RESUMO: Esse artigo busca abordar a sistemática de precedentes inaugurada pelo art. 927 do Código de Processo Civil, com o fito de observar as alterações que imprimiu no ordenamento jurídico e os reflexos e o alcance dessa alteração no âmbito justrabalhista.
Palavras-chave: Teoria dos Precedentes. Precedentes Obrigatórios. Precedentes na Justiça do Trabalho. IN 39 do TST.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 COMMON LAW E CIVIL LAW. 3 TEORIA DO PRECEDENTE. 4 EFICÁCIA VINCULANTE DOS PRECEDENTES. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
As duas grandes sistemáticas jurídicas mais comuns nas ordens legais ocidentais possuem relações diferenciadas entre a norma escrita e os precedentes judiciais.
O Brasil, historicamente afiliado ao sistema decorrente da tradição romano-germânica da civil law, não era adepto de precedentes obrigatórios, pelo que a força vinculante no ordenamento jurídico pátrio decorria da lei e a interpretação deste lei era decorrência da subsunção ao caso concreto.
No entanto, a força obrigatória das decisões em sede de controle concentrado de constitucionalidade e, posteriormente, as súmulas vinculantes, deram início a uma progressiva alteração dessa perspectiva, oferecendo maior destaque à segurança jurídica e à estabilidade das decisões judicais.
Não obstante, ainda dominava a noção de precedentes persuasivos, de natureza não obrigatória, sem que houvesse a possibilidade de buscar a garantia de autoridade dessas decisões perante o Tribunal prolator fora das vias recursais.
Em mudança significativa, a sistemática dos precedentes obrigatórios foi inaugurada de forma mais clara a partir da outorga do Código de Processo Civil do ano de 2015, que no seu art. 926 destacou a importância da estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência e no artigo seguinte – art. 927 – elencou as decisões que devem ser observadas por juízes e tribunais.
Esse trabalho tem o objetivo de analisar o impacto das mudanças trazidas pelo art. 927 do CPC ao aparentemente trazer ao ordenamento pátrio a obrigatoriedade dos precedentes previstos na legislação, bem como a sua aplicação na realidade do processo do trabalho, a luz da regulamentação e decisões do Tribunal Superior do Trabalho.
2 COMMON LAW E CIVIL LAW
A variedade de manifestações do direito ao redor do mundo é expressiva, uma vez que, de acordo com a estrutura de cada sociedade, muda-se o teor das regras e os instrumentos jurídicos disponíveis para efetivá-las.
Considerando, no entanto, os elementos principais desses ordenamentos jurídicos, utilizados na interpretação e aplicação do direito, a diversidade é reduzida consideravelmente, o que possibilita o agrupamento dos direitos existentes em “famílias jurídicas”.
Consoante René David (2002, p. 23), atualmente, os principais grupos de direito são: a família romano-germânica (civil law), a família anglo-saxônica (common law) e a família dos direitos socialistas. Ao lado dessas grandes famílias, é possível ainda o agrupamento do direito muçulmano, hindu e judaico, o direito do Extremo Oriente e o direito da África negra e Madagascar.
A família romano-germânica engloba os direitos constituídos com fundamento no direito romano e foi formada graças aos esforços das universidades europeias, que elaboraram e desenvolveram a partir do século XII, com base em compilações do imperador Justiniano, uma ciência jurídica comum a todos.
Em razão de ter sido criado nas universidades latinas e germânicas, o sistema recebeu a denominação de sistema romano-germânico (civil law). O civil law concede papel de destaque às normas escritas e legisladas, defende a completude do direito codificado e, consequentemente, coloca em segundo plano as demais fontes do direito, como a jurisprudência e os costumes.
No sistema romano-germânico a ideia de previsibilidade do ordenamento jurídico é baseada no fundamento de que todas as situações devem estar previstas na lei. Essa ideia de completude do direito legislado tem como objetivo original a aplicação da lei de forma estrita pelo julgador. Diante da crença que o sistema de regras codificadas basta a si próprio, em geral, os precedentes como criadores do direito possuem caráter secundário.
De forma diversa ao common law, que teve origem nas universidades europeias, o common law foi criado pelos próprios juízes na resolução de determinados litígios, principalmente pela ação dos Tribunais Reais de Justiça. Em razão dessa diferença histórica, a própria formação dos juristas no common law baseou-se na atividade prática.
