RESUMO: Pretende-se demonstrar com este trabalho as principais transformações do Terceiro Setor, desde sua origem até a edição da Lei 13.019⁄14, caracterizada esta como seu Novo Marco Regulatório. Tal modelo, amplamente valorizado pela nova norma, em razão da ineficiência dos serviços públicos prestados exclusivamente pela Administração Pública, se mostra um importante vetor do desenvolvimento social impulsionado pela própria sociedade civil organizada. A pesquisa bibliográfica permite destacar os diversos posicionamentos sobre o tema. A finalidade do trabalho é estimular o debate e o conhecimento sobre o assunto, de forma que os avanços do Terceiro Setor, através das parceiras firmadas com as Organizações da Sociedade Civil, resultem de forma mais rápida na melhoria das atividades sociais.
Palavras-chave: Terceiro Setor; Administração Pública; Organização da Sociedade Civil;
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O Terceiro Setor: Conceito e Contexto Histórico: 2.1 Histórico do Terceiro Setor no Brasil; 2.2 Atuação do Terceiro Setor a partir da CF⁄88 - 3. Das novidades introduzidas pela Lei 13.019/14 – 4. Considerações Finais. 5. Referências.
1.INTRODUÇÃO
Historicamente, a ordem sociopolítica compreendia apenas dois setores: o público e o privado, respectivamente, como primeiro e segundo setores da sociedade civil. No primeiro setor, o público, se encontra o Estado com a administração pública, enquanto no segundo setor, se encontra o mercado, fruto da iniciativa dos indivíduos.
Com a falência do modelo estatal absolutista e a ineficiência em suprir todas as necessidades da sociedade, justamente por não alcançá-las, fez surgir o Terceiro Setor para suprir as demandas sociais que não eram alcançadas nem pelo primeiro e nem pelo segundo setor, a partir de iniciativas da própria sociedade.
Diante de tais premissas surgiu o conceito de Terceiro Setor, para qualificar as organizações de natureza privada, criadas por iniciativa particular, mas que se diferem das organizações de mercado, do Segundo Setor, por serem dedicadas à consecução de objetivos sociais ou públicos, estes até então de caráter exclusivo do então chamado Primeiro Setor.
Assim, num contexto de novos modelos mercadológicos de responsabilidade social, bem como da iniciativa particular para prestar serviços públicos de cunho social em colaboração com a Administração Pública, fez-se necessária uma reconstrução legislativa sobre o tema.
Surgiu assim a Lei 13.019⁄14, chamada de Novo Marco Regulatório do Terceiro Setor, disciplinando o modelo de forma mais rigorosa, bem como apresentando novas alternativas de prestação de serviços públicos e práticas padronizadas de governança.
Por isso, diante dos novos conceitos de responsabilidade social e necessidades coletivas, bem como do tão almejado estado mínimo, cumpre analisar as novas perspectivas para o modelo a partir do estudo da nova legislação.
2.O TERCEIRO SETOR: CONCEITO E CONTEXTO HISTÓRICO
O termo “Terceiro Setor” tem sido utilizado pelas ciências sociais para destacar as organizações criadas pela sociedade civil que não tenham a finalidade o lucro, mas sim a satisfação social.
O Terceiro Setor é entendido com a área onde se encontram as entidades que não fazem parte do Estado nem do mercado, Primeiro e Segundo Setor respectivamente.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2016, 601), apresenta a seguinte definição de Terceiro Setor:
Os teóricos da Reforma do Estado incluíram essas entidades no que denominam de terceiro setor, assim entendido aquele que é composto por entidades da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos; esse terceiro setor coexiste com o primeiro setor, que é o Estado, e o segundo setor, que é o mercado. Na realidade, ele caracteriza-se por prestar atividade de interesse público, por iniciativa privada, sem fins lucrativos; precisamente pelo interesse público da atividade, recebe proteção e, em muitos casos, ajuda por parte do Estado, dentro da atividade de fomento; para receber essa ajuda tem que atender a determinados requisitos impostos por lei que variam de um caso para outro;
A Organização das Nações Unidas, em conjunto com a Universidade Jonh Hopikns, elaborou o “Handbook on nonprofit institutions in the system of national accounts”, que é um manual que traz as características das entidades do Terceiro Setor, quais são: natureza privada; ausência de finalidade lucrativa; institucionalizadas; auto-administradas e voluntárias. São critérios que têm função de desvincular o Terceiro Setor dos demais setores.
