ANTÔNIA MARIA DA SILVA[1]
(Orientadora)
RESUMO: Este estudo teve por desígnio examinar a aplicação do IPTU progressivo em Palmas como medida coercitiva a promover o adensamento urbano. Tal problemática se mostra relevante frente a grande quantidade de vazios urbanos nas áreas centrais da cidade e bem dotadas de infraestrutura. Esse desadensamento é proveniente da inversão do planejamento de ocupação territorial pelo Executivo Estadual em favor do mercado imobiliário especulativo, a partir da dispersão da mancha urbana. Nesse viés, a aplicação do IPTU progressivo surge com o propósito de estimular o adensamento em áreas dotadas de infraestrutura com vistas a estimular o cumprimento da função social da propriedade, bem como maximizar o aproveitamento dos equipamentos públicos. A metodologia utilizada apoiou-se em abordagem quali-quantitativa, revisão bibliográfica e de campo, notadamente no estudo do Plano Diretor de Palmas e da Legislação Urbanística vigente. Constatou-se, a partir da execução do instrumento, o alcance de uma grande área de vazios urbanos na capital, em torno de 1.453,938,10 m2, revelando-se, com isso, a grande potencialidade do imposto em efetivar o adensamento urbano. Para tanto, deve-se articular institucionalmente a gestão de aplicação do IPTU progressivo no tempo em conformidade com os demais instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade.
PALAVRAS-CHAVE: Palmas; IPTU Progressivo; Adensamento Urbano; Plano Diretor.
ABSTRACT: This study was designed to examine the application of progressive IPTU in Palmas as a coercive method to promote urban densification. This problem is relevant to the large number of urban voids in the central areas of the city and well endowed with infrastructure. This disarray is due to the inversion of the planning of territorial occupation by the State Executive in favor of the speculative real estate market, from the dispersion of the urban spot. In this bias, the application of the progressive IPTU arises with the purpose of stimulating the densification in areas equipped with infrastructure to stimulate the fulfillment of the social function of the property, as well as to maximize the use of public equipment. The methodology used was based on a qualitative and quantitative approach, bibliographical and field review, notably in the study of the Palmas Master Plan and the current Urban Planning Law. The scope of a large area of urban voids in the capital, around 1,453,938.10m2, was revealed from the execution of the instrument, revealing, therefore, the great potential of the tax in effecting urban densification. In order to do so, it is necessary to articulate the management of IPTU application in time according to the other urban planning instruments provided for in the City Statute.
KEYWORDS: Palmas; Progressive IPTU; Urban Mobility; Master plan.
1. INTRODUÇÃO
O processo de desenvolvimento das cidades envolve um planejamento de crescimento com sustentabilidade, voltado a garantir o bem-estar de seus habitantes. Na contemporaneidade é comum encontrarmos vestígios de um processo de urbanização excludente, marcado pela segregação socioespacial, a partir da periferização da população com menor poder aquisitivo.
A questão enfrentada neste estudo aborda a aplicação do IPTU progressivo em Palmas como medida coercitiva a promover o adensamento urbano. Tal problemática se mostra relevante frente a grande quantidade de vazios urbanos nas áreas centrais da cidade e bem dotadas de infra-estrutura. Esse desadensamento é proveniente da inversão do planejamento de ocupação territorial pelo Executivo Estadual em favor do mercado imobiliário especulativo, a partir da dispersão da mancha urbana.
Nesse aspecto, a aplicação do IPTU progressivo surge com o propósito de estimular o adensamento em áreas dotadas de infraestrutura com vistas a estimular o cumprimento da função social da propriedade, bem como maximizar o aproveitamento dos equipamentos públicos.
A metodologia utilizada apoiou-se em abordagem quali-quantitativa, revisão bibliográfica e de campo, notadamente no estudo do Plano Diretor de Palmas e da legislação urbanística vigente.
Além da Introdução, Considerações finais e Referências, este artigo está organizado em 4 capítulos, distribuídos da seguinte forma: no primeiro capítulo, procedeu-se à revisão da legislação brasileira acerca da sistematização do imposto, a partir de sua conceituação e principais objetivos; no segundo, abordou-se a dinâmica de ocupação da cidade com enfoque para o seu processo de ocupação periférica e forte retenção especulativa na região central; no terceiro capítulo, estruturou-se a legislação urbanística local acerca do instrumento, expondo-se os critérios adotados para a aplicação do imposto no plano diretor; e por fim, no último capítulo, demonstrou-se as áreas sujeitas a incidência do imposto e os resultados obtidos com a sua aplicação.
