RESUMO: O presente artigo tece comentários ao art. 150 da Constituição Federal, mostrando as principais garantias instituídas pela Carta Magna em favor dos contribuintes.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional. Direito Tributário. Garantias Constitucionais. Art. 150 da Constituição Federal.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O artigo 150 da Constituição Federal e as garantias constitucionais-tributárias. 3. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Remete-se ao ano de 1215, ano da edição da Magna Charta Libertatum, na Inglaterra, as primeiras garantias dadas ao contribuinte, em contenção ao poder absoluto dos monarcas quando da formação dos estados nacionais. Com esse diploma, nasceu a primeira limitação constitucional ao poder de tributar, o primeiro princípio do Direito Tributário, o da legalidade, que proibia ao rei recolher dinheiro do povo sem aprovação do parlamento.
Evoluindo às sociedades modernas, como forma de limitar a atuação dos governantes, o constitucionalismo passa a prever diversos princípios na mais importante das normas jurídicas. Desta forma, as normas de organização dos Estados passaram a reconhecer as primícias básicas da tributação, constitucionalizando os elementos fundamentais da atuação fiscal. (BELTRÃO, 2009). Essas limitações do poder de tributar constituem-se garantias fundamentais do contribuinte.
Não poderia deixar de ser diferente com as Constituições brasileiras, que desde a Carta Imperial de 1824 dispõe, em seu art. 36, que os impostos serão criados por lei e que a iniciativa é da Câmara dos Deputados:
Art. 36. E’ privativa da Camara dos Deputados a Iniciativa.
I. Sobre Impostos. (BRASIL, 1824)
Partindo destas premissas, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 – CF88, estabelece o poder de tributar do Estado Brasileiro diante dos particulares que se encontram em seu território, bem como as contenções a este poder, em face dos contribuintes.
É da lição de Irapuã Beltrão:
Hoje, como assunto materialmente constitucional, a definição do poder de tributar, suas limitações e repartições entre os entes políticos estarão sempre previstos em normas do texto político e este conhecimento básico permitirá o posterior avanço do estudo. Por este simples motivo já se pode reconhecer que estudar o Direito Tributário é na verdade cuidar de uma parte da Constituição, que obviamente cuidará das medidas do Estado na arrecadação de valores. (BELTRÃO, 2009)
Insta-se frisar que a própria Carta da República identifica como garantias asseguradas ao contribuinte, em seu art. 150 as principais limitações do poder tributário do Estado:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
IV - utilizar tributo com efeito de confisco;
V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013) (BRASIL, 1988)
As garantias postas ao contribuinte, para Ives Gandra da Silva Martins, não são efetivas limitações ao poder de tributar. Referindo-se à redação anterior da CF88, o Douto Autor assevera:
Nem por isto representa nítida limitação ao poder de tributar. Nas discussões que tiveram lugar entre o anteprojeto inicial da Subcomissão de Tributos e o projeto final aprovado pelo Plenário, houve sensível prevale?ncia da voracidade fiscal, que caracteriza os poli?ticos brasileiros, incidente sobre os direitos dos contribuintes, que os sustentam.
Levados tais legisladores, talvez, pela visa?o de que poderiam ganhar, facilmente, aquilo que os contribuintes conseguem com dificuldade, sendo os poderes tributantes constitui?dos de ma?quinas inchadas, com notável vocação para o desperdício de dinheiro público retirado do setor privado, tais constituintes, entre o excelente anteprojeto aprovado pela Subcomissão e o publicado no dia 5 de outubro de 1988, ofertaram desconcertante “contribuição de pioria” para reduzir tais direitos dos contribuintes àqueles que tinham os escravos da gleba, perante os senhores feudais, na Idade Média. Isto porque são os governadores do Brasil de hoje verdadeiros senhores feudais do século XX, com marcante tendência ao arbítrio, o mais das vezes sustado pela atuação serena e superior do Poder Judicia?rio. [MARTINS, 2013, p. 44, 45]
2. O ARTIGO 150 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS-TRIBUTÁRIAS
Visto anteriormente, o artigo 150 da CF88 aplica-se a todos os entes da Federação: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Positiva este artigo, em seu primeiro inciso, o princípio da legalidade, outrora mencionado. Divide-se a doutrina entre a legalidade ser estrita ou não.
