INTRODUÇÃO
Ultimamente, tem-se notado uma maior participação e influência do Poder Judiciário junto às decisões mais importantes de nossa nação. Sob tal aspecto, tem crescido a discussão acerca de seu papel quanto à definição de seus limites.
De fato, desde o final da Segunda Guerra Mundial verificou-se, na maior parte dos países ocidentais, um avanço da justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária, que é aquela feita no âmbito do Legislativo e do Executivo, tendo por combustível o voto popular[1].
No Brasil, até certo tempo, tradicionalmente, o Poder Judiciário limitava-se a interpretar e aplicar o direito. Contudo, hoje em dia, a sua atuação mudou radicalmente, passando a colaborar, de forma bem mais efetiva junto à concretização dos direitos fundamentais dos indivíduos, sempre com o objetivo de se promover o bem comum.
Dentro desse mesmo contexto, surge o papel do Ministério Público, órgão que ganhou relevante e destacado papel após a promulgação da Constituição Federal de 1988, e cujas atribuições vêm se mostrando cada vez mais relevantes para a sociedade de um modo geral.
DESENVOLVIMENTO
A tutela coletiva dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos) se dá, especialmente, por meio da ação civil pública, disciplinada pela Lei n. 7.347/85, tendo o Ministério Público como um de seus principais legitimados para propô-la.
Recentemente, tem ganhado força a discussão em torno sobre a possibilidade de utilização da referida actio como modo de se alargar o espaço de atuação do Poder Judiciário, e assim propiciar o chamado “ativismo judicial”, na via da judicialização de políticas públicas, todas as vezes em que o Estado for omisso, negligente e/ou insuficiente na garantia das prioridades constitucionais de ação.
Nesse ponto, calha lembrar que um dos princípios específicos da tutela coletiva é exatamente o ativismo judicial, juntamente com o princípio do devido processo legal coletivo, da reparação integral do dano, etc.
O jusfilósofo alemão Carl Schmitt foi quem cunhou pela primeira vez a expressão “judicialização das políticas públicas”[2]. Alguns dizem “dimensão política da jurisdição”[3].
Para esclarecer o significado de política pública, utiliza-se a conceituação de Carmem Mehedff[4] que, de maneira bem didática, dispõe, verbis:
Política Pública é entendida como um processo de decisão, onde se estabelecem os princípios, as prioridades, as diretrizes que organizam programas e serviços nas diversas áreas que afetam a qualidade de vida do cidadão.
A noção de política pública corresponde a formas de intervenção econômica-social – expressa em serviços, ações e programas – com vistas a um projeto de nação. É diferente de uma política de governo, que cuida da administração e gestão do Estado, pois, na política pública, participam do processo de decisão o governo e a sociedade civil organizada.
Diretamente relacionada à situação econômica e social do país, a política pública está em permanente processo de mudança e aperfeiçoamento – em construção.
O ativismo judicial tem como principal “obstáculo”, segundo alguns juristas, o princípio da separação dos Poderes, insculpido no art. 2º da CFRB/88, que assim dispõe, verbis:
(...) Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. (...)
De tal modo que, para certa parte da doutrina, não haveria como o Poder Judiciário forçar que outro Poder da República fosse obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, pensamento esse do qual se discorda, haja vista a necessidade de concretização dos direitos fundamentais, entre eles o da Inafastabilidade da Jurisdição (art. 5º, XXXV da CF) – garantia de acesso à justiça axiologicamente neutra.
Sendo assim, questões de grande repercussão social passaram, com razão, a ser decididas pelos tribunais como forma de se efetivar os direitos fundamentais dos indivíduos.
Com efeito, a atuação do Poder Judiciário, não obstante se faça realmente necessária em muitas ocasiões, não deve interferir ou se sobrepor ao campo de atuação dos Poderes Executivo e Legislativo, sob pena de clara violação ao art. 2º da CF/88.
A judicialização da política consiste, pois, no debate político no âmbito dos tribunais, ocasião em que são discutidas questões que deveriam ser resolvidas, a priori, na esfera apropriada, qual seja, o Poder Executivo ou Legislativo.
Para Luís Roberto Barroso[5],
(...) Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro. (...)
Segundo esse mesmo doutrinador (que hoje integra a Suprema Corte brasileira), não há incompatibilidade entre a judicialização das políticas públicas e o Estado Democrático de Direito.
