Resumo: A responsabilidade tributária é tema de significativa relevância no âmbito do direito tributário e, frequentemente, possui reflexos nas sociedades empresárias. Quais as hipóteses nas quais poderia o administrador ser responsabilizado no âmbito do direito tributário? Qual a modalidade de responsabilidade seria a ele aplicado? Para o esclarecimento de tais questionamentos, debruça-se inicialmente sobre uma análise teórica das categorias de responsabilidade tributária para que se caminhe para a aplicação da responsabilidade ao administrador da pessoa jurídica. Ademais, são analisados casos em que a responsabilidade do administrador é estabelecida jurisprudencialmente, como forma de proteção da empresa, de seu administrador e da sociedade.
Palavras-chave: responsabilidade tributária, responsabilidade solidária, administrador, inadimplemento, sonegação, dolo, culpa.
Sumário: Responsabilidade Tributária do Administrador de Pessoa Jurídica. 1 Introdução. 2 A Sujeição Passiva e suas modalidades. 3 Classificação da Responsabilidade Tributária. 3.1 Responsabilidade de Terceiros não decorrente de Infrações Fiscais. 3.2 Responsabilidade de Terceiros decorrente de Infrações Fiscais. 4 Desconsideração da Personalidade Jurídica no âmbito tributário? 4.1 Responsabilidade do Contribuinte no caso de prática de irregularidades pelo administrador. 4.2 Inclusão do administrador no polo passivo quando dos Lançamentos de Ofício. 5 Responsabilidade do administrador no caso de dissolução irregular da sociedade. 6 Mero Inadimplemento. 6.1 Necessária distinção entre mero inadimplemento e sonegação fiscal. 7 Comprovação de dolo ou culpa. 8 Conclusão. 9 Referências Bibliográficas.
O presente artigo tem por objetivo analisar a abrangência da responsabilidade solidária dos indivíduos que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária principal, especialmente a dos administradores da pessoa jurídica. Trata-se de matéria de difícil solução, inserida no estudo da responsabilidade tributária que, por sua vez, abrange as maiores controvérsias no campo do direito tributário.[1]
Nesse sentido, relevante a manifestação de Machado[2]:
Questão de grande relevância, em matéria de responsabilidade tributária, consiste em determinar o alcance do art. 135, inciso III, do CTN, e assim saber em que circunstâncias os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado respondem pelos créditos tributários dos quais sejam estas contribuintes. É claro que, em se tratando de sociedades nas quais a lei específica não limita a responsabilidade dos sócios, não há qualquer dificuldade. Entretanto, nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada e nas sociedades anônimas a questão é tormentosa.
O considerável número de casos colocados em julgamento pelo Judiciário evidencia a importância prática da questão, e as divergências dos julgados demonstram como a matéria constitui uma questão extremamente difícil.
Assim, para a análise aqui desenvolvida, são apresentados conceitos teóricos centrais relativos à sujeição passiva, incluindo sua caracterização como elemento da obrigação tributária, modalidades e classificações. Esse embasamento teórico é necessário para a correta aplicação dos arts. 124 e 135 do Código Tributário Nacional (CTN)[3]. Ademais, são apresentadas, ao longo do presente trabalho, as posições mais recentes e relevantes de tribunais e da legislação aplicável.
Quais as situações em que o administrador da sociedade pode ser responsabilizado solidariamente? A proposta aqui é entender a extensão em que a jurisprudência aplica essa responsabilização e as variantes das hipóteses legais.
Enquanto um dos elementos da obrigação tributária[4], o sujeito passivo é apresentado pelo CTN em duas modalidades: (i) sujeito passivo da obrigação principal, pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (art. 121, caput, CTN); e (ii) sujeito passivo da obrigação acessória, pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto (art. 122, CTN).
O sujeito passivo da obrigação principal é, necessariamente, ocupante de uma posição de relevância na situação descrita em lei como fato gerador, seja como contribuinte seja como responsável, conforme a relação que se estabeleça com o objeto da tributação. Se a relação com o fato gerador for pessoal e direta, qualifica-se o sujeito passivo como contribuinte, conforme redação do art. 121, inciso I, do CTN.
A relação pessoal é tida quando o direito é exercido por seu titular, sem representação por terceiro. A título exemplificativo, em uma venda de mercadoria, o titular do direito da venda é a pessoa que detém a sua propriedade. O preposto deste, encarregado de executar a venda, relaciona-se diretamente com o comprador, porém representa terceira pessoa, a titular do direito, razão pela qual não pode ser qualificado como contribuinte.
