Resumo: O presente artigo tem por problemática aferir a juridicidade do Projeto de Lei do Senado nº 602/2015, disponente sobre a criação de um Balcão Único de Licenciamento Ambiental e que intenta estabelecer procedimentos para o processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos considerados estratégicos e prioritários para o Estado, na medida em que a aludida proposta legislativa tornou-se tema candente com a movimentação do Projeto de Lei do Senado nº 168, de 2018 (“Lei Geral do Licenciamento Ambiental) no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. Nesta senda, este estudo intenta contribuir para o debate da questão, a fim de que a despeito da busca de uma solução que torne o licenciamento ambiental mais eficiente e menos moroso, não haja violação ao sistema de iniciativas privativas constantes da Constituição Republicana de 1988. Enfrentar estes dois pontos à Luz da Constituição Verde de 1988 é a hipótese-chave a ser considerada neste trabalho.
Palavras-Chaves: Projeto de Lei do Senado nº 602/2015 e a figura do balcão único de licenciamento ambiental. Direito Constitucional. Controle de Juridicidade. Balcão único como órgão. Iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 3. Conclusão. 4. Referências.
1. Introdução
Apresentado no Protocolo do Senado Federal em 09/09/2015, o Projeto de Lei do Senado nº 602/2015 “Dispõe sobre a criação do Balcão Único de Licenciamento Ambiental, estabelece procedimento para o processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos considerados estratégicos e prioritários para o Estado e dá outras providências” [1]. Em síntese, a mens legislatoris é atribuir celeridade à tramitação dos processos administrativos de licenciamento ambiental. O próprio autor da proposta reconhece a importância do licenciamento ambiental como um instrumento da política ambiental importante para a defesa, preservação e conservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito natural, fundamental e humano, contudo, não descura que o instituto, na forma como vem sendo operacionalizado no mundo dos fatos, vem atravancando inúmeros empreendimentos com a morosidade na tramitação, sobretudo no caso de licenciamento de obras mais complexas. Eis a justificação da proposta legislativa, textus[2]:
O avanço do Brasil rumo ao desenvolvimento pressupõe uma série de políticas, planos, programas e projetos em diversos campos, como energia, saneamento, infraestrutura, agricultura, transporte, dentre outros. E não basta apenas se avançar; é necessário se avançar logo, sem se descuidar de um de nossos maiores patrimônios: os recursos naturais.
De fato, o uso sustentável dos recursos naturais não implica coibir o desenvolvimento nacional, mas em conformar o referido uso à realidade, como, por exemplo, o fato de que alguns recursos são escassos e precisam ser racionalmente utilizados.
Sabemos, no entanto, que diversos empreendimentos necessários, como, por exemplo, os ligados ao setor elétrico, têm enfrentado severas dificuldades no licenciamento ambiental. Infelizmente, esse importante e necessário instrumento da política ambiental vem se tornando palco de discussões pouco técnicas e mais voltadas a interesses que não o desenvolvimento sustentável. O resultado tem sido o enorme atraso na concessão de licenças e o não menor prejuízo econômico e social.
A presente proposta legislativa procura aprimorar o arcabouço legal, por meio da criação de colegiado específico, denominado Balcão Único de Licenciamento Ambiental, cujos membros pertençam aos diferentes órgãos e entidades participantes do processo de licenciamento ambiental, no nível federal: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; Ministério da Saúde; Fundação Cultural Palmares; e Fundação Nacional do Índio. Esses órgãos serão coordenados pelo IBAMA.
Espera-se, com essa estrutura concentrada, agilizar a tramitação dos procedimentos de licenciamento ambiental.
O balcão único ficará responsável pelo licenciamento ambiental não de todos os projetos, mas apenas daqueles considerados estratégicos e prioritários para o Estado. Importa que esse balcão atue desde a fase de concepção da proposta, de modo que ela já nasça revestida de preocupações ambientais, facilitando assim sua aprovação quando do licenciamento ambiental.
Pela nossa proposta, caberá ao Congresso Nacional aprovar esses planos, projetos e programas, definidos pelo Executivo como estratégicos e prioritários, para que possam fazer jus ao crivo do balcão único de licenciamento ambiental. Isso assegurará o adequado uso desse instrumento, evitando sua desvirtuação.
Diante da relevância do tema, contamos, desde já, com o pleno apoio de nossos ilustres Pares para a rápida aprovação da proposta.
