impacto Desproporcional foi uma criação essencial para a percepção da necessidade de se garantir o princípio da igualdade efetivamente. Atos aparentemente gerais e universais, mas que impactam sobre grupos vulneráveis devem ser evitados. Nesse sentido, o autor do presente trabalho traz precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que possuem um diálogo convergente favorável à observância do Princípio da Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana.
PALAVRAS-CHAVE:Impacto Desproporcional; Igualdade; Discriminação.
ABSTRACT: The Disproportionate Impact Theory was an essential creation for the perception of the necessity to guarantee the principle of equality effectively. Apparently general and universal acts that impact on vulnerable groups should be avoided. In this sense, the author of the present work brings precedents of the Federal Supreme Court and the Inter-American Court of Human Rights, which have a convergent dialogue favorable to the observance of the Principle of Equality and the Dignity of the Human Person.
KEYWORDS:Disproportionate Impact, Equality, Discrimination
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 ORIGEM. 3 CONCEITO. 4 TEORIA APLICADA NO ORDENAMENTO INTERNO. 5 TEORIA APLICADA NO ORDENAMENTO INTERNACIONAL. 6 CONCLUSÃO. 7 REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal garante a todos os cidadãos o direito fundamental à igualdade. Esse tratamento igualitário deve ser efetivado tanto perante a lei quanto na própria lei, o que leva a doutrina a classificar o direito à igualdade em formal e material.
No entanto, práticas legislativas e administrativas levaram a doutrina a identificar uma nova forma de violação à igualdade, camuflada através de um ato aparentemente neutro.
Daí decorre a Teoria do Impacto Desproporcional, também conhecida como discriminação indireta.
2 ORIGEM
O caso Griggs v. Duke Power Co julgado pela Suprema Corte Norte Americana na década de 70 foi o primeiro julgado referente ao tema.
Willie Griggs ajuizou uma ação em favor dos empregados negros da empresa Duke Power Company. O autor questionava exigências desproporcionais que favoreciam apenas os brancos, impedindo os negros de alcançar cargos superiores.
A Suprema Corte Norte Americana, diante do impacto desproporcional sobre os negros, vedou a prática da empresa. [1]
3 CONCEITO
A teoria foi trazida pelo ex ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, que segundo o mesmo consiste em:
“toda e qualquer prática empresarial, política governamental ou semigovernamental de cunho legislativo ou administrativo, ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve ser condenada por violação do princípio da igualdade material se, em consequência de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente desproporcional sobre certas categorias de pessoas” [2]
Nesse sentido, André de Carvalho Ramos traz a conceito da teoria norte americana:
“ Por sua vez, a discriminação injusta que é combatida pode ser direta ou indireta (também chamada de invisível). A discriminação direta consiste na adoção de prática intencional e consciente que adote critério injustificável, discriminando determinado grupo e resultando em prejuízo ou desvantagem. A discriminação indireta é mais sutil: consiste na adoção de critério aparentemente neutro (e, então, justificável), mas que, na situação analisada, possui impacto negativo desproporcional em relação a determinado segmento vulnerável” [3]
O professor Daniel Sarmento ensina que:
“esta teoria pode ser utilizada para impugnar medidas públicas ou privadas aparentemente neutras do ponto de vista racial, mas cuja aplicação concreta resulte, de forma intencional ou não, em manifesto prejuízo para minorias estigmatizadas.” [4]
4 A TEORIA APLICADA NO ORDENAMENTO INTERNO
O Supremo Tribunal Federal possui precedentes reconhecendo a Teoria do Impacto Desproporcional.
Na ADIN 1.946, caso envolvendo a constitucionalidade de limites de benefícios previdenciários sobre o salário maternidade, a Corte, ainda que não expressamente, concluiu que haveria um impacto desproporcional às mulheres tendo em vista que seriam preteridas no mercado de trabalho.
Vale destacar parte do voto do ex ministro Sydney Sanches:
“ Na verdade, se se entender que a Previdência Social, doravante, responderá apenas por R$ 1200,00 (hum mil e duzentos reais) por mês, durante a licença da gestante, e que o empregador responderá, sozinho, pelo restante, ficará sobremaneira, facilitada à opção deste pelo trabalhador masculino, ao invés da mulher trabalhadora. Estará, então, propiciada a discriminação que a Constituição buscou combater, quando proibiu diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão, por motivo de sexo (art. 7º, inc. XXX da CF/88), proibição, que, em substância, é um desdobramento do princípio da igualdade de direitos, entre homens e mulheres, previsto no inciso I do art. 5º da Constituição Federal.” [5]
Já na ADPF 291, o Supremo Tribunal Federal analisou a recepção do artigo 235 do Código Penal Militar.
O plenário declarou que os termos “pederastia ou outro” e “homossexual ou não” não foram recepcionados pela Constituição Federal.
