Resumo: A reforma trabalhista regulamentou expressamente o regime do teletrabalho. Este artigo visa apresentar os principais aspectos do teletrabalho a partir do advento da Lei 13.467/2017, que modificou a CLT.
Palavras-Chave: Teletrabalho. Reforma trabalhista – Lei 13.467/2017.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Formalidades. 4. Despesas. 5. Prevenção a Doenças e Acidentes do Trabalho. 6. Jornada de Trabalho. 7. Considerações Finais. 8. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A revolução tecnológica alterou a estrutura econômica mundial bem como as relações sociais de trabalho. Atualmente, com o advento da internet e com desenvolvimento tecnológico, novas formas de trabalho foram possibilitadas ou incrementadas, permitindo a execução mais eficiente de diversas tarefas, diminuindo ou cessando a influência da distância física.
Dentre essas formas de trabalho destaca-se o teletrabalho, que consiste basicamente no trabalho realizado fora do estabelecimento do empregador, na realização de tarefas que permitam tal possibilidade. Traz benefícios tanto ao empregador quanto ao empregado, como diminuição de custos operacionais e do gasto de tempo com deslocamentos.
Neste sentido, segundo Alice Monteiro de Barros:
“ (...) essa nova forma de trabalhar poderá ser também transregional, transnacional e transcontinental. Esse tipo de trabalho permite até mesmo a atividade em movimento. Ele é executado por pessoas com média ou alta qualificação, as quais se utilizam da informática ou da telecomunicação no exercício das atividades”. (1)
Destaca-se que muitas vezes esse regime de trabalho é tratado como sinônimo de “home office”, entretanto salienta-se que não necessariamente será realizado na residência do empregado. O teletrabalho pode ocorrer também, por exemplo, em escritório particular do empregado ou em qualquer outro local adequado.
O teletrabalho já era uma realidade no Brasil. Mesmo antes da reforma trabalhista, a lei dispunha que não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego (art 6º da CLT) e que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio (art 6º, §ú , da CLT).
Com o advento da Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017 (reforma trabalhista) a CLT foi profundamente alterada. Destaca-se a regulamentação do teletrabalho, por meio da criação do Capítulo II-A, com nítida inspiração no Código do Trabalho Português.
Dessa forma, a reforma trabalhista disciplinou expressamente o regime do teletrabalho no texto da própria CLT. Entretanto, é imperioso citar que parcela da doutrina afirma que o legislador foi omisso em alguns pontos.
2. CONCEITO
O art 75-B da CLT expõe o conceito de teletrabalho: considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. Trata-se, portanto, de conceito legal.
Para ilustrar, cabe transcrever o conceito do Código do Trabalho Português:
“Artigo 165.º Noção de teletrabalho
Considera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação”.
Ressalta-se que “prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador” pressupõe que mais de 50% do serviço seja realizado em outro local. A simples interpretação literal deste trecho do dispositivo implica em tal raciocínio, eis que para ser preponderante deve ter maior peso proporcional.
Assim, descaracteriza-se o teletrabalho quando a prestação de serviços ocorrer majoritariamente nas próprias dependências do empregador. Entretanto, não alcançado tal patamar, o fato de alguns serviços serem lá realizados, por si só, não descaracteriza o teletrabalho. Nos termos da lei, o comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho (art 75-B, §ú da CLT).
Ademais, destaca-se que o teletrabalhador, conforme o conceito do art 75-B da CLT, não se confunde com o trabalhador externo. O teletrabalhador possui local de trabalho fixo na sua residência ou em locais específicos para esta finalidade, fora do seio da empresa, ao contrário do trabalhador externo, que majoritariamente labora na rua, sem se fixar.
3. FORMALIDADES
A lei exige que a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho conste expressamente no contrato individual de trabalho, que especificará também as atividades que serão realizadas pelo empregado (art 75-C da CLT). Trata-se, assim, de requisito legal de validade.
Ademais, poderá ocorrer a alteração entre o regime presencial e o de teletrabalho e vice-versa. Do regime presencial para o teletrabalho deve haver mútuo acordo entre empregado e empregador, registrado em aditivo contratual (art 75-C, §1º da CLT).
Já a alteração do regime de teletrabalho para o presencial pode decorrer da vontade unilateral do empregador (poder diretivo do empregador), com correspondente registro em aditivo contratual, garantido o prazo de transição mínimo de 15 dias (art 75-C, §2º da CLT).
4. DESPESAS
As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada a prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito (art 75-D da CLT). Sendo que tais utilidades não integram a remuneração do empregado (art 75-D, §ú, da CLT).
Assim, a responsabilidade pelos gastos com as ferramentas de trabalho e a própria infra estrutura pode ser negociada entre o empregado e empregador, não tendo natureza salarial. Ressalta-se, todavia, que é o empregador quem assume os riscos do negócio e estes não podem ser transferidos ao empregado, com fulcro no Princípio da Alteridade.