Para Roque Antônio Carrazza (CARRAZZA, 2014), não é possível se aumentar ou instituir tributo pelas demais espécies normativas previstas na CFRB, apenas por lei ordinária.
Por seu turno, Alexandre de Moraes (MORAES, 2017) traz à baila o entendimento predominante da Suprema Corte de justiça brasileira, que aceita, em vários precedentes, o tratamento tributário por intermédio das medias provisórias. Assim, no Pretório Excelso já se encontra pacificada a plena e legítima possibilidade de disciplinar matéria de natureza tributária por meio de medidas provisórias, que por previsão constitucional têm força de lei. Essa é a posição adotada majoritariamente, diga-se de passagem, pelas cortes e juízes brasileiros, embora traga menos segurança jurídica aos contribuintes.
O segundo princípio, o da isonomia tributária ou igualdade, veda o tratamento desigual de contribuintes em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
A proibição ressalvada no final do inciso se refere ao fato que alguns entes subnacionais insistem em isentar servidores públicos de sua esfera de governo de alguns tributos. Tais leis vêm sendo declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal – STF. Verificam-se os casos paradigmáticos da concessão de isenção de ICMS dos oficiais de justiça do Estado do Mato Grosso e a Lei Complementar Estadual que isentava de custas judiciais os membros do Ministério Público do Rio Grande do Norte.
Concessão de isenção à operação de aquisição de automóveis por oficiais de justiça estaduais. (...) A isonomia tributária (CF, art. 150, II) torna inválidas as distinções entre contribuintes "em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida", máxime nas hipóteses nas quais, sem qualquer base axiológica no postulado da razoabilidade, engendra-se tratamento discriminatório em benefício da categoria dos oficiais de justiça estaduais. [STF, ADI 4.276, rel. min. Luiz Fux, j. 20-8-2014, P, DJE de 18-9-2014.]
A lei complementar estadual que isenta os membros do Ministério Público do pagamento de custas judiciais, notariais, cartorárias e quaisquer taxas ou emolumentos fere o disposto no art. 150, II, da Constituição do Brasil. O Texto Constitucional consagra o princípio da igualdade de tratamento aos contribuintes. [STF, ADI 3.260, rel. min. Eros Grau, j. 29-3-2007, P, DJ de 29-6-2007.] = ADI 3.334, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 17-3-2011, P, DJE de 5-4-2011
A doutrina diverge quanto à aplicação do referido princípio em relação às pessoas jurídicas, mas ele é majoritariamente aceito.
O inciso III, em suas alíneas “a”, “b” e “c” consagra, respectivamente os princípios da irretroatividade, da anterioridade e da anterioridade nonagesimal. Todos estes princípios são relacionados com o “princípio mestre” da não surpresa do contribuinte, verdadeira garantia fundamental.
O princípio da irretroatividade informa que a lei tributária não pode alcançar fatos geradores pretéritos, que ocorreram antes da vigência da referida lei. Já o princípio da anterioridade garante que tributos não serão instituídos ou majorados no mesmo exercício financeiro em que a lei que os instituiu ou aumentou foi publicada. A anterioridade nonagesimal, na mesma toada, informa que os tributos não serão instituídos ou majorados antes de noventa dias da publicação da lei que os criou ou majorou.
A jurisprudência do STF é contraditória quando fala se a revogação de benefícios fiscais deve obedecer às regras da anterioridade e da noventena (anterioridade nonagesimal):
Promovido aumento indireto do ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas b e c do inciso III do art. 150 da Carta. Precedente – medida cautelar na ADI 2.325/DF, de minha relatoria, julgada em 23 de setembro de 2004. [STF, RE 564.225 AgR, rel. min. Marco Aurélio, j. 2-9-2014, 1ª T, DJE de 18-11-2014.]
A revisão ou revogação de benefício fiscal, por se tratar de questão vinculada à política econômica que pode ser revista pelo Estado a qualquer momento, não está adstrita à observância das regras de anterioridade tributária previstas na Constituição.
[STF, RE 617.389 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 8-5-2012, 2ª T, DJE de 22-5-2012.]
