RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de trazer o entendimento a respeito da territorialidade nas ações coletivas, em especial na ação civil pública. Tal regra está prevista no Art. 16 da Lei 7.347/85, com redação dada pela lei 9.494/97, estabelecendo-se que a eficácia, ainda erga omnes, da sentença estaria limitada aos limites da competência territorial do órgão prolator. Analisa-se a compatibilidade do dispositivo com o mecanismo de tutela de direitos coletivos vigentes, devendo ser interpretado dentro do microssistema de tutela coletivo formado pela interação da Lei n. 7.347/85, “Lei da Ação Civil Pública”, e os dispositivos da Lei n. 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, que tratam da tutela coletiva de direitos. Sopesam-se as hipóteses de resolução do dispositivo, uns entendendo pela compatibilidade plena e outros argumentando a retirada do meio jurídico, através de análise no método técnico científico, através da construção de conceitos, utilização de doutrinas de base, jurisprudência dos tribunais e propondo a construção de uma solução.
Palavras-chave: Territorialidade. Coletivos. Tutela. Microssitema.
ABSTRACT: This paper aims to bring understanding of territoriality in collective actions, especially in the civil action. Such a rule is laid down in Art. 16 of Law 7,347/ 85, amended by Law 9,494 / 97, establishing that the effectiveness , even erga omnes, the sentence would be limited to the limits of territorial jurisdiction of the prolator body. However, it appears, in weighed analysis , that the wording of the device is as opposed to redress mechanism of existing collective rights , must be interpreted within the collective protection of microsystem formed by the interaction of Law n . 7347 / 85, "Law of Public Civil Action ", and the portion of Law n. 8.078/90, the Consumer Protection Code, which deals with the collective protection of rights. The hypotheses of resolution of the device are being considered, some understanding the full compatibility and others arguing the withdrawal of the legal environment, through analysis in the scientific technical method, through the construction of concepts, use of basic doctrines, jurisprudence of the courts and proposing construction of a solution.
Keywords: Territoriality . Collective . Guardianship. Microsystem.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DA SENTENÇA. 2.1 Conceito. 2.2 Classificação das Sentenças. 2.3 Da Congruência. 3 DA COISA JULGADA. 3.1 Considerações Iniciais. 3.2. Natureza Jurídica da Coisa Julgada. 3.3 Da Classificação da Coisa Julgada. 3.3.1 Intróito. 3.3.2. Da Coisa Julgada Material. 4 DA EFICÁCIA TERRITORIAL DA SENTENÇA NAS AÇÕES COLETIVAS. 4.1 Da Natureza dos Direitos Coletivamente Tutelados. 4.2 Da Ação Civil Pública e da Ação Civil Coletiva. 4.2.1 Linhas Gerais. 4.2.2 Legitimação Ativa nas Demandas Coletivas. 4.2.3. A Competência nas Ações Coletivas. 4.2.4 A Coisa Julgada nas Ações Coletivas. 4.3 O Problema da Eficácia Territorial da Sentença nas Ações Coletivas. 4.3.1 Críticas ao Art. 16 da Lei 7.347/85. 4.3.2 Uma Proposta de Solução à Problemática. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
A tutela adequada de direitos no brasil é realizada de modos distintos, possibilitando-se tanto a tutela de direitos de maneira individual, como a tutela coletiva de direitos.
Possivelmente o organismo normativo mais conhecido no direito coletivo, a lei 7.347/85, conforme se verá, não atende a tal demanda isoladamente, mas está englobada em um sistema normativo maior, um microssistema de processo civil coletivo, devendo haver interpretação sistemática dos dispositivos existentes nesse diploma normativo. Assim, previu-se no Código de Defesa do Consumidor, no artigo 81, I, II e III, a defesa coletiva de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. No que tange às duas primeiras espécies, a professora Ada Pelligrini arremata:
Com relação à demanda que envolve a tutela de direitos difusos e coletivos, indivisíveis por natureza, a coisa julgada não pode ser outra se não erga omnes. A satisfação do interesse de um dos membros da coletividade significa inelutavelmente a satisfação do interesse de todos os outros; assim como a negação do interesse de um indica a mesma negação para todos os outros. (GRINOVER; WATANNABE; MULLENIX, 2007, p.237).
Sucede que tal eficácia erga omnes, nos moldes em que é defendida, parece entrar em conflito com a inteligência do artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública, que limita os efeitos da sentença, dispondo que a sentença civil fará coisa julgada nos limites territoriais do órgão julgador.
Indo-se mais a fundo, vê-se que a Lei 7.347/85, em seu texto original, previa tão somente eficácia erga omnes à sentença proferida no bojo de ação civil pública. Todavia, a superveniente lei 9.494/97 deu nova redação ao Artigo 16 do referido diploma, estabelecendo-se que a eficácia, ainda erga omnes, da sentença estaria limitada aos limites da competência territorial do órgão prolator. Eis o teor do dispositivo:
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (BRASIL, Lei 7.347/85, 2018)
A redação do artigo 16 da Lei 7.347/85, originariamente possuía a seguinte redação originária:
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.(BRASIL, Lei 7.347/85, 2018)
No entanto, foi editada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso a Medida Provisória de número 1.570/1997, posteriormente convertida na Lei n. 9.494/1997, que deu a atual redação ao mencionado dispositivo.
O presente trabalho objetiva explorar as razões da limitação expressa do dispositivo legal, bem como avaliar os efeitos de tal previsão normativa em uma avaliação sistemática do ordenamento e ainda tratar da questão da compatibilidade de tal norma com o ordenamento como um todo.
É sabido que toda norma infraconstitucional deve buscar suporte em uma norma constitucional, esta o fundamento de validade daquela. Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, houve a consagração de diversos direitos, antes deixados de lado nas ordens constitucionais anteriores
Cumpre ressaltar que a ação civil pública é, antes de mais nada, ação de cunho constitucional, garantidora de direitos previstos na carta magna. Faz parte das denominadas garantias instrumentais, que visa operacionalizar e dar consistência aos direitos fundamentais em seu âmbito material. E tais ações caracterizam-se por, além de terem procedimentos céleres, visarem alcançar o máximo de efetividade na tutela dos direitos garantidos.
Nesse sentir a problemática apresentada se mostra de alta relevância social, na medida em que a tutela coletiva de direitos é um dos mais importantes avanços na ciência processual brasileira.
E restringir a coisa julgada à competência do órgão julgador parece ir na contramão da evolução apresentada.
No sistema vigente em nossa sociedade, o democrático representativo, a escolha de representantes é feita mediante escolha popular, e cabe a estes atender os interesses sociais, no caso do legislativo, elaborando normas que atendam ao interesse público. Isso não significa atender sempre à vontade de parcela da população, ainda que majoritário. O que se avalia, conforme exposto, é a compatibilidade técnico jurídica entre o objeto de estudo e o ordenamento, passando pelos objetivos dantes apontados, de forma imparcial.
O tema é definitivamente intrigante.
Para explorá-lo, optou-se pela divisão do presente artigo em três capítulos.
O primeiro deles analisa a sentença de forma geral, dentro da ciência processual e busca propor um conceito a seu respeito.
O segundo capítulo propõe uma análise acerca do regime jurídico da coisa julgada nas ações individuais, verificando quais seriam seus limites, para posterior comparação no capítulo posterior.
No terceiro capítulo, passa-se primeiramente pela construção de conceitos importantes na tutela coletiva de direitos. Posteriormente, analisa-se a coisa julgada em suas especificidades no processos individuais, para então analisar a compatibilidade da regra da territorialidade prevista na Lei de Ação Civil Pública (LACP) com o ordenamento jurídico em geral.
Neste primeiro capítulo, far-se-á um apanhado geral acerca do instituto da sentença, explorando seu conceito, suas peculiaridades e características relevantes para o objeto de estudo deste trabalho e naquilo que tem de pertinente para o embasamento teórico necessário para a solução da problemática apresentada. Passa longe do objetivo aqui escrever à exaustão sobre o tema, na medida em que a delimitação do objeto de estudo afasta tal pretensão do objetivo da monografia.
Feitas tais considerações, breves, mas necessárias, passa-se a tecer comentários acerca do instituto processual denominado sentença, muito provavelmente o ato mais solene dos processos de conhecimento.
Longe do objetivo deste trabalho é discorrer minuciosamente acerca da teoria geral do processo civil, haja vista o delimitado objeto da pesquisa.
Todavia, faz-se necessário, até mesmo para possibilitar a construção de conceitos importantes, tecer um breve apanhado histórico, considerando-se as importantes mudanças ocorridas no Código de Processo Civil.
Sabe-se que palavras, em especial substantivos, nada são, senão rótulos que designam coisas conhecidas, imaginadas ou até mesmo idéias. O termo processo é rótulo que nomeia idéias distintas, cujo real valor há de ser perquerido a partir do contexto em que é utilizado.
Freddie Didier, processualista brasileiro bastante aclamado, lista alguns dos significados em que tal termo, plurissignificativo, é utilizado:
Sob o enfoque da Teoria da Norma Jurídica, processo é o método de produção das normas jurídicas. (...) O processo sob a perspectiva da Teoria do Fato Jurídico é uma espécie de ato jurídico. Examina-se o processo a partir do plano de existência dos fatos jurídicos. Trata-se de um ato jurídico complexo. Processo, nesse sentido, é sinônimo de procedimento. (DIDIER JR., p.22, 2012)
Conclui-se que processo é o conjunto de atos concatenados entre si, que ocorrem de forma sucessiva e destinam-se a um fim útil. Tal finalidade, em última analise, é a prestação jurisdicional:
Entre o pedido da parte e o provimento jurisdicional se impõe a prática de uma série de atos que formam o procedimento judicial (isto é, a forma de agir em juízo), e cujo conteúdo sistemático é o processo. (TEODORO JR., 2002, p.39)
A prestação jurisdicional se faz necessária porque, via de regra, o Estado veda a autotutela. Não podendo valer-se do desforço próprio para solucionar os conflitos, e falhando a autocomposição, busca-se a resposta ao conflito por meio de terceiro imparcial, figura esta normalmente assumida pelo Estado, com o objetivo de obter uma tutela que venha a solucionar o problema posto. Ada Pellegrini e Cândido Dinamarco justificam bem a necessidade da intervenção estatal:
E a experiência de milênios mostra que a insatisfação é sempre um fator anti-social, independentemente de a pessoa ter ou não direito ao bem pretendido. A indefinição de situações das pessoas perante outras, perante os bens pretendidos e perante o próprio direito é sempre motivo de angústia e tensão individual e social. (GRINOVER, DINAMARCO, ARAÚJO, p.26, 2011)
E arrematam:
A eliminação dos conflitos correntes na vida em sociedade pode-se verificar por obra de um ou de ambos os sujeitos dos interesses conflitantes, ou por ato de terceiro. Na primeira hipótese, um dos sujeitos (ou cada um deles) consente no sacrifício total ou parcial do próprio interesse (autocomposição) ou impõe sacrifício do interesse alheio (autodefesa ou autotutela). Na segunda hipótese, enquadra-se a defesa de terceiro, a conciliação a mediação e o processo (estatal ou arbitral). (GRINOVER, DINAMARCO, ARAÚJO, p.26, 2011)
É a prestação jurisdicional a tutela estatal pretendida, em razão de uma pretensão resistida ou não, haja uma relação conflituosa ou não. Desse leque de possibilidades e diante da necessidade humana de rotular situações distintas, criaram-se termos diversos para conceituar subespécies do conceito geral de jurisdição. Dentre eles, as idéias de jurisdição voluntária e contenciosa, utilizada esta quando há um conflito de interesses que originam uma pretensão resistida, e aquela quando há, segundo conceito tradicional da doutrina, bem descrito por Ada Pellegrini e Candido Dinamarco, mera “administração pública de interesses privados” (GRINOVER, DINAMARCO, ARAÚJO, p.172, 2011)
Tais classificações, apesar de interessantes, não se fazem pertinentes ao presente estudo.
Por outro lado, o conceito de jurisdição como um todo, esse sim, é bastante importante para o conteúdo a ser desenvolvido. Isso porque o conceito de jurisdição é indissociável da idéia de processo, conforme ensina Ovídio Baptista:
Fixe-se, neste momento, que a jurisdição é uma atividade estatal. O Estado a prestará através do juiz, que é seu órgão, e portanto, sujeito da relação jurídica que se formará. A jurisdição a ser prestada pelo Estado desencadeará uma relação jurídica tendo por sujeitos o autor, o próprio Estado e o réu, ou os interessados e o Estado (para que não se exclua a chamada “jurisdição voluntária”). Esta relação jurídica, que constitui o processo é distinta da relação jurídica submetida à apreciação do órgão jurisdicional. (DA SILVA, 2009, p.32)
Nesse sentido, jurisdição nada mais é que a atividade estatal, desenvolvida através de um de seus órgãos, o Estado-Juiz, que visa tutelar a pretensão que lhe foi trazida, através de um processo, substituindo a vontade das partes.
E a tutela estatal é fornecida àqueles que o acionam sobretudo através dos atos decisórios daquele que tem a prerrogativa para fornecer a resposta perquerida pelos jurisdicionados. Uma dessas espécies de atos decisórios é aquele que se denominou de sentença.
Tradicionalmente, a sentença era considerada como o ato decisório do magistrado que punha termo ao processo, encerrando a atividade jurisdicional. Este caráter terminativo, no sentido amplo da palavra, sempre fora atrelado à idéia da sentença, desde as primeiras linhas do processo civil brasileiro. Este conceito era inclusive a redação do Art. 162, §1o do CPC:
O art. 162, CPC, tenta fazer uma sistematização dos atos do juízo singular. Antes da Lei Federal n. 11.232/2005, o seu parágrafo primeiro dispunha que “sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p.282)
Sucede que desde a instituição do Código de Ritos de1973, o parlamento brasileiro promoveu diversas mudanças consideráveis, algumas promovendo alterações substanciais e outras não, contabilizando-se mais de duas dezenas de alterações no referido diploma, segundo levantamento realizado por Ada Pellegrini Grinover (GRINOVER; RANGEL; CINTRA, 2011, p.122).
Talvez a mais significativa mudança ocorrera no ano de 2005, com o advento da Lei n. 11.232, de 22 de dezembro daquele ano, posteriormente popularizada como Lei do Cumprimento de Sentença. A referida norma alterou toda a sistemática existente até então, eliminando a figura do processo autônomo de execução de sentença e instituindo o cumprimento de sentença como fase, de forma que a efetivação do direito reconhecido se faria no mesmo processo. A reforma acabou por adotar uma linha de pensamento defendida por vozes doutrinárias respeitadas, a qual foi denominada de Sincretismo Processual.
Diante de tal quadro, não subsistiu a redação original contida no Art. 162, §1o do CPC, cuja redação foi alterada para conceituar a sentença como “o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.” (Brasil. Lei 5869/73, 2013).
Com a alteração promovida, mudou-se por tabela, o conceito do que se vem a entender por sentença. Se tornou insustentável a idéia, diante da adoção do sincretismo processual (que será abordado mais adiante), de que a sentença põe fim ao processo e encerra a atividade jurisdicional, tendo em vista que o processo, mesmo após a sentença poderá continuar, caso haja provocação do interessado:
O objetivo da alteração do texto foi ressaltar que a sentença não mais extingue o processo, tendo em vista que toda sentença de prestação (sentença que reconhece a existência de um direito a uma conduta material consistente num fazer, na entrega imediata, sem necessidade de instauração de outro processo (de execução) com esse objetivo. (DIDIER JR, 2012, p.283)
Todavia, a nova redação do dispositivo era problemática. Se antes este dava um conceito até então válido do que seria a sentença, a redação passou a limitar-se, para conceituar o substantivo sentença a reportar-se às hipóteses dos artigos 267 e 269.
Para fins conceituais a alteração foi desastrosa. Nem todo ato de juiz que extingua o processo na forma desses artigos será sentença. Basta lembrar da decisão interlocutória que exclui por ilegitimidade passiva um dos litigantes.
Da mesma maneira, o processo não será necessariamente “extinto” em tais situações. Isso porque há possibilidade da interposição de recurso, cujo acórdão substituirá o referido decisum, de forma que ainda que este venha a ser desprovido, o que extinguirá o processo será o acórdão e não a sentença, haja vista o efeito substitutivo dos recursos. Tal impropriedade conceitual não passou despercebida por Fredie Didier, que cita ainda outros exemplos:
Desse mesmo modo, nem toda decisão que tiver por conteúdo uma das hipóteses dos arts. 267 e 269 do CPC terá por efeito a extinção da fase de conhecimento. Alguns exemplos das decisões que aplicam os mencionados artigos e não encerram o processo: a) decisão que indefere parcialmente a petição inicial (inciso I do art. 267); b) decisão que reconhece a decadência de um dos pedidos cumulados (art. 269, IV); c)decisão que exclui um litisconsorte por ilegitimidade (art. 267, IV) etc.
São exemplos de decisão interlocutória, que podem, assim, ser impugnadas por agravo (art. 522, do CPC).
É por isso que se deve ter muito cuidado com a terminologia. Os arts. 267 e 269 não prevêem hipóteses em que necessariamente o processo será extinto nem estabelecem matérias que sejam exclusivas de sentença, a despeito da redação do § 1o do Art. 162 do CPC. (DIDIER JR., 2012, 570-571)
Apesar da alteração do art. 269, a alusão à “extinção do processo” foi mantida pelo legislador no Art. 267. Melhor seria se tivesse retirado, neste também a expressão.
Assim, diante dessa multiplicidade de questões acerca do conceito de sentença adotado pelo legislador, mais que nunca se faz necessário encontrar um conceito para sentença, para possibilitar a correta compreensão de sua amplitude, diferenciando-a dos demais institutos processuais.
Fredie Didier, apesar da crítica feita à conceituação tradicional, assim conceitua o ato sentença:
Em que pese a alteração legislativa, é preciso continuar compreendendo a sentença como o ato que, analisando ou não o mérito da demanda, encerra uma das etapas (cognitiva ou executiva) do procedimento em primeira instância. (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p.284)
A lição do mestre foi definitivamente incorporada ao Código de Processo Civil de 2015, no seu Artigo 203, §1o, que dispõe: "Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.” (Brasil, Lei 13.105, Art. 203, §1o)
Adotado o referido conceito de sentença, incumbe agora promover a sistematização das várias espécies existentes, de forma a promover uma classificação pertinente ao presente trabalho.
Antes, porém, cabe salientar alguns aspectos correlatos ao referido ato decisório.