E mais. Para ele, a judicialização e o ativismo judicial são “primos”, e tudo isso se deve ao claro declínio da política e do crescimento do jurídico. Ambos os termos vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política.
Em breves linhas, o ativismo judicial ocorre quando o Poder Judiciário concretiza um direito social. O direito (Poder Judiciário) deve ser visto como um instrumento de direção e promoção social. A tutela jurisdicional também é um direito fundamental.
Um caso paradigmático sobre o chamado “ativismo judicial” que chegou aos tribunais ocorreu no âmbito da ADPF 45, de relatoria do Ministro Celso de Mello (sobre o direito social fundamental à educação infantil) [6]. Nele, o STF reconheceu a possibilidade constitucional de controle e intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas quando configurada hipótese de abuso governamental, bem como deixou assentada a necessidade de preservação do mínimo existencial em confronto com a chamada “reserva do possível”.
Também deixou assente que o Poder Judiciário pode anular atos discricionários que violem os princípios da moralidade, da razoabilidade e da legalidade. Vale dizer, uma coisa é a chamada “discricionariedade administrativa”, e outra bem diferente é a “arbitrariedade”.
Não há falar em juízo de conveniência e oportunidade a respeito da implementação de uma política pública, mas apenas – e com ressalvas – a respeito do seu conteúdo.
O Poder Judiciário assume importante papel na concretização das políticas públicas ante a inércia/incompetência do Poder Executivo em fazê-lo.
É preciso que o Poder Judiciário aja com razoabilidade, observando-se os demais princípios que regem a Administração Pública e o próprio Estado Democrático de Direito.
Segundo Cássio Casagrande[7], são fatores propulsores da judicialização da política, “todos relacionados à reconstitucionalização do país e ao novo modelo de democracia participativa dela decorrentes”:
a) criação de um modelo constitucional amplamente regulatório dos direitos individuais e sociais, com a prevalência do direito público sobre o direito privado, consagrado na ideia de Constituição Cidadã;
b) a ampliação do sistema de controle de constitucionalidade, especialmente da legitimação plúrima conferida ao Estado e à sociedade para provocar diretamente a atuação do Supremo Tribunal Federal;
c) a independência do Poder Judiciário e do Ministério Público e sua inserção plena no sistema de democracia participativa; e
d) amplo acesso ao Judiciário, por meio de novas formas processuais (ações coletivas, ações diretas para controle de constitucionalidade, etc); e da abertura de novos canis do sistema de justiça (Ministério Público, Defensoria Pública, juizados especiais, órgãos de defesa do consumidor e da concorrência, Comissões Parlamentares de Inquérito).
Na opinião de Casagrande, a Constituição de 1988 promoveu não apenas a criação de um amplo sistema de garantias de direitos como uma série de inovações processuais a seu serviço, somadas à inédita posição de independência do Judiciário em relação aos demais poderes. Entre esses mecanismos, ressalta o alargamento de funções e do âmbito de atuação do Ministério Público.
Não há dúvidas de que um dos campos mais atingidos pela “judicialização das políticas públicas” é o da saúde. É o que se chama de “judicialização da saúde”.
Ao citar dados do Relatório Justiça em Números 2017, ano base 2016, produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Juliana Loss, advogada e coordenadora de Projetos da FGV Projetos, destacou o aumento no número de processos relacionados à saúde e os gastos de governos com planos de saúde[8].
De acordo com o levantamento, ao menos 1.346.931 processos com o tema saúde tramitaram no Judiciário em 2016. Segundo a coordenadora da pesquisa, não há dúvida que a realização dessa política pública vem se dando no Poder Judiciário, e assim, acredita que é muito difícil a posição do juiz de 1º grau quando chega até ele uma demanda de urgência.
A judicialização da saúde é um dos temas de constante preocupação no CNJ. Além de promover audiências públicas, jornadas e seminários para discutir o assunto, em 2010, o Conselho editou a Resolução CNJ n. 107. A norma instituiu o Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde.
Em pouco mais de 7 (sete) anos de atuação, o grupo tem trabalhado em várias frentes no intuito de aperfeiçoar os procedimentos e prevenir novos conflitos na área. Além de discutir soluções para problemas relacionados a medicamentos e falhas nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) e planos de saúde privados
Em resumo, pode-se dizer que o grande dilema enfrentado pelos magistrados ao julgarem casos dessa natureza é que de um lado, está o princípio da dignidade da pessoa humana, que é o núcleo do direito contemporâneo e dos cuidados do Estado e, de outro, a questão de recursos econômico-financeiros.