Constatou-se, a partir da execução do instrumento, o alcance de uma grande área de vazios urbanos na capital, em torno de 1.453,938,10 m2, revelando-se, com isso, a grande potencialidade do imposto em efetivar o adensamento urbano. Para tanto, deve-se articular institucionalmente a gestão de aplicação do IPTU progressivo em conformidade com os demais instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade.
2 - SISTEMÁTICA DO IPTU PROGRESSIVO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.
O Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU tem previsão no art. 156 da Constituição Federal 1988, cuja competência foi atribuída aos Municípios e ao Distrito Federal. Sua incidência é descrita no art. 32 do Código Tributário Nacional - CTN, para o qual este imposto deverá recair sobre a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
Minardi (2015, p. 845) assinala que a origem desse imposto no Brasil remonta a chegada da Coroa Portuguesa, mais precisamente com o alvará de 27 de junho de 1808, onde o príncipe D. Fernando José de Portugal, criou o “imposto da décima dos prédios urbanos”, definindo que os proprietários de prédios urbanos deveriam pagar anualmente 10% do rendimento líquido para a Real Fazenda.
No tocante à estrutura geral do Imposto Predial e Territorial Urbano, a doutrina moderna descreve-o em três aspectos, a saber: o aspecto material, o espacial e o aspecto temporal.
Ao enfrentar a materialidade do IPTU, Minardi (2015) descreve-o, a partir do texto constitucional, como resultante da qualidade de ser proprietário de imóvel urbano. Para isso, a autora se vale da definição de propriedade contida no Código Civil Brasileiro, que dispõe no art. 1.228, que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Nesse contexto, a autora destaca que ao prever que o fato gerador recaia sobre a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza ou ascensão física, o CTN está indicando que a incidência do imposto somente existirá quando for exercida a posse e o domínio útil como animus domini, ou seja, quando o possuidor tiver como sua a coisa possuída exteriorizando essa vontade, razão pela qual o locatário, o arrendatário, o comodatário, o mero detentor ou cessionário de uso de bem público não praticam o fato gerador do imposto.
Com relação ao aspecto espacial, tem-se que será competente para instituir, majorar e recolher o imposto, o município de localização do imóvel urbano (art. 32, CTN). Nesse passo, o CTN indica como zona urbana aquele definido em lei municipal observado o requisito mínimo da existência de 2 (dois) dos melhoramentos públicos referidos no § 1°, do art. 32, quais sejam: (i) meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; (ii) abastecimento de água; (iii) sistema de esgotos sanitários; (iv) rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; (v) escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
À vista disso, Sabbag (2016) descreve que a definição adotada no CTN para a caracterização de zona urbana é o critério geográfico, embora comporte uma exceção, quando se considera o critério da destinação econômica do imóvel - exploração vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial - ocasião em que mesmo o imóvel estando situado em zona urbana, este estará afeto a incidência do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR e não o IPTU.
Por fim, o aspecto temporal destina-se a verificar o momento de incidência do imposto. Nesse viés, o Código Tributário Municipal de Palmas (Lei Complementar n° 285/2013) determina que considerar-se-á ocorrido o fato gerador no dia 1° de janeiro de cada ano (art.6°).
A definição da base de cálculo do IPTU leva em conta o valor venal do imóvel previsto na planta genérica de valores do respectivo município. Importante destacar que não faz parte desse cálculo o valor dos bens móveis mantidos em caráter permanente ou temporário (art. 33, parágrafo único do CTN).
Discorrendo acerca do conceito de valor venal, Sabbag (2017) afirma que:
Quanto à dimensão semântica da expressão “valor venal”, pode se afirmar que é crível considerar tal valor como o preço à vista que o imóvel alcançaria se colocado à venda em condições normais no mercado imobiliário. Todavia, a avaliação do valor do imóvel sempre será uma questão tormentosa Sabbag (2017, p. 1461).
Com efeito, o autor ainda nos informa que a base de cálculo do imposto em questão, assim como a respectiva alíquota incidente - variável em cada município - deverá ser originariamente prevista em lei, em atendimento ao princípio da legalidade tributária.
