JOSÉ JOSINALDO ALENCAR LIMA
(Orientador)[1]
RESUMO: Este trabalho apresenta, de modo sistemático e crítico, breve análise acerca da polêmica da cultura do estupro, com base em doutrinas, legislações, reportagens midiáticas, entre outros. Com o advento da Lei 12.015/2009, houve inúmeras modificações, gerando, portanto, consequências, a exemplo, as pessoas do sexo feminino podem figurar no sujeito ativo do delito, além de que as figuras típicas do crime de estupro e do atentado violento ao pudor, foram unificadas, evitando, assim, controvérsias nos julgamentos. Noutra esteira, a Lei 13.718/2018 alterou o crime de estupro no tocante à ação penal. Ademais, demonstra, ainda, que a sociedade erroneamente coloca a vítima como culpada.
ABSTRACT: This paper presents, in a systematic and critical way, a brief analysis of the controversy of the rape culture, based on doctrines, legislations, media reports, among others. With the advent of the Law 12.015/2009, there have been numerous modifications, generating, countless consequences, for example, the female people can figure in the active subject of the offence, besides that the typical figures of the crime of rape and the violent attack to the modesty, were unified, thus avoiding controversies in the judgments. On another treadmill, the law 13.718/2018 altered the crime of rape in relation to criminal prosecution. Moreover, it demonstrates that society often places the victim as the main culprit, weaving comments, and acting so as to be more gravous than the act itself.
Palavras chaves: estupro, vítima, sociedade, agressor.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. CRIME DE ESTUPRO; 2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA; 2.2. ESTUPRO NO BRASIL; 3. CONCEITO DE ESTUPRO; 3.1. PRINCÍPIOS APLICADOS; 3.2. A AÇÃO PENAL NO CRIME DE ESTUPRO; 4. O ESTUPRO NA SOCIEDADE; 4.1. A VÍTIMA AOS OLHOS DA SOCIEDADE; 4.2. ESTUPRO NO ESTADO DO PERNAMBUCO; 5. CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca fazer uma análise acerca do crime de estupro, sua evolução, consequências, assim como as mudanças com o advento das Leis 12.015/2009 e 13.718/2018. Conseguinte, o tema em debate é de extrema relevância teórica e prática nos dias atuais.
A Lei 12.015 de agosto de 2009 trouxe inúmeras alterações no que cerne aos Crimes Sexuais. Algumas dessas alterações visam resolver temas que geravam controvérsias, sendo que, dentre elas a modificação mais relevante, foi a alteração do tipo penal de estupro.
Diante da evolução temporal constante a qual somos submetidos, os costumes retrógrados e desumanos do passado não deveriam mais ter atuação, no entanto, ainda são praticados atos altamente constrangedores, ofensivos e agressivos, como é o caso do crime de estupro.
A presente lei primeiramente alterou o nome do Título VI do Código Penal Brasileiro, que antes se chamava “Dos Crimes Contra os Costumes”, a partir da nova redação passa a se chamar “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”, e neste rol está inserido o instituto que será abordado.
Já a Lei 13.718/2018 modificou a ação penal nos crimes de estupro, exceto quando forem praticados contra pessoas menores de 18 (dezoito) anos ou vulneráveis. Assim, com o advento da legislação, a ação penal que antes era condicionada a representação, agora passa a ser incondicionada, excetuando os casos com previsão legal.
Dignidade passa a ideia de decência, de respeito, enfim, algo totalmente ligado a honra. Dignidade juntamente com sexualidade compreendem condutas relativas à satisfação da volúpia ou até mesmo da sensualidade. O crime de estupro fere diretamente essa “dignidade”, pois a dignidade e a liberdade sexual das vítimas são lesadas no momento em que são obrigadas a passar por situações totalmente desconfortantes e agressivas.
O crime de estupro faz-se presente no meio social, sendo apontado como atitude torpe e cruel que provoca grande comoção social quando levadas a conhecimento da população por conta da repulsividade de sua prática.
2 CRIME DE ESTUPRO
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CRIME DE ESTUPRO
Notadamente, a discriminação e desigualdade sexual persistem em existir desde o início da humanidade, época em que a divisão entre homens e mulheres era mais acentuada. Os autores dos crimes de estupros eram severamente punidos, tendo em vista que a sociedade da época não aceitava de maneira alguma.
