RESUMO: As relações comerciais entre organismos internacionais são comum e usualmente realizadas no cenário globalizado atualmente existente. Essas trocas, apesar de voluntárias, envolvem Estados com normas protetivas e cultura comercial divergentes, sendo comum o conflito de interesses entre os envolvidos. Assim, as técnicas de resolução de controvérsias entre Estados internacionais encontram grande espaço de discussão no cenário jurídico internacional. Entre elas, há preponderância nas estipuladas pela Organização Mundial do Comércio. Nesse contexto, o presente estudo propõe-se a resolver as principais controvérsias sobre o tema, discorrendo, para tanto, sobre a origem e histórico da Organização supramencionada, tratando de forma geral sobre as técnicas de resolução de controvérsia, e sobre sua utilização para a solução do DS/250 e DS/382.
Palavras-chave: Direito Internacional. Organização Mundial do Comércio. Técnicas de resolução de controvérsias. DS/250. DS/382.
O sistema de resolução de conflitos existentes entre organismos internacionais ganhou grande repercussão com o aumento das relações voluntárias causadas pelo fenômeno da globalização. Como decorrência lógica, havendo mais trocas comerciais entre organismos soberanos, conflitos de grande proporções se desenvolveram, sendo evidentemente essencial a criação de organização com competência e força para resolvê-los através de decisões de observância cogente.
Criou-se, então, a Organização Mundial do Comércio com competência para atuar em relações de comércio internacional, regulando-as e aplicando as devidas punições àqueles organismos internacionais que desobedecerem os princípios regentes do direito internacional público. Logo, ante a importância da entidade nessas relações de grande vulto, surge a necessidade de esclarecer a sua contextualização histórica, enfatizando as regras componentes do sistema de resolução de controvérsias e a forma de responsabilização internacional do Estado infrator.
Nesse sentido, o presente artigo se propõe a esclarecer as principais questões sobre a Organização Mundial do Comércio, ressaltando a sua previsão legal no cenário jurídico internacional, com análise dos principais dispositivos componentes do Entendimento sobre Solução de Controvérsias e as formas de responsabilização dos Estados estrangeiros pela OMC.
Por fim, serão analisadas atuações específicas da Organização, através da exploração do estudo do Painel DS/250 e do Painel DS/382, que surgiram de consultas realizadas pelo Brasil, sob a alegação de práticas de dumping e infração ao princípio da proibição do tratamento não menos favorável ao produto externo pelos Estados Unidos, explicando, ainda, a técnica do “zeramento” praticada por este Estado.
2 SISTEMA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITO DA OMC
2.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO
As relações de comércio baseiam-se, basicamente, nas trocas voluntárias de produtos. A princípio, estas trocas eram realizadas entre particulares, de forma livre e ilimitada, preponderando exclusivamente a autonomia da vontade. No entanto, com o passar do tempo, o Estado passou a intervir nas trocas comerciais, regulando-as, a fim de garantir igualdade e equilíbrio entre os envolvidos.
Com a evolução dos meios de comunicação e com a realidade globalizada, as necessidades humanas começaram a ultrapassar as fronteiras dos países e até mesmo dos continentes, e as relações entre particulares de continentes diferentes se tornaram cada vez mais comuns.
Não se pode olvidar, contudo, que as relações comerciais também são comuns entre organismos internacionais, que as realizam com o intuito de garantir a aquisição de produtos que não são capazes de produzir, ou que o são, mas não em um preço acessível pelo mercado consumidor.
Os Estados começaram, então, a buscar a criação de uma organização internacional que possuísse competências exclusivamente sobre questões comerciais, sendo a primeira tentativa realizada na Conferência de Havana, conforme expõe Mazzuoli (2015, p. 698):
De início, pode-se afirmar que a primeira tentativa de se criar uma organização internacional sobre comércio se deu em 1947, na chamada Conferência de Havana. Ali se pretendeu criar uma Organização Internacional do Comércio (OIC), que, entretanto, jamais se concretizou com a recusa de aprovação do Congresso dos Estados Unidos [...]. Os acordos negociados no âmbito da Rodada do Uruguai foram, ao final, assinados em Marrakesh, no Marrocos, em abril de 1994 (quando então o GATT se altera pelo protocolo de Marrakesh), dando finalmente causa à criação da OMC.