Atualmente, o IPTU apresenta-se como uma das principais fontes arrecadatórias do poder público local, responsável por financiar as políticas locais de desenvolvimento e, ainda, a implementação, pela gestão municipal, de recursos específicos em infraestrutura urbana e serviços públicos.
Para a consecução da gestão pública local, nossa Carta Política outorga aos Municípios competência legislativa para ordenar seu território, mediante o planejamento e controle do uso, como também do parcelamento e ocupação do solo (Art. 30, VIII, CF). A previsão constitucional em tela, antes de tudo, busca garantir que o município estabeleça em seu território uma política de desenvolvimento urbano voltada ao atingimento das funções sociais da cidade, garantindo o bem-estar de seus habitantes (Art. 182, CF).
À vista disso, confere-se aos municípios a faculdade de exigir, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, e ainda, nos termos da legislação federal, que o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, promova seu adequado aproveitamento (art. 182, §4° da CF). Na hipótese de o particular não atender à exigência do poder público local, a constituição prevê um conjunto de providências sucessivas a serem adotadas como medida coercitiva de dar destinação à propriedade urbana, dentre elas vislumbra-se o IPTU progressivo no tempo, objeto de estudo no presente trabalho (art. 182, §4°, I a III):
§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
O IPTU progressivo no tempo é um instrumento de gestão territorial regulado no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), tendo por desígnio desestimular proprietários a manter seus imóveis vagos, ou subutilizados em atendimento as diretrizes do plano diretor municipal.
Cabe destacar que o IPTU apresenta dois tipos de progressividade: a progressividade fiscal e a extrafiscal. A progressividade fiscal é aquela aplicada ordinariamente, de cunho eminentemente arrecadatório voltado a angariar recursos aos cofres públicos. Já a progressividade extrafiscal, prestigia o cumprimento da função social da propriedade, tributando-se mais gravosamente aqueles proprietários que não deem destinação a propriedade urbana, trata-se, portanto, de uma sanção.
Nossa Carta Política, no art. 182, § 2°, estipula que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
Para Harada (2016, p. 325), o que fundamenta a aplicabilidade de institutos jurídicos urbanísticos, tal como o IPTU progressivo, é o poder de polícia, que nada mais é do que “a atividade inerente do poder público que objetiva, no interesse público, intervir na propriedade e na liberdade dos indivíduos, impondo-lhes comportamentos comissivos ou omissivos”.
A cerca do tema, Sabbag (2017) preleciona:
Historicamente, à luz do art. 182, § 4º, II, da CF, sempre se admitiu ao IPTU a progressividade no tempo, para fins extrafiscais, como instrumento de pressão ao proprietário do bem imóvel que, devendo dar a ele o adequado aproveitamento, mantinha-se recalcitrante ao necessário cumprimento da função social da propriedade Sabbag (2017, p. 1466).
Nessa sistemática, o IPTU progressivo no tempo é aplicado como consequência do descumprimento das condições e prazos para o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória do solo urbano, cabendo ao respectivo plano diretor de cada cidade estabelecer a área sujeita à aplicação do instrumento, e a uma lei municipal específica detalhar a sua aplicação (art. 5º do Estatuto da Cidade).
Em termos práticos, tendo o proprietário desatendido a notificação para edificar, o município poderá majorar a alíquota do IPTU pelo prazo de 5 (cinco) anos consecutivos. Dentro desse período, a lei municipal deverá especificar a alíquota progressiva aplicável a cada ano, desde que a mesma não exceda duas vezes o valor referente ao ano anterior, limitada ao índice máximo de 15% (§ 1° do art. 7° do Estatuto da Cidade).
Após o decurso do prazo de cinco anos, o município poderá proceder à desapropriação do imóvel com pagamento em títulos da dívida pública (art. 8° Estatuto da Cidade).
Segundo a Secretaria de Finanças da Prefeitura de Palmas - SEFIN, os proprietários notificados para edificarem, terão prazo de um ano para a retirada do Alvará de Construção e mais dois anos para concluírem a edificação. Aqueles que não obtiverem o alvará no prazo acima referido estarão sujeitos à alíquota progressiva no tempo. Para a Secretaria, “o IPTU Progressivo não tem finalidade principal de arrecadação, e sim penalizar o proprietário de imóvel que não cumpre a função social da propriedade, ao deixá-la sem edificação”[2].