Em algumas civilizações para ocorrer o estupro, deveria haver violência, a exemplo do Direito Germânico, em que o crime só era consumado com a defloração da vítima. Era imprescindível que a mulher ofendida fosse virgem. Exigia-se também o uso da violência para com a ofendida. Definitivamente o crime de estupro não era consumado se a violência empregada fosse contra mulher “deflorada”.
No Código de Hamurabi a mulher tinha status de coisa para o homem, como pode observar no art. 130 do presente código, havendo a posse do patriarca sobre as pessoas do sexo feminino, vejamos:
Art. 130º - Se alguém viola a mulher que ainda não conheceu homem e vive na casa paterna e tem contato com ela e é surpreendido, este homem deverá ser morto, a mulher irá livre.
Já no Direito Hebraico, a tutela recaia sobre o patriarca da família, considerando que tinham as mulheres apenas como objetos. No Direito Grego, o autor do delito era punido com aplicação de multa, e, posteriormente, foi instituída a pena de morte.
Em Roma, as mulheres eram propriedades dos homens, no qual, estes exerciam o direito de posse que lhes eram conferidos. Os doutrinadores Hungria, Lacerda e Fragoso asseveram que no Direito Romano chamava-se strupum, em sentido lato, qualquer congresso carnal ilícito.
Ao longo dos anos, observa-se que o sexo feminino sempre possuiu o status inferior ao sexo masculino, resultando em taxas de desigualdade e discriminação elevadas.
Posto isto, entre as diversas modalidades de sanções, a exemplo, apedrejamento, humilhações, mutilação e até pena de morte, foram causas para que hoje o crime em tela fosse considerado como hediondo, buscando, com isso, a ordem social.
2.2 O ESTUPRO NO BRASIL
No período da colonização ocorreram fatos grotescos, desumanos, inaceitáveis, em que os colonizadores buscavam impor respeito mediante violência, destruindo as colheitas e moradias dos índios.
É cediço que os indígenas viviam em suas comunidades, terras em que habitavam em coletividade, separando as tarefas entre todos os integrantes dos grupos, não havendo desigualdade entre a tribo. Naquela época, as mulheres eram assemelhadas à mãe terra, sendo respeitadas na comunidade em que conviviam.
Com a chegada dos colonizadores, a mulher indígena passou a não ser mais respeitada, sofreram abusos, maus-tratos, estupros, ou seja, eram tomadas a força pelos colonizadores, para o que bem entenderem, tendo em vista, que estes gozavam do direito de usufruir do território e de todos os habitantes.
Já no período colonial, era comum ocorrer casamentos com crianças entre os 12 (doze) e 13 (treze) anos, no qual, após a primeira menstruação, eram entregues aos homens, que na noite de núpcias, ocorriam os estupros. Nota-se ainda, que essas mulheres, eram tidas como objetos, de posse dos homens, tendo em vista que o ordenamento jurídico vigente na época foi criado pelo governo monárquico.
Surgiu no cenário brasileiro a preocupação com os direitos humanos de segunda geração, em que eram privilegiados os direitos sociais, culturais e econômicos, ou seja, os direitos de igualdade, quando do advento da República, com a promulgação do Código Penal de 1890.
Ademais, infelizmente a mulher em muitos casos é tida pela sociedade como agente que deu causa ao crime de estupro. São pensamentos retrógrados como este, que, fazem com que o passado se torne o presente e o futuro da sociedade brasileira.
3 CONCEITO DE ESTUPRO
O tipo penal em debate possui previsão legal no art. 213 do Código Penal (Lei 2.848/1940), em que possui a seguinte redação, vejamos:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
Diante das inúmeras indagações doutrinárias e sociais, o legislador unificou no mencionado artigo do Código Penal, através da Lei 12.015/2009, os delitos do estupro e do atentado violento ao pudor, portanto, com isso, evitou-se as diversas controvérsias que envolvam esses tipos penais, tais como, a continuidade delitiva.
Importante ressaltar que antigamente não havia motivos para se falar em estupro quando se tratava do mesmo sexo, considerando que, para esses casos, o enquadramento jurídico era o do atentado violento ao pudor, excluindo, portanto, a prática de atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo.
