RESUMO: A ação popular representa importante instrumento de participação direta na democracia e de controle social da Administração Pública. Ao ajuizar uma ação popular, o cidadão representa interesses difusos de toda a sociedade, buscando evitar lesão ao patrimônio público. No entanto, a análise de recentes ações populares ajuizadas na Seção Judiciária do Distrito Federal demonstra que este nobre instituto costumeiramente é utilizado para finalidades diversas daquelas que inspiraram o Poder Constituinte. Como exemplo, cite-se a utilização de ações populares por parlamentares para promoção de disputas políticas, para causar tumulto em atos futuros ou para mera promoção pessoal. Percebe-se que muitas ações são ajuizadas com fundamento exclusivo no princípio da moralidade administrativa, sem qualquer demonstração de ato lesivo ao erário ou ao patrimônio público. O presente artigo pretende analisar se tais posturas estão em conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro e, ao final, propor soluções para conferir melhor efetividade ao uso do instituto.
Palavras-chave: Ação popular. Desvirtuamento. Utilização como instrumento de judicialização da política. Mero inconformismo político.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Ação popular: breves comentários sobre o instituto e seus requisitos. 3. Utilização da ação popular como mero instrumento de judicialização da política. 4. Conclusão
1. Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º, LXXIII, prevê a ação popular como garantia constitucional passível de utilização por qualquer cidadão brasileiro, para buscar judicialmente a anulação de ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
Trata-se de importante instrumento de controle social da Administração Pública e de fomento à democracia participativa, existente no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição de 1934. No âmbito infraconstitucional, essa garantia é regulamentada pela Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, recepcionada pela Constituição de 1988, nos pontos em que com ela é compatível.
Por meio do ajuizamento de ação popular, o cidadão busca tutelar o interesse difuso de toda a coletividade, e obter provimento judicial que reconheça a ilegalidade e lesividade de algum ato praticado pelo Poder Público, conforme permitido pelo princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário. Nessa atuação, o cidadão atua como substituto processual da coletividade, o que nos leva à conclusão de que o intuito do legislador constitucional, ao criar tal garantia, foi nobre, de conferir um instrumento para persecução, pelo cidadão, de finalidades públicas.
Não parece ser juridicamente correto, pois, o ajuizamento de ação popular para tutelar interesse exclusivamente privado ou escuso do cidadão, sob pena de total desvirtuamento de tão importante instituto. A ação popular deve ser instrumento de tutela coletiva de interesses gerais, como acontece, por exemplo, no caso de ajuizamento de ação popular visando a declaração de nulidade de ato que ofende a garantia constitucional ao meio ambiente equilibrado.
Ocorre que, na prática forense, nem sempre as ações populares são ajuizadas para tutela de interesses genuinamente difusos e coletivos. Diuturnamente os representantes processuais das pessoas jurídicas de Direito Público se deparam com citações e intimações nos mais variados tipos de ação popular, e podem observar situações peculiares.
A observação mais atenta das ações populares ajuizadas nos últimos anos na Seção Judiciária do Distrito Federal permite identificar uma possível tendência de utilização da ação popular para questionar atos políticos, relacionados à própria organização do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciário.
Como exemplo, fazemos referência às ações populares ajuizadas entre os anos de 2016 e 2018, para questionar atos de nomeação de Ministros de Estado. Outras tiveram como objeto atos de indicação de Ministro do Supremo Tribunal Federal, de candidatura ao cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, publicidades governamentais, entre outros.
Analisando as petições iniciais de algumas destas ações populares, é possível verificar que algumas foram ajuizadas por cidadãos detentores de mandato eletivo no Congresso Nacional (deputados e senadores), muitas vezes representantes de Partidos Políticos de oposição ao grupo político ao qual pertence o mandatário prolator do ato questionado, tendo como principal fundamento supostas violações ao princípio constitucional da moralidade administrativa.
O ajuizamento de ações populares em tais condições pode ser identificado com facilidade em matérias jornalísticas que noticiam que partidos políticos adotaram medidas judiciais para questionar determinados atos de governo. Como exemplo, pode-se encontrar na internet reportagens com informações no sentido de que “na Justiça Federal, a sigla ingressará com uma ação popular [...]”, “[...] partidos anunciaram que irão à justiça”; “[...] partido vai à justiça contra portaria”, entre outros. [1]
A observação deste fenômeno nos leva às seguintes questões: atualmente as ações populares são utilizadas como instrumento de judicialização da política? É possível que parlamentares utilizem o nobre instituto como instrumento de mero inconformismo político e pressão partidária?