Predomina, portanto, o direito casuístico, fundamentado nos precedentes judiciais. A obrigação de se recorrer às regras que já foram estabelecidas pelos juízes é denominada de stare decisis (técnica dos precedentes vinculantes).
Modernamente, observa-se a tendência de aproximação dos dois sistemas jurídicos, com a adoção de normas codificadas em países do common law e com a valorização dos precedentes nos países do civil law.
Como descreve Rodolfo de Camargo Mancuso (2007, p.183):
“a dicotomia entre as famílias jurídicas civil law/common law hoje não é tão nítida e radical como o foi outrora, sendo visível uma gradativa e constante aproximação entre aqueles regimes: o direito legislado vai num crescendo, nos países tradicionalmente ligados à regra do precedente judicial e, em sentido inverso, é a jurisprudência que vai ganhando espaço nos países onde o primado recai na norma legal”
Com o Novo Código de Processo Civil, os precedentes judiciais passarão a ter maior destaque, aproximando-se o direito brasileiro ainda mais das técnicas utilizadas no sistema do common law, modificações essas que possuem nítidos reflexos no Direito do Trabalho, fatos que serão explorados nesse trabalho.
3 TEORIA DO PRECEDENTE
A chamada teoria do precedente tem origem no sistema da common law e traduz a cultura de argumentação em que o juiz, utilizando-se de princípios e regras, pacifica entendimento jurídico relacionado a um caso concreto.
Assim, trata-se de atividade criativa do julgador realizada em certa decisão, que, nas próximas, deve seguir certo padrão, ordem e uniformidade pautada na decisão anterior.
O precedente tem visão retrospectiva, já que incumbe ao julgador um olhar para trás. Conforme Neil Duxbury, citado por Lucas Buril de Macêdo (2015, p. 93), a função de decidir a partir de precedentes estaria, assim, ligada ao passado, eis que o fato de uma decisão ter sido dada em determinada matéria anteriormente é significante para a solução do caso presente.
Ademais, também deve ser visto sob o aspecto prospectivo, já que no momento da prolação da decisão, especialmente as Cortes Superiores, devem ter a dimensão de que seus julgados serão observados no futuro. Essa perspectiva ganha relevância no direito brasileiro, já que, a definição da decisão que servirá como precedente decorre do próprio criador da decisão e não simplesmente daqueles que a analisam no futuro.
Daniel Amorim Assumpção (2017, p. 1390) diferencia precedente de jurisprudência afirmando que o primeiro é qualquer julgamento que venha a ser utilizado como fundamento de outro julgamento que venha a ser posteriormente proferido, enquanto a jurisprudência é o resultado de um conjunto de decisões judiciais no mesmo sentido sobre uma mesma matéria proferida pelos tribunais. A jurisprudência pode ser formada de precedentes e meras decisões.
Importa destacar, nesse sentido, que nem toda decisão, ainda que proferida por um tribunal, é um precedente. Uma decisão que não transcorrer o caso concreto nunca será utilizada como razão decidir de outro julgamento. Decisão que se vale de um precedente para decidir também não pode ser considerada precedente. Por fim, as decisões que se limitam à aplicação da letra de lei também não possuem potencial para serem consideradas precedentes.
Ensina Marinoni (2010, p. 215) que inexiste confusão entre precedente e decisão judicial:
“só havendo falar de precedente quando se tem uma decisão dotada de determinadas características, basicamente a potencialidade de se firmar como paradigma para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados. De modo que, se todo precedente ressai de uma decisão, nem toda decisão constitui precedente. Note-se que o precedente constitui decisão acerca de matéria de direito, e não de matéria de fato... De qualquer forma, a decisão que interpreta a lei, mas segue julgado que a consolidou, apenas por isso não constitui precedente; (...) um precedente requer a análise dos principais argumentos pertinentes à questão de direito, além de poder necessitar de inúmeras decisões para ser definitivamente delineado.”
Diferente do que se observa no direito anglo-saxão, no sistema adotado pelo CPC atual o precedente é de natureza objetiva, e já nasce predestinado a possuir efeitos vinculantes.