Entretanto, a adoção de um conceito para o Terceiro Setor correspondente à totalidade das entidades sem fins lucrativos é inútil, já que tal categoria não corresponde a um regime jurídico próprio, pois o universo das entidades constituídas sem fins lucrativos envolve inúmeras ações, objetivos e interesses, cada qual sujeito a determinado conjunto de normas jurídicas.
Ruth Cardoso (CARDOSO apud OLIVEIRA, 2007, p. 167) apresentou uma definição que rompe com a dicotomia entre o público e o privado, ao dizer: “O conceito de Terceiro Setor descreve um espaço de participação e experimentação de novos modelos de pensar e agir sobre a realidade social.”
De acordo com este raciocínio, o Terceiro Setor não se encontra acima ou abaixo, antes ou depois do Estado e do mercado, mas sim entre os demais setores. Neste sentido para Vital Moreira (MOREIRA apud OLIVEIRA, 2007, p. 168): “[...] trata-se de um setor intermediário entre o Estado e o mercado, entre o setor público e o privado, que compartilha de alguns traços de cada um deles.”
Fernando Borges Mânica (2007, p. 173) trouxe a seguinte definição para o Terceiro Setor:
Conjunto de pessoas jurídicas de direito privado, constituídas de acordo com a legislação civil sob a forma de associações ou fundações, as quais desenvolvam atividades de defesa e promoção de quaisquer direitos previstos pela Constituição ou prestem serviços de interesse público.
Já a literatura de Gustavo Justino de Oliveira (2007, p. 214) apresenta um conceito de Terceiro Setor como ciência jurídica, a saber:
É o ramo do Direito que disciplina a organização e o funcionamento das entidades privadas sem fins lucrativos, as atividades de interesse público por elas levadas a efeito e as relações por elas desenvolvidas entre si, com órgãos e entidades integrantes do aparato estatal (Estado), com entidades privadas que exercem atividades econômicas eminentemente lucrativas (mercado) e com pessoas físicas que para elas prestam serviços remunerados ou não remuneradas (voluntariado).
No âmbito das Cortes de Contas, o Ministro do Tribunal de Contas da União, Marcos Vinicios Vilaça apresentou o seguinte comentário acerca do Terceiro Setor:
De qualquer modo, até recentemente, o Estado (Primeiro Setor) e o Mercado (Segundo Setor) se apresentavam distintos um do outro. Nas últimas décadas, identifica-se a emergência do Terceiro Setor, onde se situam "organizações privadas com adjetivos públicos, ocupando pelo menos em tese uma posição intermediária que lhes permita prestar serviços de interesse social sem as limitações do Estado, nem sempre evitáveis, e as ambições do Mercado, muitas vezes inaceitáveis.
Tal modelo também não foi imunizado de críticas, dentre as quais se destacam as críticas ao modelo do Terceiro Setor asseveradas Fernando Guilherme Tenório (TENÓRIO apud CARVALHO, 2008, p. 931), a saber:
[...] devemos ser cautelosos quando à perenidade do setor privado em ações voltadas para o social. Quem pode garantir que em época de crise econômica este setor manteria investimentos corporativos na área social? Um projeto social seria mantido? Qual o real grau de comprometimento que este setor manteria com agentes sociais do terceiro setor? Portanto, ainda cabe ao primeiro setor, principalmente nos países subdesenvolvidos, o compromisso com a solução dos problemas sociais, e não apenas o desempenho da função de intermediário entre os anseios da sociedade e do Estado”
Não se pode ignorar a possibilidade de entidades do Terceiro Setor serem tão ineficientes quanto as públicas, pois a constituição de uma entidade deste tipo não é garantia de maior eficácia ou eficiência.
Por fim, deve-se registrar que a solução de quaisquer problemas públicos passa pela articulação com segmentos diversos da sociedade, por meio de alianças, parcerias e redes organizacionais. Registre-se a impossibilidade de se transferir a entidades do Terceiro Setor toda a responsabilidade pelas políticas públicas imputáveis ao Estado, por ser este setor seu “parceiro” no processo de fortalecimento da sociedade, e não seu substituto.