3 - DINÂMICA DE OCUPAÇÃO TERRITORIAL EM PALMAS
Palmas, capital do Estado do Tocantins, é a mais recente capital projetada no país, fundada em 20 de maio de 1989. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística – IBGE, o município possui uma extensão territorial de 2.218,942 km2 e densidade demográfica de 102,9 hab/km2 (IBGE 2010). Atualmente, estima-se que a população da capital é de 291.855 habitantes, conforme projeção do instituto para o ano de 2018.
Para que se possa compreender a importância da implementação do IPTU progressivo em Palmas, faz-se necessário demonstrar a dinâmica de ocupação da cidade com enfoque para o seu “processo de ocupação periférica e forte retenção especulativa na região central” (Bazolli, 2016, p.7).
Na época de fundação da capital, todo o país estava se preparando para sediar a maior conferência sobre o meio ambiente já realizada, conhecida como Rio 92. Esse evento trouxe uma nova perspectiva no planejamento da cidade, adaptando-a a uma estética funcional, com destaque para áreas verdes, praças e bosques nos centros das áreas destinadas a moradias (Nascimento, 2009).
Ao comentar sobre as perspectivas adotadas na implantação da cidade, Teixeira (2009) esclarece que:
De acordo com o plano urbanístico, uma vez implantada a rede básica de quadras, a partir da abertura das vias arteriais, cada uma delas seria objeto de parcelamento interno próprio, podendo as soluções variar em cada caso, inclusive quanto aos tipos construtivos permitidos para as edificações (casas, edifícios de apartamentos, residências geminadas, etc.). Nos miolos das quadras foram previstos equipamentos públicos básicos, como praças e escolas Teixeira (2009, p.95).
Para a elaboração do plano diretor da cidade, o governo estadual contratou uma empresa de Goiânia, conhecida como Grupo Quatro, que previu uma projeção de urbanização inicial de 1.624 hectares, equivalente a 110,8km², área capaz de acolher uma população 120 mil habitantes até o quinto ano da fundação da capital. Nessa projeção, Palmas atingiria uma população de 200 mil habitantes até o 10º ano de criação, com potencial de chegar ao 15º ano com 800 mil habitantes, sem causar transtornos de ordem social e com uma média de adensamento entre 300 a 350 habitantes por hectare (Bazolli, 2016).
Assim, a expansão da cidade foi dividida em etapas a serem progressivamente distribuídas de acordo com o ritmo de crescimento urbano, sendo implementada uma nova etapa apenas quando a anterior já estivesse suficientemente adensada. Ao todo, previu-se a distribuição do plano diretor em 5 etapas.
Teixeira (2009, p. 96) destaca que o objetivo dessa distribuição gradual era “evitar a dispersão das frentes de urbanização pela área total prevista para a cidade, garantindo o aproveitamento racional e econômico da infraestrutura dos serviços públicos que avançaria, por assim dizer, em ondas”. O autor aduz que a área destinada à primeira etapa, núcleo central, abrigaria uma população estimada de 200 mil habitantes nos primeiros dez anos. Nesse ritmo, a ocupação de toda a área reservada ao plano básico atenderia um aglomerado de 1,2 milhão de habitantes.
Não obstante a previsão de expansão demonstrada, o próprio governo estadual desrespeitou a ordem sequencial estabelecida, demonstrando um descompromisso institucional com o plano diretor ao adotar uma gestão de segregação sócio-espacial da população com menor poder aquisitivo em favor do mercado imobiliário especulativo.
Na instalação da capital, o Estado era o maior proprietário fundiário do município, pois foi o responsável pela desapropriação das grandes fazendas situadas na área destinada ao plano básico. Nessa perspectiva, o governo desempossou terras rurais e vendeu terras urbanas já valorizadas, o que permitiu o incremento de recursos para o custeio da implementação de infraestrutura básica na capital (Teixeira, 2009).
Ao explanar sobre a dinâmica de ocupação da cidade, Bazolli (2016) destaca que, para acomodar parte da mão-de-obra que chegava para a construção da nova cidade, foram criados bairros longínquos do centro administrativo previsto. Desta forma, deu-se início ao processo de periferização na cidade, a partir do surgimento de urbes à margem da região central. Nesse quesito, Pizzio e Rodovalho (2015) pontua:
(...) Palmas, desde o início de sua implantação, reservou as vantagens de localização, com a otimização dos gastos de energia e tempo de deslocamento, para as classes sociais de mais alta renda e somente possibilitou a localização das classes mais baixas a 16 quilômetros do centro da cidade, fora da área do Projeto Urbanístico básico. (Pizzio e Rodovalho, 2015, p. 104).