Anteriormente, o meio social confundia a figura do estupro com o atentado violento ao puder, a exemplo, a situação de um homem ser violentado sexualmente. Com o advento da Lei 12.015/2009, não subsistem mais dúvidas que ambos os sexos podem ser sujeitos ativos e passivos.
Conforme leciona Rogério Greco (2017), a partir da redação do art. 213 do Código Penal, percebe-se a existência de alguns elementos que caracterizam o delito, vejamos:
a) O constrangimento, levado a efeito mediante emprego de violência ou grave ameaça; b) que pode ser dirigido a qualquer pessoa, seja do sexo feminino ou masculino; c) para que tenha conjunção carnal; d) ou ainda para fazer com que a vítima pratique ou permita que com ela se pratique qualquer ato libidinoso.
Ademais, considerando o art. 213 do Código Penal, tem-se que o verbo do tipo penal é constranger, que é utilizado no sentido de forçar, obrigar, subjugar a vítima ao ato sexual.
A configuração do delito em tela, se dá com o emprego de violência ou grave ameaça, no qual, o primeiro diz respeito, à vis corporalis, vis absoluta, ou seja, utilização de força física, que resulte em conjunção carnal ou ainda que possibilite o ato libidinoso.
A grave ameaça, por sua vez, persiste sendo uma intimidação séria e grave à vítima, que a impeça de resistir. Não elidiu o legislador dúvida e discussão que pairava anteriormente, e prosseguirá no sentido de o mal prometido à vítima dever ser injusto ou se é possível a caracterização da grave ameaça inclusive quando o autor prometer o cometimento de um mal justo, por exemplo, policial utilizar um mandado de prisão para, intimidando-a, estuprar a vítima.
A violência deve ser material, ou seja, o emprego de força física suficientemente capaz de impedir a vítima de reagir, enquanto que a grave ameaça se dá através de violência moral, direta, justa ou injusta, situação em que a vítima não vê alternativa a não ser ceder ao ato sexual.
Há doutrina que entende que não se faz necessário o contato físico entre o autor e a vítima, cometendo o crime o agente que, para satisfazer a sua lascívia ordena que a vítima explore seu próprio corpo somente para a contemplação (ROGÉRIO SANCHES, 2015).
De outro lado, se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave ou o óbito da vítima, o delito será qualificado, conforme dispõe o art. 213. §§ 1º e 2º, do Código Penal, vejamos:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).
§1º. Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009). Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).
§2º. Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
A prática de conjunção carnal seguida de atos libidinosos, a exemplo, sexo anal, gerava concurso material dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Entendia-se nesses casos, que o agente praticava duas condutas gerando dois resultados de espécies diferentes. No entanto, com o advento da Lei 12.015/2009, o crime de estupro passou a ser conduta múltipla ou de concurso variado. Não se trata de tipo misto alternativo ou cumulativo, posto que o núcleo do tipo é um só, constranger, portanto, o agente que pratica mais de uma conduta, dentro do mesmo contexto fático, não se desnatura a unidade do crime.
Nesse sentido destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que os atos libidinosos diversos da conjunção carnal poderão ser negativamente valorados, por ocasião da dosagem da pena-base, na análise das circunstâncias elencadas no art. 59 do Código Penal. E ainda, em respeito ao princípio da continuidade normativa, não há que se falar em abolitio criminis em relação ao delito do art. 214 do Código Penal, após a edição da Lei n. 12.015/2009. Por fim, conclui que os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor foram reunidos em um único dispositivo.
Reprise-se que diante do princípio da continuidade normativa, não há que falar em abolitio criminis quanto ao crime de atentado violento ao pudor cometido antes da alteração legislativa conferida pela lei em estudo. A referida norma não descriminalizou a conduta prevista na antiga redação do art. 214 do CP, mas apenas deslocou para o art. 213 do CP, formando um tipo penal misto, com condutas alternativas.
Por fim, tem-se que a legislação antiga buscava proteger a integridade física da mulher, bem como sua liberdade sexual, sendo irrelevante seu aspecto social, no entanto, com o advento da Lei 12.0154/2009, houve a abrangência das vítimas, podendo, serem elas de qualquer sexo, independentemente do gênero, classe social, moral, profissão, entre outros.
3.1 PRINCÍPIOS APLICADOS
O legislador ao elaborar as normas, tem o dever de adequar aos princípios constitucionais ou infraconstitucionais. Ao serem aplicados nos crimes de dignidade sexual, os princípios constitucionais possuem importância imensurável, pois, tem o condão de elucidar os casos em que há conflito entre a justiça e o direito aplicado.