2.1. Histórico do Terceiro Setor no Brasil
No Brasil, a expressão Terceiro Setor ainda é de abrangente conceito, encontrando-se ainda na fase de consolidação. Por Terceiro Setor entende-se o conjunto de pessoas jurídicas de direito privado, de caráter voluntário e sem fins lucrativos, que desenvolvam atividades de defesa e promoção dos direitos fundamentais ou prestem serviços de interesse público.
Visto tal conceito, pode-se verificar que entidades com características semelhantes ao conceito de Terceiro Setor sempre existiram em todas as manifestações da vida social organizada.
No mundo moderno, importante exemplo de associativismo encontra-se na sociedade americana, onde o protagonismo e mobilização social tornaram-se características daquele país. A sociedade americana organizou-se em treze colônias, e depois de conquistada sua independência, passou a construir o Estado americano.
Já no Brasil o processo foi inverso, pois primeiro criou-se o Estado, e depois a sociedade. A condição de colônia de exploração, aliada à extensão territorial brasileira fez com que a mobilização social no país fosse praticamente nula durante os seus primeiros três séculos.
Durante esse período, desde meados do século XVI, a prestação de serviços de interesse público ficou restrita à atuação da Igreja Católica, sobretudo por meio das confrarias e irmandades, as quais, posteriormente ganharam companhia de entidades criadas por outras igrejas e associações de imigrantes. É importante destacar o papel das Santas Casas, que remontam há mais tempo, desde a segunda metade do século XVI, época em que a presença das Igrejas Cristas na prestação de serviços à comunidade era muito forte. A atuação das Igrejas, com o devido suporte do Estado, era responsável pela grande parte das entidades que prestavam algum tipo de assistência às comunidades mais necessitadas. Esse tipo de atuação da Igreja concomitante ao Estado durou todo o período colonial, até o inicio do século XIX.
Com relação à atuação de grupos sociais na defesa e promoção de direitos e interesses, há registros históricos de movimentos não organizados e não duradouros, com destaque para a defesa de idéias abolicionistas, na segunda metade do século XIX.
No século XX, a situação sofre sensível alteração. No cenário social, a urbanização e industrialização fizeram com que surgissem inúmeras associações profissionais, associações de classe e sindicatos. No mesmo período outras religiões passam a atuar na área da filantropia, sempre associadas ao Estado. Nessa nova fase, embora as Igrejas fossem outras, os benefícios de parcerias com fins filantrópicos com o Estado eram os mesmos.
No campo institucional, com a Constituição de 1934, o Estado brasileiro assumiu o modelo Estado Social, passando a voltar sua atuação na área econômica e social, ocorrendo assim, maior aproximação entre Estado e sociedade.
Durante o período ditatorial, a partir de 1937, essas entidades passaram a ser perseguidas pelo Estado, e durante o período intervencionista, foi ampliado o aparato estatal destinado à prestação de serviços sociais, com a construção e ampliação de escolas e hospitais públicos.
Destaca-se em 1942 a criação da Legião Brasileira de Assistência, com o objetivo de prestar serviços de assistência social. Durante esse período, foram instituídos por determinação legal, os serviços sociais autônomos, pessoas jurídicas de direito privado, mantidas por contribuições sociais e dotação orçamentária, com o objetivo de prestar educação profissional e assistência aos cidadãos vinculados ao setor produtivo.
No que tange à relação das entidades do Terceiro Setor com o Estado, desde o final do século 20 as entidades prestadoras de serviços de interesse publico recebiam auxílio do Estado por meios de pedidos endereçados ao Presidente da República, o qual concedia baseado em critérios pouco definidos. Utilizava-se para tanto recursos advindos da chamada contribuição de caridade, cobrada sobre a importação de bebidas alcoólicas.
Em 1931 cria-se a chamada Caixa de Subvenções, a partir da qual o Ministério da Justiça passou a desempenhar a função de análise e fiscalização dos pedidos de subvenção social a partir de critérios previamente definidos.