Em sua fundamentação, a Corte aplicou expressamente a teoria do impacto desproporcional.
Vejamos:
“Torna-se, assim, evidente que o dispositivo, embora em tese aplicável indistintamente a atos libidinosos homo ou heterossexuais, é, na prática, empregado de forma discriminatória, produzindo maior impacto sobre militares gays. Esta é, portanto, uma típica hipótese de discriminação indireta, relacionada à teoria do impacto desproporcional (disparate impact), originária da jurisprudência norte-americana. Tal teoria reconhece que normas pretensamente neutras podem gerar efeitos práticos sistematicamente prejudiciais a um determinado grupo, sendo manifestamente incompatíveis com o princípio da igualdade”. [6]
Recentemente, a 1ª turma do Supremo mencionou a teoria no HC 124.306 em caso envolvendo a criminalização do aborto.
Em seu voto, o Ministro Roberto Barroso concluiu que
“ Por fim, a tipificação penal produz também discriminação social, já que prejudica, de forma desproporcional, as mulheres pobres, que não tem acesso a médicos e clínicas particulares, nem podem se valer do sistema público de saúde para realizar o procedimento abortivo. Por meio da criminalização, o Estado retira da mulher a possibilidade de submissão a um procedimento médico seguro. Não raro, mulheres pobres precisam recorrer a clínicas clandestinas sem qualquer infraestrutura médica ou a procedimentos precários e primitivos, que lhes oferecem elevados riscos de lesões, mutilações e óbito. (...) De um lado, já se demonstrou amplamente que a tipificação penal do aborto produz um grau elevado de restrição a direitos fundamentais das mulheres. Em verdade, a criminalização confere uma proteção deficiente aos direitos sexuais e reprodutivos, à autonomia, à integridade psíquica e física, e à saúde da mulher, com reflexos sobre a igualdade de gênero e impacto desproporcional sobre as mulheres mais pobres.” [7]
5 A TEORIA APLICADA NO ORDENAMENTO INTERNACIONAL
A Teoria do Impacto Desproporcional também é aplicada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
No Caso Yatama x Nicarágua, o Estado da Nicarágua foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violações ao princípio da igualdade, tendo em vista a promoção de medidas legislativas eleitorais que afetaram de forma desproporcional grupos indígenas.
As alterações das leis eleitorais pelo Estado da Nicarágua, por si só, não foram ilegais.
No entanto, acabaram afetando a vida das comunidades indígenas da região da Costa Atlântica da Nicarágua.
Segundo professor Caio Paiva:
“A discriminação aos povos indígenas pode ser encarada como indireta, tendo em vista que a mudança do diploma eleitoral regulou alterações em todo o Estado da Nicarágua e para todos os candidatos, modificando as regras eleitorais. Entretanto, os efeitos causados pela norma eleitoral causaram impactos desproporcionais apenas às comunidades indígenas, que já estavam acostumadas a se candidatar por meio de Associação Popular.” [8]
6 CONCLUSÃO
Assim, a Teoria do Impacto Desproporcional demonstra a necessidade de se controlar atos do Estado, justificando-se no atual Neoconstitucionalismo, onde a valorização dos direitos fundamentais e prevalência de princípios, principalmente através do ativismo judicial, vem regulando a atuação legislativa e administrativa.
O criador ou aplicador da norma deve se atentar para os efeitos que decorrem de atos gerais e neutros a grupos vulneráveis, evitando-se que esses grupos sofram mais as consequências concretas do ato que os outros cidadãos.
A preocupação com os impactos sobre grupos vulneráveis é verificada tanto no ordenamento interno, percebida nos julgados do Supremo Tribunal Federal, como no ordenamento internacional, verificada nos julgamentos da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Há, portanto, uma convergência no diálogo das cortes que garante e promove o direito fundamental à igualdade seja em sua dimensão objetiva ou subjetiva.
7 REFERÊNCIAS:
1 (VITORELLI, Edilson. Estatuto da Igualdade Racial e Comunidades Quilombolas, 2ª Edição, p. 83).
2 (GOMES, Joaquim Barbosa. Ação Afirmativa e o princípio da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 24.)
3 (RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 479.)
4 (SARMENTO, Daniel. “De Facto”, Teoria do Impacto Desproporcional e Ação Afirmativa. Livres e iguais: estudos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2006. p. 148-149).
5 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347341
6 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10931627
7 http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC124306LRB.pdf
8 (PAIVA, Caio. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora CEI, 2017. p. 259.)
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes - Centro/RJ.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMPOS, Bernardo Mello Portella. O impacto desproporcional e o diálogo das Cortes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 fev 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51313/o-impacto-desproporcional-e-o-dialogo-das-cortes. Acesso em: 31 out 2024.
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