RODRIGO SONCINI DE OLIVEIRA GUENA
(Orientador).
RESUMO: Este artigo tem como objetivo realizar uma análise das questões que envolvem o direito à vida e direito à dignidade humana, sob um enfoque comparado ao aborto e ao suicídio assistido. Foi utilizada como metodologia a revisão bibliográfica sobre o assunto, mediante pesquisa em produção científica, acadêmica, periódicos e sites de pesquisas. De partida será abordada a questão da morte assistida e do aborto na sociedade e o direito positivado sobre o tema. O artigo abordará ainda a oposição existente entre o direito à dignidade humana e o direito à vida, explanando acerca das formas de abreviação da vida existentes no Brasil e no exterior, incluindo as implicações em relação ao testamento. Finalmente, o presente artigo conclui a questão permeando o tema entre o senso comum, o direito e a justiça.
Palavras-chave: Vida; Dignidade; Morte; Direito.
ABSTRACT: This article aims to analyze issues involving the right to life and right to human dignity, in a comparative approach to abortion and assisted suicide. The bibliographical review on the subject was used as methodology, through research in scientific production, academic, periodicals and research sites. The starting point will be the question of assisted death and abortion in society and the positive law on the subject. The article will also address the opposition between the right to human dignity and the right to life, explaining the forms of abbreviation of life existing in Brazil and abroad, including the implications in relation to the testament. Finally, this article concludes the question by permeating the theme between common sense, law and justice.
Keywords: Life; Dignity; Death; Law.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A POLÊMICA DA MORTE ASSISTIDA E DO SUICÍDIO. 2.1. DIREITO DE VIVER OU MORRER DIGNAMENTE. 3. DIREITO À DIGNIDADE VERSUS DIREITO À VIDA: A POLÊMICA E AS TÉCNICAS LETAIS EMPREGADAS PARA FINDAR A DOR PROLONGADA PELA VIDA NO BRASIL. 3.1. DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS ENTRE O SUICÍDIO ASSISTIDO E A EUTANÁSIA. 4. TESTAMENTO VITAL. 5. O SUICÍDIO ASSISTIDO NO ESTRANGEIRO. 6. A QUESTÃO DO ABORTO: DIREITO À VIDA VERSUS DIREITO À DIGNIDADE HUMANA. 6.1. O TEMA DO ABORTO NO BRASIL. 6.2. O ABORTO EM OUTROS PAÍSES. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
O presente trabalho trata da polêmica que envolve os princípios do direito à vida e o direito à dignidade humana, os quais se contrapõem em situações em que a morte é “programada” para ocorrer pela vontade humana antes do seu evento natural.
Nestes casos, aponta-se a eutanásia ou suicídio assistido e o aborto de mulheres gestantes ante o Princípio da Dignidade Humana e o Princípio do Direito à vida.
Por outro lado, há certas similitudes como há diferenças entre as duas formas de findar a vida humana, as quais geram contraposições àqueles princípios constitucionais que se relativizam de acordo com cada caso: a morte antes da própria morte ou a morte antes da própria vida humana no Brasil e o tratamento dos temas no estrangeiro sob o enfoque do direito comparado.
Neste trabalho empregou-se a metodologia da revisão bibliográfica sobre o assunto.
2. A POLÊMICA DA MORTE ASSISTIDA E DO SUICÍDIO
Este tema é bastante polêmico sob a ótica moral, religiosa, filosófica e ética em todas as sociedades. No entanto, o fenômeno da morte é algo certo a todos os seres viventes e humanos.
Por outro lado, com os avanços tecnológicos, foi possível o prolongamento da vida para uns, enquanto para outros também se prolongou o sofrimento. Temas como a eutanásia, ortotanásia e suicídio assistido provocam grande polêmica ante os avanços tecnológicos em prol do bem estar e da vida humana.
O suicídio é um assunto importante sob o ponto de vista jurídico brasileiro, pois a proteção à vida e a dignidade humana se opõe quando a morte significa a abreviação do sofrimento agonizante e irreversível, o qual se eleva gradativamente com a passagem do tempo. Isto ocorre, geralmente, por pessoas acometidas por enfermidades incuráveis e em estados avançados próximos ao estado terminal da doença. A morte é sim inevitável, mas a dor pode ser opcional à espera daquele desfecho.