Para se ter uma noção mais exata sobre como o Judiciário vem se posicionando sobre o assunto, cite-se a seguinte jurisprudência:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MPF. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INEXISTÊNCIA. EXAME MÉDICO. CONCESSÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. RESERVA DO POSSÍVEL. SEPARAÇÃO DOS PODERES. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. SENTENÇA MANTIDA. I - Agravo retido interposto pela União contra decisão que antecipara os efeitos da tutela não conhecido por não ter sido cumprido o requisito previsto no art. 523 do Código de Processo Civil/1973. II - "O Ministério Público Federal possui legitimidade para ajuizar ação que visa à proteção de direitos individuais indisponíveis, como na hipótese dos autos, em que se busca resguardar o direito à saúde e à vida de pessoa enferma e carente de recursos financeiros para o custeio de tratamento médico (CF, art. 127, caput). A indisponibilidade do direito à vida é suficiente para fundamentar a legitimidade ativa do Parquet. Por esses mesmos motivos, não procede a alegação de ilegitimidade ativa do MPF." (AC 0002209-52.2016.4.01.3803 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, SEXTA TURMA, e-DJF1 de 19/12/2017). III - "O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente." (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015). IV - Inadmissível condicionar a fruição de direito fundamental e inadiável à discussão acerca da parcela de responsabilidade de cada ente da Federação em arcar com os custos de medicamento/tratamento médico cujo fornecimento foi determinado por meio de decisão judicial, não podendo a divisão de atribuições ser arguida em desfavor do cidadão, questão que deve ser resolvida em âmbito administrativo ou por meio das vias judiciais próprias. V - A concessão de medidas judiciais tendentes a assegurar a realização de tratamentos médicos e o fornecimento de medicamentos, nas hipóteses excepcionais em que comprovado o risco iminente à saúde e à vida do cidadão, não viola o princípio da isonomia, da legalidade, da indisponibilidade ou da universalidade. Não há que se falar, outrossim, em impossibilidade de condenação do Estado a tratamento específico, sendo certo que, comprovada a doença da qual o paciente é portador e sua miserabilidade econômica, devido o fornecimento do tratamento pleiteado. Ademais, como bem ressaltado pelo magistrado de primeiro grau, consta dos autos documento que indica que a paciente representada pelo Ministério Público Federal foi diagnosticada com incontinência urinária, já tendo sido indicada a realização de cirurgia, não concretizada por não ter sido realizado o estudo urodinâmico necessário. VI - "Não se mostra razoável a invocação de desrespeito a limites orçamentários quando se verifica que a medicação vindicada é essencial para a garantia à vida de quem a requer, tornando-se secundárias as considerações de ordem orçamentária ou financeira" (AGA 0065325-05.2010.4.01.0000/MG, Rel. Desembargador Federal Kássio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.335 de 14/08/2014). VII - A cláusula da reserva do possível "(...). não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade". Precedente do Excelso Supremo Tribunal Federal na APDF Nº 45, da qual foi relator o eminente Ministro Celso de Mello. VIII - Os direitos sociais não podem ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Poder Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa, de modo que não que se falar em violação ao princípio da separação dos poderes. (AgRg no REsp 1136549/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS) IX - Agravo retido interposto pela União de que não se conhece; recursos de apelação interpostos pela União e pelo Estado de Minas Gerais, bem como remessa oficial, tida por interposta, aos quais se nega provimento. A Turma, por unanimidade, não conheceu do agravo retido interposto pela União e negou provimento aos recursos de apelação interpostos pela União e pelo Estado de Minas Gerais e à remessa oficial, tida por interposta.
(AC 0031853-11.2014.4.01.3803, DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:14/08/2018 PAGINA:.)
ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. COMPROVAÇÃO. PROVA DOCUMENTAL. PRELIMINARES: ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES PÚBLICOS E ATIVA DO MPF. DESCENTRALIZAÇÃO DO SUS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA ISONOMIA. NÃO VIOLAÇÃO. TABELA DO SUS. AFASTAMENTO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Nos termos do art. 196 da Constituição da República, incumbe ao Estado, em todas as suas esferas, prestar assistência à saúde da população, configurando essa obrigação, consoante entendimento pacificado do Supremo Tribunal Federal, responsabilidade solidária entre os entes da Federação. Portanto, é possível o ajuizamento da ação contra um, alguns ou todos os entes estatais. Preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelos entes públicos rejeitada. 2. O Ministério Público Federal possui legitimidade para ajuizar ação que visa à proteção de direitos individuais indisponíveis, como na hipótese dos autos, em que se busca resguardar o direito à saúde e à vida de pessoa enferma e carente de recursos financeiros para o custeio de tratamento médico (CF, art. 127, caput). A indisponibilidade do direito à vida é suficiente para fundamentar a legitimidade ativa do Parquet. Por esses mesmos motivos, não procede a alegação de ilegitimidade ativa do MPF. 3. Consoante se extrai da Constituição Federal de 1988, à Saúde foi dispensado o status de direito social fundamental (art. 6º), atrelado ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana, consubstanciando-se em "direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (art. 196). 4. É responsabilidade do Poder Público, independentemente de qual seja o ente público em questão, garantir a saúde ao cidadão. No caso em análise, a obrigação de fazer consistiu em condenar solidariamente os requeridos a arcarem com as despesas do tratamento médico a ser prestado à paciente Nair Dias Faria (cirurgia de vesícula), caso haja outras além daquelas já suportadas pelo SUS, por está com 75 anos de idade e ser portadora de colecistite/colelitíase. 5. "Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais". Precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça: (AgRg no REsp 1136549/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 08/06/2010, DJe 21/06/2010.). 6. O Poder Judiciário não pode se furtar a garantir direito fundamental a cidadão desprovido de recursos financeiros para custear medicamentos e tratamentos médicos indispensáveis à garantia de sua vida e saúde, não havendo que se falar em violação ao princípio da isonomia, em relação aos que se encontram em fila de espera, nas hipóteses em que comprovado o agravamento do quadro clínico do paciente que busca o provimento jurisdicional. 7. A disponibilização de tratamento médico por hospital privado não conveniado afasta, para fins de ressarcimento, a observância da tabela do SUS, não sendo razoável impor ao particular o ônus de arcar com a deficiência do sistema público de saúde. Precedentes. 8. Recursos de apelação conhecidos e não providos. A Turma, por unanimidade, conheceu dos recursos de apelação e lhes negou provimento. (AC 0013883-61.2015.4.01.3803, DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:09/10/2017 PAGINA:.)
Veja-se que em ambos os casos, a jurisprudência concluiu ser legítima a atuação do Ministério Público quando visa à proteção de direitos individuais indisponíveis, como na hipótese dos autos, em que se busca resguardar o direito à saúde e à vida de pessoa enferma e carente de recursos financeiros para o custeio de tratamento médico (CF, art. 127, caput), bem como entendeu que não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Ainda segundo os magistrados, seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos Poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais.
Interessante notar-se que a judicialização das políticas públicas ocorre não só perante a chamada “justiça comum” (seja ela no âmbito federal ou estadual), como também perante a “justiça especializada”.
No âmbito da Justiça do Trabalho, entende-se, por exemplo, que ela será materialmente competente para o julgamento da implementação de políticas públicas toda vez que a causa de pedir versar sobre “valor social do trabalho” (art. 1º, IV, CF/88), seja por ato comissivo ou por ato omissivo do Poder Público.
Ademais, frise-se que o art. 114, I, da CF, foi alterado com EC n. 45/2004, pela qual houve a ampliação da competência material da Justiça Laboral.
Outro caso interessante envolvendo o tema “ativismo judicial” (ou “judicialização das políticas públicas”), agora na seara laboral, ocorreu no julgamento da Ação Civil Pública n. 75700-37.2010.5.16.0009[9].
Por meio da referida ação, o MPT requereu que a Justiça do Trabalho determinasse ao Município de Codó/MA que cumprisse com obrigações constitucionais, implementando programas que levassem à erradicação do trabalho infantil na região sob sua administração. Ao examinar o pedido, o TRT16 considerou que a questão é de cunho administrativo, e que não haveria previsão legal para a Justiça do Trabalho atuar no caso. Para o Regional, não haveria possibilidade de determinação, pelo Poder Judiciário, de obrigações de fazer e não fazer ao Poder Público.
Veja-se que o TRT16 se utilizou de argumento “retrógrado” e sem “visão social”, na contramão do neoconstitucionalismo.
