RODRIGO SONCINI DE OLIVEIRA GUENA
(Orientador)
RESUMO: O referido artigo tem como finalidade apresentar os litígios ocorridos no judiciário relacionado a recusa da transfusão sanguínea, mostrando decisões jurisprudenciais, princípios e direitos fundamentais debatidos por cada lado, uma vez que perante o ordenamento jurídico tanto o medico como paciente possuem defesa para a demanda, e, portanto, se faz necessário reconhecer os limites de cada um. É crucial expor também os meios alternativos ao procedimento, de forma que esses tornaram-se eficazes em determinados casos trazendo soluções para a situação, além de identificar e analisar decisões de tribunais internacionais e o que se prevalece em cada região.
Palavras-chave: Recusa, Transfusão, princípios, Jurisprudências
ABSTRACT: The referred article has a purpose to present the litigations occurred in the judiciary related to the denial of blood transfusion, showing jurisprudence decisions, principles and fundamental rights debated by each side, once, under the legal system, both the doctor and the patient have defense for the demand, therefore, it is necessary to acknowledge each individual’s limits. It is also crucial to also expose, the alternative methods of procedure, so that these have become effective in determined cases, bringing information to the situation in addition to identifying and analyzing international court decisions, and what prevails in every region.
Keywords: Refusal, Transfusion, Principles, Jurisprudence
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. CONSTITUIÇÃO FEDERAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. 2. TESTEMUNHAS DE JEOVA – RECUSA DA TRANSFUSÃO SANGUINEA. 2.1 RECUSA POR INCAPAZES. 3. CASOS UTILIZANDO TRATAMENTO ALTERNATIVO A TRANSFUSÃO. 4. ESTATUTO DA ORDEM DOS MEDICOS. 5. DECISÕES JURISPRUDENCIAIS BRASILEIRAS. 6. DIREITO COMPARADO. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ANEXO.
O maior problema dos hospitais brasileiros no que tange ao interesse de determinados pacientes e médicos em geral tem sido abordado com maior frequência no judiciário, uma vez que ao se colocarem em determinadas situações que ambos são protegidos por lei, criando conflitos entre si, se faz necessário buscar amparo legal para que o seu direito fundamental seja preservado de acordo com a lei.
Quando se trata de uma transfusão sanguínea em pacientes cuja a religião não permite o ato deve ser analisado o lado de cada parte se de fato é urgente, deverá prevalecer sempre os riscos que corre entre outros inúmeros requisitos que ao realizar a transfusão, é crucial averiguar com cautela para que o direito de cada parte, não seja prejudicado.
Segundo a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5° caput, , e nos incisos VI,VII,VIII (Brasil,1988), aduz que são assegurados por lei o direito a vida bem como o direito a liberdade de crença e religião, dessa forma, de acordo com o constitucionalismo e a hierarquia das leis, o mesmo deve abordar e apontar a soberania das leis de forma tal, que o ordenamento jurídico impõe que todas as demais normas deverá sempre estar em conformidade com a Constituição Federal uma vez que, essa, é a lei máxima do País e visa fixar o lugar da instancia jurídica como forma de estabilizar e assegurar o poder do Estado.
Ocorre que, existem diversas situações no qual os tribunais são colocados a decidir a importância do direito de determinada pessoa ou o direito da outra, tendo em vista, que pela Constituição Federal são assegurados diversos direitos e garantias fundamentais, podendo então criarem conflitos entre si.
Ainda na Constituição Federal em seu artigo 19, I (Brasil,1988), nos aponta claramente que estamos diante de um estado laico, ou seja, não é imposto apenas uma religião para ser seguida de forma tal, que todos são livres para escolher e seguir a religião e crença que bem entender, e ainda, estar amparado pela lei de modo que o Estado tem o dever de proteger e assegurar de forma ampla os cultos e reuniões religiosos, isto é, ser livre para seguir qualquer denominação e estar protegido pela lei para que isso ocorra.