A sentença possui alguns elementos que compõem seu teor, seu corpo. Tais elementos estão listados no Art. 489 do Código de Processo Civil:
"I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. ((Brasil, Lei 13.105, Art. 489)
À toda evidência, apesar da redação do dispositivo, trata-se de elementos da sentença, e não requisitos, pois, conforme sintetiza Teresa Arruda Alvim Wambier requisito é “anterior, lógica e cronologicamente, ao seu ‘objetivo’, não o integrando” (WAMBIER, 1997, p.86).
Consigna-se, todavia, que o relatório é dispensado nos processos que tramitam nos juizados especiais cíveis, na forma do Art.38 da Lei 9.099/95, previsão legislativa que visa dar maior celeridade aos referidos órgãos.
À salvo esta exceção, todos os elementos da sentença são essenciais, de forma que a falta de um deles acarretará vício insanável no decisum. Entende-se que a sentença, por ser o ato culminante do processo, fim último de todas as providências processuais, deve ser também solene, de forma que seus elementos lhe são essenciais. Nesse sentido, Teresa Wambier:
Às sentenças não se aplica a regra geral de que todos os atos processuais, ainda que não preencham a forma prescrita em lei, se alcançaram seus objetivos, não serão nulos (...) elencando seus elementos essenciais: relatório, fundamentação e decisório; ausente um deles, qualquer que seja, a sentença será viciada. (WAMBIER, p.86, 1997).
A fundamentação, cuja raiz constitucional encontra-se no Art. 93, IX da Constituição Federal, é a parte da sentença na qual o magistrado expõe as razões de decidir, os motivos de seu convencimento, avaliando o conteúdo dos autos e as alegações das partes, em homenagem ao contraditório.
É através da fundamentação que se exerce o controle da sentença, que, via de regra, poderá ser objeto de recurso.
É nela também que se encontra a ratio decidendi. Esta é a interpretação dada ao caso à luz do ordenamento, fundamental para a formulação de precedentes judiciais:
A ratio decidendi – ou, para os americanos, a holding – são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi; trata-se da tese jurídica acolhida pelo legislador no caso concreto. (DIDIER JR.b, 2013b, p.385)
Outrossim, encontra-se as matérias constantes por obter dictum, que não constituem fundamento para a conclusão a que chegou o magistrado, mas podem ser importantes por razões acessórias.
O magistrado, em sua fundamentação, analisa primeiro as matérias preliminares ao mérito, para depois analisar o meritum causae.
Aqui, novamente, se faz um paralelo para se definir o que é mérito e o que não é.
Adota-se aqui o conceito trazido por Freddie Didier, segundo o qual, defesas de mérito são:
aquelas que o demandado opõe contra a pretensão deduzida em juízo pelo demandante, quer para neutralizar seus efeitos, quer para retardar a produção desses mesmos efeitos (exceções dilatórias de mérito), quer para negá-los peremptoriamente. (DIDIER JR., 2012, p.513)
Por outro lado, as defesas de admissibilidades são analisadas preliminarmente ao mérito, porque são lógica e sistematicamente anteriores a este, impedindo o seu conhecimento:
Processuais ou de admissibilidade: são as defesas que têm por objeto os requisitos de admissibilidade da causa (condições da ação e pressupostos processuais). Dizem respeito a questões puramente processuais [...] (DIDIER JR., 2012, p.513)
Assim, a depender da tese vencedora na fundamentação, que baseará a conclusão a que se chega, a sentença poderá ser terminativa ou de mérito.
Por fim, o último elemento da sentença é o dispositivo.
Neste elemento, o juiz concluirá o raciocínio iniciado na fundamentação.
No caso das sentenças terminativas, o magistrado esbarra em alguma questão de admissibilidade da demanda, a qual o impede de analisar a causa de pedir aposta na inicial. Concluirá por extinguir o feito sem a análise do mérito, em razão de uma das hipóteses previstas no Art. 267 do CPC.
Não sendo este o caso, após a fundamentação decidirá o processo com a análise do mérito, em razão de uma das hipóteses previstas no Art. 269. Dessa maneira, o dispositivo conterá um provimento jurisdicional com aptidão para influenciar o mundo jurídico. Nesse sentido, trago a lição de Vallisney de Souza Oliveira:
As operações anteriores expostas nos fundamentos e no relatório servem de base para a conclusão, ou melhor, para o dispositivo da sentença, porque nele se assenta o comando decisório com aptidão para influenciar o mundo jurídico, especialmente na esfera de direito das partes. (OLIVEIRA, 2004, p.199)
A depender do teor do provimento jurisdicional contido no dispositivo e o bem da vida tutelado, a sentença possui também possui classificações. Para abordá-las, no entanto, um novo escorço histórico se faz necessário.
Fredie Didier (DIDIER JR., 2012, p.230-238) faz sintética retrospectiva da evolução da classificação das ações de acordo com o bem da vida tutelado. Segundo o aclamado doutrinador, tradicionalmente as atividades de certificação e efetivação de direitos a uma prestação, entendida esta como o objeto da relação jurídico-obrigacional cujas espécies seriam a de dar, fazer ou não fazer algo, eram realizadas por processos autônomos de certificação e efetivação do direito. Nesse sentido, denominou-se ação condenatória aquela que se prestaria a certificar o direito, devendo o credor valeria-se de um processo de execução para efetivar o direito certificado.
Excepcionalmente, algumas sentenças possuiriam força executiva própria, de forma que a efetivação do direito era feita nos mesmos autos da efetivação. Eram as denominadas ações de prestação sincréticas. A depender da forma de efetivação do direito à uma prestação, denominou-se tais ações de Mandamentais ou Executivas Lato Sensu.
Seriam ações mandamentais aquelas na qual o magistrado não poderia substituir a vontade do devedor, devendo-se utilizar de meios que coagissem este a cumprir a determinação judicial. É a chamada técnica de coerção indireta. Pode-se citar o mandado de segurança como exemplo de Ação Mandamental, que acarretará a prolação de uma sentença mandamental.
Por outro lado, seriam ações executivas lato sensu aquelas em que o magistrado teria a prerrogativa de sub-rogar-se à vontade do devedor, prescindindo da colaboração do executado para cumprir a prestação devida. É o método de coerção direta. Como exemplo, as ações possessórias.
Havia ainda as denominadas ações constitutivas, na qual se buscava o reconhecimento e efetivação de direitos potestativos, os quais Freddie Didier conceitua como “poder jurídico conferido a alguém de submeter outrem à alteração, criação ou extinção de situações jurídicas.” (DIDIER JR., 2012, p. 234)
Por último havia as chamadas ações meramente declaratórias, na qual buscava-se certificar a existência ou inexistência de uma situação jurídica.
Após o advento das leis 8.952/94, 10.444/02 e 11.232/05, que, respectivamente, alteraram o artigo 461 do CPC, e instituíram os Arts. 461-A e 475-I do CPC, todas as espécies de sentenças que certificavam o direito a uma prestação passaram a ser efetivadas no mesmo processo, estabelecendo-se de vez o sincretismo processual no Brasil e extinguindo-se a figura do processo autônomo de execução.
Feitas tais considerações, arremata com maestria o supracitado professor:
Parece-nos, porém, que a distinção perdeu importância. (...) Sinceramente, pensamos que, por mais incrível que possa parecer, reformado o CPC, toda ação será chamada de ação condenatória – já é isso que muitos doutrinadores faziam, por não concordar com a terminologia ação mandamental e executiva lato sensu. A história se repete. A distinção entre a ação mandamental e ação executiva continuará sendo importante, como forma de distinguir o meio de efetivação da decisão judicial. (DIDIER JR., 2012, p.231)
No presente trabalho, adota-se o posicionamento supracitado. Ação Condenatória, e, por conseguinte, sentença condenatória, é gênero que se refere ao bem da vida pretendido (direito a uma prestação), enquanto a denominação ação mandamental e executiva lato sensu são espécies, relativas ao modo de efetivação do direito, se por coerção direta ou indireta – e assim também as sentenças mandamentais e executivas lato sensu.
A sentença como um todo deve ater-se ao denominado Princípio da Congruência em seus mais diversos aspectos, para não padecer de qualquer vício, prejudicando-lhe no plano de validade.
Cada um deles foi objeto de estudo por Valisney de Souza Oliveira:
A congruência civil subjetiva exige da sentença a resolução de questões somente entre demandante e demandado e terceiros admitidos no processo. Por essa ótica será incongruente se não fizer menção a uma das partes ou se incluir pessoa que não integrou a lide.
A congruência objetiva diz respeito à simetria entre o que objetivamente se julga e o que se pede, ou seja, relaciona-se ao objeto, e não ao sujeito da lide (...).
A congruência externa ocorre entre peças processuais diferentes, tais como sentença e petição inicial (...).
Na congruência interna há de existir também correlação entre fundamentos e dispositivo da sentença. Esse aspecto se estende para os demais atos produzidos no processo aqui estudados, como a petição inicial e a contestação. (OLIVEIRA, 2004, p. 15)
Para este primeiro momento, necessário se abster à congruência objetiva, sendo tratada a congruência subjetiva no próximo capítulo deste estudo, por guardar inseparável pertinência com a autoridade da coisa julgada, razão pela qual se pede vênia para postergar a análise para tal momento a posteriori.
Pois bem.
A idéia de congruência aqui esposada é consequência absolutamente direta do próprio modelo predominante adotado no processo civil brasileiro: O modelo (ou princípio como queiram alguns) dispositivo.
Para Ada Pelligrini, Cândido Dinamarco e Antônio Carlos Cintra (GRINOVER; RANGEL; CINTRA, 2011, p.70), o juiz depende, na instrução da causa, de iniciativa das partes no que tange tanto à dilação probatória quanto ao conhecimento da matéria que fundamentará a decisão: judex secundum allegata et probata partium iudicare debet.
Ressalte-se que tal conceituação traduz a síntese inicial do referido ideal, tendo sido fortemente mitigada no processo civil pátrio. A título exemplificativo, o Código de Processo Civil, em sua redação atual, confere ao magistrado poderes instrutórios amplos.
Fácil assimilar, também, que a congruência correlaciona-se, também intimamente, com o Princípio da Inércia da Jurisdição, porque reflete tal vetor axiológico no ápice do conhecimento da causa. A sentença somente possui limitações quanto a seu objeto porque o juiz deve manter-se inerte quanto a pontos não veiculados, a menos que o ordenamento autorize o contrário:
Em que pese deitar suas raízes no Direito Romano, foi a partir do chamado Estado Liberal que essa regra ganhou maior ênfase, em função da supervalorização do chamado princípio dispositivo [...]. A regra da congruência é, também, uma consequência da garantia do contraditório: a parte tem direito de manifestar-se sobre tudo o que possa inferir no conteúdo da decisão. (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p. 312-313)
Superada a introdução prefacial, passa-se a esmiuçar o tema.
A congruência objetiva, no conceito supracitado, deve ser observada não somente no dispositivo, mas também na fundamentação. Em outras palavras, tanto quanto o comando judicial deve observar o limite daquilo que fora pedido, deve também a fundamentação cingir-se à causa de pedir, próxima e remota.
Cuidam-se dos limites objetivos da eficácia da sentença, que inobservados viciam o decisum de nulidade. Segundo Teresa Arruda Alvim (WAMBIER, 1997, P.237), “esta regra é fruto do dúplice dever do juiz, de se pronunciar sobre tudo o que foi pedido e só sobre o que foi pedido”.
A fundamentação, como cediço, é também exigência constitucional, prevista no Art. 93, IX da Carta Magna, razão pela qual deve ser atendida em sua plenitude, garantia que é ao jurisdicionado.
O magistrado, ao analisar e decidir a causa, deve embasar sua fundamentação na causa de pedir aposta na inicial e nas razões expostas em defesa. Ressalvados os casos expressamente previstos em lei, não poderá invocar fundamentos não suscitados pelas partes.
Consigne-se, porém, que fundamentação jurídica não equivale à fundamentação legal. Aqui novamente se faz necessária a alusão ao conceito de ratio decidendi. Para tanto, novamente recorre-se a Fredie Didier Jr., que, com maestria, resume o conceito trazido para cá do direito norte-americano, onde é denominado holding:
É importante assentar o seguinte: ao decidir uma demanda judicial, o magistrado cria, necessariamente, duas normas jurídicas. A primeira, caráter geral, é fruto da sua interpretação dos fatos envolvidos na causa e da sua conformação ao Direito positivo: Constituição, leis etc. A segunda, de caráter individual, constitui a sua decisão para aquela situação que se lhe põe para a análise. (...).
Como se percebe, à luz da situação concreta, o magistrado terminar por criar uma norma jurídica que consubstancia a tese jurídica a ser adotada naquele caso – (...). Essa tese jurídica é o que chamamos de ratio decidendi. (DIDIER JR., 2012 , b, p. 386)
A congruência da fundamentação encontra substância no Art. 141 do CPC, segundo o qual o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas pelas partes, as quais destas a lei exija a iniciativa.
Em suma, se o magistrado chega a uma conclusão jurídica fundamentado em um misto de escorço fático e consequência jurídica não esposados nos autos, viciada estará a sentença, ainda que por outros motivos pudesse o magistrado chegar à mesma conclusão, a não ser que faça constar este expressamente na sentença como alternativa à primeira.
Em contrapartida, deverá analisar todas as razões relevantes ventiladas pelas partes, entendidas estas como aquelas hábeis a interferir no resultado do julgamento da demanda:
“[...] é intuitivo que a decisão deve guardar congruência também em relação aos sujeitos envolvidos no processo (elemento subjetivo da demanda) e com os fundamentos da defesa suscitados pelo demandado (DIDIER JR., 2012 , b, p. 313)
O vício na fundamentação acarretará a nulidade do ato.
Já o dispositivo deverá guardar estrita relação com o pedido feito pelo demandante, negando-lhe ou concedendo-lhe o bem da vida na forma como foi pedida.
A matéria é disciplinada no Art, 492 do CPC: “É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado.” (BRASIL, Lei 5869/73, 2013)
Também aqui não se esquece da questão do pedido implícito, existente em restritas hipóteses descritas no CPC, mas que também serão postas de lado em razão da desnecessidade de exposição destas para a consecução do fim deste estudo.
A depender do descompasso, ou melhor, da existência de descompasso, a sentença pode padecer de vício de nulidade, ou até mesmo ser reputada inexistente.
Mais importante, no entanto, para o objeto de estudo, é a denominada congruência subjetiva.
Conforme lição de Vallisney de Oliveira, congruência subjetiva “exige da sentença a resolução de questões somente entre demandante e demandado e terceiros admitidos no processo.” (DE OLIVEIRA, 2004, p.15)
No mesmo sentido, Freddie Didier comenta:
A decisão judicial deve guardar correlação com os sujeitos parciais da relação jurídica processual, não podendo, em regra, atingir quem dela não tenha participado. É dizer: as questões resolvidas na motivação da decisão, bem como o conteúdo de sua parte dispositiva somente vinculam, a princípio, os sujeitos parciais do processo, razão porque somente em relação a eles a decisão produzirá seus efeitos.
É bem verdade que há exceções à congruência subjetiva. Todavia, o estudo é impertinente para o objeto deste capítulo, razão pela qual se deixa de analisa-las.
O conceito de congruência, especialmente a subjetiva, é muito importante para o objeto de estudo. Ora, é a partir da participação dos sujeitos no processo e da resolução atinentes a ambas as partes que se pode impor aos participantes o cumprimento do comando judicial. Assim, vê-se que a congruência subjetiva está intrinsicamente ligada à formação da coisa julgada, especialmente em sua dimensão subjetiva.
Neste capítulo, passa-se a analisar um instituto que possui relação direta com o capítulo anterior – a coisa julgada. Esta é conhecida por dar a característica de definitividade ao dispositivo da sentença, e, assim, pôr termo à situação belicosa em que a questão foi posta ao magistrado.
O objetivo, novamente, não é esgotar o tema, mas fazer um apanhado dos conceitos de forma a possibilitar, através de uma análise do instituto nas ações individuais, a comparação com a sua força nos processos coletivos, o que, por si só, já demonstra a importância desta parte do trabalho para as conclusões a que se chegará.
A partir do breve relato do capítulo anterior, obtendo-se a concepção adotada do instituto processual denominado sentença, possibilita-se o prosseguimento do estudo quanto a outro instituto intimamente relacionado com aquele, a Coisa Julgada.
Decerto que tal instituto não é novidade na ciência processual e muito menos é criação do Direito Brasileiro.
Mas, conforme relata Antônio do Passo Cabral, célebre processualista, tal instituto ganha força no direito romano. Imperioso reproduzir o breve apanhado histórico que traz o mestre acerca do instituto:
Mas foi o instituto romano da res iudicata que irradiou suas características e fixou a terminologia enraizada no direito ocidental contemporâneo. O termo latino influenciou a expressão italiana (cosa giudicata) e francesa (chose jugée), assim como a nomenclatura em língua portuguesa: coisa julgada (Brasil) ou caso julgado (Portugal). Os ordenamentos de origem germânica denominam a coisa julgada “força jurídica" (Rechtskraft) (...). Já os sistemas jurídicos do common law, de tradição anglo-americana, sempre utilizaram a própria expressão latina res iudicata, ainda que modernamente (...) tenham começado a fundir a terminologia com o estudo das preclusões : a coisa julgada seria a “preclusão da causa” ou preclusão da demanda (claim preclusion) e as preclusões de outras questões são chamadas issue preclusions. (CABRAL, 2014, p. 53)
Fundamental instituto no Direito Processual, sua ratio essendi é, sem sombra de dúvidas, atribuída ao Princípio-Matriz do Direito como ciência: o da Segurança Jurídica, conforme lição de Fredie Didier:
A coisa julgada não é instrumento de justiça, frise-se. Não assegura a justiça das decisões. É, isso sim, garantia de segurança, ao impor a definitividade da solução judicial acerca da situação jurídica a que foi submetida. (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p. 418)
A bem da verdade, não há como se fugir da idéia de segurança no Direito, vez que esta é uma das principais razões de ser da ciência jurídica. Através dos instrumentos do direito se busca segurança na solução de conflitos, segurança que é garantida através da imparcialidade e da previsibilidade das decisões, o que fortalece, inexoravelmente, o respeito aos precedentes no direito brasileiro, ainda que o nosso sistema não venha da tradição do Common Law.
Outro fundamento que não se olvida é a consecução da paz social.
Como cediço, o Estado não permite, via de regra, que seus componentes se valham das próprias forças para a solução de conflitos. Impassível de composição amigável, o conflito deve ser submetido à tutela estatal para que seja solucionado, e pacificados os espíritos dos litigantes, antes tendentes ao conflito.