A insegurança jurídica pode surgir da vontade da sociedade quanto à efetivação da legislação penal, em que se leva em consideração a vontade de punir e não reeducar o infrator.
Considerando os diversos princípios que constam em nosso ordenamento jurídico, alguns ganham maior visibilidade, a exemplo do princípio da proporcionalidade, posto que, veda a criação exacerbada de tipos penais incriminadores, persecução penal do Estado sob um agente, entre outros.
É comum encontrar diversos entendimentos em que a pena seja maior e mais severa, dando, portanto, falsa sensação justiça justa, à vítima e a sociedade, ou seja, leva-se em consideração o quantitativo da pena e a gravidade em que o agente é posto. Assim, o princípio da proporcionalidade, objetiva encontrar uma maneira de alinhar o entendimento anterior com o verdadeiro significado de justiça.
De outro lado, o princípio da isonomia busca garantir tratamento igual a todos da sociedade. Esse princípio tem previsão no art. 5º da Constituição Federal, vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (grifos nossos).
O princípio da isonomia está implícito na redação do art. 213 do CP, considerando que a redação anterior à Lei 12.015/2009 só considerava como sujeito passivo pessoas do sexo feminino. Com o advento da Lei 12.015/2009, o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, seja do sexo masculino ou feminino.
Por fim, temos o princípio da dignidade da pessoa humana tem como principal objetivo colocar o ser humano no centro da organização, sendo vedada a utilização de outro referencial. Sendo assim, é um fundamento constitucional previsto no art. 1º, inc. III, devendo, portanto, ser reconhecido, respeitado, protegido, sendo vedado sua retirada, visto que, é inerente a cada ser humano.
3.2 DA AÇÃO PENAL NO CRIME DE ESTUPRO
Inicialmente, cumpre destacar que antes da entrada em vigor da Lei 12.015/2009, a ação penal em casos de estupros, procediam-se mediante denúncia ao Ministério Público, sendo este o legitimado para propor a ação competente.
Neste mister, quando se tratava de violência real, aplicava-se a Súmula nº 608 do Superior Tribunal Federal, vejamos:
SÚMULA 608. No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.
A violência real que trata a Súmula nº 608 do STF, ocorre quando não há consentimento da vítima, aplicando a força ou grave ameaça, ou seja, a violência que não é presumida, que venha causar lesão na vítima. Diferentemente, a violência presumida ocorre quando há o consentimento da vítima, todavia, este consentimento é inválido.
Ademais, a Lei nº 12.015/2009 alterou no tocante a ação penal, vez que em seu texto legal, determinou que nos crimes de definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação, e, nos casos em que a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável, é mediante ação penal pública incondicionada.
Ainda sob a égide da Lei nº 12.015/2009, percebe-se que há duas exceções para aplicação da ação penal pública incondicionada, quais sejam, ser praticado contra vítima menor de 18 (dezoito) anos e/ou contra pessoa vulnerável.
Recentemente foi sancionada a Lei nº 13.718/2018, em que dispõe acerca da denúncia nos crimes contra a liberdade sexual. No texto legal, as ações referentes aos crimes contra a liberdade sexual passarão a ser ação penal pública incondicionada, portanto, não dependerão da provocação da vítima.
Diante disso, surgiram inúmeras críticas à esta nova legislação, considerando que alguns militantes entendem que este processo legislativo visou apenas agradar à opinião pública, outros entendem que uma vítima que não quer reviver o momento delicado de sua vida, em um processo judicial será obrigada a reviver.
Em contrapartida, há entendimentos favoráveis à legislação em vigor, no sentido de que há uma libertação e afirmação da mulher, dando a ela independência, ou seja, a mulher que não quer ser exposta (quer que não haja denúncia), basta não comunicar o fato à autoridade competente. Quando há violação à dignidade sexual, a questão passa a ser de ordem e segurança pública.
Com a nova legislação foi retirada a condicionante, portanto, nos delitos desta natureza a ação penal tornou-se incondicionada, não levando em consideração o direito à intimidade da vítima, expondo-a de forma agressiva à sociedade, fazendo-a reviver todos os momentos de angústia.