Além do mais, deve ser requisitado também o direito a vida no qual para a lei máxima, é considerado como um direito superior aos demais direitos e garantias fundamentais, pois sem a vida não há a possibilidade de conter as outras demais garantias ou seja, exemplificando, se não tivermos a vida não há a oportunidade de termos a liberdade de expressão pois os direitos são cessados com o termino da vida, porém nessa determinada situação deve-se reavaliar cada circunstancia de forma única não se deve simplesmente analisar todas em conformidade, pois de certa forma cada caso tem a sua peculiaridade e sendo assim, existe a possibilidade de outra garantia fundamental, prevalecer sob o direito à vida.
1. CONSTITUIÇÃO FEDERAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
A Constituição Federal conhecida como constituição cidadã, foi concebida na redemocratização, iniciada com o termino da ditadura militar, esta, aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte em 22 de setembro de 1988 e promulgada em 05 de outubro de 1988 é considerada a lei suprema da Republica Brasileira, servindo de parâmetro normativo, para todas as demais espécies normativas brasileiras.
No que tange ao conteúdo da norma visa apontar princípios, direitos, garantias fundamentais, organização dos Estados, entre outros inúmeros artigos e informações, no qual seu objetivo é regular, assegurar a organização e humanização do país.
Quando se refere aos direitos e garantias fundamentais são apontados dispositivos que sistematizam as noções básicas e centrais que regulam a vida social, política e jurídica de um cidadão. E portanto, quando se trata da matéria dedicada a esses direitos é importante salientar, que são apontados e enfatizados a igualdade perante lei como diretriz fundamental de toda a constituição.
Por conta dessa igualdade que a lei nos proporciona, é elencado nos artigos 5º ao 17° da Constituição Federal (Brasil,1988) as principais inúmeras formas de garantias e direitos fundamentais, dentre elas está imposto com maior relevância o direito a vida, liberdade, igualdade, segurança, propriedade, educação, saúde entre outros.
Além desses considerados como gerais e principais deve ser apontado a liberdade de expressão, de consciência, de crença juntamente com outros que são assegurados por lei tornando assim um Estado laico, isso é, a livre escolha de credo sem qualquer manifestação contraria regimental a sua liberdade de expressão, se originando do Estado democrático de Direito sem a mediação do próprio regime político no que tange a essas liberdades.
Mesmo que haja um Estado democrático se fez necessário a garantia de liberdade de consciência e expressão, pois desta forma fica assegurado ao indivíduo a não imposição Estatal nos valores morais e éticos de maneira compulsória, garantindo que cada cidadão possa acreditar em tudo aquilo que considerar certo, sem a interferência estatal.
Segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal o direito à vida começa desde o nascituro, ou seja, a partir do momento da concepção aquele nascituro já possui direito e já está protegido pela lei, na eminencia que se alguém violar esse direito que ele possui estará cometendo, por exemplo, crime sujeito consequências.
A liberdade de expressão, de crença e o direito à vida digna, possuem conceitos amplos ao ponto que a cada pensamento humano seja unicamente exclusivo de cada cidadão, e ao mesmo momento esses possam serem usados de acordo com a autonomia de vontade peculiar de cada um, bem como também, a letra da lei impõe que é livre e perfeitamente licita, no qual, a Constituição Federal abrange que o Estado tem o dever de garantir que tais direitos não sejam violados de forma que se forem deverá ressarcir o dano causado.
Ocorre que, pelo fato desses direitos e garantias fundamentais estarem previstos na mesma norma suprema existe a possibilidade de duas garantias ou dois direitos intimamente ligados ao princípio da dignidade humana, se confrontarem por determinado ato da vida social, que são os casos em que pessoas cuja a religião, no qual é assegurado por lei, não permite determinado procedimento médico , que por sua vez como consequência pode prejudicar outro direito fundamental que é a vida, e ainda acarretar problemas para o outro lado ou seja, para o próprio medico que vê a necessidade e urgência do procedimento.
Vale ressaltar, que nenhum princípio tem primazia sobre os demais. Ocorre, todavia, que dado princípio deverá ser aplicado ao caso concreto em determinadas circunstâncias por ser mais viável do que o outro, sem invalidar o que não foi aplicado, ou seja, restringir determinado direito ao ponto que não exclua o outro, uma vez que, os princípios e garantias fundamentais são considerados pela constituição cláusulas pétreas de forma que não podem ser abolidas, porém, é permitido serem restringidas de acordo com a situação fática da vida, ou melhor, que outra possa ter um valor maior que esse, e vice-versa.