Na common law o julgamento só se tornam precedentes no momento em que passam a concretamente servir como fundamento de decisão de outros julgamentos. No Brasil o CPC de 2015 adotou técnica diversa, prevendo expressamente quais são os julgamentos que serão considerados precedentes. A essa técnica convencionou-se chamar de “precedente doloso”, nomenclatura dada por Alexandre Freitas Câmara aos julgamentos já predestinados a ser precedente.
Os precedentes dolosos e vinculantes estão previstos no art. 927 do CPC:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
Não se pode afirmar, no entanto, que todo precedente possui efeito vinculante (binding precedents), já que continuam a existir no sistema processual brasileiro julgamentos proferidos em processo subjetivo que não decidem casos repetitivos e nem o incidente de assunção de competência, mas que poderão servir como fundamento de decidir de outros julgamentos supervenientes. Tais precedentes persuasivos (persuasive precedents) se tornam precedentes após serem utilizados como fundamentação, enquanto os precedentes vinculantes são julgamentos que já nascem precedentes, nos termos do art. 927 supratranscrito (NEVES, 2017, p. 1405).
Já existe doutrina a apontar a inconstitucionalidade das normas que criam uma eficácia vinculante dos precedentes sem previsão na Constituição Federal, uma vez que a própria reserva tal efeito apenas às súmulas vinculantes e aos julgamentos originados no controle concentrado. Estaria invadida, em consequência, a seara legislativa, por outorgar ao Poder Judiciário o estabelecimento de normas.
Em sentindo contrário, o entendimento que defende a novidade legislativa argui que o Poder Judiciário não cria norma jurídica nesses casos, não devendo-se confundir a atividade de dar um sentindo unívoco a norma que foi criada pela via legislativa com a tarefa de criação de norma. Do contrário, também seria legislar as criações de súmulas vinculantes.
Buscando adequar as disposições do art. 927 ao Processo do Trabalho, a Instrução Normativa 39 do TST, em seu art. 15, trouxe detalhamentos da aplicação dos precedentes obrigatórios:
Art. 15. O atendimento à exigência legal de fundamentação das decisões judiciais (CPC, art. 489, § 1º) no Processo do Trabalho observará o seguinte:
I – por força dos arts. 332 e 927 do CPC, adaptados ao Processo do Trabalho, para efeito dos incisos V e VI do § 1º do art. 489 considera-se “precedente” apenas:
a) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Tribunal Superior do Trabalho em julgamento de recursos repetitivos (CLT, art. 896-B; CPC, art. 1046, § 4º);
b) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
c) decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
d) tese jurídica prevalecente em Tribunal Regional do Trabalho e não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho (CLT, art. 896, § 6º);
e) decisão do plenário, do órgão especial ou de seção especializada competente para uniformizar a jurisprudência do tribunal a que o juiz estiver vinculado ou do Tribunal Superior do Trabalho
II – para os fins do art. 489, § 1º, incisos V e VI do CPC, considerar-se-ão unicamente os precedentes referidos no item anterior, súmulas do Supremo Tribunal Federal, orientação jurisprudencial e súmula do Tribunal Superior do Trabalho, súmula de Tribunal Regional do Trabalho não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do TST, que contenham explícita referência aos fundamentos determinantes da decisão (ratio decidendi);
III - não ofende o art. 489, § 1º, inciso IV do CPC a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame haja ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante.
IV - o art. 489, § 1º, IV, do CPC não obriga o juiz ou o Tribunal a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido examinados na formação dos precedentes obrigatórios ou nos fundamentos determinantes de enunciado de súmula.
V - decisão que aplica a tese jurídica firmada em precedente, nos termos do item I, não precisa enfrentar os fundamentos já analisados na decisão paradigma, sendo suficiente, para fins de atendimento das exigências constantes no art. 489, § 1º, do CPC, a correlação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado no incidente de solução concentrada.
VI - é ônus da parte, para os fins do disposto no art. 489, § 1º, V e VI, do CPC, identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar precedente ou enunciado de súmula.
Denota-se com facilidade da leitura que a Instrução Normativa adotou inequivocamente a eficácia obrigatória das precedentes mencionados no inciso I do art. 15º, bem como deixou clara a inclusão das decisões do plenário, de órgão especializado e de seção especializada competente para uniformizar da jurisprudência.
4 EFICÁCIA VINCULANTE DOS PRECEDENTES
Como já exposto, precedente “é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos” (DIDIER Jr., 2013, p. 43).