Chamando para si a responsabilidade, o Estado vale-se de diversos meios para satisfazer a solução dada, sub-rogando-se, acaso necessário, à vontade dos particulares para cumprir o decidido:
Hoje, se entre duas pessoas há um conflito [...], em princípio o direito impõe que, se se quiser pôr fim a essa situação, seja chamado o Estado-Juiz, o qual virá a dizer qual a vontade do ordenamento jurídico para o caso concreto (declaração) e, se for o caso, fazer com que as coisas se disponham, na realidade prática, conforme essa vontade (execução).(GRINOVER; RANGEL; CINTRA, 2011, p.26)
Acontece que de nada valeria a tutela estatal se não houvesse, sobre a solução ao conflito, um quê de definitividade. A volatilidade da decisão dada ao conflito não se prestaria ao fim precípuo do exercício do poder judicante, o de pacificação social.
Portanto, o manto da coisa julgada vem, também, para satisfazer a necessidade de definitividade da tutela concedida, eliminando o desacerto criado entre visões distintas do mundo das quais dispõem os belicosos partícipes da relação processual. Este seria o viés sociológico da coisa julgada, conforme ensinamento de Antônio do Passo Cabral:
“A sentença passado em julgado estampa um “carimbo de certeza” e elimina a insegurança que a descoincidência das visões das partes durante a litigância impunha. [...] Portanto, nesta linha, a coisa julgada criaria um “estado de certeza” ou “estado de paz”, essencial para o tráfego jurídico, e seria um “preço” que a sociedade paga por viver em um Estado de Direito (CABRAL, 2014, p.56)
Feitas tais considerações, passo a considerar acerca das teorias que historicamente, deliberaram acerca da natureza da coisa julgada.
Quando se estuda temas de grande complexidade e de sobressalente importância para o direito, necessário abeberar-se em fontes que forneçam o necessário subsídio para que o resultado esteja à altura da grandeza do tema.
E no tema em estudo, poucas obras possuem a magnitude da produzida por Antonio do Passo Cabral. A profundidade da análise do sistema de preclusões, dissecando cada momento do avanço do processo nessa área chama a atenção.
Prestada a devida homenagem ao ilustre mestre, há de se prosseguir.
Diversas são as teorias que tentam explicar a natureza jurídica da coisa julgada. Numa tentativa de sistematiza-las, foram estas divididas em dois grandes grupos: as que se denominou de Teorias Materiais da Coisa Julgada e as taxadas como Teorias Processuais da Coisa Julgada.
Prefacialmente, parte-se do pressuposto, aparentemente bastante sedimentado no âmbito doutrinário, de que a coisa julgada é um vínculo entre o Estado-Juiz e as partes em torno do direito material discutido.
O que as teorias a serem esposadas discutem é a forma como esse vínculo é formado. Antonio do Passo Cabral coloca a questão da seguinte forma:
Esta indagação, frequente no direito comparado mas não tão comum no Brasil, procura perquirir se a coisa julgada seria um fenômeno material ou processual. A res iudicata modificaria direitos, conferindo-lhes nova configuração (extingue obrigações, p.ex)? Ou deixa intocada a posição substancial e exaure sua força ao formar um preceito processual que, em caso de conflito, prevalece sobre o direito material (lex specialis)? (CABRAL, 2014, p. 64)
É certeiro o questionamento, explicitando o cerne da distinção entre os dois grandes grupos.
Para as Teorias Materiais, o vínculo jurídico criado pela coisa julgada ocorreria em razão da força criativa desta frente ao direito. Essencialmente, a coisa julgada possuiria relação direta com o direito material, sendo consectário deste, mas com força para inovar no ordenamento, ainda que constituísse situações não previstas ou até mesmo vedadas pelo ordenamento jurídico que lhe daria validade.
Nesse sentido, vale transcrever a lição magistral de Antonio do Passo Cabral:
As teorias materiais desenvolveram-se partindo da sentença injusta, que não poderia nunca decorrer da declaração de um direito pré-existente por parte do judiciário. Vale dizer, através da sentença injusta, seria efetivamente criada uma relação jurídica que não existia antes do processo, já que não poderíamos considerá-la previamente prevista no direito objetivo. Nestes casos, como aquela relação jurídica não era amparada anteriormente pelo ordenamento jurídico, seria correto dizer que se trata de direito fabricado ex novo pela decisão judicial; e então seria obrigatório reconhecer a força criativa da sentença. (CABRAL, 2014, p. 65)
Veja-se que a doutrina desenvolveu-se a partir da hipotética das sentenças injustas, mas a elas não se limita. Ainda nos casos em que a sentença estivesse em conformidade com o sistema normativo, haveria uma confirmação do direito preexistente.
A idéia de novação no direito é o liame que une o grupo das Teorias Materiais. Veja-se que tal liame diz respeito à força da coisa julgada, as suas consequências, mas não explicita a natureza jurídica do instituto.
Porque estabelecer-se se determinado instituto é oriundo de direito material ou processual, ou se possui ou não força criativa, é insuficiente para reputar o que este é para o Direito.
Nesse sentir, ao tentar estabelecer o que é a Coisa Julgada para o Direito – qual sua real natureza jurídica – as Teorias Materiais divergem.
A primeira significante vertente é da Presunção e Ficção da Verdade.
Para este grupo, conforme leciona Antônio do Passo Cabral (CABRAL, 2014, p.66), a coisa julgada seria uma ficção, que acobertaria os termos da sentença, presumindo-se os termos, ao limite do que acobertado pelo instituto, verdadeiros. Tratar-se-ia de um presunção absoluta, iuris et de iure. Tais fundamentos vêm de encontro ao brocardo res iudicata pro veritate habetur - tem-se por verdade a coisa julgada, atribuído ao jurista romano Ulpiano.
A teoria é criticada em razão da constatação de que a formação de uma verdade absoluta é absolutamente prescindível para a relação jurídico-processual.
Fredie Didier, em brilhante síntese, demonstra a prescindibilidade da denominada verdade real para a resolução do processo:
A verdade real é algo inatingível (...). Não é possível saber a verdade sobre o que ocorreu; ou algo aconteceu, ou não. O algo pretérito está no campo ôntico, do ser. A verdade, por seu turno, está no campo axiológico, da valoração: as afirmações ou são verdades, ou são mentiras – conhecem-se os fatos pelas impressões (valorações) que as pessoas têm deles. (DIDIER JR., 2012, p. 73)
A busca da verdade é a mais próxima possível do real, a verdade possível, processual.
Ainda no campo das Teorias Materiais, tem-se a da Coisa Julgada como Lex Specialis.
Segundo esta corrente, ainda de acordo com Antonio do Passo Cabral (CABRAL, 2014, p.68) a coisa julgada transformaria o estado da sentença, que passaria a ter o valor de norma jurídica, especial ao ordenamento em relação ao caso submetido à apreciação, tornando o comando judicial imutável.
Já por outro lado, para as teorias processuais, a coisa julgada seria fenômeno eminentemente processual, relacionada à indiscutibilidade do julgado.
Para Eduardo J. Couture (1955, apud CABRAL, p.71, 2014), a autoridade da coisa julgada seria uma presunção não sobre a verdade dos fatos ou sobre a prova, mas sobre a autoridade proclamada da própria sentença, na medida em que o instituto estaria relacionado com a própria idéia de paz social.
No Brasil, a coisa julgada era reconhecida como um dos efeitos da sentença, concepção oriunda do direito romano.
Isso até Enrico Tulio Liebman reformular completamente tal conceito. Para Liebman, a coisa julgada não seria um efeito da sentença, mas uma qualidade que se impõe sobre esta e sobre seus efeitos, mas não é dela decorrente. O que tornaria a sentença imutável e indiscutível seria a uma norma externa à própria decisão judicial e que não se encontra entre a norma de direito material ou processual aplicáveis para a resolução do conflito de interesses (1979, apud CABRAL, 2014, p.77)
Barbosa Moreira observou, em pequeno adendo à tese de Liebman, que os efeitos da sentença tendem à mudança, razão por que não se poderia afirmar que estariam sob a autoridade da coisa julgada. Explica Antônio do Passo Cabral:
Segundo Barbosa Moreira, (...) os efeitos da sentença não são inalteráveis. Ao contrário, por vezes o sistema até estimula que os efeitos desapareçam. O efeito precípuo da sentença condenatória, p.ex., é impor uma prestação e permitir, no caso de seu descumprimento, a execução forçada. Ora, se o réu pagar o valor estipulado da condenação, qual efeito desta sentença sobraria? (...) Por estes e outros exemplos, Barbosa Moreira conclui que os efeitos das sentenças sujeitam-se a mudanças. Por conseguinte, a tal “qualidade” a que se referia Liebman não poderia acobertar a sentença e seus efeitos, mas apenas o conteúdo da decisão. (CABRAL, 2014, p. 78)
A coisa julgada, seria então uma situação jurídica do conteúdo da decisão, consistente na imutabilidade do conteúdo da decisão, tornando seu dispositivo, que é composto pela norma jurídica concreta (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p. 425)
Dessa forma, chega-se ao conceito vigente na atualidade, ao menos pela ampla maioria dos estudiosos sobre o tema, no Direito Moderno. A coisa julgada seria a “qualidade que cobre as sentenças de mérito e que torna imutável e indiscutível o conteúdo da sentença quando não mais cabível qualquer recurso.” (CABRAL, Antonio do Passo, 2014, p. 85).
Alguns doutrinadores consideram a coisa julgada como instituto de cunho constitucional, integrante do conteúdo normativo expresso no Artigo 5o, XXXVI da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (BRASIL, Constituição Federal, Artigo 5o, XXXVI)
Destarte, o instituto fora consagrado como direito individual, tornando-se, cláusula pétrea.
Todavia, Fredie Didier ensina:
Em que pese seu status constitucional, cabe ao legislador infraconstitucional traçar o perfil dogmático da coisa julgada. É possível que o legislador, em Juízo de poderação, não atribua a certas decisões a aptidão de ficar imutáveis pela coisa julgada, ou ainda, exija pressupostos para sua ocorrência mais ou menos singelosos/rigorosos. (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p.418)
Impende, pois conhecer o conteúdo normativo e as limitações dadas a ele pelo legislador. Para tanto, deve-se conhecer o que convencionou-se chamar de coisa julgada formal e coisa julgada material.
A coisa julgada formal seria, conforme lição preciosa de Fredie Didier:
A imutabilidade da decisão judicial dentro do processo em que foi proferida, porquanto não possa mais ser impugnada por recurso – seja pelo esgotamento das vias recursais, seja pelo decurso do prazo do recurso cabível. Trata-se de fenômeno endoprocessual, decorrente da irrecorribilidade da decisão judicial. Revela-se, em verdade, como uma espécie de preclusão (...), constituindo-se na perda do poder de impugnar a decisão judicial no processo em que foi proferida. Seria a preclusão máxima dentro do processo em que foi proferida. (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p.419)
Com definição similar, cita-se Ada Pelligrini, Cândido Dinamarco e Rafael Araújo Cintra:
A sentença não mais suscetível de reforma por meio de recursos transita em julgado, tornando-se imutável dentro do processo. Configura-se a coisa julgada formal, pela qual a sentença, como ato daquele processo, não poderá ser reexaminada. É sua imutabilidade como ato processual, provindo da preclusão das impugnações e dos recursos. A coisa julgada formal representa a preclusão máxima, ou seja, a extinção do direito ao processo (àquele processo, o qual se extingue). O Estado realizou o serviço jurisdicional que se lhe requereu (julgando o mérito) ou ao menos desenvolveu as atividades necessárias para declarar inadmissível o julgamento. (GRINOVER; RANGEL; CINTRA, p.332, 2011)
Muito comum a utilização do termo preclusão máxima, na medida em que, de fato, não há diferenças gritantes entre o sistema criado de preclusões e a coisa julgada formal.
Sendo esta a mera indiscutibilidade da sentença dentro do processo, em razão de sua extinção (em verdade, a extinção de uma fase processual), é factível que toda e qualquer sentença tenda à formação da coisa julgada formal, da mesma maneira como toda decisão judicial submete-se ao sistema de preclusões existentes.
Assim, não importa se a sentença resolve ou não o mérito, não importa se possui eficácia mandamental, executiva lato sensu ou condenatória, passada em julgado, operar-se-á a preclusão final, denominada coisa julgada formal. Seus efeitos, porém, serão meramente endoprocessuais, ou seja, limitam-se ao processo que se encerra, impedindo que, na mesma fase, outra sentença seja proferida, porquanto encerrada aquela com a primeira. O que ocorre, em verdade, é que não conhecendo o mérito somente opera-se a coisa julgada formal, eis que, não sendo resolvido o mérito e analisadas as razões a ele atinentes, não haveria o que estender-se além do processo.
Esta é a razão pela qual o dito instituto é frequentemente relacionado às sentenças que não conhecem o mérito, mas delas não é exclusivo, conforme se verá em sequência.
A diferenciação entre as sentenças importa quando do estudo que se passa a fazer, relativamente à coisa julgada material, da qual, conforme se observará, a coisa julgada formal é pressuposto intrínseco.
Aqui, tem-se verdadeiro fenômeno tanto endo quanto extraprocessual. A coisa julgada material parte dos efeitos da coisa julgada formal: entenda-se que esta está contida naquela.
Sempre que esta se verifica, verificaram-se primeiro os efeitos da coisa julgada formal – a indiscutibilidade dentro do processo. Ocorre que a designação “coisa julgada formal” é utilizada quando a consequência do instituto é somente a imutabilidade endoprocessual, enquanto o desígnio “coisa julgada material” é usado quando os seus efeitos superam os limites do próprio processo.
Nesse mesmo sentido, Fredie Didier:
A coisa julgada material é a indiscutibilidade da decisão judicial no processo em que foi produzida e em qualquer outro. Imutabilidade que se opera dentro e fora do processo. A decisão judicial (em seu dispositivo) cristaliza-se, tornando-se inalterável. Trata-se de fenômeno com eficácia endo/extraprocessual.
Perceba-se, contudo, que a coisa julgada formal é um degrau necessário, para que se forme a coisa julgada material. Em outros termos, a coisa julgada material tem como pressuposto a coisa julgada formal. (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p.419)
Interessante ressaltar que renomados processualistas, a exemplo de Ada Pelligrini, estendem a eficácia da coisa julgada material até mesmo ao legislativo:
(...) a coisa julgada material torna imutáveis os efeitos produzidos por ela e lançados fora do processo. É a imutabilidade da sentença, no mesmo processo ou em qualquer outro, entre as mesmas partes. Em virtude dela, nem o juiz pode voltar a julgar, nem as partes a litigar, nem o legislador regular diferentemente a relação jurídica. (GRINOVER; RANGEL; CINTRA, p. 333, 2011)
Referem-se os autores, certamente, à relação jurídica trazida a Juízo, em lembrança da garantia de respeito à coisa julgada constitucionalmente prevista.
Alguns requisitos devem ser observados para a operação da coisa julgada material.
Antes de mais nada, necessário que se trate de uma decisão judicial, haja vista que a coisa julgada é “característica exclusiva desta espécie de ato estatal” (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p. 420)
O primeiro é delineado no Art. 503 do Código de Processo Civil : A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.” (Brasil, Lei 13.105, 2015).
Nesse sentir, Ada Pelligrini salienta:
Só as sentenças de mérito, que decidem a causa acolhendo ou rejeitando a pretensão do autor, produzem a coisa julgada material. Não tem essa autoridade (embora se tornem imutáveis pela preclusão) as sentenças que não representam a solução do conflito de interesses deduzido em juízo – ou seja, as que põem fim à relação processual sem julgamento do mérito (...)” (GRINOVER; RANGEL; CINTRA, p.26, 2011)
Por conseguinte, somente as sentenças que veiculam uma das hipóteses do Art.269 do CPC, conforme visto no primeiro capítulo deste trabalho, estão aptas a serem qualificadas pela autoridade da coisa julgada material.
Por outro lado, o fato de tratar-se de sentença de mérito não é suficiente para que se repute configurada a coisa julgada material.
Os procedimentos cautelares, por exemplo, têm algumas especificidades dignas de nota. Conforme anotam Eduardo Talamini e Luiz Rodrigues Wambier, o processo cautelar
“(a) O processo cautelar é autônomo, ou seja, é um outro processo (...) e termina necessariamente por sentença. Não se trata de mero incidente de outro processo qualquer.
(b) No entanto, é processo acessório, já que existe em função do processo principal. (...)
(e) Tanto a liminar quanto a sentença baseiam-se em prova não exauriente. (...)
(f) A eficácia das decisões concessivas de tutela cautelar é provisória.” (WAMBIER, TALAMINI, 2013, p. 50-51)
A mais importante delas, ao menos para o presente trabalho, é a de que não se fundam em cognição exauriente. Desta forma, o próprio mérito em que se funda a cautelar é a presença, em maior ou menor grau, a fumaça do bom direito e o perigo na demora para a satisfação da pretensão. Nesse sentido, arrematam os supracitados autores:
De fato, o fumus boni iuris e o periculum in mora são requisitos para a propositura da ação cautelar; são requisitos para a concessão da liminar; e são, também, requisitos para a obtenção da sentença de procedência. Acontece, todavia, que há uma variação do grau de intensidade em que estes requisitos estão presentes (WAMBIER, TALAMINI 2013, p. 47)
E arrematam, por fim:
(...) a sentença proferida em processo cautelar não produz coisa julgada material. Como no processo cautelar não se decide de modo exauriente sobre relação jurídica alguma, não há o que se possa tornar imutável ou indiscutível. Só se produz coisa julgada formal (WAMBIER, TALAMINI, 2013, p. 51)
Desta maneira, em resumo: quando uma sentença judicial resolver o mérito da lide, em cognição exauriente, formar-se-á a denominada coisa julgada material, cujo regime jurídico se funda visualiza através de três aspectos, conforme lição de Fredie Didier:
O regime jurídico da coisa julgada é visualizado a partir da análise de três dados: 1) os limites subjetivos – quando se examina quem se submete a seus efeitos; 2) os limites objetivos – momento em que se investiga o que se submete aos seus efeitos; 3) e o modo de produção – analisando-se como ela se forma (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p. 427)
O modo de produção, nos processos individuais, é o pro et contra, regra geral no Código de Processo Civil, aplicável aos processos individuais – objeto deste capítulo, no qual a coisa julgada se forma independentemente do resultado do processo.