Já em 1938, por meio do Decreto-Lei 525, foi criado o Conselho Nacional do Serviço Social (CNSS), consolidando a aliança entre o Estado e as entidades prestadoras de serviços de interesse público nas áreas de assistência social, saúde e educação. O CNSS tinha como principal atribuição, a avaliação de pedidos de subvenções para posterior homologação do Presidente da República.
Em 1951 o CNSS passa a gerenciar o Registro Geral de Instituições, onde todas as instituições deveriam ser cadastradas para fins de benefícios fiscais, e posteriormente, coube ainda ao CNSS fornecer o certificado de fins filantrópicos.
Ao cabo desse período, até a Constituição de 1988, verifica-se um importante crescimento no número de entidades associativas de benefício mútuo e de defesa de direitos.
2.2. Atuação do Terceiro Setor a partir da CF/88
O contexto histórico da Constituição de 1988 trazia uma explosão de movimentos associativos no âmbito nacional e internacional. No nível externo, com o movimento de globalização, ganham destaque organizações supranacionais de defesa e promoção de direitos como o meio-ambiente, democracia e paz. No âmbito nacional, ganharam relevo movimentos sociais estruturados das mais diversas naturezas. No meio empresarial surge a chamada “responsabilidade social”.
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a atribuir de maneira expressa, o dever à sociedade civil de contribuir, por meio de organizações privadas sem fins lucrativos, na consecução dos objetivos do Estado brasileiro. São diversos os artigos da Carta Magna que imputam o dever contribuição.
Constata-se nas últimas décadas um crescimento quantitativo e qualitativo do Terceiro Setor como um todo. Com a consolidação democrática, através de pluralidades partidárias, formação de sindicatos e fortalecimentos de movimentos sociais urbanos e rurais, abre-se espaço para uma atuação mais efetiva de tais organizações, que passaram a assumir um protagonismo social.
Atualmente, a literatura divide o Terceiro Setor em quatro espécies de organização, a saber: serviços sociais autônomos, entidades de apoio, Organizações Sociais (OS), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e Organizações da Sociedade Civil (OSC), que embora apresentem denominações similares são modelos completamente distintos.
3. DAS NOVIDADES INTRODUZIDAS PELA LEI 13.019⁄14
A Lei 13.019⁄14, publicada em 1º de agosto de 2014, é caracterizada como o novo Marco Regulatório do Terceiro Setor no Brasil. Tal norma foi aprovada diante de um contexto de diversas denúncias de corrupção no âmbito das parcerias celebradas com a Administração Pública, sendo uma tentativa de regular as práticas de gestão e prestação de contas de tais entidades.
Tal norma, diante da expressiva transformação do modelo, apesar de aprovada e publicada em 2014 só passou a ter vigência para Estados e União a partir de 23 de janeiro de 2016, e para os Municípios a partir de 1º de janeiro de 2017. O lapso temporal por si demonstra o quanto foi necessário preparar as Instituições para as novas adequações.
A referida lei tem alcance a todas as entidades do Terceiro Setor que façam parceria com o Poder Público, de qualquer dos níveis de governo, para prestação de atividades de interesse público.
Ressalte-se que a própria norma excluiu da sua incidência os contratos de gestão celebrados com Organizações Sociais, bem como os Termos de Parceria firmados com as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, fruto de alteração trazida pela Lei 13.204⁄15, que restringiu o âmbito de aplicação da norma originária antes mesmo daquela entrar em vigor.
A Lei 13.019⁄14 apresenta o conceito legal de organização da sociedade civil, a saber:
Art. 2o Para os fins desta Lei, considera-se:
I - organização da sociedade civil:
a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva;
b) as sociedades cooperativas previstas na Lei no 9.867, de 10 de novembro de 1999; as integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; as alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; as voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de cunho social.
c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos;
Vê-se que a norma amplificou o conceito e alcance de tais entidades se comparadas aos conceitos das Organizações Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, em uma tentativa de ampliar o leque de oportunidades para as entidades que não possuem as referidas qualificações.
Quanto aos instrumentos firmados entre a Administração Pública e as organizações da sociedade civil, a norma prevê três instrumentos, que são o Termo de Colaboração, o Termo de Fomento e o Acordo de Cooperação.
