RESUMO: O fato de existir uma valoração na interpretação e na decisão judicial suscita um problema essencial: o espaço que é preenchido pela valoração está sujeito ao intérprete ou é possível ser fundamentado e justificado racionalmente? Esse problema é fundamental no que tange a legitimidade e estrutura do sistema constitucional, podendo até mesmo, a depender da resposta, entrar em choque com princípios democráticos. São esses os questionamentos que o presente artigo pretende abordar.
SUMÁRIO: 1. A Crise do Modelo Subsuntivo e a Relação Com o Direito Constitucional. 2. A Racionalidade Pós-Positivista. 3. Para o Restabelecimento Do Cognitivismo Ético. 3.1. A Justeza dos Enunciados Normativos. 3.2. A Exteriorização das Valorações e a Consciência da Pré-Compreensão. 3.3. Abertura ao Problema Vinculante. 4. A Teoria da Argumentação e o Discurso Racional. 5. Racionalidade e Estado Democrático de direito. 6. Conclusão. 7. Bibliografia.
1. A CRISE DO MODELO SUBSUNTIVO E A RELAÇÃO COM O DIREITO CONSTITUCIONAL
O fundamento jurídico-teórico utilizado por Gustavo just em sua análise tem por base elementos da chamada jurisprudência da valoração. Tendo como ponto de partida a crítica do modelo subsuntivo, a jurisprudência da valoração rejeita a ideia de decisões judiciais advindas de uma simples dedução entre fatos e normas, o que cai como uma luva quando se quer explicitar a crise desse modelo. A relação com o direito constitucional dar-se-á de maneira sutíl, tratando-se principalmente dos limites da reforma constitucional que não dizem só respeito ao direito positivo, mas constituem problemas de lógica constitucional que exigem uma saída da restrita relação subsuntiva no momento da resolução de casos normativos. Sobre a relação da jurisprudência com o direito constitucional, pode-se dizer em linhas bem definidoras desse conceito que,
“ a chamada jurisprudência de valores que, segundo Bonavides, é a mesma jurisprudência de princípios, se interpreta numa troca de influências com a jurisprudência dos problemas e domina todo o constitucionalismo contemporâneo ao conformar os fundamentos na Nova Hermenêutica no chamado pós-positivismo, no entendimento de autores como Bonavides ou Dworking, ou simplesmente positivismo atual, segundo entendem juristas tais como Alexy ou Bobbio”[1].
Como já dito acima, reitera-se que a jurisprudência da valoração rejeita a ideia de decisões judiciais baseadas fundamentalmente na subsunção e, dessa forma, afirma a necessidade da inserção de valores no processo interpretativo. Para Vasconcellos dos Reis,
“trata-se do pós-positivismo – com a superação dos jusnaturalismos e do positivismo em suas versões mais radicais – que concentra sua atenção, sobretudo, na relação entre valores, princípios e regras”[2].
Ainda, para a jurisprudência da valoração uma decisão judicial não pode ser puramente lógica, pois a dedução entre os fatos e as normas não pode ser abrangente o suficiente para que seja efetiva em todos os casos da vida humana. Eduardo Appio tem uma posição um tanto quando céptica em relação à jurisprudência da valoração, ele diz:
“uma jurisprudência assentada na aplicação de valores pode conduzir a uma indesejável ‘funcionalização das relações sociais’ ao invés de uma ‘socialização da justiça’, através de decisões judiciais motivadas exclusivamente em valores morais”[3].