Como maior reguladora das relações comerciais entre os organismos internacionais, destaca-se a Organização Mundial do Comércio, que segundo Figueiredo (2014, p.531):
É um fórum permanente de negociação, de concessões comerciais, de solução para controvérsias sobre comércio desleal e combate a medidas arbitrárias, criado pelo Acordo de Marrakech de 1994, sendo conhecido, outrossim, pela sigla GATT/94, ou pela denominação em inglês World Trade Organization-WTO. A Organização Mundial do Comércio- OMC- trata-se, assim, de organização internacional que negocia e normatiza regras sobre o comércio entre as nações. Seus membros transacionam e celebram acordos que são internalizados pelo constituídos de seus signatários, passando, destarte, a regular o comércio internacional.
Logo, a resolução de controvérsias demonstra-se como uma das funções a serem desempenhadas pela Organização internacional aqui tratada, sendo essencial para o desenvolvimento do presente estudo a análise detalhada do Sistema de Solução de Controvérsias.
2.2 SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS E RESPONSABILIZAÇÃO DOS ESTADOS PELA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO
A solução de controvérsias pela Organização Mundial do Comércio se destacou como uma das prioridades a ser discutida na Rodada do Uruguai, estando atualmente prevista no Tratado de Marrakesh, o que ficou conhecido como Entendimento sobre Solução de Controvérsias- ESC.
De acordo com Figueiredo (2014, p.537):
A ESC introduziu um modelo mais claro, razoável e organizado de solução de controvérsias, representando grande avanço em face do antigo procedimento adotado pelo GATT. Seu objetivo central é o de promover a segurança e garantir previsibilidade no sistema multilateral de comércio. Observe-se, todavia, que os efeitos das decisões não são vinculantes.
Este sistema de resolução de controvérsias será acionado por qualquer Estado membro signatário da organização no momento em que outro Estado realizar uma medida comercial que conflite com disposições previstas em acordos da própria Organização Mundial do Comércio. Nesse sentido, Portela (2014, p. 431) explica que:
Em linhas gerais, o sistema de solução de controvérsias da OMC buscará inicialmente uma solução que atenda aos interesses de ambas as partes envolvidas no litígio e, se for o caso, a supressão da medida contrária ao regramento comercial internacional, atendendo a eventuais recomendações dos órgãos da entidade. Não sendo possível dirimir o conflito por meio desse procedimento, poderá ser acionado um mecanismo específico, ao final do qual o Estado prejudicado poderá adotar, com autorização da OMC, medidas compensatórias contra o Estado causador do dano, que poderão incluir a suspensão de certos direitos no campo comercial, consagrados dentro dos acordos internacionais de comércio.
Ressalta-se, entretanto, que a OMC busca, em um primeiro momento, uma solução pacífica dos conflitos existentes na seara comercial, partindo de medidas diplomáticas, a fim de não resultar na aplicação de medidas coercitivas e restritivas de direitos estatais.
Para a solução de controvérsias, esta organização criou um órgão específico, chamado Órgão de Solução de Controvérsias- OSC, vinculado ao Conselho Geral e composição integral dos membros da OMC. Sobre as competências deste órgão, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2017) esclareceu que:
No Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), integrado pelos membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), sãos estabelecidas as disputas. O OSC tem a autoridade de instituir painéis de especialistas para analisar cada caso. Pode aceitar ou rejeitar os resultados de um painel. Também monitora a implantação das recomendações e autoriza retaliações, quando um país não cumpre com as regras.
Ademais, conforme estabelecido no Entendimento sobre Solução de Controvérsias, o procedimento para a solução de eventuais controvérsias é composto por quatro etapas: consultas, grupos especiais, apelação e implementação.
A primeira etapa, consulta, possui previsão expressa no art. 4o do entendimento supracitado, consistindo em proposta do demandante, com possibilidade de contraditório do demandado, sobre um possível aceite em dez dias, cabendo ainda apresentação de informações.