Tradicionalmente, o Brasil segue o sistema do civil law, o qual prestigia a preponderância da lei, sem olvidar a reserva de espaço para os precedentes judiciais. Conforme leciona Elpídio Donizetti (2013):
“(...) a diferença é que no Civil Law, de regra, o precedente tem a função de orientar a interpretação da lei, mas não obriga o julgador a adotar o mesmo fundamento da decisão anteriormente proferida e que tenha como pano de fundo situação jurídica semelhante”.
Tal tradição, no entanto, foi modificada a partir do art. 927 do CPC. Muita embora exista controvérsia quanto à obrigatoriedade dos precedentes estabelecidos pelo art. 927 do CPC, permanecendo doutrina minoritária com o entendimento que o dispositivo cria somente um dever de levar em consideração os elementos ali citados em suas decisões, prevalece o entendimento que o artigo imprime obrigatoriedade.
Nesse sentido, o enunciado nº 170 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos.
Por serem vinculantes, as decisões que não contenham manifestação sobre referidos precedentes obrigatórios provocam decisões com erro de julgamento ou de procedimento, sendo consideradas inclusive omissas, nos termos do art. 1.022, parágrafo único, II, do CPC: “Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento”.
Passando a analisar a vinculação de cada previsão no art. 927, sobre o efeito vinculantes das súmulas, Daniel Amorim Assumpção (2017, p. 1398) aponta que passarão a haver súmulas propriamente vinculantes (CF) e súmulas com eficácia vinculante (CPC), sem diferença prática entre as duas na maioria dos casos.
As súmulas tratam da concretização da jurisprudência do tribunal, devendo observar a ratio decidendi dos precedentes, tornando difícil afastar a obrigatoriedade de sua observância pelos termos do próprio art. 927 (na súmula, a Corte realiza o resumo da jurisprudência dominante - precedentes reiterados -, nada mais fazendo do que definir objetivamente a ratio decidendi para os casos futuros).
No entanto, as súmulas com efeito vinculante podem tomar como base precedentes não vinculantes. Nesse caso, ainda que não vinculantes, os precedentes deverão ser considerados em seus fundamentos determinantes (ratio decidendi) para a fixação do objeto da vinculação obrigatória – eficácia vinculante indireta de precedentes persuasivos.
De fato, em pesquisa realizada pela UFMG (MIESSA, 2016), na qual se investigou empiricamente a prática de se seguirem precedentes judiciais e súmulas no direito brasileiro, constatou-se que, em alguns casos, a edição das súmulas do STF e do STJ, vinculantes ou não, não levaram em conta decisões reiteradas.
O CPC, na tentativa de evitar o distanciamento das súmulas em relação ao contexto em que se originaram, passou a estabelecer que “ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação” (art. 926, § 2º).
Portanto, incumbe aos tribunais uma nova postura na criação das súmulas, não podendo ignorar os fatos que levaram à sua edição. Do mesmo modo, na interpretação da súmula, incumbe ao intérprete partir dos precedentes que lhe deram ensejo, não podendo, pois, desvincular-se desse elemento histórico
Ainda quanto ao poder vinculante das súmulas, ainda, é interessante notar que, conforme o art. 927, IV, do CPC, se o STJ sumular matéria infraconstitucional o STF está vinculado a este entendimento.
Importa destacar que as súmulas vinculantes previstas na CF permanecem sendo a únicas que permitem o cabimento da reclamação constitucional e a vinculação da Administração Pública, como se verá posteriormente.
Quanto ao inciso I do art. 927, entende-se que vai além do já referido art. 102, §2º, da CF, pois consagra a eficácia vinculante dos fundamentos determinantes da decisão (ratio decidendi) - “os fundamentos determinantes do julgamento da ação de controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo STF caracterizam a ratio decidendi do precedente e possuem efeito vinculante para todos os órgãos jurisdicionais (Enunciado 168 do FPPC)”. A afirmação consigna a teoria da “transcendência dos motivos determinantes”, que vinha sendo aplicada no STF, mas atualmente não encontra mais aplicação no Tribunal. Espera-se mudança na posição, de acordo com o CPC.
