RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo tratar sobre o trabalho análogo ao escravo no Brasil e os entraves enfrentados na tentativa de combate-lo. Para isto, se desenvolverá uma linha de pensamento com o objetivo de explicar, de forma sucinta, o tipo penal do art. 149 do Código Penal e sua aplicabilidade, trazendo ainda suas principais dificuldades e mudanças sofridas no decorrer do tempo.
Palavras-chave: trabalho escravo, Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, art. 149, Código Penal.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. Reformulação do artigo 149 do Código Penal. 3. O trabalho escravo no Brasil no século XXI. 3.a. Concordância do trabalhador com a atividade desenvolvida. 3.b. Da liberdade de ir e vir do trabalhador segundo a ótica do TRF-1. 4. Dos entraves enfrentados no controle do trabalho escravo no Brasil. 4.a. Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo: 4.b. Da competência para julgar. 5. Lista suja. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
Primordialmente, cabe mencionar que o objetivo do presente artigo é apresentar as dificuldades enfrentadas para combater no trabalho escravo no Brasil no século XXI. Conforme será exposto, no que tange o trabalho escravo no Brasil, apesar de abolido no século XIX, o mesmo vem persistindo até a atualidade, de uma forma diferente do que está exposto nos livros de história, vez que atualmente para se configurar o trabalho escravo, não há necessidade de senzalas e castigos físicos, bastando somente condições degradantes de trabalho.
Ainda, no presente artigo, discorrer-se-á sobre os entraves enfrentados no Brasil, ao buscar combater o trabalho análogo ao escravo e das possíveis soluções para seu combate, tal como a lista suja, medida adota após a vinda no Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo.
2. Reformulação do artigo 149 do Código Penal
Em 2003, editou-se a lei n.º 10.803, responsável por formular nova redação a infração penal prevista no artigo 149 do Código Penal.
Em momento posterior a edição da lei, o art. 149 do CP trata apenas da “condição análoga à de escravo”, o que ocasionava divergências quanto sua interpretação, haja vista tratar-se um termo genérico. Mediante esta lacuna enfrentada art. 149, surge a lei 10.803/2003, responsável por complementar a antiga redação sobre o que seria a “condição análoga à de escravo”.
Para a doutrina, mais especificamente Julio Fabbrini Mirabete é possível conceituar o art. 149 da seguinte maneira:
“Trata-se, como se afirma na EM, de entidade criminal ignorada no Código anterior. É o crime que os antigos chamavam de plagium. Etimologicamente, “plágio” é desvio de escravo e “plagiário” o que toma para si escravo alheio. Por extensão, porém, as palavras tomaram o sentido mais conhecido de apropriação e de apropriador de trabalho literário ou cientifico alheio”.[1]
Neste sentido, observe-se como ficou o art. 149 após redação da lei 10.803:
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).
Observe-se que no art. 149 em seu texto, não traz a ideia formulada de trabalho escravo como no séc. XIX, em que havia senzalas e castigos físicos, e sim, a necessidade de condições degradantes de trabalho.
Ao empregador que dispõe de situações análogas ao trabalho escravo, aplicar-se-á pena de 2 a 8 anos, mais multa e pena adicional referente à violência praticada em desfavor do trabalhador. Ainda, em caso de crimes praticados contra menores de idade ou por motivos discriminatórios, ocorrerá o aumento de 50% da pena. Ainda, há de salientar que o empregador condenado pelo crime previsto no art. 149 do CP, ficará impedido de participar de licitações por um período de 10 anos.
3. O trabalho escravo no Brasil no século XXI:
Do lado ocidental, o Brasil foi o último país a abolir o trabalho escravo (teoricamente), conteúdo, tal prática pendura-se até os dias atuais, visto que atualmente, o número de trabalhadores inseridos em condições análogas à de escravo corre longe de acabar.
Nesse sentido, o site Repórter Brasil trouxe dados a respeito da libertação de trabalhadores em situações análogas a escravidão no Brasil que, entre os anos de 1995 a 2015, teve seu ápice em 2007, com a libertação de 5999 trabalhadores, enquanto que em 2015 o número foi de 1111 trabalhadores.[2]
A libertação dos trabalhadores foi uma ação conjunta realizada entre o Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal.
3.a. Concordância do trabalhador com a atividade desenvolvida:
Outro ponto importante a ser levantado está na concordância do trabalhador em exercer a atividade (cumpre mencionar que não há restrições quanto a atividade que possa ser considerada análoga ao trabalho escravo) em situações análogas ao trabalho escravo.
Ocorre que, não há o que se falar em uma concordância partindo da parte do trabalhador, tendo em vista ser a dignidade da pessoa humana um princípio absoluto e inalienável, conforme previsão do art. 1º, inc. III, da CF/88.
3.b. Da liberdade de ir e vir do trabalhador segundo a ótica do TRF-1:
Em recente decisão, o TRF-1, julgou que, a simples violação das leis trabalhistas não caracterizam o trabalho escravo, sendo necessário para isso que a liberdade de ir e vir dos empregados seja comprometida.
Sob esta ótica, a 4º Turma do TRF-1 absolveu um fazendeiro e seu gerente, acusados de delito por irregularidades. No presente caso, foram encontrados cerca de 12 trabalhadores em situações degradantes de alojamento, em que o local estava desprovido de instalações sanitárias e, ainda, não dispunham de equipamentos necessários para proteção individual para se trabalhar em construção e manutenção de cercas em área rural.