2. TESTEMUNHAS DE JEOVA – RECUSA DA TRANSFUSÃO SANGUINEA
Dentre todas as religiões adeptas aos brasileiros no País, podemos dizer que cada uma possui suas normas internas ou doutrinas que os fiéis que as seguem devem respeitar. As testemunhas de Jeová é uma comunidade religiosa que começou suas atividades em 1970 nos Estados Unidos, no qual buscava transmitir o conhecimento bíblico real para qualquer um que quisesse recebe-lo e aceita-lo. São conhecidos mundialmente pela sua obra de evangelização realizada voluntariamente de casa em casa, e também nas ruas.
Esses fieis seguem uma doutrina própria com um apego a fortes valores, baseada nos conselhos e atributos que a própria bíblia impõe, de forma que, eles creem em determinados pontos doutrinários que ao ser quebrado estariam pecando contra a presença de Deus.
Entre esses pontos destaca-se a neutralidade política, a moralidade sexual, a recusa da transfusão sanguínea entre outras, no qual, perante a lei são totalmente livres para pensar e crer no que eles acharem justo.
Essa linha de raciocínio da recusa da transfusão sanguínea, está imposta em várias partes da bíblia como:
“[...] Tudo que se move, que é vivente, será para vosso mantimento, tudo vos tenho dado como a erva verde. A carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis. [...] (Gênesis 9.3-4)
[...] E nenhum sangue comereis em qualquer das vossas habitações, quer de aves quer de gado. Toda a pessoa que comer algum sangue, aquela pessoa será extirpada dos seus povos. [...] E, qualquer homem da casa de Israel, ou dos estrangeiros que peregrinam entre eles, que comer algum sangue, contra aquela alma que comer sangue, eu porei a minha face, e a extirparei do seu povo; Porque a Alma da carne está no sangue, pelo que vê-lo tenho dado sobre o altar, para fazer extirpação pelas vossas almas: porquanto é o sangue que fará extirpação pela alma.[...]( Levítico 7.26; 17.10-11)
[...]Pelo que julgo que não se deve perturbar aqueles, dentre os gentios, que se convertem a Deus; Mas escrever-lhes que se abstém das contaminações dos ídolos, da prostituição, do que é sufocado, e do sangue. [...] (Atos 15.19-20).” (A Bíblia, 2003).
De forma tal, que ao analisar cada citação em individual, pode-se entender que ao se ingerir o sangue estaria ingerindo também a vida e a alma daquele determinado ser bem como, todos as demais peculiaridades que a aquele ser possui, uma vez que a vida e a alma é a parte principal de cada ser movente e dessa forma, ao ingerir estaria sendo removido ou excluído do povo de Deus assinando a condenação própria .
Verifica-se que ao explorar as menções bíblicas é especificado que o sangue não pode ser digerido por via oral, ou seja, não se pode comer o sangue daquele ser movente e sendo assim, ao ser transferido o sangue em si não caracteriza e se adequa as referências, porém para esses fieis, por analogia, estaria também ingerindo o sangue e aplicando as regras bíblicas sob as transfusões.
Quando se trata de um paciente capaz no qual consegue expressar sua vontade a lide se torna mais acessível, uma vez que o médico se tratando de risco efetuará o procedimento e se necessário poderá recorrer à justiça.
Porém existe casos em que os pacientes são incapazes, no qual perante o Código Civil (CC,2002), expõe duas modalidades de incapacidade ou seja, o absolutamente incapaz é o caso do menor de 16 anos representado pelos seus pais ou responsáveis, ou ainda os relativamente incapazes correspondente aos maiores de 16 anos e menores de 18 dentre outros casos que compõe esse quesito, onde esses são assistidos pelos pais ou responsáveis.
E nessa linha de raciocínio, quando os pais ou responsáveis forem adeptos a tal crença consequentemente atribuíram as normativas regradas pela religião aos filhos ou aqueles cujo perante a lei, são responsáveis.
É importante frisar que quando o paciente for incapaz, entende-se que havendo o risco eminente de morte, o médico tem o dever legal de realizar todo e qualquer procedimento necessário para salvar a vida do mesmo.