A relação direta relaciona-se à posição do sujeito em relação ao fato. Para a caracterização como contribuinte, a participação do sujeito deve ser nuclear, determinante para a ocorrência do fato gerador. Como exemplo, a pessoa que vende mercadoria tributada é contribuinte do ICMS. Na operação realizada pelo revendedor varejista, este é o contribuinte do imposto. Ainda que relevante a marca e a qualidade do produto vendido, o industrial não tem participação direta no fato gerador do tributo, razão pela qual não é contribuinte em relação a esta operação.
Em resumo, o contribuinte realiza o fato descrito em lei como gerador da obrigação tributária.
Não sendo a relação pessoal e direta, qualifica-se o sujeito passivo como responsável descrito no art. 121, parágrafo único, inciso II, do CTN. Ressalte-se que a responsabilidade aqui referida pode ser expressamente atribuída em lei a terceira pessoa vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação consoante o disposto no art. 128 do mesmo Código.
A classificação adotada pelo Código Tributário Nacional, quanto aos responsáveis, divide-se em: (i) dos sucessores; (ii) de terceiros; e (iii) do infrator. Quanto aos efeitos ou causas, Paulsen[5] propõe uma classificação segmentada em (i) solidária; (ii) pessoal; e (iii) subsidiária.
Na responsabilidade solidária são obrigados aqueles que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal – solidariedade de fato ou natural (CTN, art. 124, I) – e aqueles expressamente designados por lei – solidariedade de direito ou legal (CTN, art. 124, II). Em ambos os casos, a determinação legal é que a solidariedade não comporta benefício de ordem. Paulsen defende que só haverá solidariedade entre responsável e contribuinte quando a lei expressamente assim determine.[6] Na mesma linha, Alexandre[7] sustenta que:
A existência de uma solidariedade dita “de fato” não afasta a conclusão de que a solidariedade sempre decorre da lei, só que, nesta situação, a “lei” é o próprio CTN. Assim, a solidariedade dita “de direito” refere-se aos casos previstos nas leis tributárias específicas dos tributos a que se refiram.
A responsabilidade pessoal, por sua vez, quando exclusiva, é determinada pela referência expressa ao caráter pessoal ou revelada pelo desaparecimento do contribuinte originário, pela referência à sub-rogação ou pela referência à responsabilidade integral do terceiro em contraposição à sua responsabilização ao lado do contribuinte. São pessoais as responsabilidades dos arts. 130, 131, 132, 133, I, e 135[8] do CTN.
A responsabilidade subsidiária, por fim, verifica-se quando a exigência primária do contribuinte for frustrada, sendo necessário o acionamento do responsável. É o caso mais típico de responsabilidade. Na falta de dispositivo em sentido contrário, presume-se a subsidiariedade. Dentre as hipóteses de responsabilidade previstas no próprio CTN, são subsidiárias as dos arts. 133, II, e 134. O STJ igualmente se refere à hipótese do art. 135 como se de responsabilidade subsidiária se tratasse.
Particularidade relevante é a disciplina observada no art. 134 do CTN, que arrola como responsáveis tributários os pais, tutores, curadores, administradores de bens, inventariante, síndico ou comissário, tabeliães e sócios nas liquidações de sociedades de pessoas.
A responsabilidade solidária prevista no caput, é objeto de frequentes críticas. Para Amaro, o dispositivo trata de responsabilidade subsidiária, ao invés de solidária, pois esta não comporta benefício de ordem.[9] Na mesma linha se manifestou o STJ[10]. Já para Denari, trata-se de responsabilidade solidária, mas em via subsidiária, pois primeiro devem ser excutidos os bens do contribuinte.[11]
Qualquer que seja a modalidade, conforme disposto no parágrafo único do mencionado artigo, a responsabilidade regulada somente se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.
A ser igualmente ressaltado é o assunto tratado no art. 135 do CTN, o qual dispõe acerca da responsabilidade pessoal das pessoas referidas no art. 134; dos mandatários, prepostos e empregados; e dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração a lei, contrato social ou estatutos.