Vale mencionar que, após rejeição constante da teoria da transcendência dos motivos determinantes, em decisão datada de 29/11/2017 (Informativo 886 do STF), o Plenário do STF conferiu efeito vinculante a uma declaração de inconstitucionalidade incidental em controle concentrado ao considerar parte de lei não impugnada, mencionada na fundamentação, como inconstitucional, enquanto em questão principal considerou a lei impugnada constitucional (matéria: lei estadual do Rio de Janeiro que proibia a extração de amianto). No caso, ainda, o STF seguiu antigo entendimento do Ministro Gilmar Mendes de que tal declaração de inconstitucionalidade, ainda que incidental, tem efeito vinculante e erga omnes, restando ao Senado Federal (art. 52, X, da CF) apenas o papel de publicidade.
Não se deu, portanto, abstrativização do controle difuso, mas sim a transcendência dos fundamentos adotados em controle concentrado. O termo, no entanto, não foi expressamente utilizado no julgamento.
Atente-se para o fato de que não se deve confundir efeito obrigatório do precedente com o efeito vinculante decorrente da coisa julgada erga omnes.
O efeito vinculante das ações de controle de constitucionalidade alcança todos os órgãos jurisdicionais do País e, ainda, a administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Nesse caso, o Poder Público, em razão de expressa disposição legal, vincula-se ao dispositivo da decisão do controle concentrado, que reconhece ou não a constitucionalidade de determinada norma. Portanto, o efeito vinculante decorre do dispositivo, enquanto o efeito obrigatório do precedente deriva da ratio decidendi.
O inciso V do art. 927 permite entender que também em sede de controle difuso os motivos determinantes poderiam ter feito vinculante, já que o termo “orientação” só pode significar decisão (órgão jurisdicional não tem natureza consultiva).
Em verdade, esse inciso cria uma hipótese de cláusula de abertura para contemplar a obrigatoriedade de diversas orientações firmadas no plenário ou órgão fracionário, que pode decorrer de uma decisão ou decisões reiteradas.
A Instrução Normativa 39, regulando a matéria, inclui dentre os precedentes obrigatórios as teses jurídicas prevalecentes em Tribunal Regional do Trabalho e não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho, bem como as decisões do plenário, do órgão especial ou de seção especializada competente para uniformizar a jurisprudência do tribunal a que o juiz estiver vinculado ou do Tribunal Superior do Trabalho.
Élisson Miessa (2016) defende que nesse inciso se inserem as súmulas dos tribunais regionais, as quais obrigam o próprio tribunal e os juízes a ele vinculados.
Nesse caminho, o enunciado 167 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: Os tribunais regionais do trabalho estão vinculados aos enunciados de suas próprias súmulas e aos seus precedentes em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas.
Ainda sob o rol do art. 927 do CPC pairam diversas dívidas, decorrentes das inovações que trazem à sistemática processual.
A primeira consiste em definir a natureza do rol do art. 927 do CPC. Parte da doutrina entende que se trata de rol meramente exemplificativo, admitindo inclusive a obrigatoriedade das decisões de turmas ou seções dos tribunais superiores, com fulcro no art. 926 do CPC – estabilidade da jurisprudência.
Há quem pense de forma diversa. Embora o art. 926 absorva a teoria dos precedentes, impondo que os tribunais devem manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente, bem como o art. 927, V, crie uma norma mais aberta, pensamos que o rol é taxativo, não se permitindo a existência de precedentes obrigatórios decorrentes de decisões de turmas, seções e muito menos decisões monocráticas e sentenças. Esse entendimento observa que o legislador pátrio não importou, genuinamente, os precedentes da common law, fazendo as adaptações necessárias para que a teoria pudesse se enquadrar no nosso ordenamento.
Também subsiste muita dúvida quanto aos efeitos dessas disposições legais em relação às decisões anteriores à vigência do CPC, mormente pela existência de súmulas e decisões contraditórias, entendendo Daniel Assumpção que seria mais prático prestigiar a segurança jurídica, atribuindo eficácia ex nunc às disposições, ou seja, somente as súmulas editadas e os precedentes formados na vigência do CPC devem ter eficácia vinculante.
O TST tem caminhado no mesmo sentido, considerando como jurisprudência persuasiva os julgados proferidos antes do CPC de 2015, e, a partir daí, constituirá precedente obrigatório a decisão que enfrente todos os principais argumentos relacionados à questão de direito posta na moldura do caso concreto.