Com a formação desses espaços distantes, o governo não só atendia a demanda social do momento, como também obtinha lucro, frente à especulação imobiliária decorrente da retenção de terras na região central, que eram cada vez mais valorizadas, pois dispunham de toda a rede de infraestrutura, comércios e equipamentos públicos.
Outro ponto de destaque no processo de ocupação e expansão da cidade de Palmas foi o crescimento para além do plano originalmente previsto, conforme pontua Bazolli (2016):
(...) Definiu-se inicialmente neste plano um perímetro urbano de 110,8km², mas esse espaço se multiplicou por várias vezes. Logo em 1992 ocorreu uma expansão linear da cidade para a região sul, que agregou à sua dimensão geográfica mais 117,4km² (maior do que a cidade original). Foram criados nesta região bairros emblemáticos: Aurenys; Santa Barbara e Taquari, dentre outros, todos destinados à população de baixa renda. Em 2002, com a instituição de um plano de macrozoneamento (PALMAS, 2002), a cidade chegou a ter extensão linear urbana de 35 quilômetros, por ver acrescido um novo perímetro urbano na sua região norte. Porém, de maneira racional, o Plano-Diretor municipal, aprovado em 2007 (PALMAS, 2007), reduziu o perímetro urbano da cidade e fez com que a região norte, em questão, retornasse à condição de área rural. (Bazolli, 2016, p. 8).
Diante de todo o exposto, vislumbra-se a inversão do planejamento de ordenação da capital a partir da ocupação precoce de áreas pertencentes à quinta etapa do projeto inicial e que, portanto, só deveriam ser abertas a partir da urbanização de 70% da área projetada pelo plano diretor. Com essa atitude, houve um espalhamento da cidade, propiciando a formação de uma grande área ociosa dentro do perímetro urbano, notadamente na região central, em contraposição a uma densa ocupação precária na região periférica.
Essa inversão encareceu sobremaneira a implantação e a manutenção da rede de infraestrutura, equipamentos e serviços públicos na cidade fazendo com que Palmas apresente o maior custo urbanização per capita do Brasil, estimado em R$ 216,79 (Bazolli, 2007).
Os estudos de Bazolli em 2007 demonstraram que a área de vazios urbanos na capital em 2006 era em torno de 4.127,81 hectares. Desse quantitativo, a região
das ARSOs (Área Comercial 130, 140, 150 e das Áreas Residenciais 76, 82, 83, 84, 85, 86, 93, 94, 95, 96, 104, 105, 106, 113, 114, 115, 116, 122, 123, 124, 125, 126, 131, 132, 135, 141 e 151), detinha a maior área de espaços vazios, com 1.913,1 hectares, equivalente a 46% do total dos vazios. A segunda maior área fica na Região Sul, fora do plano diretor, com cerca de 1.245,3 hectares, equivalente a 30% do total dos vazios urbanos.
4 - LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA DE PALMAS DO IPTU PROGRESSIVO
O IPTU progressivo no tempo integra um grupo de instrumentos urbanísticos previstos na Constituição Federal de 1988 e regulamentados no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), tendo por finalidade precípua contribuir para o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Esses instrumentos advêm da outorga legislativa conferida pela Constituição Federal aos Municípios, no art. 30, VIII, para ordenar seu território, mediante o planejamento e controle do uso, como também do parcelamento e ocupação do solo.
Nesse viés, para a consecução do planejamento de ordenação territorial, o Estatuto da Cidade atribui aos municípios à gestão do Parcelamento Edificação ou Utilização Compulsória (PEUC) e dos instrumentos que lhe sucedem: o IPTU progressivo no tempo e a desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública (art. 74º, inciso II, alínea “a”, “b” e “k”), cabendo ao plano diretor de cada cidade estabelecer a área urbana sujeita à aplicação dos instrumentos (art. 5º - EC).
É nessa perspectiva que o plano diretor municipal de Palmas (Lei complementar nº 155, de 28 de dezembro de 2007), estabelece como tema prioritário na gestão do plano diretor o combate à especulação imobiliária e à ocupação dos vazios urbanos (Art. 13º, inciso I, alínea b).