2.1. DIREITO DE VIVER OU MORRER DIGNAMENTE
Em conformidade com a Constituição Federal, a vida e seu direito são assim abordados
[...] não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. (BITTAR, 2001, p. 454)
Paulo Gustavo Gonet Branco, em seu livro Direito Constitucional, relata que
A existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades disposto na Constituição e que esses direitos têm nos marcos da vida de cada individuo os limites máximos de sua extensão concreta. O direito a vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse. (BRANCO, 2010, p. 441)
Indubitavelmente, a dor, em todas as suas faces, é um abominável martírio ao ser humano, ainda mais se a mesma vem acompanhada da falta de esperança do restabelecimento da saúde pelo próprio paciente, assim como pelos mais queridos familiares e amigos do seu entorno, pois muitos dizem que a morte é um “descanso” para a família e para a pessoa enferma que agoniza em leito hospitalar ou na sua própria casa.
Quanto aos meios artificiais empregados na morte assistida, há métodos como a Distanásia, Ortotanásia e a Eutanásia, a qual é a mais conhecida e praticada, haja vista que consiste geralmente em algum medicamento, substância narcótica ou injeção letal no paciente acometido por algum mal atroz para abreviar a sua vida.
É sabido na doutrina que o direito à vida não é um direito absoluto, mas há polêmica em quanto a renuncia ao mesmo, conforme nos orienta Norberto Bobbio
Se se parte do pressuposto de que o direito à vida não é um direito absoluto (assim como não é absoluto o preceito de não matar), disso resulta que pode ser perdido (outra questão é saber se eu posso renunciar a ele, e se, além do direito de viver, deva admitir-se também o dever de viver) (BOBBIO, 2004, p. 79-80)
De fato, o ordenamento jurídico brasileiro não considera nenhum direito fundamental como absoluto. Entretanto há “colisão” entre estes direitos como o Direito à vida e o Direito à dignidade humana aqui mencionados, os quais são tratados pela Teoria da Proporção de Robert Alexy. A referida teoria é tratada sob a óptica de três critérios:
a) Adequação: Será que o meio empregado é adequado para se chegar à finalidade?
b) Necessidade: Será que não há outros meios menos gravosos que suprem a mesma finalidade?
c) Proporcionalidade (sentido estrito): O ônus gerado deve ser menor que o bônus.
Por outro lado, o direito à vida quiçá seja o mais sublime dos direitos fundamentais, tanto que Hobbes, em sua obra, chegou a reconhecer o direito à vida como o único natural ao homem. Desde os Dez Mandamentos Bíblicos até a Declaração Universal de 1948, o direito à vida sempre foi reconhecido como a essência dos direitos.
Já na Antiguidade, havia o princípio da qualidade de vida, segundo Sócrates, pois o importante não era apenas viver, mas, sim, viver bem.
Hoje em dia, sob esse contexto, em conformidade com o pensamento daquele ilustre filósofo grego, a Eutanásia é empregada em pessoas em estados terminais, assim como aos recém-nascidos com má formação congênita e pacientes em estado vegetativo.
Atualmente, no Brasil, a Eutanásia não tem referência no Código Penal, a qual é considerada crime, conforme o artigo 121, homicídio. Esta conduta pode se enquadrar ainda como auxílio ao suicídio, ou ainda ser atípica.
3.1. DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS ENTRE O SUICÍDIO ASSISTIDO E A EUTANÁSIA
O suicídio assistido pode ser confundido com a Eutanásia, embora a Eutanásia possa ser realizada pelo próprio indivíduo sem a participação de terceiro. Este pode prestar assistência material ou moral à realização do ato. É conhecido também como suicídio eutanásico.
Já quanto as suas diferenças o suicídio é resultado da ação do próprio individuo mesmo que seja orientado ou auxiliado por terceiros. Por outro lado, a Eutanásia, consiste no resultado direto na ação ou omissão de terceiro.