Para Denari[12], trata-se de responsabilidade por fraude à lei, em que a falta de recolhimento do tributo deriva de evasão tributária e a sanção aplicada pelo julgador é a de desconsideração da personalidade jurídica da empresa para responsabilizar pessoalmente os diretores e gerentes de sociedades de capital (sociedades anônimas ou limitadas). Afirma o tributarista que:
[…] os sócios-gerentes de limitadas e os diretores de sociedades anônimas não respondem, em linha de princípio, por todos os débitos fiscais, mas somente por aqueles resultantes da inobservância dos preceitos básicos que concorrem para a formação do crédito tributário. Assim, quando uma sociedade comercial pratica um ilícito fiscal, fica sujeita à lavratura de auto de infração, que irá apurar uma obrigação tributária resultante de infração da lei, como resulta da expressa dicção normativa do art. 135. Nesta detida hipótese, portanto, a responsabilidade do gestor da empresa se personaliza.
Como se decalca, o propósito do legislador, foi o de responsabilizar pessoalmente os sócios gerentes e administradores de empresas privadas quanto às obrigações tributárias resultantes de sonegação, fraude à lei ou irregularidades constatadas pela fiscalização.
A desconsideração da personalidade jurídica, implementada inicialmente na Inglaterra e desenvolvida teoricamente na Alemanha, tem por objetivo a proteção de terceiros nos casos em que a empresa seja utilizada indevidamente, com fraude ou abuso.
Destaque-se que a responsabilização dos administradores pelas dívidas tributárias da empresa, em razão dos atos que praticarem com infração à lei, conforme o art. 135, III do CTN não caracteriza o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, em sentido estrito.[13]
É que, enquanto a desconsideração geralmente se opera por decisão do juiz, na esfera tributária a responsabilidade do administrador pode ser atribuída sem a exclusão da responsabilidade da empresa, pela autoridade fiscal no momento da lavratura do auto de infração, desde que presentes os requisitos legais e indicada a conduta praticada, constituindo fundamentação legal do lançamento.
Nessa senda, e defendendo a necessidade de previsão expressa de lei para a definição do responsável tributário, Amaro adverte que[14]:
[…] não cabe, em nosso direito tributário, a desconsideração da pessoa jurídica, nos termos em que a entendemos. A doutrina costuma distinguir duas diferentes situações em que o problema pode ser examinado: a desconsideração feita pelo legislador e a feita pelo juiz. Com base nessa distinção, têm-se procurado exemplos de desconsideração no direito positivo brasileiro, nas situações em que o legislador prevê a responsabilidade solidária ou subsidiária de terceiros. Ora, nesses casos, não há desconsideração da pessoa jurídica, como já sustentamos alhures, e, anteriormente, já dissera Gilberto de Ulhôa Canto.
É importante referir essa distinção porque nossa lei tributária apresenta vários exemplos em que a responsabilidade de uma pessoa jurídica é imputada a terceiros, solidária ou subsidiariamente. Não existe aí desconsideração da pessoa jurídica. O que se dá é que, independentemente da forma societária adotada (por exemplo, sociedade cujo sócio seja ilimitadamente responsável, ou sociedade onde ele tenha sua responsabilidade limitada ao capital), a lei tributária, em certas situações, atribui, de modo expresso, a responsabilidade tributária (subsidiária, solidária ou exclusiva) à pessoa do sócio. Veremos diversos exemplos ao tratar da responsabilidade tributária.
Resta examinar a desconsideração da pessoa jurídica (propriamente dita), que seria feita pelo juiz, para responsabilizar outra pessoa (o sócio), sem apoio em prévia descrição legal de hipótese de responsabilização do terceiro, à qual a situação concreta pudesse corresponder. Nessa formulação teórica da doutrina da desconsideração, não vemos possibilidade de sua aplicação em nosso direito tributário. Nas diversas situações em que o legislador quer levar a responsabilidade tributária além dos limites da pessoa jurídica, ele descreve as demais pessoas vinculadas ao cumprimento da obrigação tributária. Trata-se, ademais, de preceito do próprio Código Tributário Nacional, que, na definição do responsável tributário, exige norma expressa de lei (arts. 121, parágrafo único, II, e 128), o que, aliás, representa decorrência do princípio da legalidade. Sem expressa disposição de lei, que eleja terceiro como responsável em dadas hipóteses descritas pelo legislador, não é lícito ao aplicador da lei ignorar (ou desconsiderar) o sujeito passivo legalmente definido e imputar a responsabilidade tributária a terceiro.
É imperioso destacar que para que o contribuinte seja excluído do polo passivo, necessário se faz comprovar que tenha sido vítima do ato praticado pelo administrador. Inexistindo tal comprovação, a responsabilidade pessoal do administrador não exclui a responsabilidade da sociedade empresária, que permanece com seu status legal de contribuinte.