Por envolver a temática do licenciamento ambiental, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente mais incompreendido - e não raras vezes apontado como ícone do obstáculo ao desenvolvimento -, a mídia tem acompanhado a tramitação do PLS, sobretudo porque o Congresso Nacional está gestando a lei geral do licenciamento ambiental, o PLS nº 168/2018. Invariavelmente, o Poder Executivo Federal foi concitado a manifestar-se, como sói a ocorrer com todos os Projetos de Leis que correm no Parlamento Nacional. O caso, portanto, tramita no âmbito do Ministério do Meio Ambiente no Processo Administrativo nº 02000.001652/2015-81.
Em que pese a possibilidade do PLS, caso aprovado, pretender resolver um nó górdio considerável no que tange ao licenciamento ambiental, a separação das funções do Estado e o devido processo legislativo não podem ser ignorados. É neste contexto, posto que principal óbice ao PLS, que se passa a abordar cada qual dos pontos referidos.
2. Desenvolvimento
O Projeto de Lei do Senado nº 602/2015 versa sobre a criação e funcionamento de um Balcão Único de Licenciamento ambiental, composto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), como órgão licenciador federal, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), Ministério da Saúde (MS), Fundação Cultural Palmares (FCP) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Tal Balcão, que teria a natureza jurídica de órgão, seria responsável pelo procedimento de licenciamento ambiental dos empreendimentos considerados estratégicos e prioritários para o Estado, os quais deveriam ser submetidos pelo Poder Executivo à apreciação do Senado Federal (art. 2º), instruídos com Termos de Referência padronizados por tipologia de empreendimento e de conteúdo mínimo, conforme regulamento, de competência do próprio Balcão Único de Licenciamento (art. 7º).
Por ser fundamento de validade de todo o sistema, a ideia de que a Constituição deve ser juridicamente garantida está intrinsecamente relacionada ao enrijecimento do sistema de controle de atos que, com ela forem incompatíveis. Eis o entendimento pacífico de que não basta que a Constituição outorgue garantias; tem, por seu turno, que ser garantida.[3]
Com seu escopo de proteção, dada sua grande importância para todo o sistema jurídico, o princípio da constitucionalidade exige para a validade de todos os atos dentro do ordenamento regidos por certa Constituição, que todos sejam exarados em conformidade com seus preceitos. A observância das determinações constitucionais termina por ser um requisito de validade a ser observado em toda manifestação jurídica.
O princípio da constitucionalidade deve informar, obrigatoriamente, toda a estrutura componente do Estado, gerando impacto nos três poderes. Não apenas a atividade criativa individualizada de proferir decisões deve estar em uníssono à nossa Constituição Federal/88, mas também a feitura das normas, a fiscalização de como o ordenamento é aplicado e a execução direta e indireta das espécies normativas.
Funciona o aludido mandamento de otimização como verdadeira garantia à observância da Lei Maior. A sanção pelo descumprimento de tais preceitos é invalidade do ato, por meio de sua declaração de nulidade. Rui Medeiros[4] afirma, em defesa de tal princípio, que os atos devem ser praticados por quem for constitucionalmente competente, observando a forma e o iter constitucional prescrito, sem distanciar em momento algum do conteúdo, princípio ou preceito disposto na Constituição.
Decorrente da validade ou invalidade de um ato, preciosa é a lição de Jorge Miranda, quando afirma que “constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação: a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – uma norma ou um ato – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível”[5].
Analisando com detença o caso em disceptação, no que tange à constitucionalidade da proposta matriz do referido projeto, verifica-se vício inerente à distribuição de competências para criação de um órgão na estrutura da Administração Pública Federal, com fulcro no artigo 61, § 1º, II, “e”, da Carta de Competências de 1988, incorrendo o PLS, portanto, em inconstitucionalidade formal subjetiva.
Conforme o artigo supracitado, a criação de Ministérios e outros órgãos no seio da Administração Pública Federal é competência constitucionalmente posta como de exclusiva iniciativa do Presidente da República. Uma vez que a criação do Balcão Único de Licenciamento Ambiental tenha sido proposta por iniciativa do Senado Federal, por meio de Senador da República, a inconstitucionalidade formal dar-se-á pela não observância dos requisitos formais para a criação de diplomas primários, isto é, violação de reserva de competência. Imperiosa é a leitura do aludido dispositivo constitucional, in integrum:
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
II - disponham sobre:
(...)