Ainda sobre a vinculação dos efeitos, as decisões proferidas em controle concentrado e as súmulas vinculantes são impugnáveis por reclamação, bem como as decisões em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência (art. 988, CPC - Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência). Os demais decisões que geram precedentes, no entanto, não gozam da mesma proteção, sendo necessária a via recursal.
Em decorrência de divergência no método de impugnação, no segundo caso – não cabimento da reclamação - observa-se no plano prático uma eficácia apenas persuasiva, pois a decisão é recorrida da mesma forma que qualquer outra.
Quanto ao precedente formado no julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos, o mesmo art. 988, no seu §5º, prevê que é inadmissível a reclamação antes do esgotamento das instâncias ordinárias: “II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias”.
É mais um caso de vinculação limitada do precedente, que existe o exaurimento das instâncias ordinárias para a utilização de reclamação. O legislador, no caso, prestigiou o entendimento de que a reclamação não pode ser utilizada como sucedâneo recursal.
Contudo, destaca-se que a teoria dos precedentes não impõe a existência de um mecanismo específico para fazer valer sua obrigatoriedade. Isso porque a não aplicação do precedente, quando era o caso de aplicá-lo, provocará um julgamento com error in judicando ou error in procedendo, possibilitando sua anulação ou modificação em grau recursal.
Como o CPC não restringe os tribunais passíveis de reclamação, prevalece o entendimento que a reclamação será permitida na Justiça Trabalhista, para a garantia da observância decisões proferidas em julgamento de casos repetitivos e em incidência de assunção de competência, entre outras, como forma de garantir as decisões do tribunal, conforme dispõe o inciso II do artigo 988 (observar que é a regra expressa, quanto ao TST, pelo art. 111-A, §3º, da CF com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 92/2016: § 3º Compete ao Tribunal Superior do Trabalho processar e julgar, originariamente, a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões.)
Vale fazer menção ao entendimento do ministro Walmir Oliveira da Costa sobre a aplicação da reclamação:
AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. DECISÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PARA A COBRANÇA DE PRECATÓRIO PROFERIDO EM DATA ANTERIOR À VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PRECEDENTE OBRIGATÓRIO. NÃO-CONFIGURAÇÃO. I - Na hipótese, a petição inicial da Reclamação foi liminarmente indeferida, por manifestamente incabível a medida eleita. II - O instituto da Reclamação possui natureza jurídica de ação de competência originária dos tribunais, cabível para preservar sua competência, garantir a autoridade de suas decisões e observância de precedente oriundo de julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência, na forma do art. 988, I a IV, do CPC de 2015, sendo aplicável ao Processo do Trabalho nos termos do art. 3º, XXVII, da Instrução Normativa nº 39 desta Corte. III - Admite-se, ainda, de acordo com o CPC de 2015, Reclamação contra decisão que não observe precedente oriundo de julgamento de recurso especial (ou recurso de revista) repetitivo. IV - Conforme abalizada doutrina, “não se devem confundir ‘precedente’ e ‘jurisprudência’. Das decisões proferidas no passado não se extraem, necessariamente, precedentes que influenciarão no julgamento de casos futuros. Precedente não é igual a jurisprudência, nem a Súmula (art. 489, § 1º, V e VI, do CPC de 2015). Do art. 988, IV, do CPC de 2015, extrai-se que o precedente está na decisão, isto é, o precedente é proferido no julgamento de caso repetitivo. Nem toda decisão judicial é um precedente”. V – Em tal contexto, o acórdão do Órgão Especial deste Tribunal, indicado pela autora, não configura precedente obrigatório, tampouco é oriundo de decisão em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência, sendo proferido em procedimento administrativo de precatório, portanto sem índole judicial, sob a égide da legislação anterior às alterações promovidas pela Lei nº 13.015/14 e ao CPC de 2015. Constitui, a rigor, jurisprudência persuasiva, não vinculante, portanto. Agravo regimental a que se nega provimento. PROCESSO Nº TST-AgR-Rcl-6852-59.2016.5.00.0000
Importa destacar que em tal julgamento o ministro deixou claro seu entendimento de que não é admitida a reclamação quando não esgotadas as instâncias ordinárias, com base no já citado art. 988, §5º, II, do CPC e na linha de jurisprudência do STJ, mormente na hipótese em que a parte já se utilizou do recurso cabível, não julgado. Infere-se do julgado, ainda, que para o julgador o acórdão de Órgão Especial que limita-se a seguir julgados, sem analisar os principais argumentos pertinentes à questão de direito não constitui precedente obrigatório a que se refere o inciso V do art. 927 do CPC.