· Perfil Histórico da Subsunção
Traçando-se o perfil histórico do surgimento e culminante preferência do modelo subsuntivo nas decisões judiciais, pode-se afirmar que suas bases foram lançadas com o Estado Constitucional, fruto dos ideais jusnaturalistas racionalistas. O jusnaturalismo racionalista retira o caráter axiológico da natureza, ocasionando o abandono do direito natural e o surgimento dos formalismos jurídicos. Uma parte desses formalismos consagra os direito humanos na constituição, fazendo com que o debate entre real e ideal típica dos jusnaturalismos chegasse ao fim. Concomitantemente, com o Estado Constitucional surge a exigência de segurança nas relações e também os postulados da racionalização do direito o que ocasiona um distanciamento do legislativo e o judiciário. O que de fato acontece é que, a crença na racionalidade do legislativo faz com que o juiz tenha sua atividade hermenêutica limitada, cabendo a ele o papel da tão falada “bouche de la loi”. O dogma da completude do ordenamento jurídico, que seria completo por razões “racionais”, acaba por resumir a justiça à aplicação do direito positivo como ele é, sem que haja interpretação. A abordagem ética é excluída da atividade do juiz, assim como da ciência propriamente dita. Sobre essa, é importante dizer que só havia duas maneiras de efetivar seu conhecimento: através de uma explicação causal ou de uma demonstração lógica de seus objetos estudados. De cada uma dessa formas de se “fazer ciência”, surge, no campo jurídico, uma corrente pretensamente científica: o sociologismo e o normativismo.
O sociologismo, que tem por representante maior Ehrlich, se diz científico, mas trabalha em cima de bases abstratas e dedutivas, quando a ciência, diferentemente, se baseia empírica e indutivamente. O normativismo, por outro lado, utiliza-se do método subsuntivo. É preciso fazer uma pequena ressalva sobre esse ponto. A utilização do método subsuntivo por parte do normativismo pode ser bem explicada quando comparada a Teoria Pura do Direito, de Kelsen, com a jurisprudência da valoração sobre a qual já foi falada acima. Enquanto que para a jurisprudência da valoração a interpretação jurídica só se completa com um ato de vontade por parte do decisor, para a Teoria Pura a parte cientificamente apreensível da interpretação atinge apenas até a formulação da moldura de possibilidades interpretativas, ou seja, até a parte onde acabaria a atividade subsuntiva, esgotando-se, aí, o conhecimento jurídico. O resto da decisão, ou seja, da escolha da decisão dentre as possibilidades emolduradas, é feito baseado em conceitos como os da moral. Está aí, na Teoria Pura, representado o racionalismo positivista que conduz a uma teoria da interpretação com pequeno controle e segurança jurídica. Daí o esforço contemporâneo da reabilitação da razão prática. Não é que o método de subsumir não seja de forma alguma aplicável, ao contrário, a subsunção é geralmente suficiente à aplicação de boa parte das normas jurídicas, mas não basta por sí só. Existem casos em que a sua aplicabilidade não é possível ou é insuficiente.
Voltando às bases da jurisprudência da valoração, e conhecendo o caráter insuficiente do método subsuntivo, fica explícita a necessidade da introdução, no discurso jurídico, de premissas valorativas não encontradas no texto normativo. Vários motivos podem explicar essa necessidade, dentre eles a possibilidade de existirem situações não previstas por normas válidas, a existência de conflitos normativos autênticos e pelo caráter vago da linguagem do direito. Esse último, visível nos conceitos normativos que remetem a uma esfera extrajurídica ou na possibilidade de discrepância entre a leitura da norma e a vontade da autoridade que a produziu.
Os tradicionais métodos de interpretação também estão sujeitos a uma interpretação valorativa. Eles cobrem os diversos contextos da linguagem normativa, isto é, o linguístico, o sistemático e o funcional. Se utilizados esses métodos e a obtenção dos resultados for igual, resolveu-se a interpretação via técnicas já previstas, sem a introdução de valorações adicionais. Porém, esse não é sempre o caso. Há casos em que os resultados desses métodos são divergentes, como decidir? Como eles não estão hierarquizados, é preciso fazer uma escolha de preferência de um em relação aos outros. Alexy propõe que a preferência seja dada aos argumentos que se vinculem à literalidade da lei ou à vontade do legislador[4]. Ora, essa escolha de preferência não em última instância é uma valoração do intérprete? Existe uma igual imprecisão nos critérios de solução do problema das lacunas da lei (analogia e argumento a contrário). Concluí-se, portanto, que sempre que a decisão não possa advir dedutivamente de um silogismo, os resultados vêm de uma valoração ética. Cabe aqui dizer que os problemas dos limites do poder reformador da constituição são como esses citados, não são resolvidos via silogismos, mas sim a partir de valorações éticas.