As exceções aos princípios insculpidos no art. 150, III, “a”, “b” e “c” devem ser previstas na própria Constituição Federal. Em regra elas se referem a impostos. Já decidiu a Suprema Corte que as exceções aos princípios dispostos no art. 150 da CF88 não podem ser previstas por lei. Exemplo dessa lição foi dado no julgamento da inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 3, que instituiu o IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira) e o gravou com a exceção à anterioridade (não existia a nonagesimal à época).
A EC 3, de 17-3-1993, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o IPMF, incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no § 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, b, e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5º, § 2º, art. 60, § 4º, IV, e art. 150, III, b, da Constituição). [STF, ADI 939, rel. min. Sydney Sanches, j. 15-12-1993, P, DJ de 18-3-1994.]
O quarto inciso do art. 150 dispõe sobre o princípio do não-confisco, vedando a instituição de tributos com efeito confiscatório. Primeiramente, há que se falar que não há uma definição precisa do que seja confisco e qual é o “quantum” exato que o configura. Luciano Amaro (AMARO, 2017, p. 171, 172), citando Ricardo Lobo Torres afirma que “inexistindo possibilidade pre?via de fixar os limites quantitativos para a cobranc?a na?o-confiscato?ria, a definic?a?o concreta de confisco ha? de pautar-se pela razoabilidade.”
Alguns breves comentários merecem ser tecidos. Primeiramente, o princípio é aplicável a multas. Em segundo lugar, é possível ao STF apreciar, em sede de controle concentrado de constitucionalidade se um determinado tributo é de efeito confiscatório ou não. Também, a Suprema Corte definiu que há que se analisar a cada caso os efeitos do tributo, pois o art. 150, IV carrega um preceito aberto. Assim, o Pretório Excelso atribuiu alguns limites, indicando que multas de 20% ou 30% não são confiscatórias e que multas que excedem a obrigação principal (o valor do tributo devido) podem ser confiscatórias.
Controle normativo abstrato, a possibilidade de o STF examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da CF. Hipótese que versa o exame de diploma legislativo (Lei 8.846/1994, art. 3º e seu parágrafo único) que instituiu multa fiscal de 300%. A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas. O poder público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do quantum pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. [STF, ADI 1.075 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 17-6-1998, P, DJ de 24-11-2006.] = AI 482.281 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 30-6-2009, 1ª T, DJE de 21-8-2009. Vide RE 400.927 AgR, rel. min. Teori Zavascki, j. 4-6-2013, 2ª T, DJE de 18-6-2013. Vide RE 523.471 AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 6-4-2010, 2ª T, DJE de 23-4-2010
O entendimento desta Corte é no sentido de que a abusividade da multa punitiva apenas se revela naquelas arbitradas acima do montante de 100% (cem por cento) do valor do tributo.[STF, AI 851.038 AgR, rel. min. Roberto Barroso, j. 10-2-2015, 1ª T, DJE de 12-3-2015.]
A multa punitiva é aplicada em situações nas quais se verifica o descumprimento voluntário da obrigação tributária prevista na legislação pertinente. Trata-se da sanção prevista para coibir a prática de ilícitos tributários. Nessas circunstâncias, conferindo especial relevo ao caráter pedagógico da sanção, que visa desestimular a burla à atuação da administração tributária, deve ser reconhecida a possibilidade de aplicação da multa em percentuais mais rigorosos. Nesses casos, a Corte vem adotando como limite o valor devido pela obrigação principal. [RE 602.686 AgR-segundo, rel. min. Roberto Barroso, j. 9-12-2014, 1ª T, DJE de 5-2-2015.] Vide RE 523.471 AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 6-4-2010, 2ª T, DJE de 23-4-2010
(...) a norma inscrita no art. 150, IV, da Constituição encerra uma cláusula aberta, veiculadora de conceito jurídico indeterminado, reclamando, em consequência, que os Tribunais, na ausência de "uma diretriz objetiva e genérica, aplicável a todas as circunstâncias" ( DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito constitucional tributário e due process of law. 2. ed. Forense, 1986. p. 196, item 62) – e tendo em consideração as limitações que derivam do princípio da proporcionalidade –, procedam à avaliação dos excessos eventualmente praticados pelo Estado. (...) não há uma definição constitucional de confisco em matéria tributária. Trata-se, na realidade, de um conceito aberto, a ser utilizado pelo juiz, com apoio em seu prudente critério, quando chamado a resolver os conflitos entre o poder público e os contribuintes. [STF, ARE 712.285 AgR, voto do rel. min. Celso de Mello, j. 23-4-2013, 2ª T, DJE de 28-6-2013.]
