RESUMO: O presente artigo destaca as principais diferenças entre a fraude contra credores e a fraude à execução, espécies do gênero fraudes ao devedor, apontando algumas das formas de ocorrência e os instrumentos processuais de combate.
PALAVRAS-CHAVE: Fraude contra credores. Ação Pauliana. Fraude à execução. Ato atentatório da dignidade da justiça.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Distinções entre a Fraude contra credores e a Fraude à execução 2.1. Fraude contra credores 2.2. Fraude à execução. 3. Conclusão 4. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
O direito constitucional de ação contempla o direito a um resultado justo produzido por ator legitimado, isto é, Juiz investido de jurisdição e competência definida na Carta de Outubro. Porém, para o jurisdicionado não basta que a sentença seja prolatada, é necessário que, em caso de não cumprimento espontâneo pela parte ex adversa, seja possível o cumprimento forçado através da chamada execução.
O processo civil brasileiro sofreu profundas reformas e, desde a Lei 11.232/05, em regra, não é necessária a instauração de processos autônomos de execução quando os títulos executivos são judiciais, pois há o que chamamos de processo sincrético dividido em duas fases: uma formada pelo processo de conhecimento e outra formada pela execução propriamente dita. Tal característica foi repetida na Lei 13.105/15, que inaugurou o Novo Código de Processo Civil, vigente desde 18 de março de 2016.
No entanto, para que a execução seja bem-sucedida é necessário que o devedor haja em conformidade com os princípios infraconstitucionais da boa-fé e da lealdade processual, atuando de forma honesta sem frustrar dolosamente as legítimas expectativas do credor, já que possui responsabilidade patrimonial pelas dívidas que contrai (art. 789 do Código de Processo Civil).
Infelizmente, a natureza humana nem sempre corresponde ao modelo de conduta que dela se espera e, frequentemente, no âmbito das relações jurídicas, o credor se depara com condutas fraudulentas praticadas pelo devedor com o intuito de obstar o fim pretendido por aquele.
Neste breve trabalho, pretendemos apresentar as características e diferenças de duas dessas condutas denominadas de fraudes do devedor, quais sejam: fraude contra credores e fraude à execução.
2. Distinções entre a Fraude contra credores e a Fraude à execução
2.1. Fraude contra credores
A fraude contra credores é tratada pormenorizadamente no âmbito do Direito Civil, sendo elencada no Código Civil como um vício ou defeito do negócio jurídico (artigos 158 a 165 do CC).
Flávio Tartuce define-a da seguinte forma:
a atuação maliciosa do devedor em estado de insolvência ou na iminência de assim tornar-se, que dispõe de maneira gratuita ou onerosa o seu patrimônio, para afastar a possibilidade de responderem os seus bens por obrigações assumidas em momento anterior à transmissão.[1]
Conforme a definição, dois requisitos são necessários para a configuração do defeito: o objetivo de gerar a diminuição do patrimônio próprio e o interesse de frustrar a legítima expectativa do credor já constituído ao tempo do negócio fraudulento. Tais requisitos são chamados pela doutrina de consilium fraudis e eventus damni. O primeiro está relacionado a essa conduta do devedor de acarretar sua insolvência intencionalmente; já o segundo está relacionado ao efetivo dano que a operação provoca, impedindo o pagamento do crédito.
Destaca-se que se a cessão dos bens for gratuita ou o ato for de remissão de dívida, segundo o art. 158 do Código Civil, a mera redução do patrimônio do devedor à insolvência é suficiente à caracterização da fraude, não sendo necessário o conluio fraudulento entre cedente e cessionário ou a intenção deliberadamente de prejudicar o credor.