Visto isto MPF moveu uma ação em face do empregador, sob a acusação de situação análoga ao trabalho escravo, conforme dispositivo do art. 149 do CP. Entretanto, segundo entendimento da 5º Vara Federal de Cuiabá, não há de se falar em trabalho escravo, visto haver liberdade dos trabalhadores. [3]
Entretanto, o presente Acórdão vai contra a última portaria publicada em dezembro de 2017, definindo o trabalho escravo conforme os parâmetros já utilizados nos últimos 15 anos.
A necessidade desta última portaria adveio após as alterações sofridas anteriormente, onde uma portaria – atualmente suspensa pela ministra Rosa Weber, do STF – entrou em vigor, em que dispunha que o crime previsto no art. 149 caberia apenas aos casos em que houvesse restrição de liberdade.
4. Dos entraves enfrentados no controle do trabalho escravo no Brasil:
A fiscalização do trabalho escravo e seu combate vem caindo gradativamente no Brasil, conforme dados do Ministério do Trabalho. Nesse sentido, cumpre mencionar que no último ano, houve uma queda de cerca de 23%, quando comparado com o ano anterior no número de operações de fiscalização do trabalho escravo.
4.a. Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo:
Elaborou-se, em 2003, o Plano Nacional par Erradicação do Trabalho Escravo, em que se reuniu 76 medidas de combate ao trabalho escravo.
A Erradicação do Trabalho escravo trata-se de medida básica para o Estado Democrático de Direito, sendo, desta forma, o seu combate um dos principais objetivos do Governo.
Após a implantação do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, foi notório o crescimento da conscientização, sensibilização e capacitação para seu combate. E mais, dentre o ano de 2001 a 2004, houve um considerável aumento das mídias em tratar sobre o tema, mais especificamente aumento de 77 matérias publicadas para 1.518.
Outro dado preocupante está no fato de que mesmo após a libertação de mais de 18.000 trabalhadores de situações análogas ao trabalho escravo, poucos foram os casos de condenação pelo art. 149 do CP. Sem contar nos casos em que há a prescrição do crime, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo art. 109 do CP, tendo em conta o longo tempo que leva sua tramitação no âmbito jurídico.
4.b. Da competência para julgar:
Não bastasse todas as dificuldades enfrentadas em por em prática o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, ainda há o impasse quanto a sua competência.
Tanto a Justiça Federal quanto a Justiça Estadual defendem ser de sua competência o julgamento dos crimes previstos no art. 149 do CP, o que acaba por gerar maiores dificuldades na hora de levar a diante, na esfera jurídica, o presente crime, pois como se sabe, se todos pleiteiam a competência, no fim a ninguém pertence.
Ainda, no que tange o Plano acima mencionado, apesar dos impasses sofridos, deve-se salientar uma importante medida adotada após sua implantação. Trata-se de uma medida adotada após a vinda do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, concedendo às empresas e bancos públicos a possibilidade de negar crédito e empréstimos aos empregadores inseridos nesse rol. A lista suja é divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Incluem-se na lista suja empregadores autuados pela fiscalização pela prática do crime previsto no art. 149 do Código Penal. Os fiscais responsáveis por realizar as conferencias em fazendas, fábricas e obras, ao se depararem com situações que vão em desacordo com a CLT, tal como em circunstâncias análogas ao trabalho escravo, são encarregados de autuarem os empregadores.
Além das restrições que poderão sofrer ao contato um banco ou empresa pública, estes trabalhadores também ficam sujeitos a ações administrativas trabalhistas, ações cíveis e ações penais.
Ante o exposto, conclui-se que, por mais que o trabalho escravo, teoricamente, encontre-se abolido desde o séc. XIX, o Brasil ainda sofre com inúmeros trabalhadores mantidos em situações análogas à escravidão. São esses trabalhadores, pessoas que saem em busca de melhores oportunidade e muitas vezes, por exemplo, enganam-se com fazendeiros ou com propostas para trabalhar em confecções, ainda, ressalte-se tratar apenas de um mero exemplo, pois conforme exposto acima, poderá ser considerado como trabalho escravo qualquer modalidade de serviço que se encontre dentro do art. 149 do CP.
Por fim, tornou-se possível compreender que o combate do trabalho escravo requer a aplicação efetiva do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, a fim de que haja uma maior fiscalização por parte do Estado.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 29º ed. São Paulo. Editora Atlas S.A, 2012. Pg.161.
TRABALHO ESCRAVO. Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/dados/trabalhoescravo/>
O TRABAHO AO TRABALHO ESCRAVO ESTÁ EM DECLÍNIO NO BRASIL. Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/revista/963/o-combate-ao-trabalho-escravo-esta-em-declinio-no-brasil>
REGRAS DA “LISTA SUJA” DO TRABALHO ESCRAVO NECESSITAM DE UMA FAXINA. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jan-27/regras-lista-suja-trabalho-escravo-necessitam-faxina>
Organização Internacional do Trabalho. TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL NO SÉCULO XXI. Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_227551.pdf>
[1] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 29º ed. São Paulo. Editora Atlas S.A, 2012. Pg.161.
[2] Fonte: site http://reporterbrasil.org.br/dados/trabalhoescravo/.
[3] O Acórdão do presente poderá ser visualizado no endereço: https://www.conjur.com.br/dl/crime-trabalho-escravo-acontece.pdf
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROZA, Pamela Cordeiro. Art. 149 do Código Penal: dos entraves enfrentados no controle do trabalho escravo no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52096/art-149-do-codigo-penal-dos-entraves-enfrentados-no-controle-do-trabalho-escravo-no-brasil. Acesso em: 01 nov 2024.
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