Desta forma, a empresa não pode simplesmente transferir os custos do negócio para o empregado, devendo reembolsar as despesas extraordinárias. Contudo, as despesas normais do empregado, ou seja, as que este teria independentemente do trabalho, não são de responsabilidade do empregador.
Ademais, o empregado também faz jus ao reembolso pelo desgaste além do natural dos equipamentos que utiliza para o trabalho. Porém, o mero desgaste natural não gera responsabilidade ao empregador.
Nesta seara, destaca-se que o Código do Trabalho Português, em seu artigo 168, quanto aos instrumentos de trabalho em prestação subordinada de teletrabalho, estipula que:
“(...) 1 - Na falta de estipulação no contrato, presume-se que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar as respectivas instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas. 2 - O trabalhador deve observar as regras de utilização e funcionamento dos instrumentos de trabalho que lhe forem disponibilizados. 3 - Salvo acordo em contrário, o trabalhador não pode dar aos instrumentos de trabalho disponibilizados pelo empregador uso diverso do inerente ao cumprimento da sua prestação de trabalho”.
5. PREVENÇÃO A DOENÇAS E ACIDENTES DO TRABALHO
É direito do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art 7º, XXII da CRFB/88). Destaca-se que diversas normas internacionais versam sobre o tema, por exemplo: as Convenções 45, 115, 119, 120, 127, 136, 139, 148, 155, 161, 162, 167, 170, 174, 176 da OIT, entre outras normas.
Além disto, a própria CLT, nos artigos 155 e seguintes, impõe às empresas o dever de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho. Nesse sentido, dispõe também que o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a serem tomadas, a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho (art 75-E da CLT).
Desse modo, a dicção do art 75-E serve apenas para dar relevo à imprescindibilidade da proteção à saúde do trabalhador submetido ao regime do teletrabalho. Esse artigo não traz excludente de responsabilidade, eis que além de instruir o empregado, deverá o empregador garantir a segurança do meio ambiente do trabalho ainda que fora de seu estabelecimento.
Da mesma forma, a disposição do §ú deste artigo impõe ao trabalhador a assinatura de termo de responsabilidade obrigando-se a seguir as instruções do empregador, mas independentemente deste o empregado deve obediência a tais instruções. Ressalta-se que a simples assinatura do termo pelo empregado não significa que as normas foram respeitadas pelo empregador. Ou seja, este termo de responsabilidade não exclui a responsabilidade do empregador caso seja demonstrada sua culpa.
Por outro lado, a inexistência do termo já denota que o empregador não cumpriu seu dever de instruir adequadamente o empregado e de garantir a salubridade do meio ambiente do trabalho. Assim, o empregador deve fiscalizar o ambiente de trabalho para observar o cumprimento das normas de saúde, higiene e segurança do trabalho.
Cabe salientar que a reforma foi omissa no aspecto da fiscalização, mas isso não significa que esta não deva ocorrer, já que caso não a realize devidamente, o empregador será responsabilizado por eventual doença ou acidente do trabalho. Para ilustrar destaca-se que o Código de Trabalho Português determina a realização de visitas, respeitando a privacidade do empregado submetido ao teletrabalho - art 170, 2, do Código do Trabalho Português, in verbis:
“ Sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao local de trabalho só deve ter por objeto o controlo da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho e apenas pode ser efetuada entre as 9 e as 19 horas, com a assistência do trabalhador ou de pessoa por ele designada”.
Neste contexto, destaca-se também que as empresas com fulcro nos “Princípios de Ruggie” da ONU devem inexoravelmente observar as normas aplicáveis. Cabe transcrever o Princípio nº 11:
“As empresas devem respeitar os direitos humanos. Isso significa que devem se abster de infringir os direitos humanos de terceiros e enfrentar os impactos negativos sobre os direitos humanos nos quais tenham algum envolvimento”.
6. JORNADA DE TRABALHO
A jornada de trabalho é o período no qual o empregado coloca sua força de trabalho à disposição do empregador. Neste sentido leciona o Ministro Mauricio Godinho Delgado:
“Jornada de trabalho é o lapso temporal diário em que o empregado se coloca à disposição do empregador em virtude do respectivo contrato. É, desse modo, a medida principal do tempo de diário de disponibilidade do obreiro em face de seu empregador como resultado do cumprimento do contrato que os vincula”. (2)
Desse modo, é correto afirmar que a jornada do trabalhador submetida ao regime do teletrabalho é o lapso temporal diário no qual realiza suas tarefas. No entanto, este foi expressamente excluído do regime previsto pelo capítulo da CLT que versa sobre a duração do trabalho (art 62, III, da CLT).