As outras duas hipóteses serão vistas mais adiante, no capítulo atinente aos processos coletivos.
No Brasil, prevalece o entendimento de que o objeto do Processo corresponde ao pedido, conforme relata Antônio Cabral:
No Brasil, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, prevalece a concepção de Schwab do objeto do processo como sendo o pedido, o que tem grande importância nos limites objetivos da coisa julgada. (CABRAL, 2014, p.91)
Os limites objetivos da coisa julgada correspondem ao que foi decidido no processo, e em razão do Princípio da Congruência Objetiva (visto no capítulo relativo à sentença), ao que foi pedido. Em suma, somente se submete à coisa julgada o comando judicial que está contido no dispositivo da sentença, decidindo os pedidos iniciais.
Já os limites subjetivos, como se viu, dizem respeito a quem está vinculado ao decisório. Nas ações individuais, via de regra, a coisa julgada se faz entre as partes (inter pars), em evidente correlação ao Princípio da Congruência Subjetiva: se somente as partes participaram do processo, somente elas podem submeter-se à norma jurídica concreta emanada do órgão judicante.
Veja-se que não há, nas ações individuais, um limite territorial à influência da coisa julgada. É que esta acompanha os sujeitos envolvidos onde quer que estejam, ainda que além do território nacional.
Uma sentença de divórcio, por exemplo, faz coisa julgada entre as partes não só no Brasil, mas em quaisquer outros países, onde também serão consideradas divorciadas. Nesse sentido:
Qualquer sentença proferida por órgão do Poder Judiciário pode ter eficácia para além de seu território. Até a sentença estrangeira pode produzir efeitos no Brasil, bastando para tanto que seja homologada pelo STF [agora STJ]. Assim, as partes entre as quais foi dada a sentença estrangeira são atingidas por seus efeitos onde quer que estejam no planeta Terra (...). Com efeito, o problema atinente a saber quais pessoas ficam atingidas pela imutabilidade do comando judicial insere-se na rubrica dos limites subjetivos desse instituto processual dito" coisa julgada ", e não sob a óptica de categorias outras, como a jurisdição, a competência, a organização judiciária. (MANCUSO, 2009, pp. 322-323)
Esse conceito é muito pertinente para entender-se o desenvolvimento do raciocínio em relação à limitação territorial da coisa julgada nas ações coletivas lato sensu.
Ver-se-á que criou uma particularidade à coisa julgada no processo coletivo, que em tese deveria ser mais abrangente, restringindo-lhe os efeitos.
Chega-se, enfim, ao capítulo final deste artigo.
Pede-se vênia para fazer um breve esclarecimento: quando se fala em ações coletivas, estar-se-á referindo à Ação Civil Pública e à Ação Civil Coletiva, cujos conceitos serão abordados. Não se olvida a existência de outras ações de caráter naturalmente coletivo, mas em razão do objeto de estudo ser a questão da territorialidade, mais ligada à tais espécies de ações, optou-se por usar tal nomenclatura para referir-se a estas duas espécies de demanda.
Não, se abre mão, aqui também, da construção de conceitos. Serão traçadas as linhas mestras da tutela coletiva de direitos, para depois passar-se ao estudo do objeto da pesquisa, com a resposta para a problemática apresentada e uma proposta para resolvê-la no mundo dos fatos.
Passa-se, agora, ao capítulo-fim deste trabalho.
Costuma-se subdividir os direitos tuteláveis coletivamente em três espécies, precisamente de acordo com a redação do Art. 81 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum (BRASIL, 2013, Lei 8.078/90)
Incide, a partir da tripartição realizada, grande controvérsia doutrinária.
Cássio Scarpinella Bueno critica a divisão que pretendeu trazer o Código de Defesa do Consumidor:
Com o devido respeito, parece ser melhor entender, como propõe Antonio Gidi, em seu A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos, p.48-57, que a tripartição concebida pelo legislador brasileiro é muito pouco funcional e que nada acrescenta ao tão desejado – e verdadeiramente impositivo – acesso coletivo à justiça. (BUENO, 2013, p.176)
E complementa a tese no sentido de que a classificação elencada não deve ser vista como mutuamente excludente, mas complementar:
Para solucionar o impasse, é preferível entender que os direitos e interesses difusos, tanto quanto os coletivos e os individuais homogêneos, não são classes ou tipos de direitos preconcebidos e estanques, não interpenetráveis ou relacionáveis entre si. São – é esta a única forma de entender, para aplicar escorreitamente, a classificação feita pela lei brasileira- formas preconcebidas, verdadeiros modelos apriorísticos, que justificam, na visão abstrata do legislador, a necessidade da tutela jurisdicional coletiva. Não devem ser interpretados, contudo, como realidades excludentes umas das outras, mas, bem diferentemente, como complementares. (BUENO, 2013, p.176)
Talvez assista razão ao posicionamento do referido jurista quanto à necessidade de revisão da legitimação para promoção das demandas coletivas.
No entanto, data vênia, isso não retira a importância, ao menos didática da classificação. É que, tratando-se de conceitos jurídicos, como se anotou no capítulo I, que designam idéias aplicáveis ao ordenamento, e sendo o Direito uma ciência, faz todo o sentido a segregação conceitual, na medida em que apresentam elementos diferenciadores relevantes.
Já Teori Zavascki chama atenção ao fato de que o dispositivo do CDC se refere à tutela coletiva de direitos, e não tutela de direitos coletivos:
(...) é preciso, pois, que não se confunda defesa de direitos coletivos com defesa coletiva de direitos (individuais). Direitos coletivos são direitos subjetivamente transindividuais (= sem titular determinado) e materialmente indivisíveis. Os direitos coletivos comportam sua acepção no singular, inclusive para fins de tutela jurisdicional. Ou seja: embora indivisível, é possível conceber-se uma única unidade da espécie de direito coletivo. O que é múltipla (e indeterminada) é a sua titularidade, e daí sua transindividualidade. "Direito coletivo” é designação genérica para as duas modalidades de direitos transindividuais: o difuso e o coletivo strictu sensu. (ZAVASCKI, 2006, p.42)
Vê-se que o eminente Ministro refuta a designação de coletivos aos direitos individuais homogêneos. Segundo o autor, direitos individuais, ainda que homogêneos, não podem ser qualificados como coletivos, possuindo apenas, como dispõe a própria redação do diploma consumerista, origem comum, razão pela qual previu-se a possibilidade de tutela-los em conjunto, em regime similar ao dos direitos metaindividuais:
Já os direitos individuais homogêneos são, simplesmente, direitos subjetivos individuais. A qualificação de homogêneos não altera nem pode desvirtuar esta natureza. É qualificativo utilizado para identificar um conjunto de direitos subjetivos individuais ligados entre si por uma relação de afinidade, de semelhança, de homogeneidade, o que permite a defesa coletiva de todos eles. (...) Há, é certo, nessa compreensão, uma pluralidade de titulares, como ocorre nos direitos transindividuais; porém, diferentemente desses (que são indivisíveis e seus titulares indetermináveis, a pluralidade, nos direitos individuais homogêneos, não é somente dos sujeitos (que são determinados), mas também do objeto material, que é divisível e pode ser decomposto em unidades autônomas, com titularidade própria. (...) Os direitos individuais homogêneos são, em verdade, aqueles mesmos direitos comuns ou afins de que trata o Art.46 do CPC (nomeadamente em seus incisos II e IV), cuja coletivização tem um sentido meramente instrumental, como estratégia para permitir sua mais efetiva tutela em juízo (ZAVASCKI, 2006, p.43)
Veja-se que o autor disseca o conceito de individuais homogêneos, identificando neles um núcleo de homogeneidade, relativo a três aspectos, conforme preciosa lição a seguir transcrita:
A identificação do núcleo de homogeneidade fica mais clara quando se tem presente o conjunto de elementos da relação jurídica (ou melhor dizendo, da norma jurídica concretizada) em que se inserem os direitos subjetivos. As relações jurídicas obrigacionais são compostas pelos seguintes elementos, cuja identificação formal (em sentença ou em título extrajudicial) é indispensável para que a prestação possa ser exigida (= executada coercitivamente) em juízo: (a) a existência da obrigação (an debeatur), (b) a identidade do credor (cui debeatur), (c) a identidade do devedor (quis debeat), (d) a natureza da prestação (quid debeatur); e, finalmente, (e) em que quantidade é devido (quantum debeatur). Pois bem: as relações jurídicas subjacentes aos direitos individuais homogêneos têm, em comum, três desses elementos: o na debeatur (= o ser devido), o quis debeat (quem deve) e o quid debeatur (= o que é devido). São eles que constituem o núcleo de homogeneidade dos correspondentes direitos individuais subjetivos. (ZAVASCKI, 2006, p.157)
Em contrapartida, o professor Fredie Didier traz argumentos por que entende serem os direitos individuais homogêneos tratarem-se, por ficção, de direitos coletivos:
Denominam-se direitos coletivos lato sensu, os direitos coletivos entendidos como gênero, dos quais são espécies: os direitos difusos, os direitos coletivos stricto sensu e os direitos individuais homogêneos. (...)
Como vimos, ações coletivas não são meros litisconsórcios multitudinários; revelam-se, antes, como espécie de tutela molecular dos ilícitos que afetam bens jurídicos coletivos ou coletivizados para fins de tutela (DIH). Segundo Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, “uma ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos não significa a simples soma das ações individuais. Às avessas, caracteriza-se a ação coletiva por interesses individuais homogêneos exatamente porque a pretensão do legitimado concentra-se no acolhimento de uma tese jurídica geral, referente a determinados fatos, que pode aproveitar a muitas pessoas. (...)”
Como corolário desse entendimento (...), os direitos individuais homogêneos são indivisíveis e indisponíveis até o momento de sua liquidação e execução, voltando a ser indivisíveis se não ocorrer a tutela do ilícito. (DIDIER, ZANETI, 2013, p.27)
Concessa vênia, parece assistir razão ao professor Zavascki, quanto ao posicionamento conceitual.
Veja-se, que, de fato, há a necessidade de tutela dos direitos individuais como coletivos, o que não é negado pelo referido jurista. E, de fato, a colocação dos direitos de dita natureza como aptos a receber tutela coletiva satisfaz o ideal constitucional de efetividade da prestação jurisdicional.
Não obstante, tais razões não parecem ser suficientes para defender uma coletividade intrínseca a tais direitos. A natureza coletiva decorre da estrutura do direito, e não da sua tutela em Juízo.
Conceituar algo significa rotulá-lo dentro de um campo ideal, no qual esteja perfeitamente contida a idéia, e delimitados seus limites, de forma que se possa distinguir aquilo que nela está contida e aquilo que não o está. Se, dentro de um mesmo conceito, rotula-se algo e seu oposto, nada realmente se distingue e nada se conceitua.
Portanto, não se pode dizer que algo que é individual, é ao mesmo tempo coletivo, na medida em que o dito binômio, conforme utilizado no ordenamento, serve justamente para distinguir espécies opostas de direito, aquelas pertencentes a uma só pessoa e estas a mais de uma.
Dizer, ainda, que os direitos são indivisíveis até determinado momento parece ser outra contradição. Veja-se que a divisibilidade (ou indivisibilidade) é característica absoluta, imutável. Ora, se algo é indivisível até determinado momento, não era realmente indivisível.
Veja-se que, no entendimento do professor Didier, a indivisibilidade é momentânea e decorre de circunstâncias alheias ao próprio direito (da pretensão posta em Juízo). Mas o direito, estruturalmente, não é indivisível, razão pela qual não se pode falar em indivisibilidade momentânea.
Os direitos individuais homogêneos, a toda evidência, são direitos individuais aos quais se facultou, por razões mais diversas, o tratamento coletivo em Juízo.
Primeiramente, importante destacar que o conteúdo dos instrumentos de tutela de direitos coletivos não se esgotam no instrumento processual que se denominou de Ação Civil Pública. Nesse sentido, as palavra de Cassio Scarpinella Bueno:
A “ação civil pública” não pode ser compreendida como sinônima de “ação coletiva”, ou mais corretamente, do chamado “direito processual coletivo”.
É importante distinguir, com a maior nitidez possível, o contexto adequado de exame daquela matéria de seu próprio exame.
A chamada Ação Civil Pública é um procedimento para veicular, ao Estado-Juiz, pedido de tutela jurisdicional relativo a determinados direitos e interesses. O “direito processual coletivo é o contexto que permite a devida análise daquele instituto e de tantos outros que, mesmo sem serem uma ação civil pública, tal qual disciplinada na Lei 7.347/1985, também fazem parte daquele ramo do direito processual civil. (BUENO, 2013, p.179-180)
Realmente, a maioria dos doutrinadores reconhece o caráter de norma geral de direito processual à ação civil pública. Mas seria ela também uma espécie própria de ação?
O que se indaga, em verdade, é se a expressão “ação civil pública” seria uma espécie de ação ou meramente um compilado de normas que incorretamente se designou de ação?
Marcelo Abelha Rodrigues entende que a expressão Ação Civil Pública, na acepção adquirida ao longo dos anos, tornou-se plurissiginificativa, designando os dois fenômenos, atribuindo tal fato à cultura romano-germânica da qual deflui o direito brasileiro:
Uma simples leitura do Código de Processo Civil (art. 890 e ss.) ou uma rápida investigação dos protocolos forenses, permitirá identificar uma realidade há muito existente em nosso ordenamento. A realidade mostra que continuamos dando nomes às ações. É ação ordinária, ação sumária, ação individual, ação popular, (...). Não há nenhum mal nisso, ou seja, não há nenhum problema em se nominar a ação, atribuir-lhes nomes ou apelidos e isso, na verdade, só vem demonstrar o apego à cultura romano germânica que ainda é bem presente no nosso ordenamento. (...)
Nesse sentido, não há nenhum erro em falar ação civil pública para designar a demanda coletiva que tutela os direitos coletivos lato sensu. Entretanto, em sentido técnico e com algum rigor processual, verifica-se que a ação é apenas um direito constitucional de postular ao Poder Judiciário a tutela de um direito lesado ou ameaçado. Nesse compasso, correto seria dizer que a Lei 7.347/85 congrega um conjunto de regras e técnicas processuais (processo e procedimento) que são utilizados para a tutela dos interesses coletivos em sentido lato, ou seja, a tutela coletiva dos direitos é provocada pelo exercício do direito de agir e, as técnicas e regras a serem desenvolvidas seguirão, regra geral, a Lei de Ação Civil Pública (...). (RODRIGUES, 2013, p. 366)
Vê-se, de pronto, a primeira problemática que cerca a referida lei. Entendida a Lei de Ação Civil Pública como um instrumento processual próprio, poderia tal instrumento ser hábil à tutela dos direitos (ou interesses) individuais homogêneos?
Como se viu no trecho retro, o Professor Marcelo de Abelha Rodrigues entende que sim, tendo em vista que diz ser a ação civil pública o instrumento hábil a tutelar direitos coletivos lato sensu. Tal denominação é própria para designar os direitos tutelados coletivamente.
No mesmo sentido, Hugo Nigro Mazzilli comenta:
O uso da expressão Ação Civil Pública, preconizado por Piero Calamandrei, deve-se a uma busca de contraste com a chamada ação penal pública (...)
Ao menos em sua criação, portanto, os dizeres “ação civil pública” por certo queriam destinar-se apenas a distinguir a ação não penal proposta pelo Ministério Público. (...)
Ação Civil Pública, ou ação coletiva, como prefere o Código de Defesa do Consumidor, passou a significar, portanto, não só aquela proposta pelo Ministério Público, como a proposta pelos demais legitimados ativos do Art. 5o da Lei n. 7.347/85 e do Art. 82 do CDC, e ainda aquela proposta pelos sindicatos, associações e outras entidades legitimadas na esfera constitucional, sempre com objetivo de tutelar interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos (...). (MAZZILLI, 1993, p.32)
Cássio Scarpinella Bueno, de certa forma, tem entendimento no que parece ser um meio-termo. Admite não existir contraposição entre ação civil pública e interesses individuais homogêneos, mas reconhece que aquela, tal qual prevista na Lei 7.347/85, foi pensada para a tutela de interesses transidividuais, sendo esta a razão pela qual o Código de Defesa do Consumidor optou por criar um capítulo para a tutela dos interesses “acidentalmente coletivos”:
O Capítulo 1 ocupa-se da exposição da “Ação Civil Pública”, tal qual regulada pela Lei 7.347/85. (...)
A tutela dos direitos e interesses individuais homogêneos, contudo, não é disciplinada por aquele diploma legislativo. Ele se encontra nos arts. 91-100 do Código do Consumidor (Lei 8.078/90), em capítulo próprio, sugestivamente denominado “Das Ações Coletivas Para a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos,” (...).
A distinção entre as matérias, contudo, quer ser apenas didática. Não existe nenhuma distinção ontológica entre uma ação civil pública e uma “ação coletiva. Ambas as denominações devem ser entendidas como mera expressão idiomáticas que acabaram sendo consagradas pelas leis de regência da espécie, sobretudo pela doutrina, pela jurisprudência e pelos usos e costumes forenses, e que denotam diferentes procedimentos para buscar (e obter) tutela jurisdicional para determinadas situações de direito material. (BUENO, 2013, p.210)
O contraponto fica por conta do entendimento do Professor Teori Zavascki. Entende o referido mestre tratarem-se formas de tutela diferentes a ação civil pública e ação coletiva, mormente porque a ação coletiva visa definir, também o núcleo de homogeneidade, conforme se viu no item anterior, dos direitos individuais homogêneos, o que implica em uma repartição da atividade cognitiva do magistrado:
Segundo observou Kazuo Watannabe, a cognição, no processo civil, pode ser visualizada em dois planos distintos: o horizontal e o vertical. No plano horizontal, ela pode ser plena ou limitada, tudo dependendo da extensão do conflito posto em debate. No plano horizontal, ela pode ser plena ou limitada, tudo dependendo da extensão do conflito posto em debate no processo. Será plena se o objeto da demanda for a integralidade do conflito existente; será limitada (ou parcial) se a demanda tiver por objeto apenas parte do conflito. No plano vertical, a cognição poderá ser exauriente (completa) ou sumária, tudo dependendo do grau de profundidade com que é realizada.
Na ação coletiva propriamente dita (e, portanto, na correspondente sentença de mérito), as questões enfrentadas são unicamente as relativas ao núcleo de homogeneidade dos direitos individuais afirmados na demanda. A cognição, portanto, embora exauriente sob o aspecto vertical, será limitada sob o aspecto horizontal. (...)