Toda essa explanação parece ser logicamente compreensível, se não, pelo menos aceitada como necessária, mas existem problemas. O fato de advir uma valoração na interpretação e na decisão judicial suscita um problema essencial: o espaço que é preenchido pela valoração está sujeito ao intérprete ou é possível ser fundamentado e justificado racionalmente? Esse problema é fundamental no que tange a legitimidade e estrutura do sistema constitucional, podendo até mesmo, a depender da resposta, entrar em choque com princípios democráticos. Alguns pensadores, como Loewenstein, consideram que o problema da interpretação e aplicação dos limites da reforma, citada no parágrafo acima, é metajurídico e, assim, é inútil pretender seu resguardo racional. Para que essa resposta possa ser respondida, ou até mesmo pensada a respeito, é necessário traçar um panorama da concepção de racionalidade que se tem atualmente.
2. A RACIONALIDADE PÓS-POSITIVISTA
A atual convicção de que os juízos de valor éticos, que qualificam condutas humanas, são insuscetíveis de fundamento racional, é concretizada pelo conceito positivista de ciência que exclui da discussão racional as questões prático-morais.
Essa posição desboca no chamado cepticismo ético, caracterizado pelo discredito no caráter racional da interpretação e aplicação do saber jurídico, visível nos casos problemáticos do direito constitucional. Uma posição interessante em relação a isso é a a de Kelsen, ele procurou preservar a cientificidade do direito tomando um caminho já citado aqui, o de limitar a ação do direito à identificação das interpretações possíveis, ou seja, à formação da moldura de decisões. Para Alexy, considerações desse tipo são um impulso para que outras formas de fundamentação racional dos juízos de valor sejam formuladas[5]. Essas novas formas de fundamentação racional são estudas pela retórica, pela hermenêutica e pela teoria do discurso racional. Todas procuram superar o paradigma positivista de racionalidade e restabelecer o cognitivismo ético.
3. PARA O RESTABELECIMENTO DO COGNITIVISMO ÉTICO
3.1. A JUSTEZA DOS ENUNCIADOS NORMATIVOS
Essencial para o restabelecimento do cognitivismo ético, a superação do conceito positivista de saber racional, citado acima, implica a relativização do conceito de verdade. Na opinião de Habermans,
“um sistema de direitos que não é formado apenas e a fortiori de ‘regras’ que incluem procedimentos de aplicação, como pretende o positivismo, não pode garantir o mesmo grau de previsibilidade de decisões judiciais, obtido em programas condicionais”[6].
Isso quer dizer que a racionalidade dos juízos de valor não é certa nem puramente verdadeira, nem pode ser, ela só poderá ser tida como válida ou inválida. Nas palavras de Alexy, “a verdade das afirmações empíricas corresponde à correção (ou justeza) das expressões normativas”[7]. Assim, não se afirma que haverá só uma solução possível, pois não haverá julgamentos de verdade, e sim de validade ou invalidade, âmbito no qual pode haver mais de um enunciado válido sobre um mesmo fato. Essa distinção, porém, não é suficiente para definir a racionalidade do saber jurídico. Outras distinções e definições deverão ser acrescentadas à essa para que se possa definir racionalmente o saber jurídico.
3.2. A EXTERIORIZAÇÃO DAS VALORAÇÕES E A CONSCIÊNCIA DA PRÉ-COMPREENSÃO
Seguindo a linha traçada por esses estudo já se tem em mente que a utilização de valorizações nas interpretações jurídicas é fundamental. Acrescenta-se, então, o fato de que reconhecer que valorações estão sendo utilizadas, como e onde estão sendo utilizadas também é de importância fundamental para que a interpretação seja de fato racional. É nesse sentido que a exteriorização das valoração é explicada. Ao se interpretar é preciso fundamentar a interpretação feita, para que não seja uma coisa arbitrária, logo, é preciso exteriorizar, ou seja, explicitar as valorações e diretrizes utilizadas pelo intérprete.