Ressalta-se, em síntese, a existência de corrente doutrinária que defende a inconstitucionalidade do art 62 da CLT, ao excluir da proteção legal os trabalhadores neste mencionados. Esta afirma que tal exclusão viola a limitação do art 7º, XIII, da CRFB/88 e a própria dignidade humana (art 1º, III, da CRFB/88 e CADH), eis que afeta a saúde, o direito à desconexão, o direito ao lazer e o convívio social do trabalhador.
Entretanto, a jurisprudência, majoritariamente não acolhia esta posição e a inclusão do inciso III ao art 62 da CLT não deve alterar este quadro. Ademais, cabe citar que antes da reforma, o teletrabalhador era enquadrado no inciso I do art 62 da CLT.
De toda forma, o trabalhador submetido ao teletrabalho sofre igualmente a quem labora no seio do estabelecimento com estresse, depressão, lesões por esforço repetitivo – LER, pressão alta, entre outros, podendo chegar até a chamada “síndrome do burnout” em razão do esgotamento causado pelo excesso de trabalho.
Nesse contexto, salienta-se que várias ferramentas possibilitam o controle da jornada. Aparelhos e instrumentos eletrônicos podem indicar os períodos em que o trabalhador labora, mesmo que o trabalho se dê na sua própria residência.
Além disto, teletrabalhor é, em geral, submetido a controle objetivo de produção. Desta forma, o controle pode se dar por meio de metas razoáveis de trabalho, de acordo com a média conhecida pelo empregador, que não pode alegar desconhecimento do excesso de jornada se impunha resultados incompatíveis com a jornada máxima de 8 horas diárias e 44 horas semanais (art 7º, XII, da CRFB/88).
Portanto, defende-se que ainda que excluído do capítulo da duração da jornada de trabalho, o trabalhador sob o regime do teletrabalho deve observar os limites de jornada previstos na CRFB/88. Assim, caso comprovado pelo trabalhador o excesso de jornada, este fará jus a horas extras e até mesmo à compensação por danos morais.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destaca-se novamente que a reforma se inspirou no Código do Trabalho Português. Outrossim, parcela da doutrina defende que o legislador pecou ao deixar de aproveitar a oportunidade e regular determinados aspectos inerentes ao tema previstos naquele Código.
Nem todas as proteções ao trabalhador lá previstas foram incorporadas. Vale citar a obrigatoriedade do empregador de acolher o pedido do empregado com filho menor de 3 anos de laborar no regime do teletrabalho, ou seja, trata-se de um direito deste quando compatível com a atividade desempenhada e a entidade patronal disponha de recursos e meios para o efeito – art 166, 2, 3 e 4, do Código do Trabalho Português, in verbis:
“(...) 2 - Verificadas as condições previstas no n.º 1 do artigo 195.º, o trabalhador tem direito a passar a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada.
3 — Além das situações referidas no número anterior, o trabalhador com filho com idade até 3 anos tem direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada e a entidade patronal disponha de recursos e meios para o efeito.
4 — O empregador não pode opor-se ao pedido do trabalhador nos termos dos números anteriores (...)”.
Poderia também ter versado expressamente sobre a privacidade do trabalhador em regime de teletrabalho e contraposição ao controle da atividade laboral. Nesta seara o Código do Trabalho Português dispõe que:
“Artigo 170.º Privacidade de trabalhador em regime de teletrabalho
1 - O empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico.
2 - Sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao local de trabalho só deve ter por objeto o controlo da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho e apenas pode ser efetuada entre as 9 e as 19 horas, com a assistência do trabalhador ou de pessoa por ele designada.
3 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.”
Além disto, outra crítica de parcela da doutrina é que nem todas as disposições podem ser consideradas como avanços à proteção do trabalhador. De acordo com tal posicionamento algumas mudanças têm o escopo apenas de desonerar o empregador, como, por exemplo, a inclusão do inciso III no art 62 da CLT e a idéia de reembolso das despesas conforme a forma prevista no contrato de trabalho ao invés de ser fixado pela própria lei.
Conclui-se ressaltando que apesar de tais críticas e independentemente de eventuais discussões acerca da constitucionalidade formal e, em alguns pontos, material da lei 13.467/2017, é indubitável que a regulamentação expressa do teletrabalho é um avanço. Como dito, este já era uma realidade no Brasil e esta regulamentação trouxe maior segurança jurídica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2009. p 327
(2) DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 830
Graduado em Direito pela PUC-RJ. Especialista em Direito Público pela UCP-RJ. Servidor público federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, José Felippe Rangel da. O teletrabalho e o advento da reforma trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51657/o-teletrabalho-e-o-advento-da-reforma-trabalhista. Acesso em: 02 nov 2024.
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