Ademais, o Órgão Especial do TST (TST) não tem admitido reclamações contra decisões que não seguiram súmula ou orientação jurisprudencial. Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (CPC), advogados trabalhistas tentaram argumentar que a jurisprudência deveria ser adotada pelas demais instâncias e decisões contrárias reformadas diretamente no TST, sem que tenham que seguir todo o percurso previsto para os recursos.
Os pedidos têm sido fundamentados no inciso V do artigo 927 do CPC e também no inciso I e II do artigo 988, que dispõe que caberá reclamação da parte interessada para preservar a competência do tribunal e garantir a autoridade das decisões.
Para os ministros, a medida seria cabível apenas para decisões em incidente de resolução de demandas repetitivas e em incidente de assunção de competência (que envolve relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos), ou ainda quando há desrespeito à decisão em outro processo do qual o reclamante figurou como parte.
O ministro João Oreste Dalazen, nessas oportunidades, já expôs o entendimento que súmulas e orientações jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho não ostentam eficácia coercitiva, sendo tão-somente persuasiva. Tratar-se-iam apenas de entendimentos reiterados, formado por meio do exame de situações pretéritas e semelhantes, não se enquadrando no conceito de decisão.
Acerca da necessidade de encerramento das instâncias ordinárias, Dalazen já deixou claro (Reclamação 1595119.2017.5.00.0000) que:
“A teor do que expressamente dispõe o § 5º do artigo 988 do CPC/2015, aplicável, por analogia, ao julgamento de incidente de recurso de revista e de embargos repetitivo, é inadmissível Reclamação proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.”
Cuida-se, por conseguinte, de decisão, em tese, passível de reforma mediante a interposição de recurso próprio perante o Tribunal Superior do Trabalho. Não desafia, assim, ao menos de momento, o manejo de Reclamação Constitucional.
De sorte que, no caso, não esgotadas as instâncias recursais trabalhistas, afigura-se-me inadmissível a presente Reclamação, à luz do artigo 988, § 5º, do CPC de 2015”.
Tais decisões, demonstram, portanto, como o Tribunal Superior do Trabalho tem tratado a reclamação constitucional em face dos precedentes judiciais.
5 CONCLUSÃO
Diante desse estudo, pôde-se observar que a jurisprudência e doutrina tendem a concordar com a mudança de paradigma ocorrida no sistema brasileiro, que passa a equilibrar a força cogente da legislação com a existência de precedentes com força vinculante.
Há uma quebra, portanto, da tradição histórica, e uma evolução da sistemática jurídica para buscar a uniformidade da jurisprudência, bem como sua estabilidade, integridade e coerência.
O processo do trabalho também deverá adequar-se à norma processual civilista, tendo em vista que a ele é aplicável, conforme já entendeu o Tribunal Superior do Trabalho na Instrução Normativa nº 39.
Contudo, o Tribunal Superior do Trabalho fez mais do que prever a incidência do 927 do CPC na Justiça do Trabalho; adaptou a legislação civilista às necessidades do direito laboral, mormente as previsões abertas que poderiam causar dúvidas na aplicação pelos juízes e tribunais trabalhistas.
Ademais, as decisões do TST têm norteado, e continuarão a nortear, o real alcance da sistemática dos precedentes vinculantes na dinâmica trabalhista, bem como o cabimento dos instrumentos que garantem a autoridade das decisões judiciais que devem ser obrigatoriamente observadas.
Busca-se, com tudo isso, a concordância harmônica de influências de duas famílias jurídicas, valorizando-se tanto a primazia da legalidade quanto a segurança jurídica que deve basilar a aplicação e interpretação do direito.
REFERÊNCIAS
DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito Contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão e pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera - Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHEIRO, Leonardo Fernandes. A eficácia vinculante do artigo 927 do CPC e sua aplicação no Processo do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51942/a-eficacia-vinculante-do-artigo-927-do-cpc-e-sua-aplicacao-no-processo-do-trabalho. Acesso em: 02 nov 2024.
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