Indo-se um pouco mais além, chega-se a dizer que essa introdução de valorações no raciocínio jurídico também pretende e deve ser racional. Como? Para Esser, baseado em Gadamer, a condição para essa racionalidade é a tomada de consciência da pré-compreensão dos problemas ético-jurídicos que estão em questão na abordagem.
“O expandir da compreensão ocorre porque a pré-compreensão já presente no intérprete vai sendo sempre modificada mediante o agregar de novas informações a respeito do aludido objeto”[8],
ou seja, é a capacidade de prever o conteúdo daquilo que se pretende interpretar e, através disso compreender o problema. Logo, é mais do que importante lembrar que a pré-compreensão do problema não é de fato a compreensão, essa última utiliza-se da primeira para ser efetivada.
3.3. ABERTURA AO PROBLEMA VINCULANTE
Um último elemento deve ser citado no que diz respeito à possibilidade de uma construção racional do raciocínio jurídico: a vinculação desse ao problema para o qual a regulação jurídica procura a solução.
Segundo Esser, a formação do sistema jurídico deve se dar a partir da confrontação com os problemas inerentes à humanidade, da qual surgem afirmações éticas novas e que depois se firmam nos princípios jurídicos. Não querendo traçar um paralelo, mas já traçando, essa definição tem uma pequena semelhança com a teoria da tese, antítese e síntese de Marx, pois o que Esser estar a afirmar não é nada mais, nada menos, do que dizer que é preciso um confronto, uma ligação com o problema de fato, para que surjam novas afirmações éticas, e assim por diante em um círculo infinito (de teses e antíteses). Essa constante modificação de problemas pressupõe, porém, uma abertura do sistema jurídico, que deve estar apto a aceitar as novas ideias trazidas dos novos respectivos problemas. Essa consideração de Esser evidencia a necessidade de uma revisão das concepções dominantes acerca da positividade jurídica.
Friedrich Müller apresenta uma concepção que contém traços da de Esser vista acima. A sua concepção tem o intuito de substituir o positivismo legal, baseando-se em uma teoria estrutural e pós-positivista da norma jurídica. Esse sendo a não identificação da norma e do texto normativo. O texto só compõe o “programa normativo” e esse último, que é identificado a partir de uma interpretação do texto legal, faz um recorte na realidade social e forma, com esse recorte, o âmbito normativo. Assim, os pontos de vista matérias, ou seja, da realidade social, que correspondem aos citados “problemas” de Esser, funcionam como fatores determinantes da decisão. A teoria de Müller lida, assim, com textos e estruturas materiais, como a teoria de Esser também o faz.
Müller e Esser mostram, através dessas novas concepções, como a integração de problemas, realidade social, e sua regulação normativa formam um processo contínuo que dá forma à realidade objetiva do direito.
No que tange a constituição e os problemas dos limites do poder reformador, essas teorias só servem para enfatizar a necessidade da busca das soluções nas problematizações existentes. Hesse concorda com Müller e Esser quando diz que a racionalidade possível do direito constitucional depende de um processo de interpretação “orientado a problemas, normativamente conduzido, limitadamente tópico e consciente da pré-compreensão”, podendo, assim, oferecer resultados de fundamento racional.
4. A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO E O DISCURSO RACIONAL
A tese abordada por Just na sua análise sobre o caráter racional da interpretação e da consequente decisão jurídica está intimamente ligada à Teoria da Argumentação de Robert Alexy. Dois pontos principais dessa teoria podem ser destacados para a compreensão do problema aqui exposto:
1. A tese de que é possível, através de regras do discurso racional, controlar a racionalidade do discurso jurídico.
2. A ideia de que tal racionalidade é favorecida se for possível conceber o sistema jurídico como um sistema composto por regras, princípios e procedimentos.
O primeiro ponto refere-se explicitamente ao discurso racional, e o segundo é um elemento desse. Ambos serão discutidos mais adiante.