O Termo de Colaboração deve ser utilizado nas parcerias propostas pela Administração Pública, em que haja transferência de recursos públicos.
Já o Termo de Fomento diferencia-se pelo fato de ser o instrumento adequado para celebração de parceria proposta pela Organização da Sociedade Civil (OSC). Veja-se que a diferença reside na parte proponente do programa.
Em relação ao Acordo de Cooperação, este poderá ser celebrado quando a parceria estabelecida entre administração e organização da sociedade civil não envolva repasse de recursos públicos.
Assim, para celebração de Termo de Colaboração ou de Fomento, a norma determina a realização de chamamento público, que é o procedimento adequado para a seleção da organização da sociedade civil a executar o Projeto, já que há repasse de recursos públicos.
O art. 2º da Lei 13.019⁄14 apresentou conceito próprio acerca do chamamento público, a saber:
XII - chamamento público: procedimento destinado a selecionar organização da sociedade civil para firmar parceria por meio de termo de colaboração ou de fomento, no qual se garanta a observância dos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos;
O chamamento público visa garantir a impessoalidade na escolha da instituição, bem como evitar favorecimento de particulares em detrimento aos fins públicos. Tal como uma licitação, o chamamento será regido por um edital específico amplamente divulgado, as propostas serão devidamente julgadas por comissão previamente designada, a instituição deve apresentar habilitação jurídica compatível com o objeto da parceria, entre outros requisitos.
Ademais, diante dos novos modelos de parceria instituídos pela lei, os convênios deixaram a ser o instrumento de parceria das entidades sem fins lucrativos com o Estado, passando este a ser aplicado apenas nas relações entre instituições públicas.
Quanto às novas medidas de controle implementadas pela nova lei, cumpre destacar que a aprovação na Casa Legislativa ocorreu dentro de um contexto de inúmeras denúncias sobre ilegalidades ocorridas nas parcerias firmadas com a administração pública. Assim, na tentativa de moralizar as parcerias realizadas com tais entidades novas técnicas de fiscalização e controle foram apresentadas.
Destacam-se as medidas de transparência como a obrigatoriedade de publicação por meio eletrônico das relações celebradas com os respectivos planos de trabalho, possibilitando assim o conhecimento dos encargos assumidos pela instituição frente à sociedade, bem como a exigência de prévia experiência com o objeto a ser contratado.
Durante a execução do Projeto, a norma prevê de monitoramento e avaliação permanente por parte da administração pública. A administração pode ainda, a qualquer tempo, retomar os bens públicos em poderes da organização da sociedade civil e de assumir a responsabilidade da execução do restante do objeto.
Quanto à previsão de penalidades pela execução de parceria em desacordo com o plano de trabalho, a lei prevê advertência, suspensão temporária em chamamento público, impedimento de contratar com a administração pública, declaração de inidoneidade, e aplicação de novas modalidades de atos de improbidade administrativa.
Todas as medidas mencionadas são importantes formas de controle na busca pela moralização de tais parcerias e profissionalização do modelo, trazendo segurança jurídica para a administração pública e para as próprias entidades, já que a maior fiscalização resultará certamente na aplicação de melhores práticas pelas próprias instituições.
Outra novidade destacável da nova legislação reside no chamado Procedimento de Manifestação de Interesse Social, instrumento através do qual as organizações da sociedade civil, movimentos sociais e cidadãos podem apresentar propostas ao poder público acerca de projetos sociais, para que este avalie a celebração de parceria.
Tal manifestação deverá ser tornada pública no site oficial do órgão, com a posterior realização de audiência pública para a discussão do tema com a própria sociedade.
Em que pese o referido procedimento, a Organização da Sociedade Civil só poderá firmar a parceria com a administração pública em sendo vencedora do respectivo chamamento, ainda que tenha sido a própria proponente.
Trata-se de um novo modelo de participação popular na escolha das atividades públicas, dando oportunidade de criação de programas pelos próprios beneficiários do mesmo, no caso a sociedade civil.
Já em relação às prestações de contas, a Organização da Sociedade Civil deverá apresentar sua prestação de contas com todos os valores recebidos e gastos efetivados para análise por parte da Administração Pública, sem prejuízo do controle exercido pelo Tribunal de Contas previsto na Constituição.