Cristiano Farias e Nelson Rosenvald apontam ainda as seguintes hipóteses de presunção de ânimo fraudulento:
(...) iii) na celebração de contratos onerosos do devedor com terceiros (CC, art. 159), em casos nos quais a insolvência seja notória, pública; iv) na antecipação de pagamentos (CC, art. 162); v) no pagamento de dívida ainda não vencida, por colocar alguns dos devedores em posição desfavorável , quebrando a igualdade (CC, art. 162, quando alguém que já está devendo a outrem, antecipa o pagamento de uma outra dívida ainda não vencida); vi) na outorga de direitos preferenciais a um dos credores (CC, art. 163), como a instituição de hipoteca ou penhor em favor de um dos credores[2].
O parágrafo primeiro do artigo 158 do CC também estende o direito de propor a ação anulatória ao credor que tem sua garantia tornada insuficiente após a prática da transferência de bens por parte do devedor, de forma onerosa ou gratuita, em que haja a diminuição real do patrimônio e o dolo na conduta.
O negócio jurídico praticado com esse defeito, também chamado de vício social, está suscetível à anulação através da chamada ação anulatória ou pauliana, que deverá ser proposta pelo credor prejudicado.
Embora o Código Civil mencione como conseqüência da ação pauliana a anulabilidade do ato fraudulento, restituindo as partes ao status quo ante, a doutrina contemporânea[3] sustenta que deveria ser declarada a ineficácia do ato e não sua anulação, tendo em vista que a anulabilidade conduziria o bem de volta ao patrimônio do devedor, o que não necessariamente beneficiaria o credor que propôs a ação pauliana.
Por outro lado, a declaração de ineficácia teria o condão de tornar o ato ineficaz perante o credor prejudicado, permitindo que este tenha acesso ao seu crédito diretamente no patrimônio do terceiro adquirente. No mesmo sentido, há decisão do Superior Tribunal de Justiça[4].
Repisa-se que a fraude contra credores somente poderá ser desconstituída através de ação própria, chamada de pauliana ou revocatória. Tanto é assim que o enunciado da Súmula do STJ de nº 195 proíbe expressamente que embargos de terceiro seja utilizado para invocar fraude contra credores.
O objetivo da ação é impedir o enriquecimento sem causa das partes envolvidas na fraude. Contudo, Tartuce adverte que, em face de terceiros, a ação somente poderá ser proposta e trazer os efeitos pretendidos, se comprovada a má-fé[5]. Logo, em regra, os terceiros de boa-fé estão protegidos como forma de promoção da segurança jurídica e da paz social.
O artigo 164 do Código Civil, por sua vez, resguarda os atos praticados para permitir a continuidade da atividade empresarial, preservando a função social da empresa de manter os postos de trabalho e garantir a sobrevivência do devedor e de sua família.
2.2. Fraude à execução
A fraude à execução não se confunde com a fraude contra credores. Como visto, a fraude contra credores se situa entre os institutos do Direito Civil, enquanto a fraude à execução é tratada pela disciplina de Direito Processual Civil.
O ato fraudulento se dá no curso de um processo que se encontra em fase executória. Enquanto a fraude contra credores se dá numa relação jurídica que pode vir a ser desconstituída em juízo através de ação revocatória.
No vício social, o prejuízo é exclusivamente do credor. Aqui, o Estado-Juiz está em atuação e, além dos credores, também é prejudicado pela conduta fraudulenta do executado. A fraude à execução causa dano à coletividade, sendo considerada ainda ato atentatório à dignidade da justiça, imputando ao causador do dano multa de até 20% do valor do débito atualizado da execução em favor do exeqüente. (artigo 774 do Código de Processo Civil).
Este tipo de fraude, instituto criado pelo Direito Brasileiro, está previsto no artigo 792 do CPC e é definido por Daniel Assumpção Amorim como “ato fraudulento que, além de gerar prejuízo ao credor, atenta contra o próprio Poder Judiciário, dado que tenta levar um processo já instaurado à inutilidade”.[6]
Quanto à validade do ato fraudulento, a doutrina é uníssona no sentido de que se trata de ato válido, mas ineficaz perante o credor. Este deverá apresentar uma petição simples, nos próprios autos em que se processa a execução, requerendo que o juiz declare incidentalmente a fraude.