A repartição da atividade cognitiva representa, como se pode observar, mais uma importante diferença entre o procedimento da ação coletiva (= para tutela de direitos individuais homogêneos) e o da ação civil pública, destinada a tutelar direitos transindividuais: naquele, a atividade cognitiva é limitada ao núcleo de homogeneidade dos direitos controvertidos; e nesse, a cognição é ampla, envolvendo, como qualquer procedimento comum ordinário, a totalidade da controvérsia. (ZAVASCKI, 2006, p. 163-164)
Parece assistir razão, com todo o respeito às opiniões em contrário, especialmente as aqui esposadas, ao professor Teori Zavascki.
Não parece correto afirmar que no caso, ainda que o procedimento seja distinto, não haveria distinção ontológica entre a ação civil pública e a ação coletiva prevista no CDC.
Ora, sendo o grau e o limite da cognição característica intrínseca da ação que se propõe, influindo diretamente no objeto da tutela pretendida (e este é o caso em comento), evidente que se trata de duas coisas distintas.
Pode-se dizer, isso com certeza, que possuem características em comum, o que justifica a alcunha de ambas no gênero de ações que destinam-se à tutela coletiva de direitos.
Mas ontologicamente são, sim, distintas. Isso fica muito claro nas ações que destinam-se a uma tutela repressiva.
No caso de um dano ambiental, que não tenha prejuízos imediatos individuais, evidente que há legitimidade para determinados entes perquerirem em Juízo eventual punição do infrator. Nesse caso, os limites da lide serão totais, tanto vertical quanto horizontalmente, e ao fim, caso se entenda pela procedência, condenar-se-á o infrator a determinada prestação (a depender da concepção que se adota). Isso é o tanto quanto basta para satisfazer a pretensão resistida existente. Já em eventual demanda coletiva para tutela de interesses individuais homogêneos, via de regra, as questões concentrar-se-ão em estabelecerem-se as características comuns, para possibilitar a liquidação e execução individual por parte dos interessados.
Essa é a razão pela qual a sentença em tais processos é eminentemente genérica:
Na ação coletiva, até como decorrência natural da repartição que a caracteriza, a sentença será, necessariamente, genérica. Ela fará juízo apenas sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos afirmados na inicial, ou seja, apenas sobre três dos cinco principais elementos da relação jurídica que envolve os direitos subjetivos objeto da controvérsia: o an debeatur (= a existência da obrigação), o quis debeat = a identidade do sujeitopassivo da obrigação) e o quid debeatur (= a natureza da prestação devida). Tudo o mais (o cui debeatur = quem é o titular do direito e o quantum debeatur = qual a prestação a que especificamente faz jus) é tema a ser enfrentado e decidido por outra sentença, proferida em outra ação, a ação de cumprimento. (ZAVASCKI, 2006, p. 163-164)
Diante dessas considerações, e levando em consideração a amplitude do conhecimento, faz tanto sentido dizer que tais ações são ontologicamente iguais quanto o faz dizer que as ações cautelares são ontologicamente iguais às ações ordinárias, ainda que reste evidente que verticalmente, o grau conhecimento de ambas difere.
Ressalte-se, no entanto, que o ajuizamento de uma demanda alcunhada de ação civil pública, mas que pretende tutelar interesses ou direitos individuais homogêneos pode, em homenagem ao princípio constitucional do amplo acesso à Justiça e do Aproveitamento dos Atos Processuais, assim como o Princípio da Pas de Nullité Sans Grief (não há nulidade sem prejuízo), sem qualquer problema, ser recebida como ação coletiva e ser processada pelo rito previsto no Código de Defesa do Consumidor.
A ressalva fica tão somente em razão da natureza acadêmica deste estudo, que busca o estudo dos institutos em tese, mas sem descuidar do lado prático das questões aqui postas.
Diante do exposto, adota-se aqui o entendimento do Professor Zavascki, no que tange à tutela coletiva de direitos individuais homogêneos.
A Lei 7.347/85 trouxe um rol de legitimados para a propositura da Ação Civil Pública, in verbis:
Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (BRASIL, 2013, Lei 7.347/85)
Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor traz, em seu Art. 82, um rol de legitimados para a tutela coletiva:
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público,
II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;
IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear. (BRASIL, 2013, Lei 7.347/85)
A legitimidade conferida a tais entidades para a tutela de direitos transindividuais é, sem sombra de dúvidas, extraordinária.
Vê-se que, conforme o Art. 6o do Código de Processo Civil, a regra geral na tutela de direitos individuais é a legitimidade ordinária: “Art. 6º Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.” (BRASIL, 2013, Lei 5.869/73)
Fredie Didier explica a diferença entre a legitimidade ordinária e extraordinária:
Há legitimação ordinária quando se atribui a um ente o poder de conduzir validamente um processo em que se discute uma situação jurídica de que se afirma titular. Há legitimação extraordinária quando se atribui a um ente o poder de conduzir validamente um processo em que se discute situação jurídica cuja titularidade afirmada é de outro sujeito. Na legitimação ordinária, age-se em nome próprio na defesa dos próprios interesses; na legitimação extraordinária, age-se em nome próprio na defesa de interesse alheio. (DIDIER, ZANETI, 2013, p.204)
E conclui o referido autor, afirmando ser a legitimidade dos entes elencados anteriormente eminentemente extraordinária, funcionando através do fenômeno da substituição processual:
A legitimação ao processo coletivo é extraordinária: autoriza-se um ente a defender, em juízo, situação jurídica de que é titular um grupo ou uma coletividade. Não há coincidência entre o legitimado e o titular da situação jurídica discutida. Quando não há essa coincidência, há legitimação extraordinária – esta é a posição adotada por este Curso, que de resto parece ser a majoritária na jurisprudência brasileira, muito embora ainda não tenha sido pacificada na doutrina. (DIDIER, ZANETI, 2013, p.204)
E não é só. A legitimação coletiva, além de extraordinária, possui outras características que lhe qualificam.
Fredie Didier, em magistral lição, qualifica a legitimação extraordinária nos processos coletivos em autônoma, exclusiva, concorrente e disjuntiva.
Autônoma na medida em que não necessita de autorização do titular do direito material para deflagrar a atividade jurisdicional.
Exclusiva na medida em que o único legitimado para ingressar com a ação é substituto, cabendo ao substituído, unicamente na tutela de direitos individuais, pela Ação Civil Coletiva, somente intervir como assistente em tais demandas.
Concorrente porque se permite que mais de um substituto ingresse com a ação. Ou seja, há previsão de legitimidade para mais de um ente.
Finalmente, é disjuntiva porque um legitimado não depende do consentimento dos demais.
Indispensável trazer as palavras do professor Didier sobre o tema:
A técnica escolhida foi a da legitimação por substituição processual autônoma, exclusiva, concorrente e disjuntiva.
Há legitimação extraordinária autônoma quando o legitimado extraordinário está autorizado a conduzir o processo independentemente da participação do titular do direito litigioso.
(...) Há legitimação extraordinária exclusiva, se apenas o legitimado extraordinário puder ser a parte principal no processo, cabendo ao protagonista da situação litigiosa, se já não fizer parte da demanda, intervir no processo na condição de assistente litisconsorcial (litisconsórcio ulterior). Nas ações coletivas, essa intervenção só é possível quando estiverem sendo discutidos direitos individuais homogêneos (art. 94 do CDC) (...).
Há legitimação concorrente ou co-legitimação quando mais de um sujeito estiver autorizado a discutir em Juízo determinada situação jurídica.
(...) A legitimação apresenta-se, ainda, disjuntiva, porque, apesar de ser concorrente, cada entidade legitimada a exerce independentemente da vontade dos demais colegitimados. (DIDIER, ZANETI, 2013, p.204)
Prosseguindo-se, chega a outra questão interessante acerca da legitimação nas ações coletivas.
Vê-se que os colegitimados previstos nos diplomas transcritos acima não são idênticos. A título exemplificativo, pode-se ver que houve previsão, na Lei de Ação Civil Pública, após a modificação trazida pela Lei 11.448/07, de legitimidade para a Defensoria Pública propor a Ação Civil Pública. Não obstante, modificação semelhante não ocorreu no Art. 82 do Código de Defesa do Consumidor.
Por fim, não poderia deixar de citar a interessante questão da representatividade adequada, como meio de aferir que os substituídos serão realmente bem representados, ou seja, terão seus interesses tutelados da melhor forma possível pelo substituto.
Tal característica se faz presente em diversos países que se utilizam da tutela coletiva de direitos, em especial no direito norte-americano, a denominada Adequacy of Representation, conforme preconizou a professora Linda Mullenix, em seu relatório geral sobre a tutela coletiva nos sistemas de Common Law:
All common laws jurisdictions seem to have some concept of adequacy of representation embedded in their jurisprudence relative to the qualifications for serving as representative. In addition, it seems that the determination of adequacy is within the jurisdiction of the tribunal, that determines whether to create a class action or representative action.
(…) Because the Class representatives are representing the interests of absent class members, the representatives are guardians and fiduciaries for the class interests. Moreover, it is a fundamental principle of American class action jurisprudence that a class judgment will not have any binding effect in the absence of adequate representation in the class proceedings. Hence, class action judgments may subsequently be attacked on direct or collateral appeal by challenging the underlying adequacy of representation. (GRINOVER, MULLENIX, WATANABE, 2011, p. 280-282)
Vê-se, assim, que no direito norte-americano, é possível que o julgamento seja combatido em razão da ausência de representatividade adequada. Isso mostra que tal característica deve ser aferida no início da demanda, convolando-se em verdadeiro pré-requisito.
Conforme ensina Kazuo Watanabe, a representatividade adequada pode constar expressamente em lei ou pode ser feita pelo juiz. Reconhece, no entanto, que em último caso a análise é sempre do magistrado:
A aferição desses dois requisitos pode ser feita (a) pelo juiz ou (b) pelo legislador, mediante a fixação em lei dos requisitos para a legitimação.
Mas mesmo estando pré-fixados em lei, no caso concreto caberá ao juiz verificar se efetivamente estão presentes os requisitos exigidos pelo legislador para que haja a representatividade adequada, o que equivale dizer que, embora mais facilitada a tarefa, é ao juiz que incumbe, caso a caso, fazer o escrutínio desse pré-requisito. (GRINOVER, MULLENIX, WATANABE, 2011, p. 300-301)
Kazuo Watannabe reconhece a distinção, nesse aspecto do direito brasileiro e o direito norte-americano:
Nos países de civil law, somente alguns países adotam ocritério de aferição de representatividade adequada pelo juiz (Uruguai; por entendimento jurisprudencial também Argentina e Paraguai). (...) O Projeto Brasileiro de Processos Coletivos acolhe esse sistema somente para o caso de legitimação de pessoa física. (GRINOVER, MULLENIX, WATANABE, 2011, p. 301)
Vê-se, destarte, a vontade doutrinária de implementação de tal análise prévia nos processos coletivos, como forma de garantir uma tutela adequada aos interesses supraindividuais.
Concorda-se com a posição doutrinária, na medida em que a aferição prévia da representatividade adequeada pelo magistrado favorece a maximização do devido processo legal no instituto da substituição processual, na medida em que garante que os substituídos tenham seus interesses tutelados de forma mais ampla em Juízo.
Dispõe o Art. 2º da Lei 7347/85:
Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. (BRASIL, 2013, Lei 7.347/85)
Por sua vez, o art. 93 do CDC possui a seguinte redação:
Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:
I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente. (BRASIL, 2013, Lei 8.078/90)
Veja-se que o Art. 2º da Lei de Ação Civil Pública parece ter estabelecido um novo conceito de competência.
Instaurou-se a dúvida se tratar-se-ia de competência territorial ou competência funcional.
Marcelo Abelha Rodrigues estabelece a distinção entre os conceitos:
A competência territorial leva em consideração critério geográfico e tem por finalidade precípua aumentar o contato do juiz com os fatos da causa. Já a competência funcional está relacionada ao exercício de uma função. (RODRIGUES, 2013, p.416)
De logo, tratou a doutrina de rechaçar a competência funcional estabelecida pelo legislador. Em verdade, trata-se de competência absoluta, cogente, e parece, mais uma vez, ter se utilizado o legislador de termo equivocado para exteriorizar o espírito da disciplina legislativa:
Entretanto, o texto legal não perde tempo e nem deixa que se tenha esse devaneio, esclarecendo que se trata de competência do tipo funcional. Na verdade, pensamos, o texto legal foi incisivo ao dizer “do tipo absoluta”, para rechaçar expressamente qualquer tentativa de interpretação que dissesse ser a competência da ACP territorial, e, com isso, de natureza relativa. Na verdade, pensamos que kal nenhum teria em se dizer ser a competência territorial, mas com regime jurídico de cogência, de ordem pública, que não admite disposição.” (RODRIGUES, 2013, p.416)
Saliente-se que o regramento do Código de Processo Civil estabelece a competência territorial como norma de caráter relativo, ou seja, sujeito a alteração por disposição das partes, conforme teor do Art. 63 do CPC.
Assim, conclui-se que a Lei de Ação Civil Pública criou regra especialíssima de competência territorial absoluta, aplicável também, em razão do diálogo de fontes existente em razão da já delineada formação do dito microssistema de tutela coletiva, às ações civis coletivas:
O caso é de competência territorial, cujo desrespeito implica incompetência absoluta (excepcional, é verdade, á luz do Art. 111 do CPC) semelhante ao regime do foro da situação da coisa para as ações reais imobiliárias previstas na parte final do Art.95 do CPC. (DIDIER, ZANETI, 2013, p.142)
Outra interessante questão é auferir se no caso de danos nacionais, haveria competência concorrente entre o Distrito Federal e os Estados, ou se seria exclusiva do foro do Distrito Federal.
O Superior Tribunal de Justiça pacificou a matéria, conforme julgamento de Conflito de Competência que se transcreve:
COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE CONSUMIDORES. INTERPRETAÇÃO DO ART. 93, II, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO DE ÂMBITO NACIONAL. Em se tratando de ação civil coletiva para o combate de dano de âmbito nacional, a competência não é exclusiva do foro do Distrito Federal. Competência do Juízo de Direito da Vara Especializada na Defesa do Consumidor de Vitória/ES. (STJ - CC: 26842 DF 1999/0069326-4, Relator: Ministro WALDEMAR ZVEITER, Data de Julgamento: 10/10/2001, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 05/08/2002 p. 194 RSTJ vol. 160 p. 217)
Ressalte-se, no entanto, o respeitável entendimento de Ada Pelligrini Grinover:
Mas o produto ou serviço pode acarretar prejuízos de dimensões mais amplas, atingindo pessoas espalhadas por uma inteira região ou por todo o território nacional. Nesse caso, a determinação da competência territorial faz-se pelo foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal (inc. 11 do art. 93). Tanto num como noutro caso, a competência é da Justiça local, nos termos do disposto no caput do dispositivo (... ).
Cabe, aqui, uma observação: o dispositivo tem que ser entendido no sentido de que, sendo de âmbito regional o dano, competente será o foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal.
No entanto, não sendo o dano de âmbito propriamente regional, mas estendendo-se por duas comarcas, tem-se entendido que a competência concorrente é de qualquer uma delas.
Sendo o dano de âmbito nacional, entendemos que a competência deveria ser sempre do Distrito Federal: isso para facilitar o acesso à Justiça e o próprio exercício do direito de defesa por parte do réu, não tendo sentido que seja ele obrigado a litigar na Capital de um Estado, longínquo talvez de sua sede, pela mera opção do autor coletivo. As regras de competência devem ser interpretadas de modo a não vulnerar a plenitude da defesa e o devido processo legal.
Essa interpretação reduziria os casos de competência concorrente, que de qualquer modo seriam solucionados pelo critérios do Código de Processo Civil, inclusive quanto à prevenção (... ).
No entanto, não tem sido esta a posição da jurisprudência, que entende, em caso de danos de âmbito nacional, ser o foro da Capital dos Estados ou do Distrito Federal concorrente. No mesmo sentido manifestou-se autorizada doutrina.
Permitimo-nos insistir na nossa posição, até porque parece claro que foi justamente a atribuição da competência ao foro da Capital dos Estados, para casos de abrangência nacional, que provocou a (malsucedida) tentativa de restrição pela medida provisória n° 1.570/97 (GRINOVER, 2009, p.683)
Concorda-se, porém, com a posição majoritária na Colenda Corte, por Facilitar o acesso à tutela coletiva de direitos. Ademais, é muito provável que sendo o dano de âmbito nacional, é possível que seus efeitos sejam mais palpáveis, e a coleta de provas seja mais fácil, em determinado Estado da Federação do que no Distrito Federal.
Já se abordou o tema da coisa julgada em momento anterior (v. capítulo II), mas no regime individual, conforme tradicionais lições extraídas e adequadas ao Código de Processo Civil.
Passa-se no presente ato, à análise desta nos processos de natureza coletiva.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu Art. 103, traz o regime da coisa julgada nas Ações de Natureza Coletiva:
“Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.
§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.
§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.
§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória. (BRASIL, 2013, Lei 8.078/90)
O artigo 16 da Lei 7.347/85 também traz disposição acerca do tema, conforme redação transcrita:
“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (BRASIL, 2013, Lei 8.078/90)
Esse dispositivo, como visto, traz a questão da territorialidade, que será analisada posteriormente.
Por ora, importante ressaltar a dicotomia entre os dois.
Veja-se que não existe dúvida a respeito da possibilidade de tutela de direitos coletivos pela ação civil pública.
O que acontece, tão somente, é que a redação do Código de Defesa do Consumidor adapta-se melhor à tríplice divisão constante no art. 81 daquele diploma.
Prosseguindo, impende ressaltar que a coisa julgada, à exceção da tutela de direitos individuais homogêneos, manifesta-se como exemplo de coisa julgada secundum eventum probationis.
Trata-se de uma relativização da autoridade da res iudicata, que não alcançará o seu núcleo material quando o julgamento pela improcedência decorrer da insuficiência de provas.
Cabe perquerir o alcance da expressão insuficiência de provas.
Veja-se que a disposição do ônus da prova nas ações coletivas não possui significantes diferenças das ações que tutelam direitos individuais. Algumas peculiaridades se fazem presentes, como a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor de um substituto processual, levando-se em consideração relação jurídica extraprocessual:
ACP. INVERSÃO. ÔNUS. PROVA. MP.