Assim, o IPTU progressivo no tempo surge com o propósito de estimular o acesso aos espaços ociosos no perímetro urbano, através da aplicação de sanção pecuniária àqueles proprietários que venham a descumprir os prazos para parcelar, edificar ou utilizar a propriedade.
Convém mencionar que o instrumento em tela não tem função arrecadatória. Mas sim a de estimular um comportamento socialmente desejável, voltado à efetividade da função social da propriedade, atendendo as necessidades sociais.
Para a operacionalização do imposto em referência, estabeleceu-se na legislação urbanística local a caracterização dos imóveis não edificados, subutilizados e não utilizados no plano diretor.
No entanto, percebe-se a partir da redação do artigo que o legislador municipal fez “uma confusão entre os conceitos de imóvel não utilizado e imóvel subutilizado, de forma que ambos são tratados como se fossem um só fenômeno” - IPEA (2015, p. 57), citado por Bazolli (2016, p.10).
Lei nº 155/ 2007:
§ 1º Para efeito desta Lei, considera-se imóvel subutilizado e/ou não utilizado:
I - aquele cuja área construída seja inferior a 10% da área permitida para edificação no lote;
II - aquele cujo investimento na edificação for incompatível com o valor do lote, ou seja, cujo investimento seja inferior ao preço do lote;
III - edificações que tenham permanecido sem uso por período igual ou superior a 05 (cinco) anos;
IV - lotes ou glebas vazias em áreas dotadas de infra-estrutura básica tais como: água e esgotamento sanitário, energia e acesso por vias pavimentadas e transporte coletivo acessível a menos de 800 metros.
Não obstante a confusão conceitual, Bazolli (2016) destaca que dada a atual conjuntura de Palmas, permeada por grandes vazios urbanos, o instrumento deve ser aplicado de forma a alcançar, principalmente, os lotes vazios.
Denota-se, nesse cenário, que o município deve primeiramente proceder à notificação do proprietário para parcelar, edificar e utilizar o terreno urbano enquadrado nas condições acima especificadas situados nas áreas de ocupação prioritária e preferencial do plano diretor participativo. Insta destacar que a regulamentação do PEUC no plano diretor de Palmas ficou a cabo da Lei Complementar nº 195 de 22 de Dezembro de 2009. Discorrendo acerca da notificação, o Plano Diretor Municipal (LC 155/2007) em seu art. 76, assim determina:
§ 1º A notificação far-se-á:
I - por funcionário do órgão competente do Executivo, ao proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administrativa;
II - por edital, quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo inciso I.
(...)
§ 5º A transmissão do imóvel, por ato intervivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstos neste artigo, sem interrupção de quaisquer prazos, desde que averbado no registro imobiliário, pelo Poder Público Municipal.
Com base nessas premissas, as áreas estruturantes sujeitas à ocupação prioritária e preferencial no plano diretor ordenaram-se à volta das avenidas comerciais Theotônio Segurado e Juscelino Kubistchek, principais eixos estruturantes de desenvolvimento e integração da cidade, daí porque a importância de estimular o adensamento nessa região com vistas a maximizar os investimentos públicos em infra-estrutura, equipamentos e transportes.
Posto isso, após o decurso do prazo estabelecido na notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsória, sem que tenha havido atendimento por parte dos proprietários, o município poderá majorar a alíquota do IPTU por cinco anos subsequentes até que o proprietário cumpra com a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar, conforme o caso. Para tanto, é necessário que as alíquotas estejam previstas em lei específica (art. 7° EC).
Nessa medida, o Estatuto da Cidade nos informa que a alíquota a ser majorada não poderá exceder a duas vezes o valor relativo ao ano antecedente, e não poderá ultrapassar a alíquota máxima de 15% (art. 7º, parágrafo 1º).
A esse respeito, os dados do IPEA (2015, p. 35) esclarecem que:
O Estatuto da Cidade é claro ao determinar que a alíquota do IPTU progressivo no tempo não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de 15% (Art. 7º, parágrafo 1º). Em outras palavras, o Município aumentará a alíquota ao longo de cinco anos para os imóveis notificados e que continuam sem cumprir função social, mas esse aumento não pode ser maior do que o dobro do ano anterior. Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não seja atendida nesse prazo, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima (15%), até que se cumpra a referida obrigação (Art. 7º, parágrafo 2º, EC).