Apesar do respeito à liberdade de crença dos pais ou responsáveis pelo menor, tal obrigação possui amparo legal no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1990, no qual resguarda a criança e ao adolescente o direito a proteção à vida e a saúde. Ainda, impõe a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, Decreto nº 99.710/1990, que toda criança tem direito inerente à vida, devendo ser garantido ao máximo sua sobrevivência e desenvolvimento.
Esta explicito ainda no Código de Ética Medica precisamente em seu artigo 22: “É vedado ao médico, deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarece-los sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco eminente de morte.” (CFM, 2010, grifo nosso)
Como se pode verificar se o paciente estiver em risco eminente de morte independe a vontade do paciente, seja ele capaz ou incapaz, e dessa forma atribui ao médico o dever de agir para salvar a vida daquele paciente e assegurar os direitos e proteção que a lei lhe concede.
Recentemente na cidade de São José do Rio Preto - SP um recém-nascido ao retornar no hospital para realizar o teste do pezinho, os médicos constataram que o bebe estava desidratado e hipoativo com sonolência fora do normal e falta de movimentação. O que levou sua internação a UTI do hospital imediatamente, com o quadro de distúrbios de coagulação, sangramento digestivo e anemia.
Os pais por serem adeptos a tal religião proibiu o procedimento de transfusão, imediatamente a equipe medica entrou com uma ação conseguindo a autorização judicial para realizar o procedimento devido à gravidade da situação do bebê, e por experiência saberem que a transfusão seria o meio mais hábil para reverter o quadro clinico, e indispensável para preservação da vida do recém-nascido, conforme anexo (a), P.20.
Mas não é sempre assim que ocorre como o caso da menina de 13 anos chamada Juliana, a mesma possuía uma doença genética caracterizada como anemia falciforme, e diante de uma crise da doença chegando ao hospital São José em São Paulo, os pais por serem fieis a essa denominação também não permitiram o procedimento médico, e consequentemente a paciente veio a óbito deixando assim, a responsabilidade nas mãos do médico.
3. CASOS UTILIZANDO TRATAMENTO ALTERNATIVO A TRANSFUSÃO
Existem diversas formas e meios de não se utilizar a efetiva transfusão sanguínea de forma que é utilizado pelos médicos macetes e técnicas durante o tratamento ou a cirurgia que torna a transfusão inútil ao caso, isto é, utilizar medicamentos, equipamentos específicos, entre outras estratégias, que podem reduzir a quantidade de sague perdido, naquele determinado caso.
No ano de 2009, foi realizado o primeiro retransplante cardíaco sem a utilização de transfusão de sangue do Mundo, no qual por razões de urgência uma garotinha de 6 anos de idade precisou realizar um Retransplante Cardíaco, isto é, ela já havia feito um transplante anteriormente porém seu corpo não aceitou o tratamento medicamentoso agravando seu estado de saúde, se fazendo necessário realizar um novo transplante cardíaco. Ocorre que por motivos religiosos os pais da criança solicitaram a equipe medica de São Paulo, que aplicasse ao caso o protocolo de gerenciamento e conservação do sangue para cirurgias cardíacas graves e complexas, criada pela equipe especialmente em cirurgias feitas em Adultos, isto é, sem a injunção de transfusão sanguínea.
Após a autorização da aplicação do suposto protocolo foi feito um planejamento multidisciplinar entre os profissionais da saúde, que utilizou técnicas e estratégias com a utilização de medicamentos e vitaminas para que os níveis de sangue da paciente não descaíssem facilmente, e que pudesse ser feito o procedimento cirúrgico com facilidade e sem a devida utilização de sangue homólogo. A cirurgia foi realizada com sucesso e sem nenhum tipo de transfusão de sangue, além de atender todos os requisitos de satisfação do procedimento a paciente encontra-se em ótimo estado de saúde.
Outro caso interessante, foi de um paciente que já estava em Estado grave de saúde acometido por uma falência renal crônica, no qual era submetido à hemodiálise, e devido a isso foi necessário fazer uma correção no aneurisma da aorta ascendente e como complicação foi acometida de uma anemia grave, porém o paciente sobreviveu sem a utilização de sangue homólogo.