Deste modo, o Código Penal Brasileiro prevê sanção mais severa ao suicídio assistido, o qual se caracterizará como homicídio, de acordo com o artigo 121, caput, do Código Penal.
O testamento Vital consiste num documento, o qual há o seguinte entendimento: “Não se prolongar um sofrimento desnecessário em contrapartida da qualidade de vida do ser humano.” Conforme Resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina. Nesse documento foi definido que a decisão do paciente deve ser feita antes de entrar em estado critico, de forma consciente e que a sua vontade prevaleça sobre quaisquer outras a respeito da sua própria vida diante de casos de saúde sem solução para a medicina. Prevalece o Direito à Dignidade Humana em detrimento do Direito à Vida nesses casos.
Desta forma, o grande avanço é que todo tratamento a respeito da saúde do paciente em fase considerada terminal é feito e consagrado documentalmente.
Entretanto, a Resolução carece de regulamentação no Código Civil, pois ainda não foi recepcionada. Embora não tenha força de lei, as resoluções são mandatárias no meio médico. A desobediência pode acarretar desde a quebra do Código de Ética Médica como até a cassação para o exercício da medicina.
5. O SUICÍDIO ASSISTIDO NO ESTRANGEIRO
Em alguns países europeus, como a Suíça, o suicídio assistido é aceito, isto é, legalizado em conformidade com as leis locais. Já no continente da Oceania, será legalizado apenas no Estado de Victoria, na Austrália, onde a legislação local entrará em vigor em meados de 2019 e abrangerá apenas pacientes terminais com expectativa de vida de menos de seis meses.
O chamado turismo assistido, ou melhor, dito suicídio assistido, é legal desde 1941, em que algumas pessoas vão à capital suíça para abreviar a vida por motivo, geralmente de seus sofrimentos de saúde precária.
Os suíços mantiveram esta prática legalizada por meio de referendo, embora a população queira uma legislação mais clara para estabelecer os casos em que isso possa ocorrer, ou seja, apenas para doentes terminais ou para aqueles com doenças crônicas ou mentais.
A legislação suíça é liberal a este assunto desde que não haja motivações pessoais entre os envolvidos, tampouco a obtenção de lucro.
Por outro lado, nos países Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo) desde o ano de 2000 há legislação que permite a eutanásia.
Há lei sobre a permissão da eutanásia nos Estados norte-americanos de Washington, Oregon e Montana também, porém com a seguinte diferença: o médico pode fornecer os remédios ao paciente que queira findar a própria vida, mas não é permitido que o profissional da saúde aja ativamente para essa finalidade, como, por exemplo, administrar dose elevada de morfina à veia da pessoa em leito domiciliar ou hospitalar. Seria como se, hipoteticamente, no Brasil, o Princípio do Direito à vida impedisse aos médicos agirem com suas próprias mãos para findar a vida de seus pacientes, mas que, em nome do Princípio da Dignidade Humana, houvesse a permissão do fornecimento ao paciente da medicação para que pudesse agir em conformidade com seu livre arbítrio a respeito da sua própria vida.
6. A QUESTÃO DO ABORTO: DIREITO À VIDA VERSUS DIREITO À DIGNIDADE HUMANA
Indubitavelmente, da vida e do direito a este bem, deriva todos os demais direitos, desde mesmo antes do seu nascimento no ventre materno, é algo inerente ao ser humano, conforme a Constituição Federal Brasileira, a qual faz referência criminosa ao aborto, por exemplo.