No que concerne à previsão da progressividade das alíquotas, o Código Tributário Municipal de Palmas (Lei Complementar n° 285/2013), estabelece em seu art. 14 que essas alíquotas serão regulamentadas em legislação própria. Para esse fim, houve a edição da Lei Complementar nº 296, de 13 de julho de 2014, apontando que a alíquota a ser a aplicada em cada ano, corresponde ao dobro da alíquota do ano anterior.
Assim, considerando que o município de Palmas pratica diferentes alíquotas a depender da zona fiscal do imóvel, o cálculo da progressividade consistirá sempre na duplicação ano a ano, da alíquota estipulada na legislação do IPTU.
Insta frisar que o lançamento do imóvel na progressividade do imposto “dispensa comunicação prévia ao proprietário do imóvel, uma vez que esse foi devidamente notificado para promover o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória e está ciente das consequências do descumprimento da notificação” conforme destaca os estudos de IPEA (2015, p. 62).
Uma vez aplicada à progressividade em referência, se o proprietário vier a cumprir a obrigação que lhe foi atribuída, a alíquota retornará ao valor ordinário, caso contrário, decorrido o prazo legal de majoração, qual seja, 5 (cinco) anos consecutivos, o município poderá proceder à desapropriação do imóvel com pagamento em títulos da dívida pública como forma de punir o proprietário que não deu destinação ao seu imóvel urbano.
Em Palmas, a Secretaria Municipal de Finanças - SEFIN é o órgão responsável por promover a notificação dos proprietários, bem como efetuar a averbação, nos registros imobiliários, das notificações realizadas.
5 - DAS ÁREAS INSERIDAS NO IPTU PROGRESSIVO EM PALMAS – TOCANTINS
Conforme já salientado no capítulo anterior, a Lei Complementar nº 195/09 definiu as áreas sujeitas à aplicação do PEUC em etapas sucessivas de notificação, aplicando-se, num primeiro momento, nas áreas de ocupação prioritária e preferencial.
Em 2011, Palmas iniciou a aplicação do PEUC, tendo publicado no Diário Oficial do Município de Palmas (DOM nº 280, de 16 de maio de 2011), a notificação de 262 imóveis enquadrados na legislação acima referida (254 para edificar e 8 para parcelamento compulsório). No entanto, logo em seguida, a própria prefeitura de Palmas cancelou as notificações realizadas ante a constatação de irregularidades relacionadas ao procedimento administrativo efetuado, tais como “a ausência de notificação pessoal, a precária identificação dos imóveis, a inexistência de processos administrativos individualizados e de averbação das notificações” (DENALDI, et al., 2017).
Somente em 2013, na gestão seguinte, o executivo Municipal retomou o processo de notificação dos imóveis, tendo expedido o Decreto nº 699, de 10 de janeiro de 2014 para regulamentar a execução do instrumento. Nesse aspecto, segundo dados informados pela Prefeitura de Palmas através do serviço eletrônico de informação ao cidadão – e-SIC, entre os anos de 2013 a 2015 houve a expedição de 532 (quinhentos e trinta e dois) notificações para edificação compulsória.
A partir disso, a Superintendência de Administração Tributária da Secretaria Municipal de Finanças publicou em 2015 a primeira lista de imóveis sujeitos à incidência do IPTU progressivo decorrentes do não cumprimento da obrigação de construir estabelecida nas notificações realizadas em dezembro de 2013 (DOM nº 1.218, de 17 de março de 2015), perfazendo um total de 205 imóveis sujeitos a alíquota progressiva naquele ano.
A segunda lista de proprietários notificados ocorreu em 2016, com o lançamento de mais 310 imóveis (DOM – nº 1.451, de 29 de fevereiro de 2016). No entanto, é importante destacar que esse quantitativo refere-se tanto aos imóveis relançados no exercício de 2016, comunicados inicialmente no DOM nº 1.218/2015, no total de 149 imóveis – que agora passam ao segundo ano de alíquota progressiva – quanto aos novos lançamentos aplicados aos inadimplentes do PEUC, no somatório de 161 imóveis.
Já em 2017, houve uma nova comunicação (DOM – nº 1699, de 22 de fevereiro de 2017), agora com o lançamento de 363 imóveis na progressividade do IPTU. Assim como referido no parágrafo anterior, essa soma reúne os imóveis relançados a partir dos exercícios de 2015, (terceiro ano de alíquota progressiva, no quantitativo de 113 imóveis); 2016 (segundo ano de alíquota progressiva, relativos a 124 imóveis) e também aos novos lançamentos efetivamente realizados em 2017, no somatório de 129 imóveis.