Percebe-se que esta fase envolve uma solução de controvérsia meramente bilateral, envolvendo apenas o Estado demandante e o Estado que supostamente violou dispositivo regulamentado pela OMC e por ele aderido.
Não ocorrendo o acordo, avança-se para a segunda etapa, ocorrendo a formação de Grupos Especiais no âmbito da OSC, que terão atuação semelhante à um tribunal. Nas palavras de Figueiredo (2014, p.541), os grupos especiais:
São constituídos nos termos dos artigos 6o e seguintes do ESC e operam de forma análoga a um tribunal, sendo considerados a primeira instância julgadora no âmbito da OSC. É usualmente composto por três ou, excepcionalmente, por cinco especialistas selecionados para a hipótese de sub examine. Significa dizer que não há um grupo especial permanente, mas são montados ad hoc. As partes deverão indicar os componentes, casuisticamente e de comum acordo, com base em nomes apresentados pelo Secretariado.
O grupo especial analisará a proposta do demandante e a resposta do demandado e criará relatórios provisório e final, que ao serem traduzidos para os idiomas oficiais, serão adotados pela OSC e publicados para que as partes e possíveis interessados possam ter conhecimento sobre o seu inteiro teor.
O ESC prevê, ainda, a composição de um Órgão de Apelação, para que seja oportunizada uma revisão, em segunda instância, do relatório produzido pelos grupos especiais, quando este produzir descontentamento em qualquer das partes. Este órgão de segunda instância tem sua estrutura prevista no art. 17 do ESC, observando-se o exposto por Figueiredo (2014, p. 543):
O acesso ao Órgão de Apelação não é franqueado a terceiros interessados, sendo restrito somente àqueles envolvidos na disputa. Somente será aberto a terceiros se estes notificarem previamente o OSC, justificando seu substancial interesse, podendo lhes ser franqueada a possibilidade de envio de submissões por escrito e, eventualmente, ouvidos pelo Corpo de Apelação.
A atuação do Órgão de Apelação ocorre de forma confidencial, possuindo o prazo de sessenta dias para apresentar uma decisão, salvo se houver necessidade de prorrogação, podendo atingir o prazo máximo de noventa dias, apenas cabendo reanalise das matérias de direito discutidas pelos grupos especiais.
Sobre o Corpo de Apelação, Portela (2014, p.432) resumidamente dispõe que:
O sistema de solução de controvérsias da OMC inclui também o Órgão Permanente de Apelação (OPA), competente para apreciar o inconformismo do Estado derrotado dentro de qualquer um dos mecanismos de apreciação de litígios dentro da Organização. É composto por sete especialistas de reconhecida competência nas matérias tratadas pela OMC, embora apenas três atuem em cada caso. O exame da apelação deve limitar-se às questões de Direito tratadas em etapas anteriores. Ao final, o relatório do OPA será submetido ao OSC, que poderá adotá-lo ou não, neste caso apenas pelo consenso de seus membros.
Assim como o relatório dos grupos especiais, a decisão de segunda instância deve ser homologada pela Órgão de Solução de Controvérsias, havendo necessidade de consenso para tanto.
Por fim, uma vez sendo definitivamente confirmada a violação pelo Estado demandado, inicia-se a etapa de implementação, exigindo-se daquele Estado a modificação da conduta violadora, sob pena de sofrer compensação ou retaliação.
A respeito das sanções de retaliação, Figueiredo (2014, p.544) discorre que “em princípio, as sanções devem ser impostas ao mesmo setor da disputa, mas caso se revele impraticável ou ineficiente, as sanções podem ser impostas em setores diferentes do mesmo acordo, ou, ainda, sobre um acordo diferente”, sempre buscando a aplicação de medida capaz de promover a solução da controvérsia travada.
3 ANÁLISE DS/250 E DS/382
3.1 DS/250
Após discorrer sobre o Sistema de Solução de Controvérsias e sobre a responsabilização de Estados pela Organização Mundial do Comércio, faz-se possível a análise específica de casos emblemáticos que passaram pela mencionada organização.
O caso do Painel DS/250 teve inicio com consulta realizada pelo Brasil com os Estados Unidos sobre o imposto especial de equiparação cobrado pelo Estado da Florida dos produtos de laranja e grapefruit produzidos com citrinos cultivados fora do país, possuindo como terceiros envolvidos o Chile, Comunidades Europeias, México e Paraguai.