Conforme assevera Renato Brasileiro (2017):
Nas hipóteses de ação penal pública, por força do art. 129, I, da Constituição Federal, o titular da ação penal será o Ministério Público; nas hipóteses de ação penal de iniciativa privada, será legitimado a agir o ofendido ou seu representante legal.
No caso em tela, percebe-se que no crime em tela, que antes era ação penal de iniciativa privada, dependendo do interesse da vítima e hoje é ação penal pública, passando o Ministério Público ser o legitimado para propor a ação, desde que tenha ciência dos fatos.
4 O ESTUPRO NA SOCIEDADE
4.1 A VÍTIMA AOS OLHOS DA SOCIEDADE
Ainda se faz presente na sociedade a cultura do patriarcalismo, no qual, as mulheres são desvalorizadas tão somente por serem mulheres. Outrora, persiste ainda em existir outra cultura, qual seja, a cultura do estupro, nomenclatura dada por um grupo de feministas na década de 1970.
A sociedade por si própria, é tida como grande incentivadora no que se refere à violência sexual, tendo em vista, os alarmantes índices de preconceitos contra as mulheres, além de que, atribuem às mulheres a culpa de serem vítimas do estupro, considerando que julgam como facilitadoras, enriquecendo a mente doentia do malfeitor. Sendo assim, a sociedade acusa a vítima de ser a causadora do delito, negligenciando a conduta praticada pelo agressor.
Isso decorre da cultura em que os homens são os dominadores e as mulheres são acusadas de vitimização, podendo, ser comumente ouvido expressões no qual buscam atrelar a mulher a condição de provocadora, tais como, mulheres provocam os homens com suas roupas ou ainda meninas boas não são estupradas.
Diante disso, nota-se que a sociedade possui uma mente tão doente quanto a do agressor, sendo ponderado, o individualismo social, no qual, o agressor só agiu por ser instigado.
Não há explicações para justificar a prática do delito, sendo que, em muitas vezes o agressor está no círculo de amizade social da vítima.
Em 2012 ocorreu na Índia um dos casos de estupro que mais repercutiram na imprensa mundial, no qual, foi noticiado o estupro de uma mulher, Joyti Singh, em que um grupo de homens, brutalmente, violaram a dignidade sexual no interior de um ônibus na capital do país. A mulher possuía apenas 23 (vinte e três) anos e sonhava em ser fisioterapeuta, morrendo após 02 (duas) semanas devido aos ferimentos.
A conduta delitiva, forçando a ter relações sexuais, além de inferiorizar a vítima, afeta o psicológico, o que em muitos casos, gera o sentimento de suicídio. Como já explanado, a sociedade estigmatiza a vítima, tratando-a de forma diversa, pelo que, em decorrência de se sentir “suja”, a vítima não comunica o fato à autoridade policial.
Ademais, quando a vítima se dirigia a autoridade policial, os agentes do sexo masculino viam a oportunidade de satisfazerem suas imaginações doentias, a exemplo, estenderem demasiadamente os depoimentos. Com isso, ao longo dos anos, foram instaladas delegacias especializadas, nas quais, as vítimas são atendidas por pessoas do mesmo sexo, evitando, assim, maiores constrangimentos.
Apesar do misto de perplexidade e revolta que a cena de um estupro causa, não se trata de um caso incomum. No Brasil os dados são alarmantes, considerando que são aproximadamente 527 (quinhentos e vinte e sete) mil estupros ao ano, segundo o levantamento “Estupro no Brasil: Uma radiografia segundo os dados da Saúde”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O crime, no entanto, é um dos mais subnotificados no País: estima-se que apenas 10% dos casos cheguem à polícia, ou seja, 90% sequer são investigados.
O grande questionamento acerca desses crimes gira em torno da dúvida, de o porquê de estarmos em constante evolução e ainda existirem condutas tão desumanas e retrogradas.
4.2 O ESTUPRO NO ESTADO DO PERNAMBUCO
Em 2017 foi publicado pela Secretaria de Defesa Social relatório no qual demonstram os números relativos à quantidade de delitos praticados.
Segundo dados fornecidos pelo Governo do Pernambuco, através da Secretaria de Defesa Social, em 2017, entre os meses de janeiro a março ocorreram 497 (quatrocentos e noventa e sete) casos de estupros. A Região Metropolitana do Recife foi a região com maior incidência do delito, contando com 160 (cento e sessenta) crimes do tipo.