Antes de mais nada é preciso dizer do que se trata a Teoria da Argumentação, qual o seu ponto de partira. Pois bem, a Teoria da Argumentação de Alexy parte da premissa de que o discurso jurídico, sobre o qual trata esse trabalho, é um caso particular do discurso prático geral, pois versa sobre questões práticas que são discutidas com pretensão à justeza. Segundo José Sérgio da Silva Cristóvam, “o interesse por essa proposta doutrinária funda-se, sobretudo, no seu estatuto de teoria da justificação jurídica. A tese do discurso jurírico – argumentação jurídica – como um caso especial do discurso prático geral – discurso moral – representa um importante ponto de partida para uma teoria da fundamentação jurídica, proponto um instrumental teórico que pretende conferir racionalidade, principalmente, à resolução dos casos difíceis, a exemplo das colisões entre princípios constitucionais”[9]. Ainda, a dependência do discurso jurídico em relação ao discurso prático geral é explicitamente visto quando na aplicação de formas e regras estruturais como, por exemplo, aplicações do “princípio da universalização”. Além disso, nas próprias palavras de just, a dogmática pode ser concebida como uma institucionalização condicionada pela existência do discurso prático geral. Ainda sobre essa conexão com o discurso prático geral Alexy aforma que “todo enunciado com conteúdo normativo é um candidato à fundamentação ou revisão por meio de enunciados práticos gerais”. Enfim, fica confirmada a relação que tem o discurso jurídico com o discurso prático geral quando vista sob essas linhas de pensamento.
Depois de traçados os parâmetros gerais da Teoria da Argumentação, pode-se introduzir a Teoria do Discurso. Como o nome já diz, essa teoria formula um procedimento para a viabilização da racionalidade prática dos discursos. Para que esse procedimento seja corretamente efetivado, a Teoria do Discurso atua dentro de um campo delimitado por regras. Cita-se duas:
Para essa última regra existem duas maneiras de fundamentar o juízo prático:
a) invocando uma regra pressuposta como válida.
b) aludindo às consequências da observância do imperativo contido no juízo.
Entre essas duas maneiras de fundamentar o juízo prático existe uma semelhança: elas invocam uma norma mais geral do que a que pretendem fundamentar. Essa operação de invocar uma norma mais geral é tida como uma regra de racionalidade. É através dela que as premissas utilizadas no juízo são explicitadas, tornando, assim, o raciocínio claro, racional.
Alguns podem pressupor, depois dessa argumentação, que do discurso racional resultam interpretações e decisões únicas e corretas para cada caso. Isso não procede. Essa é a chamada fraqueza da teoria do discurso, o fato de que algumas de suas regras só são realizadas parcialmente. Mesmo assim, a Teoria do Discurso ainda se apresenta como sendo uma alternativa ao cepticismo ético atual.
O que foi dito acima, durante a explanação do ponto de partida da Teoria da Argumentação foi que o discurso jurídico derivaria do discurso prático geral. Porém, é preciso também informa as diferenças existentes entre esses dois tipos de discurso. A distinção principal é que enquanto a argumentação prática geral só pretende fundamentar os enunciados racionalmente, a argumentação jurídica pretende fundamentar enunciados normativos no contexto da ordem jurídica. Ou seja, essa última é mais específica, é assim, reduz de certa forma a fraqueza do discurso prático geral.
Um último elemento da Teoria do Discurso, especificamente do discurso jurídico racional, é a consideração do sistema jurídico como um sistema composto de procedimentos, regras e princípios. Os procedimentos podem ser expostos assim:
Discurso prático geral à criação estatal do direito à discurso jurídico à processo judicial (decisão)
Esse procedimento torna claro a relação existente entre o direito vigente e a razoabilidade da decisão do discurso jurídico. Para Esser, porém, há uma separação entre esses processos, mas para a Teoria do Discurso há uma dependência entre os dois. Tanto a razão prática é necessária para suprir as insuficiências do sistema jurídico, como este, com a vinculação à lei, à jurisprudência e à dogmática, é condição da realização efetiva da racionalidade discursiva. Essa junção do sistema jurídico com a razão prática é o início da superação da teoria jurídica positivista.
5. RACIONALIDADE E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Depois dessa extensa análise, pode-se observar a tendência pós-positivista que estabelece uma relação direta entre a racionalidade e a democracia. É preciso que haja bases democráticas sólidas para que os princípios da teoria do discurso sejam aplicados, sem democracia não é possível uma aplicação efetiva de seus pressupostos.