O Estado consultante entendeu que a conduta praticada pelo Estado consultado, autorizada pelo artigo 601.155 da Legislação do Estado da Florida, descumpria norma disciplinada no GATT 94. É nesses termos que se expressa a OMC:
A juicio del Brasil, la aplicación de este impuesto a los productos cítricos elaborados importados y no a los nacionales constituía, por su propio texto, una violación del párrafo 1 a) del artículo II y de los párrafos 1 y 2 del artículo III del GATT de 1994.
Tal consulta foi formulada prontamente pelo Brasil em 2002, haja vista os produtos oriundos da laranja, principalmente o suco de laranja concentrado, serem uns dos produtos mais exportados do Brasil para a Florida, de modo que o imposto especial de equiparação acabava por prejudicar estas transações, desobedecendo as igualdades e proteções comerciais fixadas pelo GATT 94, especialmente no ponto em que estipula-se a proibição do tratamento não menos favorável ao produto externo.
Após a instauração da controvérsia, o Órgão de Solução de Controvérsias, concordou com o estabelecimento do Grupo Especial requerido pelo Estado consultante.
Tempos depois, em 28 de maio de 2004, a Missão Permanente dos Estados Unidos e a Missão Permanente do Brasil comunicaram à Presidência do Órgão de Solução de Controvérsias que haviam chegado em um acordo sobre o imposto especial de equiparação, razão pela qual restava solucionada a controvérsia antes travada entre os dois países.
A consulta requerida pelo Brasil se mostrou completamente fundamentada, haja vista tanto este quanto os Estados Unidos serem países que aderiram a Organização Mundial do Comércio, e obviamente, em tal adesão, acabaram por aderir também o entendimento sobre solução de Controvérsias, ou como é comumente conhecido, o GATT 94.
Assim, a instituição e imposto que incide especificamente sobre produto proveniente de outros países, isentando o país de origem é na verdade uma diferenciação que provoca um tratamento não favorável aos demais países que com ele negociam, sendo na conduta aqui tratada, o Brasil, o que evidencia um desprezo pelo Estado consultado, ao livre comércio e à necessidade de condições igualitárias entre produtos semelhantes.
É nesse sentido que se manifesta Monteiro (2010, p.113):
Todas essas barreiras impostas ao comércio internacional pelos EUA desmascaram a defesa norte-americana ao livre comércio internacional – teoria propagada pelos americanos no mundo inteiro, bem assim à cooperação internacional preceituada pelo Direito Internacional Público Econômico. Verifica-se, pois, que, para os americanos, a teoria do livre comércio encontra-se apenas nos livros e nos papéis, sendo posta em prática apenas quando as condições de mercado lhes são favoráveis.
Como resultado, este tratamento desfavorável, principalmente quanto aos produtos de laranja, além de desobedecer norma da OMC corretamente incorporada, possuindo força no ordenamento jurídico interno dos países envolvidos, prejudicaram as transações comerciais entre o Brasil e o Estado da Florida, surgindo a competência da Organização Mundial do Comércio para interferir e aceitar a consulta brasileira.
Por fim, observou-se que a consulta foi instaurada e guiada segundo o procedimento previsto no Entendimento de Solução de Controvérsias, com a formação de Grupos Especiais, Órgão de Apelação e implementação da decisão solucionadora de controvérsias, que no presente caso, foi um acordo celebrado entre os países envolvidos.
3.2 DS/382
O DS/382 originou-se de consulta requerida pelo Brasil em 27/11/2008 ao governo americano, haja vista a suposta prática, pelo país consultado, de medidas antidumpings, que acabavam por contrariar normas previstas no GATT 1994 e no Acordo Antidumping, em especial a técnica do “zeramento”, utilizada pelos Estados Unidos nas operações de importação de suco de laranja produzido no Brasil. Então, para melhor elucidação da controvérsia, é necessário primeiramente entender o que é o dumping e no que consiste a técnica do “zeramento”.