Para preservar o contraditório e ampla defesa, Amorim defende ainda a necessidade de oitiva do terceiro adquirente antes de acolhida a alegação de fraude à execução.[7] Tal entendimento foi adotado expressamente pelo Novo Código de Processo Civil, que dispõe em seu artigo 792: “(...) § 4o Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.”
Já no que tange aos requisitos indispensáveis à caracterização da fraude, releva notar que diferentemente da fraude contra credores, não se exige que haja um conluio entre devedor e terceiro, estando configurada a fraude à execução se estiver presente o eventus damni, ou seja, a fraude será reconhecida se a alienação ou cessão do bem levar o executado à insolvência, independente de dolo do mesmo.
Por outro lado, o terceiro adquirente tem seus direitos preservados caso demonstre sua boa-fé no negócio jurídico. Neste sentido é o enunciado da Súmula do STJ de nº 375: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.
Amorim ainda alerta que a fraude pode se dar em momento anterior à fase de execução como na fase de conhecimento, tal qual previsto no inciso IV do art. 792, CPC, entretanto, o ato só será reconhecido na fase de execução, que, neste caso, terá natureza declaratória com eficácia ex tunc, retroagindo ao momento em que ocorreu a fraude[8].
Também poderá ser reconhecida nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, desde o momento da citação da parte cuja personalidade se pretenda desconsiderar.
Por fim, destaca-se que este tipo de fraude depende da ciência inequívoca do devedor de que há uma ação judicial em curso invocando a sua responsabilidade patrimonial, podendo os atos praticados antes da citação serem configurados como fraude contra credores, que somente poderá ser desconstituída por ação própria como explicado no tópico anterior.
3. Conclusão
Em apertada síntese, buscou-se trazer as principais características e distinções entre as fraudes do devedor mais comumente encontradas nas relações jurídicas.
É importante conhecê-las e saber a forma de combatê-las judicialmente para que o credor utilize a medida adequada a fim de resguardar o seu direito de crédito.
Como exposto, a fraude contra credores requer a propositura de ação própria com o fim de declarar a ineficácia do ato fraudulento e permitir que o crédito do demandante seja preservado. Já a fraude à execução pode ser alegada em simples petição a partir do conhecimento por parte do credor de que o devedor praticou esse ato atentatório da dignidade da justiça, que deve exigir o pagamento da multa, que reverte em seu proveito.
Não apenas o credor deve estar atento e exigir uma conduta proba do devedor, o Poder Judiciário também deve punir com rigor essas práticas, aplicando multas e encaminhando peças dos processos em que sejam declarados os atos fraudulentos ao Ministério Público para a apuração de responsabilidade na seara penal, com o fito de impedir que os devedores reiterem suas condutas dolosas e abalem as relações sociais e o desejo de estabilidade social que se visa obter em um Estado Democrático de Direito.
4. Referências Bibliográficas
FARIAS, Cristiano Chaves de Curso de direito civil: parte geral e LINDB/ Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald – 14. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 5. ed. ver. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4. ed. ver. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
[1] Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4. ed. ver. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 250
[2] Farias, Cristiano Chaves de Curso de direito civil: parte geral e LINDB/ Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald – 14. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 653.
[3] Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4. ed. ver. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 251; Farias, Cristiano Chaves de Curso de direito civil: parte geral e LINDB/ Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald – 14. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 654.
[4] Superior Tribunal de Justiça, REsp 971.884-PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 22/3/2011
[5] Idem, p. 253
[6] Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 5. ed. ver. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. p. 887.
[7] Idem. p 888.
[8] Ibidem. P. 889.
Graduada em Direito pela UFRJ. Especialista em Direito Processual Civil pela UCAM-RJ. Servidora pública federal.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRISCILA FERNANDES DA SILVA PAçO, . Aspectos fundamentais acerca das distinções entre a fraude contra credores e a fraude à execução Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 maio 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51639/aspectos-fundamentais-acerca-das-distincoes-entre-a-fraude-contra-credores-e-a-fraude-a-execucao. Acesso em: 02 nov 2024.
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