Trata-se, na origem, de ação civil pública (ACP) interposta pelo MP a fim de pleitear que o banco seja condenado a não cobrar pelo serviço ou excluir o extrato consolidado que forneceu a todos os clientes sem prévia solicitação, devolvendo, em dobro, o que foi cobrado. A Turma entendeu que, na ACP com cunho consumerista, pode haver inversão do ônus da prova em favor do MP. Tal entendimento busca facilitar a defesa da coletividade de indivíduos que o CDC chamou de consumidores (art. 81 do referido código). O termo “consumidor”, previsto no art. 6º do CDC, não pode ser entendido apenas como parte processual, mas sim como parte material da relação jurídica extraprocessual, ou seja, a parte envolvida na relação de direito material consumerista – na verdade, o destinatário do propósito protetor da norma. (STJ, REsp 951.785-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/2/2011.)
Trata-se de exceção que confirma a regra, no sentido vige a regra de distribuição “estática” do ônus da prova (a despeito de vozes na doutrina defenderem assiduamente a distribuição dinâmica do ônus da prova em tais demandas – entendido, a grosso modo, como uma técnica que distribui o ônus da prova àquele com melhor condições de dele desincumbir-se), constante no Art. 373 do CPC, in verbis:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. (BRASIL, 2018, Lei 13.105/15)
Ora, se há a inversão do ônus da prova, é porque a princípio ele obedecia à fórmula tradicional.
Partindo-se dessa premissa há de se distinguir duas situações. A primeira delas é o ente coletivo, substituto processual, que instruiu indevidamente o processo, não tendo obtido sucesso, por isso, em convencer o magistrado. O segundo caso é de o substituto processual ter feito todo o possível para provar o alegado, mas em razão das provas apresentadas pela outra parte, convenceu-se o julgador pela improcedência. Nesse segundo caso, forma-se a coisa julgada material.
Essa é a lição trazida por Marcelo Abelha Rodrigues:
A insuficiência de provas pode ser analisada sob um aspecto material e outro processual e não precisa ser expressamente declarada pelo juiz ao julgar a demanda coletiva improcedente. O primeiro caso (aspecto material) dirige-se a situações em que não existia ou não era impossível a obtenção de prova suficiente para influir no resultado e na convicção do magistrado. A segunda hipótese existe quando a insuficiência decorre da ausência de material probatório nos autos que pudesse levar à formação da convicção do magistrado favoravelmente ao demandante. (...) a rigor, toda decisão de improcedência se dá : a) porque o autor não conseguiu demonstrar que possuía o direito afirmado; b) porque o réu trouxe prova suficiente para convencer que o autor não possuía razão. Nesse caso (b) não há que se falar em insuficiência de provas, pois a prova apresentada nos autos foi suficiente para levar à improcedência da demanda. (RODRIGUES, in DIDIER, 2013, p. 436-437)
Veja-se, também, que eventual resultado negativo nas ações que tutelam direitos supraindividuais – coletivos stricto sensu e difusos, ao contrário do que defendiam alguns não é secundum eventum litis.
A coisa julgada secundum eventum litis, devem ser entendidas “no sentido de que a coisa julgada forma-se no caso de procedência do pedido, apenas para favorecer os indivíduos e não para prejudica-los.” (BUENO, 2013, p.220)
Ora, verdadeiramente, o que há, é a limitação da indiscutibilidade da sentença aos indivíduos membros da coletividade, no caso de improcedência, na medida em que os substitutos processuais, quaisquer que sejam, não poderão mais propor outra ação coletiva sob o mesmo fundamento, tenham ou não participado do processo. Nesse sentido, traz-se a lição de Antonio Gidi:
Rigorosamente, a coisa julgada nas ações coletivas do direito brasileiro não é secundum eventum litis. (...) A coisa julgada sempre se formará, independentemente de o resultado da demanda ser pela procedência ou pela improcedência. A coisa julgada nas ações coletivas se forma pro et contra. (...) O que diferirá com o “evento da lide” não é a formação ou não da coisa julgada, mas o rol de pessoas por ela atingidas. Enfim, o que é secundum eventum litis não é a formação da coisa julgada, mas sua extensão erga omnes ou ultra partes à esfera jurídica individual de terceiros prejudicados pela conduta considerada ilícita na ação coletiva. (GIDI,1995, p.73-74)
O que há na verdade, é o efeito in utilibus, podendo os integrantes da coletividade beneficiar-se de tal sentença em um litígio individual: “a coisa julgada nas demandas essencialmente coletivas (difusas e coletivas) pode ser aproveitada para as lides individuais derivadas da mesma causa de pedir (art. 103, § 3o do CDC)” (RODRIGUES, in DIDIER, 2013, p. 439).
Sucede que para os litígios coletivos que versam sobre direitos individuais homogêneos a regra é outra.
A rigor, somente não será atingido por eventual sentença de improcedência (desde que não seja por ausência de provas), se não intervir no processo como assistente litisconsorcial, na forma do Art. 94 do CDC: “Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.” (BRASIL, 2013, Lei 8.078/90).
Intervindo o substituído, a contrario sensu, sobre ele estender-se-á a força da coisa julgada:
Em caso de improcedência, qualquer que seja a causa, “os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual”. A contrario sensu, portanto, há de se entender que o juízo de improcedência atinge, com sua força vinculante, os que tiverem aderido ao processo coletivo, em atendimento ao edital previsto no art. 94. ((ZAVASCKI, 2006, p. 189)
Por fim, há de se ressaltar a hipótese de já haver uma ação individual em curso quando do ajuizamento de demanda coletiva.
Nesse caso, não requerida a suspensão, no prazo de 30 dias a contar da ciência do ajuizamento da ação coletiva, a coisa julgada não interfere no litígio individual. Em relação a esse tema, ensina Teori Zavascki:
Desse dispositivo, colhe-se: (a) que a ação individual pode ter curso independente da ação coletiva superveniente; (b) que a ação individual só se suspende por iniciativa do autor; e (c) que não havendo pedido de suspensão, a ação individual não sofre efeito algum do resultado da ação coletiva. (ZAVASCKI, 2006, p. 190)
Tal dispositivo transcreve o mais próximo que existe no direito brasileiro do denominado right to opt out:
No Brasil, pelo menos por agora, para que o indivíduo se exclua da jurisdição coletiva, é preciso que, proposta sua ação individual e devidamente cientificado da existência do processo coletivo, decida pelo prosseguimento do processo individual (...). Esse é o modo de abdicar expressamente da jurisdição coletiva no direito brasileiro, ato que não implica, repita-se, renúncia ao direito discutido. (DIDIER, ZANETI, 2013, p.195)
Trata-se de sistema consistente em permitir que cada indivíduo substituído tenha o direito, após notificado, de requerer a exclusão do processo coletivo, não se submetendo à eficácia da sentença e à autoridade da res iudicata. Os demais, que não requererem a exclusão, a esta se submeterão, conforme ensina a professora Ada Pelligrini Grinover:
Como é sabido o critério do opt out consistem em permitir que cada indivíduo, membro de uma classe, requeira em juízo a sua exclusão da demanda coletiva, de modo a ser considerado terceiro, não sujeito à coisa julgada. Todos os demais membros da classe (...), são considerados partes e sofrem os efeitos da coisa julgada, seja ela positiva, seja ela negativa.(GRINOVER, MULLENIX, WATANABE, 2011, p. 239)
No direito norte-americano, como explica a professora Linda Mullenix, há a previsão para as class actions contidas no Art.23, (b) (3) para o direito à auto-exclusão:
Among the common law countries, only the United States has a longstanding clear opt-out regime in its class action jurisprudence. As explained above, the Rule 23(b)(3) class category provides that members of such class must be afforded the opportunity to opt-out the class. (GRINOVER, MULLENIX, WATANABE, 2011, p. 293)
Veja-se que as class actions contidas no dito artigo tutelam justamente interesses individuais homogêneos, conforme síntese do Professor Kazuo Watanabe:
A terceira categoria de class action – a prevista na Rule 23(b)(3), que se destina à postulação de indenização de danos por lesões individuais seria correspondente à ação coletiva para tutela de direitos individuais homogêneos do sistema de civil law (GRINOVER, MULLENIX, WATANABE, 2011, p. 305)
Assim, apesar de haver uma aproximação, e pode-se dizer inspiração, da ação civil coletiva com as class actions da Rule 23(b)(3), é consistente a afirmação de que o direito brasileiro não adotou tal sistemática, sobretudo diante da sua ineficácia frente ao sistema da coisa julgada in utilibus.
No presente trabalho, começou-se o estudo através da conceituação do ato processual sentença, passando por conceitos básicos preliminares, a exemplo da idéia de jurisdição, competência, etc.
Estudaram-se os efeitos da sentença, assim como a eficácia subjetiva e objetiva da coisa julgada, lições das quais se utiliza agora.
Passou-se ao estudo do processo coletivo em linhas gerais, como não poderia deixar de ser, ante à restrição imposta pelo tema do trabalho.
Foram observadas, ainda, a natureza dos direitos em disputa no processo coletivo. Viu-se que formou-se no direito brasileira um microssistema intercomunicante para a tutela coletiva de direitos, à qual se aplica meramente de forma subsidiária o Código de Processo Civil.
Viu-se, ainda, as peculiaridades da coisa julgada nas ações coletivas, o sistema adotado para a tutela de direitos e diversas posições doutrinárias sobre o tema.
A partir de tal substrato jurídico-doutrinário, é possível passar a analisar o tema do presente trabalho monográfico.
Conforme já assentado anteriormente, a coisa julgada, no teor do Art.467, do CPC, é a qualidade que torna imutável a sentença, nos limites em que foi decidida a lide – conceito formulado no capítulo II, conforme entendimento majoritário da doutrina.
O artigo 16 da Lei 7.347/85 trouxe a seguinte redação em relação à coisa julgada:
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova (BRASIL, 2013, Lei 7.347/85)
Tal redação foi fornecida pela Lei 9.494/97, constando tal teor em seu Art.2o. Da mesma forma, trouxe em seu Art. 2o-A, a seguinte redação:
“Art.2o-A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator (BRASIL, LEI 9.494/95, 2014)
Primeiramente, analisando o dispositivo contido na Lei 7.347/85, parece ter equivocado-se o legislador ao tentar limitar a “coisa julgada” aos limites territoriais do órgão prolator da sentença, na medida em que a consequência primeira seria a divisão, se isso fosse ao menos possível, de direitos estruturalmente indivisíveis, nos casos dos direitos individuais homogêneos e coletivos strictu sensu.
Viu-se que tais direitos possuem entre si uma característica em comum: são subjetivamente transindividuais, ou seja, não possuem titular determinado e materialmente indivisíveis (item III.1,b). Estas características são elementares a tais espécies de direitos.
Ora, uma sentença cuja “coisa julgada” limita-se aos limites territoriais do órgão prolator certamente tenta dividir o indivisível. Esta é a primeira crítica que fazem respeitáveis vozes na doutrina, como a exemplo de Marcelo Abelha Rodrigues:
Da forma como foi redigida, pretende o legislador limitar o objeto difuso e coletivo, que são indivisíveis. Pretende estabelecer que os limites da competência delimitem igualmente os limites objetivos e subjetivos do julgado. Esquece-se o legislador que nem todos os bens difusos e coletivos são indivisíveis na sua essência por vontade do ser humano. Se pensarmos no meio ambiente, veremos que é simplesmente impossível limitar a tutela de um objeto que é essencialmente indivisível e ubíquo, independentemente do querer humano. (RODRIGUES, 2013, p. 366)
Teori Zavascki segue a mesma linha de raciocínio, deixando claro que o regime da coisa julgada limitada pelo aspecto “territorial” não se coaduna com a tutela de direitos de natureza transindividual:
No que se refere ao âmbito de eficácia, a imutabilidade da sentença na ação civil pública, segundo o art.16 da Lei 7.347/85, é erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator.” A extensão subjetiva universal (erga omnes) é consequência natural da transindividualidade e da indivisibilidade do direito tutelado na demanda. Se o que se tutela são direitos indivisíveis e pertencentes à coletividade, a sujeitos indeterminados, não há como estabelecer limites subjetivos à imutabilidade da sentença. Ou ela é imutável, e, portanto, o será para todos, ou ela não é imutável, e portanto, não faz coisa julgada. (ZAVASCKI, 2013, p. )
Não se passa despercebido, ainda, que a redação imprecisa acaba por criar verdadeira aberração processual.
Veja-se, como se demonstrado à exaustão, que a coisa julgada é conceito que define uma qualidade da sentença, a de se tornar imutável. Pela redação do dispositivo, estaria autorizado que parcela dos substituídos fossem beneficiados pela imutabilidade ocasionada em razão do trânsito em julgado da decisão e uma outra parcela, que não estivesse dentro dos “limites de competência”, não se beneficiaria de tal qualidade. Nesse sentido, ensina Teori Zavascki:
Ora, seria difícil compatibilizar essa espécie de limitação com a natureza jurídica da coisa julgada (que nada mais é do que uma qualidade da sentença, a da sua imutabilidade). O que faz coisa julgada (ou seja, o que se torna imutável) nas sentenças de mérito é o juízo, que nelas se contém, a respeito da existência ou da inexistência ou do modo de ser da relação jurídica objeto do litígio, e isso não é diferente nas ações civis públicas. Embora indeterminados os titulares do direito tutelado, também nessas ações a atividade cognitiva visa a obter uma sentença com declaração de certeza a respeito de uma relação jurídica determinada, nascida de específica situação de fato, que gera, ou pode gerar, lesão a direito transindividual (=pertencente a uma coletividade ou a sujeitos indeterminados). É esse juízo de certeza que, pelo efeito da coisa julgada, se torna imutável. Ora, é incompreensível como se possa cindir territorialmente a imutabilidade assim constituída, limitando-a, por exemplo, a uma comarca, ou a uma cidade, ou até, em caso de juiz que atua em vara distrital, a apenas uma parte da cidade. Por outro lado, considerando que a coisa julgada não altera o conteúdo da sentença, nem compromete sua eficácia, o eventual limitador territorial importaria, na prática, a produção de uma estranha sentença, com duas qualidades: seria válida, eficaz e imutável em determinado território, mas seria válida, eficaz e mutável fora desse território. (ZAVASCKI, 2006, p. 163-164)
Outra crítica que merece o dispositivo é a confusão de conceitos, limitando a jurisdição (que é una e inidivsível) a limites territoriais definidores de competência. Pedro Lenza já ressaltara há muito a “nítida confusão de conceitos básicos como jurisdição, competência e autoridade da coisa julgada” (LENZA, 2005, p.200).
De fato, há a mencionada confusão, que entende ser a competência critério de repartição da jurisdição. Não levou em consideração o legislador, que as regras de competência são somente critérios para a prévia repartição da atividade jurisdicional, meios de definição do juízo natural. Uma vez fixada a competência, a eficácia do juiz competente se estende dentro de todo o território nacional, onde quer que esteja, na medida em que em todo o território há jurisdição.
Nesse sentido, Rodolfo de Camargo Mancuso traz magistério valioso, carregado de uma veemente crítica ao legislador:
Qualquer sentença proferida por órgão do Poder Judiciário pode ter eficácia para além de seu território. Até a sentença estrangeira pode produzir efeitos no Brasil, bastando para tanto que seja homologada pelo STF [agora STJ]. Assim, as partes entre as quais foi dada a sentença estrangeira são atingidas por seus efeitos onde quer que estejam no planeta Terra. Confundir jurisdição e competência com limites subjetivos da coisa julgada é, no mínimo, desconhecer a ciência do direito.
Com efeito, o problema atinente a saber quais pessoas ficam atingidas pela imutabilidade do comando judicial insere-se na rubrica dos limites subjetivos desse instituto processual dito" coisa julgada ", e não sob a óptica de categorias outras, como a jurisdição, a competência, a organização judiciária. (MANCUSO, 2009, pp. 322-323)
No mesmo sentido, Fredie Didier:
[...] há, ainda, equívoco na técnica legislativa, que acaba por confundir competência, como critério legislativo para repartição da jurisdição, com a imperatividade decorrente do comando jurisdicional, esta última elemento do conceito de jurisdição que é una em todo o território nacional. (DIDIER, ZANETI, 2013, p.25)
De fato, o equívoco é patente.
Nas ações destinadas a tutelar direitos individuais, a sentença faz coisa julgada entre as partes, e seus efeitos se fazem observar em todo o território nacional, assim como a imutabilidade que lhe dá eficácia. Tal situação é mais facilmente visível nas sentenças com eficácia predominantemente declaratória ou constitutiva, conforme demonstrou o Min. Luis Felipe Salomão, em voto cujo interessante trecho se transcreve:
A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.
A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas. (STJ - REsp: 1243887 PR 2011/0053415-5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/10/2011, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 12/12/2011)
E as críticas não param por aí.
Observe-se que, na redação do dispositivo, a eficácia da sentença limitar-se ia aos limites territoriais do órgão julgador.
E se houvesse apelação da sentença?
O processo subiria à segunda instância e nessa seria proferido acórdão, com efeito substitutivo à sentença proferida (o conceito de efeito substitutivo foi delineado no capítulo I deste trabalho).
Dessa maneira, o que transitaria em julgado seria o acórdão e não a sentença, substituída pelo julgamento coletivo. Sucede que pode ser que o ente de segunda instância possui “competência territorial” mais ampla do que o ente de primeira instância, como é o caso dos tribunais estaduais em relação a um juiz que exerce suas atividades em determinada comarca.
A situação é problemática.
Marcelo Abelha Rodrigues critica a situação esdrúxula criada em razão do dispositivo: “Ademais permite inferir que a cada degrau de jurisdição que se suba por intermédio de recursos se aumente a área de cobertura da decisão. Enfim, um absurdo sem tamanho! (RODRIGUES, 2013, p. 440)
No mesmo sentido Fredie Didier relembra situação hipotética levantada na arguição oral do concurso da Profa. Teresa Wambier para Livre-Docente da PUC/SP:
a sentença brasileira pode produzir efeito em qualquer lugar do planeta, desde que submetida ao procedimento de homologação perante o tribunal estrangeiro competente; do mesmo modo, uma sentença estrangeira pode produzir efeito em todo o território nacional, desde que submetida ao procedimento de homologação da sentença estrangeira perante o STJ (conforme a EC no 45, que lhe deu essa nova competência originária, anteriormente do STF: art. 105, I , “i”). No entanto, uma sentença brasileira coletiva somente poderia produzir efeitos nos limites territoriais do juízo prolator. Trata-se de absurdo sem precedentes. Seria o caso de submeter essa sentença ao STJ, para que ela pudesse produzir efeitos em todo o território nacional? (DIDIER, ZANETI, 2013, p.151)
Em outra fronte, as críticas apontam a ausência de sentido prático na alteração, que, por tentar quebrar interesses e direitos molecularmente indissociáveis, cria uma multiplicidade de ações sobre a mesma matéria em diferentes órgãos jurisdicionais, abarrotando ainda mais as portas do judiciário com demandas idênticas, que poderiam ser decididas de uma só vez, por um único juízo competente.