O dumping é uma expressão utilizada no comércio internacional para designar a prática de colocar no mercado produtos abaixo do custo, almejando a eliminação da concorrência e o aumento das quotas de mercado. Ou seja, o país desvaloriza internamente o seu produto em uma porcentagem que consiga suportar a perda, a fim de que nenhum outro produto externo consiga com ele competir no aspecto monetário.
Logo, é evidente o motivo pelo qual surgem medidas antidumpings, evitando-se a criação de mecanismos de eliminação de concorrência, com a consequente desvalorização do produto produzido pelo país exportador, comprometendo a livre concorrência. Assim, entre estas medidas, os Estados Unidos criaram o “zeramento”, sendo este o maior influenciador da consulta postulada pelo Brasil.
Segundo explica Monteiro (2010, p. 114), “alegavam os brasileiros que os Estados Unidos estavam adotando um procedimento conhecido como “zeramento”ou zeroing em que o Departamento do Comércio dos Estados Unidos exclui do cálculo do dumping as exportações com valor superior a cotação do mercado doméstico americano, subtraindo os valores do transporte e do desembaraço aduaneiro . Esse método ignora as margens negativas de dumping”, revelando-se uma margem de dumping irreal.
Ou seja, na técnica do “zeramento” desconsideram-se as importações em que foi verificado “dumping negativo” no cálculo da margem de dumping, computando como zero o resultado obtido por meio da comparação de transações em que o preço de exportação foi superior ao valor normal do produto no mercado interno.
De acordo com Crocco (2010, p.20):
O emprego de zeroing, por implicar desconsideração de resultados em que o preço de exportação é superior ao valor normal, tem duas consequências práticas. A primeira consiste no fato de que há maior probabilidade de ser apurado dumping, o que aumenta a probabilidade de imposição de medidas antidumping por autoridades nacionais. A segunda decorre do fato de que tal prática é responsável apenas por majorar a dimensão da margem de dumping, não sendo, portanto, capaz de minorá-la.
Observa-se, ainda, que segundo o autor supracitado, existem dois modelos de “zeramento”. O “zeramento” simples, que consiste em computar como zero todas as comparações de transações em que o preço da exportação é superior ao valor normal do produto, o que gera uma margem de dumping superior à obtida nos casos em que não se aplica esta técnica, e o “zeramento” modelo, no qual compara-se a média ponderada do preço de exportação com a média ponderada do valor normal, e no cálculo em que encontra-se valor negativo, substitui-se este pelo número zero.
Segundo Crocco (2010, p.10):
Preliminarmente, observa-se que o Acordo Geral de Tarifas e Comércio tem como objetivo primordial remover barreiras ao livre comércio. Contudo, o aludido acordo contém provisões que permitem os Estados Membros impor medidas que, apesar de causarem impacto negativo nos fluxos comerciais, são tidas como legítimas. Exemplo dessas medidas está consagrado no artigo VI do GATT, que prevê a possibilidade de medidas antidumping e compensatórias. Com efeito, as medidas antidumping são consideradas restrições justificáveis aos fluxos internacionais de comércio por possibilitarem, ao menos teoricamente, que Estados Membros se defendam de importações desleais.
Sobre as margens de dumping, o Acordo antidumping determina que elas apenas podem ser calculadas quando os preços comparados estão no mesmo nível de mercado, analisando-se vendas realizadas em um mesmo período. O método de cálculo adotado até então pelos Estados Unidos era o método de comparação Média Ponderada. Nas palavras de Crocco (2010, p. 15):
Conforme apontado, por meio da primeira metodologia de cálculo da margem de dumping, autoridades nacionais comparam a média ponderada do preço de exportação com a média ponderada do valor normal. Especificamente, para calcular a média ponderada do preço de exportação (i) multiplica-se cada preço de exportação ajustado pela porcentagem que indica a representatividade de determinada transação em relação ao total de mercadorias vendidas. Em seguida, (ii) somam-se todos os resultados. Posteriormente, (iii) repete-se o mesmo procedimento para calcular a média ponderada do valor normal. Feito isso, para se apurar a margem de dumping, subtrai-se a média ponderada do preço de exportação da média ponderada do valor normal.