No ano de 2018, não foram efetuados novos lançamentos, porquanto as últimas notificações efetuadas para o PEUC encerraram-se em 2015. Os atuais imóveis sujeitos à progressividade decorrem da gradação ordinária de majoração das alíquotas atinentes aos lançamentos já efetuados em 2015, 2016 e 2017. Segundo informado pela SEFIN, existem 323 imóveis na alíquota progressiva no ano de 2018.
Vislumbra-se, no atual cenário de Palmas, que as alíquotas majoradas encontram-se no quarto ano de incidência. Nesse ritmo, a partir de 2020 o município poderá proceder à desapropriação dos imóveis que até lá se encontrem sem função social.
Em depoimento à imprensa local no ano de 2013, o ex-prefeito Carlos Amastha anunciou a existência de “sete milhões de metros quadrados de vazios
urbanos passíveis de se enquadrarem como áreas notificáveis na forma especificada pelo Plano-Diretor municipal” (Bazolli, 2016, p. 17). Nesse contexto, o ex-gestor municipal declarou que a aplicação do imposto significaria “a arrecadação de mais de R$ 40 milhões ou abertura de 20 a 25 mil lotes nos sete milhões de m² de vazios urbanos da Capital[3]”.
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constata-se no atual cenário da capital tocantinense a existência de uma grande área ociosa dentro do perímetro urbano, notadamente na região central, proveniente da inversão de planejamento de ocupação territorial pelo Governo Estadual em favor do mercado imobiliário especulativo, a partir da dispersão da mancha urbana.
Nesse aspecto, vislumbra-se a necessidade de ordenar e controlar o uso do solo no plano diretor, promovendo o adensamento em áreas dotadas de infraestrutura com vistas a estimular o cumprimento da função social da propriedade, bem como maximizar o aproveitamento dos investimentos públicos em infra-estrutura, equipamentos e transportes.
Foi nessa perspectiva que a Lei Complementar nº 195/09 tratou de regulamentar as áreas urbanas sujeitas ao Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórias – PEUC, delimitando as áreas submetidas à ocupação prioritária e preferencial no plano diretor, à volta das avenidas comerciais Theotônio Segurado e Juscelino Kubistchek, principais eixos estruturantes de desenvolvimento e integração da cidade. Com isso, a aplicação do IPTU progressivo se deu com o descumprimento das condições e prazos estabelecidos no PEUC.
Os resultados obtidos com a aplicação do instrumento desde as primeiras notificações efetuadas em 2015 demonstram o alcance de uma área equivalente a 1.453,938,10 m2 de vazios urbanos sujeitos a progressividade na capital, o que corresponde a 20% dos sete milhões de metros quadrados vazios na cidade.
Assim, observa-se que o instrumento tem grande potencialidade em efetivar o adensamento urbano, devendo-se articular institucionalmente a gestão de aplicação do imposto em conformidade com os demais instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade.
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[1] Antônia Maria. Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União e Professora de Direito Tributário na Faculdade Serra do Carmo. Docente da área de Direito no Instituto Federal do Tocantins. Mestra em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás. Especialista em Direito Tributário pela Unisul e Direito Notarial e Registral pela Universidade Cândido Mendes. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Tocantins. E-mail: [email protected].
[2] 23 mar. 2015. Secretaria de Finanças lança IPTU progressivo. Disponível em http://www.palmas.to.gov.br/secretaria/financas/noticia/1499293/secretaria-de-financas-lanca-iptu-progressivo/. Acesso em 01 nov. 2018.
[3] 11 jul. 2013. 2018. Caderno de Legislação. Disponível em: https://maosaobratocantins.wordpress.com/2013/07/11/iptu-progressivo-e-arma-contra-especulacao-imobiliaria-em-palmas/. Acesso em 01 de nov. de 2018.
Graduando no curso de direito pela Faculdade Serra do Carmo - FASEC.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Rayssa Cardoso da Silva. Aplicação do IPTU progressivo em Palmas como medida coercitiva a promover o adensamento urbano. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 nov 2018, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52406/aplicacao-do-iptu-progressivo-em-palmas-como-medida-coercitiva-a-promover-o-adensamento-urbano. Acesso em: 31 out 2024.
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