Nesse sentido posiciona-se Amaro:[15]
Para que a responsabilidade se desloque do contribuinte para o terceiro, é preciso que o ato por este praticado escape totalmente das atribuições de gestão ou administração, o que frequentemente se dá em situações nas quais o representado ou administrado é (no plano privado), assim como o Fisco (no plano público), vítima de ilicitude praticada pelo representante ou administrador.
Na mesma direção manifesta-se Machado[16]:
[…] a responsabilidade do contribuinte decorre de sua condição de sujeito passivo direto da relação obrigacional tributária. Independe de disposição legal que expressamente a estabeleça. Assim, em se tratando de responsabilidade inerente á própria condição de contribuinte, não e razoável admitir-se que desapareça sem que a lei o diga expressamente. Isto, aliás, e o que se depreende do disposto no art. 128 do Código Tributário Nacional, segundo o qual “a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação” Pela mesma razão que se exige dispositivo legal expresso para a atribuição da responsabilidade a terceiro, também se há de exigir dispositivo legal expresso para excluir a responsabilidade do contribuinte.
Nos casos em que ficar caracterizada a infração prescrita no art. 135, inciso III, do CTN, a autoridade fiscal deve incluir no polo passivo o administrador como solidário da sociedade empresarial. Nessa situação, será garantido ao administrado a ampla defesa e o contraditório, na esfera administrativa.
Caso confirmada a responsabilidade, da certidão de inscrição do débito deverão constar a fundamentação e a identificação do sócio[17], como requisitos formais à responsabilização. Essa exigência é fundamental sob o aspecto da proteção do contribuinte, empresa, administrador e sócio, do princípio da não-surpresa e do devido processo legal.
A dissolução irregular da sociedade empresarial associada ao descumprimento de obrigações, na esfera tributária, enseja a responsabilidade pessoal dos administradores pelas sociedade, conforme o art. 135, inciso III, do CTN. Há, nesses casos, uma presunção de que os administradores se apropriaram dos bens pertencentes à sociedade. Presume-se, assim, dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar, sem comunicação, no endereço declarado aos órgãos competentes. Observada a dissolução irregular, legitima-se o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente, conforme definido pelo enunciado sumular nª 435 do Superior Tribunal de Justiça.
Registre-se que a responsabilidade aqui tratada recai sobre aquele que detinha os poderes de administração no momento da dissolução irregular, sendo irrelevante o momento da ocorrência dos fatos geradores, segundo o entendimento mais recente da 2ª Turma do STJ[18].
O mero inadimplemento não constitui, isoladamente, circunstância suficiente para a responsabilização dos administradores, nos termos do art. 135, III, do CTN, como se dá no caso da dissolução irregular. Trata-se de uma interpretação do dispositivo pelos tribunais pátrios[19], tendo em vista a proteção dos dirigentes empresariais que, por circunstâncias alheias à sua vontade, não conseguem fazer com que as pessoas jurídicas pelas quais são responsáveis cumpram com suas obrigações pecuniárias, inclusive tributárias. Da mesma forma, a interpretação protege o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, segundo o qual os sócios não respondem pelas dívidas da empresa, ainda que dirigentes.
Como exceção ao entendimento anteriormente apresentado, em alguns casos, o Ministério Público sustenta que o imposto declarado mas não recolhido não constitui mero inadimplemento, na situação em que for cobrado de contribuinte de fato. Defende que o inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/1990 criminaliza a conduta do contribuinte que repassa o ônus financeiro do tributo a terceiro (valor do tributo), mas não recolhe o montante aos cofres públicos.
Com relação à tese ministerial, a jurisprudência possui divergências: acolhendo a tese ministerial, cf. STJ, REsp 1511304/GO, relator Ministro FELIX FISCHER, decisão publicada em 27/06/2016, pelo não acolhimento, cf. STJ, Recurso Especial nº 1543485/GO, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, Julgado em 5 de abril de 2016.
Para a apuração da responsabilidade do administrador da pessoa jurídica, é de relevo a distinção entre o mero inadimplemento e a sonegação fiscal. Conforme pontuado, mero inadimplemento não é suficiente para, isoladamente, caracterizar a responsabilidade do administrador. Por outro lado, a fraude destinada à supressão ou redução de tributo ou o domínio do fato, assentindo com o não pagamento do tributo devido, caracterizam a responsabilidade do administrador[20]. A constatação de venda de mercadorias sem documentação fiscal, por exemplo, com a finalidade de não pagamento de imposto devido, não caracterizam mero inadimplemento, mas fraude que aproveita ao administrador[21].