Como prática antidumping, os Estados Unidos escolhiam para os cálculos da sua média ponderada o valor do produto de determinadas empresas, produzidos em períodos definidos, da forma que lhe fosse mais conveniente, de modo que ao final da realização da média ponderada, tinha-se um valor bem abaixo do apurado no mercado, o que possibilitava a diminuição do valor de exportação, sem que este superasse aquele, desconfigurando a ocorrência de dumping, o que desfavorecia o mercado externo.
Conforme expõe Geraldello (2015, p. 118):
No caso do suco de laranja brasileiro, após o USDOC aceitar a petição da Florida Citrus Mutual, o departamento iniciou as investigações, enviando um questionário às empresas brasileiras Cutrale, Citrosuco, Louis Dreyfus Commodities, Cargill Citrus e Montecitrus. O objetivo foi analisar os custos de produção do suco de laranja no Brasil, as vendas no mercado interno e no mercado estadunidense. A conclusão foi que “importações de suco de laranja brasileiro estão sendo vendidas ou podem ser vendidas abaixo do valor justo”, pois as informações recebidas das empresas brasileiras eram compatíveis com as informações obtidas junto às empresas estadunienses. Em seguida, o USDOC notificou a USITC sobre suas conclusões. A USITC considerou que havia uma razoável indicação de que as importações de suco de laranja brasileiro causavam prejuízos materiais às indústrias estadunienses. Uma determinação negativa dessa comissão resultaria no encerramento das investigações.
Assim, de acordo com o exposto com Monteiro (2010, p.116), na fundamentação da consulta, o Brasil contestou: a) certas determinações do Departamento de Comércio dos Estados Unidos (USDOC) sobre as importações de alguns tipos de suco de laranja provenientes do Brasil; b) as medidas adotadas pela Oficina Aduaneira e Proteção de Fronteira dos Estados Unidos (USCBP) para cobrar direitos antidumpings definitivos conforme as taxas de liquidação de direitos estabelecidos pelos exames periódico, incluindo a emissão de instruções e avisos de liquidação; c) determinadas leis, regulamentos, procedimentos administrativos, práticas e metodologias dos Estados Unidos.
Essas medidas, segundo o exposto pelo Estado consultante, eram incompatíveis com o exposto no artigo II, artigo VI, parágrafos 1 e 2, do GATT 1994, o artigo 1, artigo 4, parágrafos 1, 4 e 4.2, artigo 9, parágrafo 1 e 3, artigo 11, parágrafo 2 e artigo 18, parágrafo 4, do Acordo Antidumping (que estabelece requisitos materiais e procedimentais mínimos) e o artigo XVI, parágrafo 4 do Acordo sobre a Organização Mundial do Comércio.
Em resumo, os artigos supracitados discorrem sobre a proibição do tratamento menos favorável a produto importado, o conceito de dumping e medidas antidumping, indústria doméstica, imposição e cobrança de direitos antidumping, revisão de direitos antidumping e de compromisso de preços e, por fim, das regras aplicadas ao cálculo das margens de dumping.
Ademais, o Brasil ainda promoveu novas consultas a fim de analisar questões complementares que em seu ponto de vista atacavam diretamente normas dispostas no GATT 1994, e por fim, em 20 de agosto de 2009, solicitou a instauração de um Grupo Especial para analisar a controvérsia aqui tratada, sendo este criado em 31 de agosto de 2009. Frisa-se que neste Painel, os países que reservaram seus direitos como terceiros foram Argentina, Comunidade Europeia, Japão, Coreia, Tailândia e China.
Em sua análise, o Grupo Especial verificou que as medidas realizadas pelos Estados Unidos que foram contestadas pelo Brasil realmente ofendiam normas do GATT 1994 e do Acordo Antidumping, notificando-o para que modificasse estas condutas, sob pena de sofrer retaliação ou compensação.
Ante o exigido, em 19 de dezembro de 2011, os Estados Unidos informaram à Organização Mundial do Comércio que o Departamento de Comércio dos Estados Unidos estava trabalhando na proposta de modificar o cálculo da média ponderada das margens de dumping e das taxas de tributação em determinados processos antidumpings, não interpondo recurso de apelação da decisão do Painel.