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI
É importante destacar que o aludido art. 61, §1º, II, “e” da CRFB/88 constitui consectário da teoria da separação das funções do Estado (separação dos poderes), constante do art. 2º da Lei Maior. Insere-se na independência do Poder Executivo a propositura, com exclusividade, de proposta legislativa que intente criar órgãos em sua estrutura. Como a Constituição deve ser interpretada de forma una (princípio da unidade constitucional), o PLS em liça também viola o art. 2º
Firmada a inconstitucionalidade do art. 4º, quid iuris em relação aos demais (artigos) que têm por escopo dispor sobre o tal Balcão Único? Aqui é imprescindível invocar a questão da inconstitucionalidade por arrastamento, ou por reverberação normativa, ou ainda inconstitucionalidade consequente de preceitos não impugnados, de ampla aplicação pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Segundo a Corte Excelsa, incorrendo em vício formal de inconstitucionalidade o artigo-núcleo de determinada norma, por estrita conexão e interdependência jurídica, também os dispositivos subsequentes e a ele concatenados devem ser objeto igualmente dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Também cumpre observar, preliminarmente, o Princípio da Unidade, sobre o qual estão alicerçados os ditames da intepretação normativa, e segundo o qual um dispositivo deverá ser considerado em sua integridade, a fim de esquivar-se de possíveis equívocos respeitantes à apreciação regulamentar da norma em questão.
Cai a lanço notar que, em havendo obrigação decorrente do Princípio da Unidade em se ponderar a complexidade normativa sob mesma ambulação e em concomitância, imperativa é, portanto, nos casos em que se apresenta inconstitucionalidade formal do artigo precípuo do dispositivo em questão, também a reverberação, como consequência direta, dos efeitos da inconstitucionalidade sobre os demais pressupostos abrangidos pela norma em análise. À guisa de exemplos, cita-se o voto do brilhante Ministro Celso de Mello no julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 437-QO, no qual traz à baila os ensinamentos de CANOTILHO sobre inconstitucionalidade por arrastamento “pela conexão ou interdependência de certos preceitos com os preceitos especificamente impugnados.” Presta-se, similarmente, a estes fins citar o voto do Ministro Carlos Veloso no julgamento da ADI nº 2.895-2/AL, no qual é também tratado o conceito de inconstitucionalidade por arrastamento e suas implicações
“Todavia, quando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma afeta um sistema normativo dela dependente, ou, em virtude da declaração de inconstitucionalidade, normas subsequentes são afetadas pela declaração, a declaração de inconstitucionalidade pode ser estendida a estas, porque ocorrente o fenômeno da inconstitucionalidade por “arrastamento” ou “atração”.
In casu, como corolário da inconstitucionalidade formal sinalizada no artigo 4º do Projeto de Lei do Senado nº 602/2015, somada à inconstitucionalidade por reverberação normativa, tem-se que os dispositivos circundantes ao artigo-núcleo do supracitado Projeto estão também inquinados dos mesmos efeitos, resultando na inadequação da proposta por inconstitucionalidade, ou seja, todos os demais dispositivos do referido Projeto de Lei são juridicamente inválidos.
3. Conclusão
À luz do exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade formal subjetiva do PLS nº 595/2015 (redação originária).
4. Referências
[1] Íntegra disponível em <<http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/123104 >>. Acesso em 06 fev. 2018.
[2] Justificação apresentada com o PLS. Disponível em <<https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3654757&disposition=inline >>. Acesso em 06 fev. 2018.
[3] MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Reim., Coimbra Ed., 1996, p.77.
[4] MEDEIROS, Rui. A Decisão de inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Católica Ed., 1999, p.168.
[5]MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Reim., Coimbra Ed., 1996, p.11.
Advogado da União atuante na Coordenação-Geral de Matéria Finalística da Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Meio Ambiente - CONJUR/MMA. "Advogado Referência em Licenciamento Ambiental e Legislação Florestal". Ex-Coordenador-Geral de Assuntos Jurídicos da CONJUR/MMA. Membro do Núcleo Especializado Sustentabilidade, Licitações e Contratos da Consultoria-Geral da União - NESLIC/CGU/AGU. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Administrativo. Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Professor de Direito Constitucional, Administrativo e Civil da Faculdade Asper/PB. Ex-Assessor de Juiz no Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Ex-Técnico Judiciário/Área Judiciária do TJPB; Ex-sócio do Escritório de Advocacia - Cleanto Gomes & Advogados Associados (João Pessoa/Paraíba).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEDEIROS, Olavo Moura Travassos de. A (in)constitucionalidade do Projeto de Lei do Senado nº 602/2015: tentativa de criação do denominado "balcão único de licenciamento ambiental" Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jul 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51997/a-in-constitucionalidade-do-projeto-de-lei-do-senado-no-602-2015-tentativa-de-criacao-do-denominado-quot-balcao-unico-de-licenciamento-ambiental-quot. Acesso em: 02 nov 2024.
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