Entretanto, como diz o jurista Alexandre de Morais sobre o direito de viver com dignidade
O direito humano fundamental à vida deve ser entendido como direito a um nível de vida adequado com a condição humana, ou seja, direito à alimentação, vestuário, assistência médica-odontológica, educação, cultura, lazer e demais condições vitais. O Estado deverá garantir esse direito a um nível de vida adequado com a condição humana respeitando os princípios fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e, ainda, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a pobreza e a marginalização, reduzindo, portanto, as desigualdades sociais e regionais. (MORAIS, 2003, p. 87)
Ainda sobre o aborto, nota-se que a vida é protegida legalmente antes mesmo do nascimento, pois é o bem maior do ser humano, conforme Alexandre de Morais
A penalização do aborto (Código Penal, art. 124) corresponde à proteção da vida do nascituro, em momento anterior ao seu nascimento. A Constituição Federal, ao prever como direito fundamental a proteção à vida, abrange não só a vida extrauterina, mas também a intrauterina, pois se qualifica com verdadeira expectativa de vida exterior. Sem o resguardado legal do direito à vida intrauterina, a garantia constitucional não seria ampla e plena, pois a vida poderia ser obstaculizada em seu momento inicial. (MORAIS, 2003, p.90)
6.1. O TEMA DO ABORTO NO BRASIL
No país a questão do aborto é permitida nos casos de risco de morte para a gestante, gravidez por motivo de estupro ou quando o feto é anencefálico, pois de acordo com Jesus Lima Torrado
[...] Esses valores – justiça, vida, liberdade, igualdade, segurança, solidariedade, tolerância, pluralismo e esperança – estão indissoluvelmente unidos por sua raiz e fundamento: o valor da dignidade da pessoa humana. (TORRADO, 2011, p. 239)
Aqui prevalece o princípio da dignidade da pessoa humana diante do princípio do direito à vida.
Entretanto o tema do aborto é algo polêmico em setores da sociedade de tal forma que houve notícia na mídia, que em novembro de 2017, havia no congresso a PEC (Proposta de emenda à Constituição) 181, por parte da bancada evangélica e majoritariamente masculina, que veta toda forma de aborto no Brasil, inclusive em caso de estupro ou risco de morte da gestante. Em outras palavras, o direito à vida deveria ser garantido e respeitado incondicionalmente desde a concepção e não somente após o nascimento como prevê a Carta Magna.
6.2. O ABORTO EM OUTROS PAÍSES
Na França, por exemplo, o aborto é permitido até a 14ª semana de gestação e sem necessidade de autorização dos pais para gestantes menores de idade em todos os casos.
Já na Áustria, o aborto é legal há décadas por motivos médicos ou decisão da mulher. O procedimento ocorre até a 16ª semana com aconselhamento médico anterior à intervenção. Há ainda a permissão para o aborto quando houver risco de saúde física ou psicológica para a mulher e se o feto apresentar alguma anomalia grave ou se a gestante for menor de 14 anos.
Chega-se à conclusão que viver bem é viver com qualidade de vida e não necessariamente viver por longos anos. Não se pode dizer de forma imparcial se a legislação brasileira é melhor ou pior quanto a este assunto da morte assistida, pois disso dependerá de pessoa para pessoa, conforme suas convicções morais, éticas e religiosas.
Entretanto, nota-se que a morte assistida é crime, em consonância com a lei, porém há divulgação na mídia que apontam para o testamento vital que é uma espécie de pacto “fora da lei” entre as pessoas envolvidas neste assunto. Já na Suíça, um dos países mais liberais do mundo ao lado da Holanda, a morte assistida é legalizada na mesma época da origem do nosso velho Código Penal Brasileiro por aqui.
Já quanto ao aborto, nota-se que ainda há divergência sobre a sua aceitação legal na sociedade brasileira, pois há recente proposta de torná-lo ilícito sob todas as suas condicionantes, com influência religiosa conservadora dentre os representantes do povo no Congresso Nacional. Por outro lado, em alguns países europeus, este tema é pacifico e consolidado em leis francesas ou austríacas, por exemplo.
A proporcionalidade e a ponderação analisam o caso concreto. Não há hierarquia de Princípios como o Direito à vida e o Direito à dignidade humana, pois há uma decisão para cada caso concreto. Sem embargo, há discussão sobre o aborto, como exemplo, sob a óptica moral, filosófica ou religiosa que sempre está em voga no Congresso Nacional.
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Bacharelando em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Francisco Henrique de. A dignidade da pessoa humana como mitigação do direito à vida: um enfoque comparado ao aborto e ao suicídio assistido Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 maio 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51768/a-dignidade-da-pessoa-humana-como-mitigacao-do-direito-a-vida-um-enfoque-comparado-ao-aborto-e-ao-suicidio-assistido. Acesso em: 04 nov 2024.
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