Vale destacar, que cada caso possui suas peculiaridades e que o melhor profissional para saber qual meio utilizar naquela determinada situação especifica é o médico responsável por aquele procedimento, existe sim, vários meios alternativos porem é preciso analisar se algum deles é eficaz para salvar a vida daquele determinado paciente.
As principais formas de controlar a perda de sangue e fazer com que os índices de plaquetas sanguíneas e hemoglobinas não diminuem é através de medicamentos como : Sulfato ferroso, ácido fólico, vitamina B12, eritropoietina, darbepoietina e o CERA (continuous erythropoietin receptor activator), no qual ao serem aplicadas no pacientes, tratam a anemia tornando-o mais fortes, além de outros que transportam o oxigênio de forma mais rápida, reduzindo assim a taxa de diminuição do sangue.[1]
Por outro lado, existe um novo procedimento realizado através de uma máquina capaz de recuperar o sangue do paciente que seria supostamente perdido durante o procedimento cirúrgico, e reutilizado no próprio paciente, pois a função desta não altera o DNA do paciente e não apresenta uma homotoxina, isto é, um corpo estranho tornando o procedimento eficaz, e seu custo não ultrapassa o preço de duas bolsas de sangue, quando feitas todas as atividades envolvidas no procedimento. Esse procedimento chamado de Recuperação Intra-Operatoria de Sangue existe a mais de 25 anos e esta sendo implantado aos poucos nos Estados Brasileiros, porém procedimentos cirúrgicos realizados com o mesmo já obteve resultados positivos em boa parte deles.
Um dos procedimentos que possuem o custo benefícios mais baixos do pais é o chamado hemodiluição normovolemica aguda, isto é antes do início da cirurgia é retirado uma ou duas bolsas de sangue do próprio paciente, aplicando cristaloides e/ou coloides expandindo o volume de plasma, para manter a normovolemica ou seja, o volume normal do sangue e deixando de prontidão as bolsas sanguíneas retiradas anteriormente para que o médico a utilize no momento certo do procedimento, e por consequência, esse sangue terá o mesmo DNA do paciente o que torna tudo mais fácil.
Existe ainda, inúmeras formas e técnicas a serem feitas antes do procedimento ou durante o procedimento cirúrgico ou anemia, tanto terapêutico como técnicas profissionais, que podem ser utilizadas como meios alternativos nesses casos específicos cujo a religião permite mas se faz necessário analisar a situação e estado de saúde do paciente.
4. ESTATUTO DA ORDEM DOS MEDICOS
Diante da situação fática, os profissionais da área da saúde ao concluírem a faculdade devem seguir como amparo o Código de Ética Medica bem como o Estatuto da Ordem dos Médicos, de forma tal que essas normas foram criadas com o intuito de regular, conceituar , bem como atribuir disposições legais para que aquele profissional médicos possam seguir, afim de não ter problemas judiciais e de certa forma exercer sua função com um amparo legal.
Com a recusa da transfusão o médico se encontra num quadro de complicação, uma vez que, é necessário o procedimento para salvar a vida daquele determinado paciente, porem também é fundamental respeitar as vontades dele, e de certa forma, ao se respeitar essa vontade o médico acaba sendo responsável pela sua consequência bem como, se ao desrespeitar a vontade e realizar o procedimento, corre o risco de se tornar polo passivo de uma ação judicial. E, portanto, de qualquer forma ele acaba sendo o mais prejudicado.
Como aludido cada caso tem sua peculiaridade, porem nos casos com mais urgência pode-se dizer que o médico possui um amparo legal para a realização do procedimento, uma vez que sua função é salvar vidas e segundo o Código de Ética Médica, Resolução CFM n°1931/2009, em seu artigo 32 : “fica vedado ao médico em casos de risco eminente deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos a seu alcance, em favor do paciente”. (CFM,2009/2010)
Complementando ainda no artigo 31 a vedação do médico, ao desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de pratica diagnostica ou terapêuticas, se dá nos casos como regra que não correm risco eminente de morte pois, nesses casos o médico possui total e livre direito de exercer sua atividade e salvar a vida daquele paciente independentemente de sua vontade.