Dessa forma, é evidente que a conduta dos Estados Unidos na aplicação da medida antidumping conhecida como “zeramento” acabava por indicar, falsamente, a prática de dumping pelo Brasil, o que prejudicava as transações brasileiras de exportação do suco de laranja.
Isso porque, ao desconsiderar as transações em que verificou-se um dumping negativo, zerando-as, o valor final encontrado na margem de cálculo de dumping era superior ao que se encontraria se o “zeramento” não fosse aplicado, de modo que os Estados Unidos criava, sob a justificativa de aplicar uma medida antidumping, um dumping irreal, o que não foi aceito pela Organização Mundial do Comércio.
A razoabilidade da consulta agora analisada foi evidenciada, ainda, pelo fato do Estado consultado não ter interposto recurso de apelação contra a decisão do Grupo Especial, comprometendo-se a modificar as práticas contestadas pelo Brasil ainda em 2012, razão pela qual até o presente momento não houve a necessidade de aplicação de medidas de retaliação ou compensação pela organização.
Ante o exposto, foi possível perceber que a controvérsia travada entre Brasil e Estados Unidos, apesar de extremamente complexa, resultou em uma decisão favorável ao Estado consultante, haja vista a comprovação de que o “zeramento” atacava diretamente artigos do GATT 1994 e do Acordo Antidumping, o que contribuiu para que as empresas exportadoras brasileiras pudessem concorrer em igualdade de condições com as empresas estadunidenses, principalmente quanto à exportação de produtos citrinos, como o suco de laranja, sendo satisfatória a atuação da Organização Mundial do Comércio na solução deste conflito.
CONCLUSÃO
Com o presente estudo foi possível detalhar o sistema de resolução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio, esclarecendo e discorrendo sobre as etapas que o envolvem, o que pode resultar na responsabilização do Estado consultado pela Organização, aplicando-lhe medidas compensatórias ou restritivas de direitos.
Ademais, na análise específica dos DS/250 e DS/382 verificou-se que os Estados Unidos criavam empecilhos para as empresas exportadoras de produtos derivados da laranja, em especial, o suco de laranja, impondo taxas diferenciadas ou aplicando a técnica do “zeramento”, o que implicava em tratamento não favorável aos produtos brasileiros, manifestando-se como barreira à livre concorrência.
Dessa forma, a resolução das controvérsias pela OMC, especificamente quanto ao DS/250 e DS/382, foi essencial para a manutenção de um ambiente de comércio internacional equilibrado, sem a preponderância da superpotência americana sobre o exportador brasileiro, punindo-se práticas antidumping incongruentes com o disciplinado no GATT 1994 e no Acordo Antidumping da supracitada organização.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministerio da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Orgão de Solução de Controvérsias. Disponível em < http://www.agricultura.gov.br/assuntos/relacoes-internacionais/negociacoes-comerciais/omc-organizacao-mundial-do-comercio/orgaos-de-solucao-de-controversias>. Acesso em 22 de outubro de 2017.
CROCCO, Fábio Weinberg. O contencioso do Zeroing na OMC: uma análise de precedentes. Disponível em <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/8648/Fabio_W._Crocco_-_O_Contencioso_do_Zeroing_na_OMC.pdf>. Acesso em 20 de outubro de 2017.
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014.
GERALDELLO, Camila Silva. Medidas antidumping e política doméstica: o caso da citricultura estaduniense [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015, 187 p. ISBN 978-85-7983-665-7. Disponível em SciELO Books <https://books.google.com.br/books?id=uz64DAAAQBAJ&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false>. Acesso em 19 de outubro de 2017.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
MONTEIRO, Jannice Amorás. O dumping contra as exportações de suco de laranja concentrado brasileiro e sua discussão na OMC. São Paulo, 2010.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Salvador: Editora Jus Podium, 2014.
Bacharela em Direito pelo Instituto de Ciências Sociais e Jurídicas Prof. Camillo Filho (ICF). Pós-graduanda em Direito Tributário pela UCAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, Mariana Antunes. Organização Mundial do Comércio: análise do DS/250 + DS/382 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 nov 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52362/organizacao-mundial-do-comercio-analise-do-ds-250-ds-382. Acesso em: 23 dez 2024.
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