Não pagamento de tributo apurado em auditorias fiscais nas quais se constatem volumes significativos de mercadorias tributadas vendidas sem documentação fiscal não caracteriza mera inadimplência. Ao contrário, trata-se de prática sonegatória deliberada, que caracteriza concorrência desleal e subtração criminosa de recursos públicos, é sonegação tributária praticada pelos administradores com domínio do fato e em benefício próprio, caracterizando o uso ilícito da autonomia patrimonial.
Na diferenciação entre inadimplência e sonegação fiscal, o arrazoado de Pessoa[22]:
Assim, o simples fato de não pagar um tributo, dentro do prazo de vencimento, caracterizará uma mera inadimplência fiscal ou inadimplemento de uma obrigação tributária de natureza não criminal.
[…]
[...] os delitos considerados sonegações fiscais (crimes contra a ordem tributária e apropriação indébita previdenciária), são verdadeiras fraudes, simulações, falsificações, apropriações indevidas etc. Não devem restar dúvidas que são condutas completamente distintas da mera falta de quitação dentro do prazo legal de um débito tributário.
[...]
Existem diversas formas de sonegação fiscal, conforme bem exemplificado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – que apresentou uma pesquisa sobre as principais práticas delituosas cometidas pelos contribuintes brasileiros. In verbis: “venda sem nota; venda com meia nota; venda com calçamento de nota; duplicidade de numeração de nota fiscal; compra de notas fiscais; Passivo fictício ou saldo negativo de caixa; acréscimo patrimonial a descoberto (do sócio); deixar de recolher tributos descontados de terceiros; saldo de caixa elevado; distribuição disfarçada de lucros; doações irregulares; omissão de rendimentos etc.”
É importante destacar que o contribuinte que praticar a sonegação fiscal, conforme descrito acima poderá sofrer diversas implicações, como por exemplo: responsabilidade solidária entre os sócios; caracterização dos crimes de sonegação fiscal; indisponibilidade de bens; aplicação de multas elevadas que podem chegar a 225% (Lei Federal nº 9.532/97) etc.
Na linha de frente dos temas tormentosos, apresenta-se a necessidade de comprovação de dolo ou culpa para a caracterização da responsabilidade do administrador, sendo três as principais posições adotadas.
A primeira seria a de atribuição de responsabilidade solidária aos administradores no caso de prática de qualquer ato com contrário à lei, excetuado o mero inadimplemento, assim entendido como o imposto declarado pelo sujeito passivo e não pago, quando em decorrência de insolvência. Trata-se da interpretação literal do art. 135 do CTN, e da súmula nº 430 do STJ a contrário senso. É a posição mais severa em relação aos administradores, e, simultaneamente, a que confere maiores garantias ao crédito tributário.
A segunda seria a de configurar como responsáveis os administradores quando comprovado o dolo, ou no mínimo a culpa, nas infrações fiscais. Nessa linha, excluir-se-ia a responsabilidade dos administradores nos casos de erro escusável quanto à interpretação do fato ou do direito aplicável. Nesse sentido já se posicionou o STJ: no AgRg no AREsp 16813/GO, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, da 2ª Turma, em 2011.
A terceira, por fim, seria a de considerar o dolo, ainda que genérico, como essencial para a responsabilização dos administradores. Essa posição é, assim, a mais complacente com o administrador.
Com a análise das diversas facetas de cada uma das concepções, parece bastante razoável a não responsabilização dos administradores quando a falta de pagamento do tributo se der em razão de interpretação errônea da norma, nos hard cases, em razão da alta indagação jurídica, o que encontra lastro jurisprudencial.
Como exposto, a responsabilidade tributária dos administradores de pessoa jurídica é solidária e caracteriza-se pela materialização de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, mas excluída a mera inadimplência.
Dessa forma, a omissão deliberada de informações ao fisco, mediante não emissão de documentos ou não escrituração, quando geralmente exigidos, a não comprovação de exportação de mercadoria remetida para este fim e a utilização de benefício fiscal sem o cumprimento de condição exigida, que resultem em falta de pagamento de tributo devido, não caracterizam mera inadimplência, determinando, portanto, a responsabilidade dos administradores. A dissolução irregular da sociedade caracteriza, igualmente, a responsabilidade do administrador, independentemente do momento da ocorrência do fato gerador.