Ainda, diante do Código Penal Brasileiro, se o médico deixar de realizar a transfusão ele pode ser acusado de homicídio por omissão caso o paciente venha a óbito, pois de acordo com o artigo 13, §2° Código Penal, Decreto Lei, n°2.848/1940, aquele que tem o dever e o poder de agir e não o faz, responde pelo crime que a sua conduta omissiva originou, e no caso exposto, o fato dele deixar de realizar o procedimento e o paciente vir a óbito pode acarretar sim a acusação de homicídio por omissão.
Mas é de suma importância frisar, que estamos diante da situação em que o paciente se encontra em risco eminente de morte, ou seja, o paciente está em uma situação que se não realizar o procedimento poderá vir a óbito.
Caso o paciente esteja longe de um risco eminente ou em situação em que possui um meio alternativo de sanar o problema, as disposições legais mencionadas não se aplicaria nesse contexto, pois nesse interim, é obrigatoriamente prevalecer a vontade do paciente ou de seu representante legal, uma vez que, ao contrário dos casos de risco se o médico realizar a transfusão sem a vontade do paciente, poderá ser indicado pelo crime de constrangimento ilegal, artigo 146 do Código Penal. (Brasil,1940)
Analisando todas as situações que foram expostas pode-se concluir, que se esses pareceres forem seguidos, o médico estará isento de qualquer responsabilidade uma vez que, ele tem o poder e o dever de salvar a vida daquele paciente e portanto poderá realizar as transfusões sem qualquer preocupação, porem somente será possível depois de analisar o paciente identificando se o mesmo possui ou não o requisito atribuído ao risco eminente de morte.
5. DECISÕES JURISPRUDENCIAIS BRASILEIRAS
Por conta dos inúmeros casos que surgiram nos tribunais brasileiros, tanto do lado medico requerendo uma liminar de autorização do procedimento, bem como do lado oposto requerendo indenização por ter seu direito de crença infringido, tornou-se um problema tecnicamente comum com disposições diferentes para cada caso concreto.
Em meados de agosto de 2017 o Supremo Tribunal Federal, através de um Recurso Extraordinário (RE) 979742 incidiu o efeito erga omnes, isto é, repercussão geral sob uma decisão:
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E SANITÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE. CUSTEIO PELO ESTADO DE TRATAMENTO MÉDICO DIFERENCIADO EM RAZÃO DE CONVICÇÃO RELIGIOSA. REPERCUSSÃO GERAL.1. A decisão recorrida condenou a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus ao custeio de procedimento cirúrgico indisponível na rede pública, em razão de a convicção religiosa do paciente proibir transfusão de sangue.2. Constitui questão constitucional relevante definir se o exercício de liberdade religiosa pode justificar o custeio de tratamento de saúde pelo Estado.3. Repercussão geral reconhecida.Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.
Conforme analisado, a União recorreu de um acordão proferido pela Turma Recursal do Juizado Especial Federal do Amazonas e Roraima, que condenou o Estado do Amazonas juntamente com o Município de Manaus a disponibilizarem aos pacientes tratamentos específicos de forma que a religião de tal (pacientes testemunha de jeová) seja respeitada, isto é, fornecer outro tipo de tratamento que não seja o realizado através da transfusão sanguínea uma vez que, esses, não são disponibilizados na rede pública dos Estados.
Além do Mais condenou-o ainda a arcar com todas as despesas necessárias para que o paciente realizasse o tratamento, independentemente se esse fosse dentro do Estado ou fora dele, logo, a administração pública deveria disponibilizar a cobertura integral desde consultas, exames, rotinas medicas, medicamentos, passagens aéreas, hospedagem, alimentação e etc., fazendo assim, com que garantisse e cumprisse o que diz o artigo 1°, III da Constituição Federal (Brasil,1988), isto é proporcionar aos cidadãos uma vida digna de forma que seus direitos humanos e fundamentais sejam respeitados.
Ocorre que, para o Supremo Tribunal Federal, toda essa decisão proferida pela Turma Recursal do Juizado Especial Federal do Amazonas e Roraima que disponibilizava o tratamento diferenciado a esses pacientes, infringia o princípio da isonomia de forma que, se tais pacientes tivessem um tratamento diferenciado criaria preferência sob os demais pacientes brasileiros, além de ir contra também ao princípio da razoabilidade, pois, toda e qualquer cirurgia está sujeita a complicações, precisando na maioria dos casos da transfusão e assim, o recurso foi desprovido, pela falta de impossibilidade da realização da cirurgia sem a transfusão sanguínea.