No relatório anual de 2017, foram registrados 2.134 (dois mil, cento e trinta e quatro) casos de estupros, sendo que, 1.085 (mil cento e oitenta e cinco) ocorreram no interior do Estado.
Ainda de acordo com a Secretaria de Defesa Social, entre janeiro a julho do ano de 2018, na cidade de Petrolina-PE, foram noticiados 49 (quarenta e nove) casos de estupro na cidade.
Em 2016 foi noticiado em Petrolina-PE, através de mídias locais o desaparecimento de duas jovens, que foram encontradas mortas nas imediações do Distrito Industrial da cidade. Segundo investigação da Polícia Civil, o caso ocorreu quando as vítimas se dirigiam ao trabalho, sendo abordadas por dois delinquentes e conduzidas à uma zona de vegetação, em que foram violentadas, agredidas, humilhadas e lhes foram tiradas a vida.
Outrora, diante da intensa humilhação e sofrimento psicológico, entre outros, a vítima do estupro não registra boletim de ocorrência, ou procura órgãos especializados, dificultando a elaboração das estatísticas de maneira precisa, dificultando, ainda, a elaboração de medidas sociais que busquem melhorar a condição dessas vítimas.
5 CONCLUSÃO
À medida que os anos passam, a sociedade ainda tece julgamentos contra à grande parte das mulheres, vítimas do crime de estupro, julgamento estes, que resultam em consequências piores que o próprio fato. Isso ocorre porque a pessoa do sexo feminino ainda sofre com a discriminação de gêneros.
De outro lado, na sociedade está arraigado o costume de tornar a mulher como a principal causa do crime de estupro, defendendo que esta provoca o agressor, seja com gestos, vestimentas ou ainda com a comunicação oral.
O agressor quando é detido pelas autoridades competentes, busca sempre alegar que possui problemas psiquiátricos, buscando, portanto, afastar o dolo de agir.
As vítimas não creem na legislação, tendo em vista que as penas aplicadas são irrisórias, considerando o mal praticado, além de que, o ordenamento jurídico pátrio não é capaz de conceder segurança à sociedade, tampouco, intimidar os agressores.
Diante disso, é de suma importância que o direito se adeque ainda mais aos princípios constitucionais, tendo como principal objetivo, atender os interesse de todos, da sociedade, além de defender o bem jurídico tutelado, bem como buscar a regeneração do apenado, reprimindo-o de forma adequada a conduta, além de advertir a sociedade acerca da pratica do delito.
Por fim, devem ser instituídas políticas públicas capazes de exterminar essa cultura do estupro, em que, haja união entre os níveis de governo, com a finalidade de implementar essas políticas públicas nas mais variadas classes da sociedade, evitando, assim, que novos casos ocorram, extinguindo, na grande totalidade, o crime de estupro.
6 REFERÊNCIAS
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GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas. 2002.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial – Volume 3. São Paulo: Impetus, 9ª ed., 2012.
HUNGRIA, Nelson, LACERDA, Romão Cortes de, FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 5ª ed. Volume VIII. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 104.
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PLANALTO Central. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Lei/L13718.htm. Disponível em 28/10/2018.
PLANALTO Central. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Disponível em 28/10/2018.
LAPA, Nádia. https://www.cartacapital.com.br/blogs/feminismo-pra-que/porque-as-mulheres-sao-estupradas-segundo-a-policia-4780.html. Disponível em 28/10/2018.
LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal comentado / Renato Brasileiro de Lima – 2ª ed. Rev. e atual. – Salvador : Juspodivm, 2017.
RELATÓRIO da Polícia. Secretaria de Defesa Social. http://www.portaisgoverno.pe.gov.br/web/sds/estupro. Disponível em 28/10/2018.
[1] Professor Especialista em Direito Penal e Processual Penal da FACAPE - Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina, e-mail: ten.[email protected].
Bacharelando do Curso de Direito da FACAPE - Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Frederico da Silva Ferreira de. Uma análise acerca das modificações trazidas pelas Leis 12.015/2009 e 13.718/2018 no crime de estupro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2018, 00:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52392/uma-analise-acerca-das-modificacoes-trazidas-pelas-leis-12-015-2009-e-13-718-2018-no-crime-de-estupro. Acesso em: 31 out 2024.
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