6. CONCLUSÃO
O que é interessante nessa exposição é que a proposta de uma nova racionalidade que ultrapasse a racionalidade positivista é tão, ou mais positivista do que a primeira. Just critica Kelsen por seu racionalismo positivista que é limitado à formação da moldura de decisões possíveis. Assim, ele sugere, ou expõe a já existente, ideia de uma nova racionalidade que supere o cepticismo ético, o qual afirma não poder haver racionalidade nos juízos de valor. Ora, o que pretende esse novo racionalismo é racionalizar os juízos de valor. É racionalizar o âmbito de juízos de valor que foi deixado de fora da cientificidade jurídica de Kelsen. Isso nao seria até mesmo mais positivista do que o autor citado? O pós-positivismo seria, então um positivismo exacerbado, e não, como o nome propõe, uma teoria que vai além do positivismo. Através da Teoria do discurso racional, pretende-se racionalizar todo o processo de interpretação e decisão de uma questão jurídica. É um retorno aos postulados da Escola de Exegese, naquela o juiz deveria ser a boca da lei e simplesmente dizer o que a lei diz. Aqui se faz o mesmo disfarçadamente, o juiz teria a possibilidade de interpretar a lei, já que essa é uma necessidade hoje em dia inegável, mas essa interpretação teria que seguir todos os postulados da teoria do discurso racional para que fosse considerada válida e racional. Ou seja, a interpretação e decisão do juiz também é guiada por regras previamente definidas cabendo ao juiz ser a boca dos princípios interpretativos sobre a lei. Essa posição é um pouco extremada, mas cumpre o papel para o qual foi formulada: fazer refletir sobre tudo o que foi exposto nesse trabalho.
7. BIBLIOGRAFIA
APPIO, E.. Discricionariedade Política do Poder Judiciário. Jurua Editora, 2006, p. 44 Judiciário. Jurua Editora, 2006.
ALEXY, R.. A Theory of Legal Argumentation. Oxford University Press, 2009.
CADEMARTORI, L. H. U.. Discricionariedade Administrativa – No Estado Constitucional de Direito. Jurua Editora, 2008.
CRISTÓVAM, J. S. S.. Colisões entre Príncipios Constitucionais – Razoabilidade, Proporcionalidade e Argumentação Jurídica. Jurua Editora, 2008.
GOMES, S. A.. Hermenêutica Constitucional – Um Contributo à Construção do Estado Democrático de Direito. Jurua Editora, 2008.
JUST, G.. Os Limites Da Reforma Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2000.
[1] CADEMARTORI, L. H. U.. Discricionariedade Administrativa – No Estado Constitucional de Direito. Jurua Editora, 2008, p. 165.
[2] REIS, V. apud APPIO, E.. Discricionariedade Política do Poder Judiciário. Jurua Editora, 2006, p. 44.
[3] APPIO, E.. Discricionariedade Política do Poder Judiciário. Jurua Editora, 2006, p. 44.
[4] ALEXY, R.. A Theory of Legal Argumentation. Oxford University Press, 2009.
[5] ALEXY, R.. A Theory of Legal Argumentation. Oxford University Press, 2009.
[6] HABERMANS apud APPIO, E.. Discricionariedade Política do Poder Judiciário. Jurua Editora, 2006, p. 43.
[7] ALEXY, R.. Teoria da Argumentacão Legal.
[8] GOMES, S. A.. Hermenêutica Constitucional – Um Contributo à Construção do Estado Democrático de Direito. Jurua Editora, 2008, p. 129.
[9] CRISTÓVAM, J. S. S.. Colisões entre Príncipios Constitucionais – Razoabilidade, Proporcionalidade e Argumentação Jurídica. Jurua Editora, 2008.
Graduada em Direito pela UFPE. Pós Graduanda em Direito Processual Tributário pela UFPE. Pós Graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAMPAIO, Sofia Ramos. Racionalidade e teoria da interpretação jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 maio 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51614/racionalidade-e-teoria-da-interpretacao-juridica. Acesso em: 23 dez 2024.
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