Em síntese, o Supremo Tribunal Federal ao decidir o desprovimento do recurso, automaticamente concedeu o direito aos médicos de realizar as transfusões sanguíneas nos pacientes cuja religião não permite, pois, como aludido seria impossível pela complexidade da cirurgia e a imprevisão do que se pode ocorrer naquele procedimento a impossibilidade de realizar o ato sem a devida transfusão.
Ainda há ocorrências no Brasil, antes da decisão uniforme do Supremo Tribunal Federal que devido as urgências do caso se fazia necessário uma petição liminar para que os juízes e tribunais decidissem desde logo para sanar o problema, e desta forma encerrava em 1° e 2° instancia, além de determinados casos serem concedida a transfusão e na circunstancia fática não precisou do ato Hematológico em si, porém, como forma de prevenção e buscando salvar a vida do paciente os médicos requereram buscar o amparo legal do Estado no procedimento.
Como o caso ocorrido na 7° Vara Criminal de Vitória -ES, processo n.º 523/024.000.063.164, no qual, o paciente deu entrada no hospital devido ao acidente automobilístico e precisaria realizar uma cirurgia de urgência, e por conta do procedimento cirúrgico existia a possibilidade de realizar as transfusões, ao paciente saber do ato assinou um termo de isenção de responsabilidade medica , declarando não aceitar a transfusão sanguínea e nenhum constituinte do sangue, ocorre que o diretor clinico mesmo diante de sua declaração expressa ajuizou uma petição recorrendo uma liminar para que pudesse ser concedido a transfusão que foi julgada procedente, liberando de forma imediata a autorização do ato, porém realizada a cirurgia não foi necessária a realização do procedimento hematológico, mas era impossível saber o que ocorreria na cirurgia, se fazendo necessário o amparo legal.
Em diversos países, as mesmas condições de situações se fazem presente, uma vez que, a religião é mundialmente conhecida e a realização do procedimento hematológico também, de forma que cada País dirige sua supremacia de decisões imposta no caso concreto.
Na Argentina, existem inúmeras decisões que ao serem proferidas influenciaram o caso ajudando no ato, já outras se tornaram infrutíferas, pois com ou sem a decisão não faria diferença, como o caso conhecido como “Bahamondez” que levou a Suprema Corte daquele pais, onde embora não se fez necessário a transfusão e o paciente conseguiu se recuperar com a ausência desta no curso do processo, a sua decisão serviu como parâmetro, pois analisando o art. 19 da lei Argentina 17.132, a qual impõe aos médicos o dever legal de respeitar a vontade do paciente, independente se esse estiver em estado grave, uma vez que, a estrita interpretação da mencionada disposição legal afasta toda possibilidade de submeter uma pessoa maior e capaz a qualquer intervenção em seu próprio corpo sem o seu consentimento. Concluindo que ao realizar o procedimento sem a vontade do paciente, tornaria o ato “inconstitucional”, pois a base de sua constituição é a própria autonomia de vontade dedicada a cada cidadão capaz de realizar os atos de sua vida, de acordo com sua livre consciência e vontade.
Assim como, nos Estados Unidos, algumas Cortes e Hospitais adotam a mesma ideia, de que a vontade do paciente deve ser respeitada independente se aquela decisão traria prejuízo a sua vida ou não, como está estabelecido na decisão da Suprema Corte de Mississipi - “A norma do consentimento informado repousa sobre o firme alicerce do respeito deste Estado pelo direito da pessoa de estar livre de invasões corporais indesejadas, não importa quão bem-intencionadas. O consentimento informado sugere também um corolário: o paciente deve ser informado da natureza, dos meios e das prováveis consequências do tratamento proposto, a fim de que ele possa ‘conscientemente’ decidir o que deve fazer — uma de suas opções sendo a rejeição.” Isso é, a manifestação de vontade do paciente, prevalecerá independente de seu estado de Saúde, logo, deve-se prevalecer.