Ademais, incorre em erro que o ordenamento visa evitar a todo custo. Cria a possibilidade de decisões conflitantes entre juízos distintos, disseminando a insegurança jurídica no âmbito da tutela coletiva de direitos.
Ada Pelligrini Grinover traz preciosa lição sobre o tema:
Executivo, acompanhado pelo Legislativo, foi duplamente infeliz. Em primeiro lugar, pecou pela intenção. Limitar a abrangência da coisa julgada nas ações civis públicas significa multiplicar demandas, o que, de um lado, contraria toda a filosofia dos processos coletivos, destinados justamente a resolver molecularmente os conflitos de interesses, ao invés de atomizá-los e pulverizá-los; e, de outro lado, contribui para a multiplicação de processos, a sobrecarregarem os tribunais, exigindo múltiplas respostas jurisdicionais quando uma só poderia ser suficiente. No momento em que o sistema brasileiro busca saídas até nos precedentes vinculantes, o menos que se pode dizer do esforço redutivo do Executivo é que vai na contramão da história. Em segundo lugar, pecou pela incompetência. Desconhecendo a interação entre a Lei de Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, assim como muitos dos dispositivos deste, acreditou que seria suficiente modificar o art. 16 da Lei n. 7.347/85 para resolver o problema. No que se enganou redondamente. Na verdade, o acréscimo introduzido ao art. 16 da LACP é ineficaz. (GRINOVER - b, 2009, p.939)
Diante das incomensuráveis críticas aqui colacionadas, resta clara a incompatibilidade material entre os malfadados dispositivos, ao menos da forma que a redação literal se propõe, e o sistema de tutela coletiva criado no ordenamento.
Há, todavia, de se ressalvar o respeitável posicionamento do Ministro Teori Zavascki, que entende ser cabível a limitação territorial do julgado no caso dos direitos individuais homogêneos, contida na redação do Art. 2o-A da Lei 9.494/97, conforme lição a seguir transcrita:
O sentido da limitação territorial contida no Art. 16, antes referido, há de ser identificado por interpretação sistemática e histórica. Ausente do texto original da Lei 7.347/85, sua gênese foi a nova redação dada ao dispositivo pelo Art. 2o da Lei 9.494/97. Essa Lei, por sua vez, tratou da matéria análoga no seu art. 2o – A, que assim dispôs (...). Aqui, o desiderato normativo se expressa mais claramente. O que ele visa é limitar a eficácia subjetiva da sentença (e não da coisa julgada), o que implica, necessariamente, limitação do rol dos substituídos no processo (que se restringirá aos domiciliados no território da competência do Juiz. Ora, entendida nesse ambiente (..), em ação para tutela de direitos subjetivos individuais (e não em ação civil pública para tutela coletiva de direitos transindividuais, a norma do art.16 da Lei 7.347/85 produz algum sentido. É que nesse caso, o objeto do litígio são direitos individuais e divisíveis, formados por uma pluralidade de relações jurídicas autônomas, que comportam tratamento separado, sem comprometimento de sua essência. (ZAVASCKI, 2006, p. 163-164)
Com a devida vênia, ficamos com o posicionamento dos doutrinadores que entendem, ainda no caso de tutela de direitos individuais homogêneos, não caber a restrição territorial.
Há que se conceder ao legislador, porém, ao menos que em neste dispositivo foi mais técnico do que no anterior. Aqui, limitou-se a amplitude da substituição, limitando-se, por tabela, a eficácia subjetiva da sentença.
Mas nem assim pode subsistir a restrição.
Primeiro porque grande parte das críticas anteriores subsiste.
Ainda nesse caso, possibilita-se a multiplicação de ações idênticas, propostas pela mesma entidade associativa, tão somente com o fito proteger o maior número possível de associados.
Possibilita a existência de decisões conflitantes, minando a segurança jurídica que tanto se preza no ordenamento.
E, sobretudo, entra em conflito direto com a regra de competência do Art. 93 do CDC. Viu-se no subtópico relativo à competência que o referido dispositivo fixou a competência concorrente entre os estados e o distrito federal no caso de dano de abrangência nacional. Ora, se previu expressamente competência para o caso de dano de âmbito nacional, é porque a ação ajuizada obterá sentença que poderá ser liquidada em qualquer lugar do território nacional. Assim, afasta-se a aplicabilidade do Art. 2o-A da Lei 9.494/97, ante a evidente contradição entre eles: se fosse aplicado, por exemplo, no caso de haver a opção pelo foro do Distrito Federal, levando em consideração a regra da territorialidade sobre a qual se versa, só figurariam como substituídos os moradores do distrito federal cuja pretensão derivou de origem comum, fazendo virar “letra morta o Art. 93 do CDC.”
Comungando o entendimento da inaplicabilidade do Art. 2o-A da Lei 9.494/97, leciona Fredie Didier:
“É importante registrar que a coisa julgada coletiva serve ao indivíduo membro da coletividade, independentemente de ele ser formalmente membro do grupo. A coisa julgada proveniente de um processo conduzido por um sindicato ou associação não beneficia apenas os indivíduos sindicalizados ou associados. Todo aquele que pertencer ao grupo (categoria ou grupo de vítimas, p.ex.) poderá valer-se da coisa julgada coletiva para obter a proteção em sua esfera jurídica individual. (...) Quer eles sejam associados ou não à época dos fatos, quer sejam eles ou não residentes da mesma localização geográfica, quer sejam eles associados ou não na mesma localização geográfica (...), nos processos coletivos o acesso à justiça é amplo, nos termos da Constituição, para alcançar a toda a situação jurídica coletiva lato sensu e todos deverá beneficiar a coisa julgada favorável, sem exceção, em razão da indivisibilidade do direito coletivo.” (DIDIER JR, 2013, p 393)
Apesar de concordar com o posicionamento do professor Zavascki no sentido de que estruturalmente os direitos individuais homogêneos não podem ser classificados como coletivos, é evidente que o legislador optou por deferir-lhe tratamento o mesmo tratamento em Juízo daquele que dispõe os direitos essencialmente transindividuais. Nesse sentido a lição do professor Didier é correta.
Conforme visto no item relativo à natureza dos direitos coletivos lato sensu, a crítica desse trabalho foi somente à tentativa de enquadrá-los como coletivos quando na verdade somente dispõe de um tratamento coletivo, o que não é suficiente para alterar sua natureza.
Não obstante, o tratamento coletivo dispendido aos direitos individuais homogêneos é suficiente para endossar, em relação aos mesmos, as críticas que se fez quanto às outras duas subespécies.
E diante de tamanha incompatibilidade entre a regra trazida e o sistema, entende a doutrina pela ineficácia da alteração, em razão da intercomunicação do microssistema de tutela coletiva:
Por isso, sustentamos que a limitação operada por certos julgados afronta o art. 103,CDC, e despreza a orientação fornecida pelo art. 91, II, por onde se vê que a causa que verse sobre a reparação de danos de âmbito nacional ou regional deve ser proposta no foro da capital do Estado ou no Distrito Federal, servindo, evidentemente, a decisão para todo o território nacional. Esse dispositivo aplica-se aos demais casos de interesses que alcancem grupos e categorias de indivíduos, mais ou menos determináveis, espalhados pelo território nacional. (GRINOVER, 2007, p. 942)
Diante do exposto, tudo que se disse em relação ao Art.16 da Lei de Ação Civil Pública vale para o Art.2o da Lei 9.494/97.
Feitas tais considerações e críticas, passa-se à análise do dispositivo com a Constituição da República.
Sabe-se que todas as normas do ordenamento devem adequar-se às normas constantes na Constituição existente em um Estado Democrático de Direito. Tal fenômeno é denominado Supremacia da Constituição.
Marcelo Novelino Camargo sintetiza a idéia:
A rigidez de uma constituição tem como principal consequência o princípio da supremacia, do qual decorre o princípio da compatibilidade vertical das normas do ordenamento jurídico, segundo o qual uma norma só será válida se produzida de acordo com o seu fundamento de validade.
A supremacia constitucional pode decorrer de seu conteúdo ou do processo de elaboração de suas normas.
A supremacia material é o corolário do objeto clássico das Constituições, que trazem em si os fundamentos do Estado de Direito.
A supremacia formal (...) se manifesta na superioridade hierárquica das normas constitucionais em relação às demais normas produzidas no ordenamento.” (CAMARGO, 2013, p.227-228)
Já as espécies de Inconstitucionalidade relevantes para o presente tema se dividem em duas espécies: inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material.
Em magistério de Pedro Lenza, a dicotomia resta suficientemente esclarecida:
Como o próprio nome induz, a inconstitucionalidade formal, também conhecida como nomodinâmica, verifica-se quando a lei ou ato normativo infraconstitucional contiver algum vício em sua “forma”, ou seja, em seu processo de formação, vale dizer, no processo legislativo de sua elaboração, ou, ainda, em razão de sua elaboração por autoridade incompetente. (...)
Por seu turno, o vício material (de conteúdo, substancial ou doutrinário) diz respeito à “matéria”, ao conteúdo do ato normativo. Assim, aquele que afrontar qualquer preceito ou Princípio da Lei Maior deverá ser declarado inconstitucional, por possuir um vício material. (LENZA, 2011, p.231-234)
Pois bem.
No tocante ao artigo 2-A , incumbe primeiramente salientar que foi trazido ao mundo jurídico por intermédio de medida provisória, conforme se extrai de narrativa do Min. Luis Felipe Salomão em voto proferido em sede de Recurso Especial:
Cumpre ressaltar, primeiramente, que o mencionado artigo foi acrescentado à Lei n.9.494/97 por força da Medida Provisória n. 1.798-1, de 11 de fevereiro de 1999 , e que, somente depois de inúmeras outras medidas provisórias, o texto foi definitivamente consolidado pela Medida Provisória n. 2.180-35, de 2001 (STJ - REsp: 1243887 PR 2011/0053415-5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/10/2011, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 12/12/2011)
O art. 62 da Constituição da República assim dispõe:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (BRASIL, Constituição Federal, 2013)
Vê-se que se tem como pressupostos das medidas provisórias o requisito da relevância e da urgência.
Pedro Lenza explica que, não configurados tais requisitos, está presente inconstitucionalidade formal por violação dos pressupostos objetivos do ato:
Segundo Canotilho, “Hoje, põe seriamente em dúvida seriamente em dúvida se certos elementos não reentrantes no processo legislativo não poderão ocasionar vícios de inconstitucionalidade (...)
Transportando a teoria de Canotilho para o direito brasileiro, valemo-nos de exemplos trazidos por Clèmerson Melin Cl`ve, quais sejam, a edição de medida provisória sem a observância dos requisitos de relevância e urgência (...) (LENZA, 2011, p.233)
Tendo essas considerações, há vozes na doutrina que sustentam a existência da supramencionada inconstitucionalidade no dispositivo, a exemplo de Cássio Scarpinella Bueno:
Trata-se de regra inequivocamente restritiva e, por isto – não fosse sua origem de duvidosa inconstitucionalidade, porque a Lei 9.494/97 é fruto de conversão de Medida Provisória expedida sem seus pressupostos autorizadores. (BUENO, 2013, p. 201)
Materialmente, alguns doutrinadores também sustentam a inconstitucionalidade.
Nelson Nery Jr entende ser inconstitucional o dispositivo por ferir o direito de ação dos substituídos:
A norma, na redação dada pela Lei 9.494/97, é inconstitucional e ineficaz. Inconstitucional por ferir princípios do direito de ação (CF, art. 5o, XXXV), da razoabilidade e da proporcionalidade e porque o Presidente da República a editou por meio de medida provisória, sem que houvesse autorização constitucional para tanto, pois não havia urgência (o texto anterior vigorava há doze anos, sem oposição ou impugnação), nem relevância, requisitos exigidos pela CF 62, caput. (NERY JR., 2001, p. 1558)
Fredie Didier traz linha semelhante de raciocínio, acrescentando que a restrição territorial fere o devido processo legal em seu aspecto substancial, porquanto irrazoável e desproporcional:
Atualmente, sabe-se que é plenamente possível a análise dos dispositivos legais sob a perspectiva do princípio da razoabilidade. As leis hão de ser razoáveis, proporcionais, e somente assim podem ser aplicadas. A doutrina do substantive due process of law, surgida nos Estados Unidos da América, já apontava na direção da possibilidade de controle do conteúdo das leis a partir desta perspectiva. Pois bem. Os dispositivos são irrazoáveis, pois impõem exigências absurdas, bem como permitem o ajuizamento simultâneo de tantas ações civis públicas quantas sejam as unidades territoriais em que se divida a respectiva justiça, mesmo que sejam demandas iguais, envolvendo sujeitos em igualdade de condições, com a possibilidade teórica de decisões diferentes e até conflitantes em cada uma delas. (DIDIER, ZANETI, 2013, p.149)
E continua o referido autor, afirmando veemente violação à igualdade, princípio dos mais caros à nossa ordem constitucional, dizendo que o referido dispositivo:
[...] representa ofensa aos princípios da igualdade e do acesso à jurisdição, criando diferença no tratamento processual dado aos brasileiros e dificultando a proteção de direitos coletivos em Juízo; (DIDIER, ZANETI, 2013, p.150)
E ainda, Tereza Arruda Alvim Wambier:
Um dos argumentos usados para sustentar a inoperância destas novas regras (já que se cai a primeira – o art. 16 – esta outra cai inevitável e inexoravelmente – pois daquela “depende”) é o de que os sistemas da LACP e do CPC são integrados: devem ser lidas, estas duas leis, como se fossem uma só, disciplinando o processo das ações coletivas (art. 21 da LACP e 90 do CDC). O art. 103 do CDC é posterior ao art. 16 da LACP – e, portanto, o revogou. Logo, inoperante seria alteração em artigo de lei já revogado. Ademais, afirma-se ainda que a restrição imposta pelo art 16 seria inconstitucional, pois sendo una e indivisível a jurisdição, a decisão proferida por qualquer órgão competente do Poder Judiciário é válida e eficaz em todo território nacional (WAMBIER, 2005, p.284)
Concorda-se apenas com a questão da inconstitucionalidade formal, na medida em que a redação da lei anterior já vigorava há doze anos, o que indica que não observou os requisitos da relevância e urgência.
Discorda-se da conclusão de inconstitucionalidade material, vez que não se vê a limitação como incompatível com os dispositivos constitucionais, mas tão somente uma forma de dispor acerca de como tais direitos são exercidos, em especial o direito ao devido processo legal, cujo conteúdo é bastante amplo.
Isso não quer dizer que o dispositivo deva ser interpretado em sua disposição literal. Deve, ao contrário, ser interpretado sistemicamente, dentro do contexto do microssistema de tutela coletiva em que é posto.
Assim, como proposta de solução da problemática, e sem apelar para a derrogação do dispositivo propõe-se a interpretação da regra em conjunto com o Art. 93 do CDC, que fixa as hipóteses de competência: sendo local o dano, será proposto no âmbito do local do dano, sendo nacional, em competência concorrente (conforme já visto) entre o foro da capital do Estado ou do Distrito Federal. Nesse sentir, a regra seria reinterpretada no âmbito da competência, “esquecendo-se” a esdrúxula tentativa de fracionar os efeitos da coisa julgada, para ser entendida como uma forma de explicitar a necessidade de fixação do Juízo competente pela regra do Art.93 do CDC, garantindo uma tutela mais adequada aos interessados.
A tese é endossada por Marcelo Abelha Rodrigues:
A regra que aparentemente causou rebuliço no meio processual foi adequadamente interpretada sob o ponto de vista da competência. É que tal dispositivo – o art. 16 da LACP – fez com que a competência territorial passasse a ser fixada de acordo com o alcance do dano (...), ou seja, não é o limite objetivo do julgado que é fixado pela competência territorial, mas simplesmente o contrário, qual seja, esta é fixada, em maior ou menor alcance, de acordo com o alcance do objeto que será tutelado (...), tal como preconiza o Art.93 do CDC. (RODRIGUES, 2013, p.417-418)
4.3.3 Evolução do Tema nos Tribunais Superiores
Até não muito tempo atrás, o Superior Tribunal de Justiça, responsável pela interpretação da legislação infraconstitucional, aplicava interpretação literal acerca do tema, limitando os efeitos do julgado à “competência” do órgão prolator da decisão:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO DE COMBUSTÍVEIS (DL 2.288/86). EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EFICÁCIA DA SENTENÇA DELIMITADA AO ESTADO DO PARANÁ. VIOLAÇÃO DO ART. 2º-A DA LEI Nº 9.494/97. ILEGITIMIDADE DAS PARTES EXEQÜENTES. 1. Impossibilidade de ajuizamento de ação de execução em outros estados da Federação com base na sentença prolatada pelo Juízo Federal do Paraná nos autos da Ação Civil Pública nº 93.0013933-9 pleiteando a restituição de valores recolhidos a título de empréstimo compulsório cobrado sobre a aquisição de álcool e gasolina no período de jul/87 a out/88, em razão de que em seu dispositivo se encontra expressa a delimitação territorial adrede mencionada. 2. A abrangência da ação de execução se restringe a pessoas domiciliadas no Estado do Paraná, caso contrário geraria violação ao art. 2º-A da Lei nº 9.494/97, litteris: “A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator”. 3. Recurso especial parcialmente conhecido, e nesse ponto, desprovido.
(STJ - REsp: 665947 SC 2004/0079589-1, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 02/12/2004, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 12/12/2005 p. 271 LEXSTJ vol. 198 p. 150)
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO CIVILPÚBLICA. EFICÁCIA SUBJETIVA. 1. Não pode ser conhecido o recurso especial quanto à questão da vedação ao reconhecimento de ofício da incompetência territorial, porque sobre ela não emitiu qualquer juízo o Tribunal de origem —faltando-lhe, pois, o indispensável prequestionamento. 2. Nos termos do art. 566 do CPC, tem legitimidade para "promover a execução forçada", além do Ministério Público, nos casos prescrito sem lei, "o credor a quem a lei confere título executivo". Na hipótese dos autos, o comando sentencial da ação civil pública restringiu sua eficácia subjetiva aos contribuintes domiciliados no Estado do Paraná, sendo inviável, sob pena de ofensa ao princípio da coisa julgada, a sua extensão a contribuintes domiciliados em Santa Catarina, como é o caso dos autores, que não possuem, portanto, título executivo. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.