(...) O STF, em casos análogos, decidiu que a instituição de alíquotas progressivas para a contribuição previdenciária dos servidores públicos ofende o princípio da vedação de utilização de qualquer tributo com efeito confiscatório, nos termos do art. 150, IV, da Constituição da República. [AI 701.192 AgR, voto da min. Cármen Lúcia, j. 19-5-2009, 1ª T, DJE de 26-6-2009.] = AI 676.442 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 19-10-2010, 1ª T, DJE de 16-11-2010
Ainda sobre o princípio da vedação ao efeito confiscatório, trazemos a lição da doutrina majoritária, exemplificada por Ives Gandra, que assevera que a carga tributária para efeitos de confisco deve ser considerada somando-se o total de tributos incidentes sobre um único contribuinte. Colaciona-se aqui a sua lição:
Na minha especial maneira de ver o confisco, na?o posso examina?-lo a partir de cada tributo, mas da universalidade de toda a carga tributa?ria incidente sobre um u?nico contribuinte. Se a soma dos diversos tributos incidentes representa carga que impec?a o pagador de tributos de viver e se desenvolver, estar-se-a? perante carga geral confiscato?ria, raza?o pela qual todo o sistema tera? de ser revisto, mas principalmente aquele tributo que, quando criado, ultrapasse o limite da capacidade contributiva do cidada?o. (MARTINS, 2013, p. 48)
O quinto inciso se refere à vedação à criação de tributos que impeçam ou limitem o tráfego de pessoas ou bens entre os entes federativos. O preceito constitucional do art. 150, V é direcionado aos estados e municípios (e, implicitamente, ao Distrito Federal) e ressalva a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.
Muito se discutiu sobre a natureza jurídica do pedágio. Segundo parte da doutrina, por estar insculpido nos artigos que tratam do Sistema Tributário Nacional, o pedágio possuía natureza jurídica tributária, de taxa de serviço. A contrariu sensu, a outra parte da doutrina admitia que o pedágio não possuía natureza jurídica tributária, e sim de preço público. O Supremo Tribunal Federal sepultou de vez essa controvérsia em 2014, em memorável julgado do Min. Teori Zavascki:
O pedágio cobrado pela efetiva utilização de rodovias conservadas pelo poder público, cuja cobrança está autorizada pelo inciso V, parte final, do art. 150 da Constituição de 1988, não tem natureza jurídica de taxa, mas, sim, de preço público, não estando a sua instituição, consequentemente, sujeita ao princípio da legalidade estrita. [STF, ADI 800, rel. min. Teori Zavascki, j. 11-6-2014, P, DJE de 1º-7-2014.]
O último dos incisos do art. 150 da Magna Carta dispõe sobre as imunidades tributárias. As imunidades tributárias constituem limitações constitucionais ao poder de tributar do Estado que desoneram certas pessoas e situações do pagamento de tributos, buscando evitar restrições de natureza fiscal a valores relevantes reconhecidos pelo ordenamento constitucional (Abraham, 2018). A imunidade retira a competência do ente federativo para a instituição de tributo.
A fim de se distinguir as situações que desoneram o contribuinte, traz-se a doutrina de Ives Gandra:
O capítulo da imunidade não altera a concepção dominante nos tribunais, qual seja, a de que há? quatro formas desonerativas, a saber: imunidade, essencismo, não incidência e alíquota zero, além da anistia e remissão, a que se refere o § 6o, aquela apenas de multas e esta de tributo e pena. Permanece, a meu ver, a mesma inteligência pela qual na imunidade não nascem nem obrigação nem crédito tributário, por absoluta vedação constitucional; na não incidência não nascem ambos, por omissão legislativa ordinária; na isenção nasce a obrigação, mas não nasce o crédito, por vedação imposta pela lei complementar e veiculada por lei ordinária; na alíquota zero nascem ambos reduzidos a sua expressão nenhuma; na anistia nasce a obrigação que não se transforma em crédito tributário integral, e na remissão nasce obrigação, sendo excluído o crédito por inteiro.