No Canadá não é tão diferente, a Suprema Corte de Apelações daquele pais, decidiu em âmbito geral, que um adulto capaz, tem o direito de recusar um tratamento especifico, ou selecionar uma forma alternativa de tratamento, ainda que o mesmo, venha trazer risco eminente a saúde, independente se acarretar o pior, como a morte, e ainda ao parecer equívoco do médico. Porém, vale ressaltar, que nos casos em que há uma emergência eminente de vida, o médico utilizando-se como defesa tal situação, poderá efetuar o procedimento.
A decisão prolatada pelo Tribunal Superior de Justiça, em Tóquio-Japão, no caso de Misae, entendeu que a realização do procedimento hematológico, é um ato condizente com o padrão do serviço médico, de forma, que poderia esta, ser realizado normalmente, porém, o simples ato do paciente recusar o tratamento, ou ainda requerer outro procedimento, deverá prevalecer a vontade do paciente e sua autonomia de Vontade.
Verifica-se, que a vontade e livre manifestação do paciente, tem relevância em inúmeras cortes de países, diferentes, de forma, que mesmo que o paciente corra risco eminente de vida, isto é, podendo vir a óbito, deve sempre prevalecer a sua vontade.
Por fim de acordo com o estudo feito, entende-se que quando um direito infringi outro ao analisar a situação fática, é necessário compreender e buscar meios para sanar o problema e com obviedade, de maneira que não exclua um ou outro direito de cada cidadão. Existe como aludido, inúmeras formas de realizar o procedimento cirúrgico ou tratamento médico sem a realização da suposta transfusão.
Deve ainda o Estado como está explícito na Constituição Federal art. 6º (Brasil,1988), disponibilizar recursos financeiros suficientes para garantir o direito à saúde e vida digna não só desses pacientes, mas de toda sociedade em geral.
Pelo fato do judiciário estar tumultuado dessas situações, de forma que o Supremo Tribunal Federal já decidiu com repercussão Geral, conclui-se que a decisão a ser tomada é que os hospitais Brasileiros devem estar preparados para esgotarem todos os meios hábeis para salvar a vida daquele determinado paciente, independente da vontade, pois verifica-se que sem a vida, todos os demais direitos que a Constituição Federal proporciona se torna inútil, além de que, se o mesmo estiver em risco eminente de morte os profissionais já possuem um amparo legal, logo, é possível perfeitamente realizar a transfusão sem problema algum.
É importante frisar, que a lei não impõe um limite necessário de risco para poder a partir de este realizar o procedimento, apenas considera que o estado clinico seja complexo ao ponto de que obrigatoriamente se não realizar o procedimento virá a óbito, e consequentemente, a norma também não extingue o direito da recusa, ou seja, o indivíduo possui tal direito, mas ao momento que surge a necessidade da transfusão, o médico é obrigado a realizar o procedimento sem qualquer restrição.
O fato de realizar o procedimento, não impede também a assistência religiosa como prova, o artigo 5°, VII da Constituição Federal (Brasil,1988), aduz que é assegurado a assistência religiosa em qualquer local e situação que o cidadão está inserido, ainda o paciente capaz de realizar sua vida civil tem total e livre direito de exercer sua vontade, até porque nesses casos, ele pode atribuir de todos os meios alternativos que estiverem ao seu alcance pois tem tempo hábil para garantir que todos os direitos estejam em um mesmo pé de igualdade.
Por fim, acredita-se que é necessário primeiramente que o Estado proporcione os recursos financeiros e imprescindíveis para os hospitais brasileiros, pois assim, esses possam esgotar os meios alternativos e caso não consiga, realize de fato o procedimento pois o direto a vida é vinculado aos demais direitos, de forma que se ela não existir, os demais perdem valor.
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FÓRUM, Técnica que reutiliza sangue do paciente em AL, Disponível em: < http://www.extestemunhasdejeova.net/forum/viewtopic.php?f=16&t=161> acessado em 03.05.2018
[1] http://bloodless.com.br/opcoesalternativas-transfusoes-de-sangue/
Bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil. Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Larissa Franchetto da. Direito fundamental à recusa de transfusão sanguínea: um estudo comparado. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 maio 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51761/direito-fundamental-a-recusa-de-transfusao-sanguinea-um-estudo-comparado. Acesso em: 04 nov 2024.
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