No entanto, além dos casos em que houver mero inadimplemento, quando a irregularidade for cometida em razão de prejuízo objetivo da empresa e de seus sócios, como no caso de furto, não há responsabilidade do administrador, entendendo a jurisprudência ser necessária a comprovação de culpa para a responsabilização.
Assim, de toda a análise tecida nesse artigo, depreende-se que serão responsáveis solidariamente os que possuam interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal ou aqueles designados por lei, entre eles o administrador. No entanto, precisas têm sido as intervenções jurisprudenciais no sentido de limitar a responsabilização do administrador, como nos casos de mero inadimplemento, nos hard cases, em que a prescrição normativa não é precisa, ou ainda quando não houve dolo ou culpa, proporcionando maior distanciamento entre a pessoa jurídica e sua administração que, mais protegida, incentiva investimentos e a continuidade da atividade empresarial.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, 5.7.3.
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
DENARI, Delmo et al, MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tribuário. 31ª ed. São Paulo: Malheiro, 2010, p. 168.
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 141.
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014, Capítulo XII, item 94.
PESSOA, Leonardo Ribeiro. Diferença entre sonegação fiscal e inadimplência ou falta de pagamento, Tributario.net (Online) , v. 1, p. 01-01, 2009.
[1] DENARI, Delmo et al, MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 171.
[2] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tribuário. 31ª ed. São Paulo: Malheiro, 2010, p. 168.
[3] Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, passou a denominar-se Código Tributário Nacional (CTN), conforme art. 7º do Ato Complementar nº 36, de 13 de março de 1967.
[4] “São elementos da obrigação tributária a lei, o fato, os sujeitos e o objeto” in NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 141.
[5] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014, Capítulo XII, item 94.
[6] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014, Capítulo XII, item 94.
[7] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, 5.7.3.
[8] A responsabilidade do contribuinte somente será excluída, no caso de ato praticado por administrador com excesso, infração à lei ou contrato social ou estatuto se a empresa for vítima da irregularidade cometida administrador.
[9] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Capítulo X, 7.5.
[10] STJ, EREsp 446.955/SC, Rel. Min. Luiz Fux, 1.ª Seção, j. 09.04.2008, DJe 19.05.2008.
[11] DENARI, Delmo et al, MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 178.
[12] DENARI, Delmo et al, MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 179.
[13] O qual é regulado no art. 50 do Código Civil; art. 4º da Lei 9.605/98 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente; art. 28, §5º, do Código de Defesa do Consumidor; e nos arts. 133 a 137 do Código de Processo Civil.
[14] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Capítulo VII, 11.
[15] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Capítulo X, 7.6.
[16] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tribuário. 31ª ed. São Paulo: Malheiro, 2010.
[17] STJ, REsp 1104900/ES, relatora Ministra DENISE ARRUDA, Primeira Seção, Data do Julgamento 25/03/2009, DJe 01/04/2009.
[18] STJ, AgInt no AREsp 868622 / SC, relatora Ministra DIVA MALERBI (Desembargadora convocada TRF 3ª Região), Segunda Turma, data do julgamento 12/04/2016 e STJ, AgRg no REsp 1541209 / PE.
[19] STJ, REsp 1101728/SP, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 11/03/2009 e STJ, Súmula nº 430, Primeira Seção, aprovada em 24/03/2010
[20] TRF4, Apelação Criminal no processo 5017663-79.2011.404.7100/RS, relator Desembargador LEANDRO PAULSEN, Oitava Turma, Decisão em 06/07/2016.
[21] TJSP, Apelação Criminal n.º 0007907-27.2010.8.26.0050, relator CAMILO LÉLLIS, 4ª Câmara de Direito Criminal, julgamento em 15 de setembro de 2015, TJDFT, Apelação no processo nº 20130111157774APR, relator Desembargador George Lopes, 1ª Turma Criminal, acórdão de 23/05/2016, TJDFT, Apelação no processo nº 20130110177553, relatora Desembargadora DIVA LUCY DE FARIA, 1ª Turma Criminal, julgado em 21 de Maio de 2015
[22] PESSOA, Leonardo Ribeiro. Diferença entre sonegação fiscal e inadimplência ou falta de pagamento, Tributario.net (Online) , v. 1, p. 01-01, 2009.
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARUSO, Vitória da Costa. Responsabilidade Tributária do Administrador de Pessoa Jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jul 2018, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52084/responsabilidade-tributaria-do-administrador-de-pessoa-juridica. Acesso em: 01 nov 2024.
Por: Magalice Cruz de Oliveira
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Por: Roberto Rodrigues de Morais
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