A Terceira Turma do TST, porém, afastou a declaração de incompetência proferida pelo Regional. Ao fundamentar seu voto, o ministro Mauricio Godinho Delgado, relator do recurso de revista do MPT, citou precedentes do TST e do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário ao acórdão do TRT16.
O ministro salientou que, em situações excepcionais, o STF tem entendido que o Poder Judiciário pode determinar que a Administração Pública adote medidas que assegurem direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. Nesse sentido, listou decisões do Supremo favoráveis a que o Poder Público fosse obrigado a oferecer abrigos para moradores de rua, implementasse políticas públicas de defesa do meio ambiente e matriculasse crianças em escolas perto de sua residência. Segundo o relator, esse entendimento se aplica ao caso, no qual se pretende a tutela da erradicação do trabalho infantil.
Percebe-se que esse julgado é um grande e importante precedente no que tange à judicialização das políticas públicas no Brasil, e o mais interessante é notar que referido posicionamento vem sendo já aplicado pelos tribunais superiores, a exemplo do TST e do STF.
A propósito, a Câmara de Coordenação e Revisão do MPT, inclusive, possui o seguinte precedente:
Ementa do processo nº 2839/2011. POLITICAS PÚBLICAS PARA A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E PROTEÇÃO DO TRABALHO DO ADOLESCENTE. Em vista do projeto da COORDINFÂNCIA para atuação judicial e extrajudicial do MPT junto aos Poderes Públicos visando à implantação de políticas públicas relacionadas ao trabalho infantil não conheço da promoção de arquivamento e devolvo os autos para as providências prevista no artigo 17, Parágrafo Único, da Resolução n. 69/2007.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, percebe-se que a CF/88 atribuiu ao MP papel fundamental na concretização das políticas públicas sociais. Nesse sentido, cita-se inclusive o art. 1º, V do Texto Constitucional, que trata do “pluralismo político”, tendo o Parquet como um dos novos atores sociais. O MP age, portanto, como indutor e/ou fiscal de políticas públicas, tendo como principais instrumentos de atuação o inquérito civil, o termo de ajuste de conduta, as audiências públicas e a ação civil pública.
Não há dúvidas, de que o princípio da separação dos poderes é de vital importância para a segurança instituição de um país, contudo, não é certo que em razão dele, certos direitos fundamentais dos indivíduos, de natureza indisponível (como o direito à saúde, por exemplo), deixem de ser observados por mera discricionariedade por parte do poder público. Portanto, o ativismo judicial é importante e necessário em alguns casos.
REFERÊNCIAS
SCHMITT, Carl. La defensa de la Constitución. Madrid: Tecnos, 1998.
MEHEDFF, Carmem Guimarães. Trabalho, renda e participação social: questões básicas para a atuação de conselheiros e técnicos municipais. Brasília: Plano Editora, 2002.
CASAGRANDE, Cássio. Ministério Público, ação civil pública e a judicialização da política – perspectivas para o seu estudo. Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União, a. 1, nº 3, pp. 21-34, abr./jun. 2002.
https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf
https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf
[1] Disponível em https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf. Acesso em 2/9/2018.
[2] SCHMITT, Carl. La defensa de la Constitución. Madrid: Tecnos, 1998. p. 245.
[3] Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000286791&base=baseMonocraticas. Acesso em 2/9/2018.
[4] MEHEDFF, Carmem Guimarães. Trabalho, renda e participação social: questões básicas para a atuação de conselheiros e técnicos municipais. Brasília: Plano Editora, 2002.
[5] Disponível em https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf. Acesso em 13/9/2018.
[6] Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo345.htm. Acesso em 15/9/2018.
[7] CASAGRANDE, Cássio. Ministério Público, ação civil pública e a judicialização da política – perspectivas para o seu estudo. Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União, a. 1, nº 3, pp. 21-34, abr./jun. 2002.
[8] Disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/86891-judicializacao-da-saude-iniciativas-do-cnj-sao-destacadas-em-seminario-no-stj. Acesso em 13/9/2018.
[9] Disponível em http://www.tst.jus.br/processos-do-tst. Acesso em 13/9/2018.
Procurador da Fazenda Nacional
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ESCOBAR, Vinícius de Freitas. O ativismo judicial e o papel do Ministério Público na concretização das políticas públicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52354/o-ativismo-judicial-e-o-papel-do-ministerio-publico-na-concretizacao-das-politicas-publicas. Acesso em: 31 out 2024.
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