(STJ, RESP 625.996/SC, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 15/03/2005, T1 - PRIMEIRA TURMA)
Todavia, existia na Colenda Corte entendimento no sentido de que o Art. 16 da Lei de Ação Civil Pública não poderia ser aplicada aos dissídios que versassem sobre direitos individuais homogêneos, uma vez que seria regido pelos dispositivos do CDC:
PROCESSO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CORREÇÃO MONETÁRIA DOS EXPURGOS INFLACIONÁRIOS NAS CARDENETAS DE POUPANÇA. AÇÃO PROPOSTA POR ENTIDADE COM ABRANGÊNCIA NACIONAL, DISCUTINDO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNIOS. EFICÁCIA DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO. DISTINÇÃO ENTRE OS CONCEITOS DE EFICÁCIA DA SENTENÇA E DE COISA JULGADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. - A Lei da Ação Civil Pública, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogêneos surgiu a partir do Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira categoria equiparada aos primeiros, porém ontologicamente diversa. - A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador. - O procedimento regulado pela Ação Civil Pública pode ser utilizado para a defesa dos direitos do consumidor em juízo, porém somente no que não contrariar as regras do CDC, que contem, em seu art. 103, uma disciplina exaustiva para regular a produção de efeitos pela sentença que decide uma relação de consumo. Assim, não é possível a aplicação do art. 16 da LAP para essas hipóteses. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - REsp: 411529 SP 2002/0014785-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 24/06/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/08/2008)
Posteriormente, em evidente superação do entendimento anteriormente firmado, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a ineficácia e infelicidade da limitação territorial aos efeitos da sentença, ou da coisa julgada – conforme redação do dispositivo:
DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC). DIREITOS METAINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO XBANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. ALCANCE SUBJETIVO DA SENTENÇACOLETIVA. LIMITAÇÃO AOS ASSOCIADOS. INVIABILIDADE. OFENSA À COISAJULGADA. MULTA PREVISTA NO ART. 475-J, CPC. NÃO INCIDÊNCIA. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:1.1. A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizadapela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos chamadosexpurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, dispôs queseus efeitos alcançariam todos os poupadores da instituiçãofinanceira do Estado do Paraná. Por isso descabe a alteração do seualcance em sede de liquidação/execução individual, sob pena devulneração da coisa julgada. Assim, não se aplica ao caso alimitação contida no art. 2º-A, caput, da Lei n. 9.494/97.1.2. A sentença genérica prolatada no âmbito da ação civil coletiva,por si, não confere ao vencido o atributo de devedor de "quantiacerta ou já fixada em liquidação" (art. 475-J do CPC), porquanto,"em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica",apenas "fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados"(art. 95 do CDC). A condenação, pois, não se reveste de liquideznecessária ao cumprimento espontâneo do comando sentencial, nãosendo aplicável a reprimenda prevista no art. 475-J do CPC. 2. Recurso especial parcialmente provido. (STJ - REsp: 1247150 PR 2011/0076361-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/10/2011, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 12/12/2011)
E ainda:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA AJUIZADA POR SINDICATO. SOJA TRANSGÊNICA. COBRANÇA DE ROYALTIES. LIMINAR REVOGADA NO JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO DA AÇÃO COLETIVA. LEGITIMIDADE DO SINDICATO. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. EFICÁCIA DA DECISÃO. LIMITAÇÃO À CIRCUNSCRIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR. 1. O alegado direito à utilização, por agricultores, de sementes geneticamente modificadas de soja, nos termos da Lei de Cultivares, e a discussão acerca da inaplicabilidade da Lei de Patentes à espécie, consubstancia causa transindividual, com pedidos que buscam tutela de direitos coletivos em sentido estrito, e de direitos individuais homogêneos, de modo que nada se pode opor à discussão da matéria pela via da ação coletiva. 2. Há relevância social na discussão dos royalties cobrados pela venda de soja geneticamente modificada, uma vez que o respectivo pagamento necessariamente gera impacto no preço final do produto ao mercado. 3. A exigência de pertinência temática para que se admita a legitimidade de sindicatos na propositura de ações coletivas é mitigada pelo conteúdo do art. 8º, II, da CF, consoante a jurisprudência do STF. Para a Corte Suprema, o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do ‘writ’, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido nas atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe. Precedente. 4. A Corte Especial do STJ já decidiu ser válida a limitação territorial disciplinada pelo art. 16 da LACP, com a redação dada pelo art. 2-A da Lei 9.494/97. Precedente. Recentemente, contudo, a matéria permaneceu em debate. 5. A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador. 6. O art. 2º-A da Lei 9.494/94 restringe territorialmente a substituição processual nas hipóteses de ações propostas por entidades associativas, na defesa de interesses e direitos dos seus associados. A presente ação não foi proposta exclusivamente para a defesa dos interesses trabalhistas dos associados da entidade. Ela foi ajuizada objetivando tutelar, de maneira ampla, os direitos de todos os produtores rurais que laboram com sementes transgênicas de Soja RR, ou seja, foi ajuizada no interesse de toda a categoria profissional. Referida atuação é possível e vem sendo corroborada pela jurisprudência do STF. A limitação do art. 2-A, da Lei nº 9.494/97, portanto, não se aplica. 7. Recursos especiais conhecidos. Recurso da Monsanto improvido. Recurso dos Sindicatos provido. (REsp 1243386/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 26/06/2012)
Sobre o julgado colacionado, leciona Freddie Didier:
A maior novidade do precedente foi sem dúvida revisar o antigo entendimento que reconhecia plena vigência ao art. 16 caput da LACP e do seu corolário no art. 2º-A da Lei 9.494/1994. Excelente precedente, parabéns ao STJ que mostra sinais claros do amadurecimento da matéria em prol da maior efetividade material das ações coletivas. Espera-se que a oscilação termine e essa orientação se consolide em definitivo, e para todos os processos coletivos, não apenas para o processo coletivo do consumidor, atingindo todas as demais situações jurídicas coletivas merecedoras de tutela, em especial as relativas ao meio ambiente (DIDIER, ZANETI, 2013, p.25)
Conclui-se concordando com o referido mestre.
Neste trabalho, foi abordado um tema de grande polêmica no meio processual: a questão da territorialidade na ação civil pública, prevista no Art. 16 da Lei 7.347/85, a qual estabelece que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator (...)”.
Para tanto, fez-se proeminente a necessidade de estabelecer-se conceitos a respeito dos institutos sentença e coisa julgada, ante a importância e complexidade dos institutos e a remissão direta que o dispositivo fez a eles.
Tal análise foi elevada a objetivo específico deste trabalho, na medida em que pretendeu-se fazer possível uma comparação entre os regimes jurídicos de tais institutos nas demandas coletivas e nas individuais, eis que, conforme relatado na introdução, o método comparativo foi uma das formas de abordagem.
Construindo-se conceitos aplicáveis à generalidade dos casos, nos dois primeiros capítulos e na primeira parte do terceiro, cumpriu-se a forma de abordagem dedutiva, porquanto partiu-se de termos e conceitos gerais e se-lhes aplicou ao problema específico trazido.
No primeiro capítulo, viu-se que o termo jurisdição nada mais é que a atividade estatal, desenvolvida através de um de seus órgãos, o Estado-Juiz, que visa tutelar a pretensão que lhe foi trazida, através de um processo, substituindo a vontade das partes.
E a tutela estatal é fornecida àqueles que o acionam sobretudo através dos atos decisórios daquele que tem a prerrogativa para fornecer a resposta perquerida pelos jurisdicionados. Uma dessas espécies de atos decisórios é aquele que se denominou de sentença.
Viu-se que a partir do alcance da plenitude do sincretismo processual no Brasil, o conceito de sentença sofreu profundas alterações, e chegou-se à conclusão que o conceito mais aceitável, e que foi adotado no trabalho, é o de que a sentença seria o ato decisório do estado juiz que, veiculando qualquer das matérias contidas nos artigos 267 e 269 do CPC, visa, pretende, objetiva por fim a uma das fases do processo em primeiro grau de jurisdição.
Explicou-se que a depender da tese vencedora na fundamentação, que baseará a conclusão a que se chega, a sentença poderá ser terminativa ou de mérito. No caso das sentenças terminativas, o magistrado esbarra em alguma questão de admissibilidade da demanda, a qual o impede de analisar a causa de pedir aposta na inicial. Concluirá por extinguir o feito sem a análise do mérito, em razão de uma das hipóteses previstas no Art. 267 do CPC.
Não sendo este o caso, após a fundamentação decidirá o processo com a análise do mérito, em razão de uma das hipóteses previstas no Art. 269.
Por fim, que a sentença como um todo deve ater-se ao denominado Princípio da Congruência em seus mais diversos aspectos, para não padecer de qualquer vício, prejudicando-lhe no plano de validade, sendo abordadas nesse trabalho as espécies de congruência objetiva e subjetiva. A congruência objetiva diz respeito à simetria entre o que objetivamente se julga e o que se pede, ou seja, relaciona-se ao objeto, enquanto a subjetiva estatui que as questões resolvidas na motivação da decisão, bem como o conteúdo de sua parte dispositiva somente vinculam, a princípio, os sujeitos parciais do processo.
No segundo capítulo, estudou-se o regime jurídico da coisa julgada.
Vista a evolução na doutrina processualista, chegou-se à conclusão de que pelo conceito vigente na atualidade a coisa julgada é a qualidade que cobre as sentenças de mérito e que torna imutável e indiscutível o conteúdo da sentença quando não mais cabível qualquer recurso.
Firmou-se que a coisa julgada pode ser denominada formal, que se é a mera indiscutibilidade da sentença dentro do processo, em razão de sua extinção (em verdade, a extinção de uma fase processual), à qual toda e qualquer sentença tende a formar, ou material, cujos efeitos superam os limites do próprio processo, que se forma quando uma sentença judicial resolver o mérito da lide, em cognição exauriente.
Analisou-se o regime jurídico da coisa julgada, fixando-se seus limites objetivos e subjetivos. Os limites objetivos da coisa julgada correspondem ao que foi decidido no processo, e em razão do Princípio da Congruência Objetiva – que foi visto no capítulo anterior - ao que foi pedido, e somente se submetendo à coisa julgada o comando judicial que está contido no dispositivo da sentença, decidindo os pedidos iniciais. Já os limites subjetivos, como se viu, dizem respeito a quem está vinculado ao decisório. Nas ações individuais, via de regra, a coisa julgada se faz entre as partes (inter pars), em evidente correlação ao Princípio da Congruência Subjetiva: se somente as partes participaram do processo, somente elas podem submeter-se à norma jurídica concreta emanada do órgão judicante.
Assim, estudou-se nestes institutos o que havia de pertinente para estabelecer-se um parâmetro utilizável no estudo das ações coletivas e, ao fim, da territorialidade que é o objeto de estudo desse trabalho.
No terceiro capítulo, passou-se pela tripartição dos direitos coletivos em sentido amplo, contida no Art. 81 do Código de Defesa do Consumidor: os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; os interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; e interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
A respeito dos direitos individuais homogêneos, surgiu controvérsia na doutrina, com os posicionamentos em contradição do professor Didier e do professor Zavascki, concluindo este estudo pelo acerto do posicionamento do professor Zavascki, segundo o qual os direitos individuais, ainda que homogêneos, não podem ser qualificados como coletivos, possuindo apenas, como dispõe a própria redação do diploma consumerista, origem comum, razão pela qual previu-se a possibilidade de tutela-los em conjunto, em regime similar ao dos direitos metaindividuais.
Ratificou-se a existência preconizada pela doutrina de um microssistema de tutela coletiva, formado pela interação da Lei n. 7.347/85, “Lei da Ação Civil Pública”, e a parcela da Lei n. 8.078/90, o “Código do Consumidor, além de outros dispositivos que regulam situações coletivas, por exemplo, com a Lei n. 8.069/90, o “Estatuto da Criança e do Adolescente”, e com a Lei n. 10.741/03, o “Estatuto do Idoso”, entre outros.
Impôs-se a resolução de importante questão a respeito da Ação Civil Pública: Entendida a Lei de Ação Civil Pública como um instrumento processual próprio, poderia tal instrumento ser hábil à tutela dos direitos (ou interesses) individuais homogêneos?
Não obstante a formidável controvérsia quanto a este ponto, com resposta positiva dos professores Marcelo Abelha Rodrigues e Hugo Nigro Mazzili, concluiu-se, mais uma vez, pela precisão do entendimento do professor Teori Zavascki, no sentido tratarem-se formas de tutela diferentes a ação civil pública e ação coletiva (prevista no Código de Defesa do Consumidor), mormente porque a ação coletiva visa definir, também o núcleo de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos, o que implica em uma repartição da atividade cognitiva do magistrado, sob o aspecto horizontal da cognição, sendo, justamente por tal razão, proferida sentença genérica.
E arrematou-se que ontologicamente são, de fato, distintas as ações.
Quanto à legitimidade ativa, frisou-se que a técnica escolhida foi a da legitimação por substituição processual autônoma, exclusiva, concorrente e disjuntiva.
No que tange à questão da competência, concluiu-se que a Lei de Ação Civil Pública criou regra especialíssima de competência territorial absoluta, aplicável também, em razão do diálogo de fontes existente em razão da já delineada formação do dito microssistema de tutela coletiva, às ações civis coletivas. E havendo danos de caráter nacional, a competência é concorrente entre o Distrito Federal e os Estados da Federação, fundamentando-se em entendimento esposado pelo STJ, em oposição ao respeitável posicionamento de Ada Pelligrini.
Ressaltou-se que a coisa julgada, em qualquer caso, com exceção da tutela de direitos individuais homogêneos, manifesta-se como exemplo de coisa julgada secundum eventum probationis, tratando-se de uma relativização da autoridade da res iudicata, que não alcançará o seu núcleo material quando o julgamento pela improcedência decorrer da insuficiência de provas.
Destacou-se que eventual resultado negativo nas ações que tutelam direitos supraindividuais – coletivos stricto sensu e difusos, ao contrário do que defendiam alguns não é secundum eventum litis, ocorrendo somente a limitação da indiscutibilidade da sentença aos indivíduos membros da coletividade, no caso de improcedência, na medida em que os substitutos processuais, quaisquer que sejam, não poderão mais propor outra ação coletiva sob o mesmo fundamento, tenham ou não participado do processo.
No entanto, para os litígios que versam sobre direitos individuais homogêneos, somente não será atingido por eventual sentença de improcedência (desde que não seja por ausência de provas), se não intervir no processo como assistente litisconsorcial, na forma do Art. 94 do CDC. Por outro lado, já havendo litígio individual em andamento, somente haverá influência da ação coletiva acaso seja requerida a suspensão no prazo de 30 dias a contar da ciência do ajuizamento da demanda coletiva.
Cumpriram-se, dessa forma os dois primeiros objetivos específicos, fazendo um estudo sintético, embora eficiente, dos institutos da sentença e da coisa julgada, no que têm de pertinente à solução da problemática apresentada.
Permite-se, a partir da conceituação apresentada, a análise da questão da compatibilidade do Art. 16 da Lei de Ação Civil Pública com o ordenamento, levando em consideração, o microssistema de tutela coletiva existente no direito brasileiro.
Conclui-se primeiramente, endossando as críticas da doutrina ao dispositivo, pela absoluta inaplicabilidade do dispositivo quanto aos direitos difusos e coletivos em sentido estrito, na medida em que tais direitos possuem característica elementar: são subjetivamente transindividuais, ou seja, não possuem titular determinado e materialmente indivisíveis.
Ressaltou-se que o dispositivo permitiria que parcela dos substituídos fossem beneficiados pela imutabilidade ocasionada em razão do trânsito em julgado da decisão e uma outra parcela, que não estivesse dentro dos “limites de competência”, não se beneficiaria de tal qualidade.
Viu-se que o legislador não levou em consideração que as regras de competência são somente critérios para a prévia repartição da atividade jurisdicional, meios de definição do juízo natural. Uma vez fixada a competência, a eficácia do juiz competente se estende dentro de todo o território nacional, onde quer que esteja, na medida em que em todo o território há jurisdição, conforme se viu no capítulo relativo à coisa julgada, razão pela qual estabeleceu uma posição desprivilegiada da tutela coletiva de direitos frente à tutela individual.
Refutou-se ainda, a aplicabilidade da regra por outras razões: cria a possibilidade de decisões conflitantes, além de não haver qualquer menção à possibilidade de o processo subir, em grau de recurso, a ente de competência mais ampla, a exemplo do Superior Tribunal de Justiça.
Como se viu, não há compatibilidade do malfadado dispositivo com o ordenamento e o mecanismo de tutela de direitos coletivos e difusos.
Quanto à aplicabilidade da regra da territorialidade aos direitos individuais homogêneos, viu-se que há controvérsia na doutrina, entendendo o Prof. Zavascki pela aplicabilidade do dispositivo, enquanto outros, a exemplo do prof. Didier entendendo por sua inaplicabilidade a quaisquer das espécies de direitos coletivos lato sensu.
Arrematou-se, em conclusão, que é inaplicável o dispositivo ainda que se trate de direitos individuais homogêneos, na medida em que o legislador optou por deferir-lhes o mesmo tratamento em Juízo daquele que dispõe os direitos essencialmente transindividuais.
Na questão da constitucionalidade entendeu-se pela inconstitucionalidade formal pela não observância dos requisitos da relevância e da urgência.
Todavia, propôs-se, como forma de compatibilizar o dispositivo com o ordenamento, como proposta de solução da problemática, e sem apelar para a derrogação do dispositivo, a interpretação da regra em conjunto com o Art. 93 do CDC, que fixa as hipóteses de competência: sendo local o dano, será proposto no âmbito do local do dano, sendo nacional, em competência concorrente (conforme já visto) entre o foro da capital do Estado ou do Distrito Federal. Nesse sentir, a regra seria reinterpretada no âmbito da competência, “esquecendo-se” a esdrúxula tentativa de fracionar os efeitos da coisa julgada, para ser entendida como uma forma de explicitar a necessidade de fixação do Juízo competente pela regra do Art.93 do CDC.
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Graduado em Direito pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM, Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; servidor do Tribunal de Justiça do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Clarindo José Lúcio Gomes. A questão da eficácia territorial da sentença nas ações coletivas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 ago 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52151/a-questao-da-eficacia-territorial-da-sentenca-nas-acoes-coletivas. Acesso em: 01 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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