A imunidade objetiva claramente impedir, por motivos que o constituinte considera de especial relevo, que os poderes tributantes, pressionados por seus déficits orçamentários, invadam áreas que no interesse da sociedade devam ser preservadas. (MARTINS, 2013)
Ainda assevera o Douto Autor que a Suprema Corte dispensa às imunidades interpretação extensiva e às outras formas de desoneração, interpretação restritiva, nos termos do art. 111 do Código Tributário Nacional.
As imunidades podem ser classificadas em imunidades propriamente ditas, aquelas que preservam valores fundamentais do Estado, como a forma federativa, os direitos fundamentais individuais e que são verdadeiras cláusulas pétreas e imunidades impróprias, que são meras desonerações de valor econômico, correspondendo à política econômica vigente.
Por serem cláusulas pétreas, as imunidades materiais ou propriamente ditas não podem ser suprimidas pelo constituinte derivado, mas podem ser ampliadas. Foi o que ocorreu com a Emenda Constitucional n.º 75/2013, a chamada Emenda da Música, que incluiu no art. 150, VI a alínea “e”, dando proteção aos fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
Abraham reconhece como imunidades impróprias:
(…) as desonerações constitucionais que tratam de questões de fundo econômico, como a imunidade das receitas de exportação quanto às contribuições sociais e à contribuição de intervenção no domínio econômico (art. 149, § 2º, I, CF/88), a imunidade do IPI dos produtos destinados ao exterior (art. 153, § 3º, III, CF/88) e do ICMS também sobre produtos para exportação (art. 155, § 2º, X, a, CF/88), a imunidade para operações que destine a outro Estado petróleo e derivados e energia elétrica (art. 155, § 2º, X, b, CF/88), a imunidade para a prestação de serviços de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita (art. 155, § 2º, X, d, CF/88). (ABRAHAM, 2018, p. 127)
O presente trabalho entende apenas as imunidades propriamente ditas como garantias do contribuinte, pois são verdadeiros direitos fundamentais e protegem valores constitucionais. Assim, as alíneas do art. 150, VI representam verdadeiras garantias constitucionais.
3. CONCLUSÃO
Em face de todo o exposto, conclui-se que todo o artigo 150 da Constituição Federal expressa garantias fundamentais ao contribuinte, limitando o poder de tributar do Estado e prevendo-lhe direitos. Isso não significa que apenas o art. 150 possa prever tais garantias. Existem outras imunidades que não as citadas no art. 150 da CF88, expressas e esparsas no texto constitucional. Ainda, Abraham (ABRAHAM 2018, p. 130), citando Ricardo Lobo Torres, fala das imunidades implícitas, “aquelas que, embora não expressas claramente, decorrem de uma proteção constitucional especial dada a pessoas, instituições ou coisas...”.
REFERÊNCIAS
Abraham, Marcus. Curso de direito tributário brasileiro. Ebook. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
Amaro, Luciano. Direito tributário brasileiro. 22. Ed. Sa?o Paulo: Saraiva, 2017.
Beltrão, Irapuã O Direito Tributário e sua organização constitucional, disponível em https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6603/O-Direito-Tributario-e-sua-organizacao-constitucional, acessado em 6/04/2018
BRASIL. CONSTITUIÇÃO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARÇO DE 1824). Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm, acessado em 6/04/2018
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Brasília: Senado, 1966
Carrazza, Roque Antônio de. Vige?ncia e Aplicac?a?o das Leis Tributa?rias. Martins, Ives Gandra da Silva, coordenador. Curso de direito tributa?rio. 14. ed. Sa?o Paulo: Saraiva, 2013.
Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 33 Ed. São Paulo. Atlas: 2017
Martins, Ives Gandra da Silva, coordenador. Curso de direito tributa?rio. 14. ed. Sa?o Paulo: Saraiva, 2013.
Pós Graduada em Direito Tributário e Direito Administrativo. Exerce o cargo público efetivo de Especialista em Regulação na Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel e é membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da OAB/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KUNERT, Maria Luiza de Moraes. Garantias constitucionais tributárias - uma análise do Art. 150 da Constituição Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 abr 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51566/garantias-constitucionais-tributarias-uma-analise-do-art-150-da-constituicao-federal. Acesso em: 05 nov 2024.
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