A norma determina que a instituição apresente os Relatórios de Execução do Objeto, contendo o comparativo de metas previstas e resultados alcançados, e o Relatório de Execução Financeira, com a descrição das despesas e receita efetivamente realizadas.
Veja-se que não basta o controle contábil, devendo a parceria observar o controle operacional a partir da análise das metas com os resultados atingidos.
Há previsão legal do prazo de 90 (noventa) dias para apresentação de prestação de contas após o término da parceria, prorrogáveis por mais 30 (trinta) dias. No caso de irregularidade ou omissão na prestação de contas, a própria lei abranda ao prever a possibilidade concessão de prazo para saneamento de tal irregularidade por parte da entidade.
Para a administração pública, a norma prevê o prazo de 150 (cento e cinqüenta) dias para a apreciação de tal prestação de contas, sob pena de responsabilidade dos gestores públicos.
Assim, diante de todos esses aspectos, em que pese polêmicas jurídicas ainda em aberto sobre o alcance da lei 13.019/14, as entidades abrangidas pela nova norma devem adequar-se a este novo panorama.
Os critérios de seleção foram alterados, as exigências ampliadas, as formas de controle distribuídas, e os resultados deverão ser cobrados. Assim, devem as instituições cumprir requisitos específicos, como tempo mínimo de existência, experiência prévia no objeto da parceria, criação de órgãos internos de fiscalização, elaboração de regulamento de compras e contratações para uso de recursos públicos e regras para prestação de contas.
Todas essas medidas que transformaram o modelo e trouxeram a necessidade de alteração dos estatutos das instituições existentes, visando evitar problemas na continuidade na prestação de tais serviços de interesse público e ao mesmo tempo ampliar as possibilidades de novas parcerias.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo isso, diante dos novos conceitos de responsabilidade social e participação da sociedade civil, a colaboração de tais entidades na consecução das finalidades públicas deve ser fomentada e normatizada, respaldando assim o modelo.
Ademais, num contexto de crise econômica e convulsão social, o Estado não pode dar ao luxo de dispensar a contribuição de tais entidades e a vontade de contribuir da sociedade civil. O desenvolvimento social pleno só virá com a participação de todos os atores do processo.
Deve-se ainda, através dos novos mecanismos de controle, evitar a ocorrência de fraudes e parcerias nem sempre republicanas, transformando um modelo que passou anos praticamente na informalidade, em um modelo de gestão profissional de atividades de interesse público.
5. REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 13.019, de 31 de julho de 2014. Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil; e altera as Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999.Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1 de ago. 2014.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.
PEREIRA, Cláudia Fernanda de Oliveira. Os Tribunais de Contas e o Terceiro Setor: Aspectos Plolêmicos do Controle. In, OLIVEIRA, Gustavo Justino de (Coord.). Terceiro Setor, Empresas e Estado: Novas Fronteiras Entre o Público e o Privado. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
MÂNICA, Fernando Borges. Panorama Histórico Legislativo do Terceiro Setor no Brasil: Do Conceito de Terceiro Setor à Lei das OSCIP. In, OLIVEIRA, Gustavo Justino de (Coord.). Terceiro Setor, Empresas e Estado: Novas Fronteiras Entre o Público e o Privado. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 163-194.
PEREIRA, Cláudia Fernanda de Oliveira. Os Tribunais de Contas e o Terceiro Setor: Aspectos Plolêmicos do Controle. In, OLIVEIRA, Gustavo Justino de (Coord.). Terceiro Setor, Empresas e Estado: Novas Fronteiras Entre o Público e o Privado. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
Advogado, Pós-Graduado em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional e Direito Administrativo pela Escola Superior da Advocacia do Amazonas - OAB/AM, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JOSé LUPéRCIO RAMOS DE OLIVEIRA JúNIOR, . O Terceiro Setor no Brasil: do contexto histórico ao novo marco regulatório da Lei 13.019/14 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 ago 2018, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52147/o-terceiro-setor-no-brasil-do-contexto-historico-ao-novo-marco-regulatorio-da-lei-13-019-14. Acesso em: 01 nov 2024.
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