O presente artigo pretende analisar sucintamente essa problemática.
2. Ação popular: breves comentários sobre o instituto e seus requisitos
Inicialmente, releva destacar que a ação popular está intrinsicamente ligada à ideia de democracia, e em especial ao conceito de democracia participativa. Na ordem constitucional brasileira, além da democracia representativa, que se concretiza por meio do voto, são reconhecidos aos cidadãos instrumentos de participação direta nas decisões políticas do país, a exemplo do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular de lei.
Além dos tradicionais institutos apontados acima, alguns doutrinadores também reconhecem na ação popular um instrumento de participação do cidadão na vida política. Nesse sentido, Bruno César Lorencini argumenta que
Observada a partir do princípio da soberania popular, a ação popular assume a posição de fundamental instrumento de concretização do Estado Democrático de Direito, por abrir ao povo a oportunidade de participar do processo político, ainda que não ligado diretamente ao ato de decisão política. Trata-se, a bem da verdade, de um instrumento a posteriori, destinado ao controle das decisões tomadas pelos representantes.[2]
Outro importante aspecto que deve ser destacado ao se abordar o tema da ação popular é a ideia de controle da Administração Pública e o consequente dever de accountability dos gestores públicos.
Os órgãos e entidades integrantes da Administração Pública no Brasil estão sujeitos a diversos mecanismos de controle, e devem observar, em todos os seus atos, os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Para controlar as ações dos gestores públicos, existem mecanismos de controle interno – efetuado por órgãos da própria administração – e de controle externo, efetuado pelo Poder Legislativo, com auxílio dos tribunais de contas. Como assente em antiga doutrina, a existência deste sistema de freios e contrapesos impede que o poder seja exercido com abusos.
Os atos da Administração estão sujeitos também ao controle judicial, como decorrência do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário. Assim, qualquer ato que represente lesão ou ameaça de lesão a direito pode, em tese, ser objeto de ação judicial.
Além disso, existe uma outra espécie de controle, que decorre da fiscalização direta exercida pela sociedade em face dos atos praticados pela Administração. Trata-se do controle social.
No ordenamento jurídico brasileiro existem instrumentos pelos quais a sociedade pode controlar os atos da Administração, e pelos quais o indivíduo pode pleitear diretamente providências administrativas. Exemplo deste controle é o direito de petição facultado pela Constituição a qualquer pessoa. Consoante expressamente previsto no texto constitucional – artigo 5º, inciso XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.
Outro exemplo é a possibilidade de requerer informação a qualquer órgão ou entidade pública. Este direito, previsto constitucionalmente[3], foi materializado pela Lei nº 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação. Essa lei reafirma que, para a Administração Pública brasileira, a publicidade é a regra, e o sigilo é a exceção, bem como determina que os gestores públicos observem o dever de transparência, franqueando aos cidadãos informações completas a respeito de sua atuação.
Por certo, o acesso à informação é um importante instrumento de controle social, já que permite aos cidadãos ter ciência das políticas públicas executadas, das prioridades estabelecidas pelos gestores, dos gastos públicos, entre outros.
O controle social é ainda exercido por meio do direito de livre associação e de manifestação. Utilizando-se de tais instrumentos, os cidadãos podem, por exemplo, se opor às decisões políticas adotadas pelos gestores, e até mesmo ajuizar ações coletivas caso entendam existir violação a seus direitos.
No conceito de controle social também deve ser inserida a ação popular, já que permite ao cidadão controlar os atos da administração pública perante o Poder Judiciário. A ação popular, consoante abalizada doutrina, “[...] invoca do cidadão a noção de pertencimento, de fazer parte do Estado, de agir em nome da manutenção do equilíbrio social e da não lesão do patrimônio público”.[4]
Hely Lopes Meireles leciona que
Em última análise, a finalidade da ação popular é a obtenção da correção nos atos administrativos ou nas atividades delegadas ou subvencionadas pelo Poder Público. Se, antes, só competia aos órgãos estatais superiores controlar a atividade governamental, hoje, pela ação popular, cabe também ao povo intervir na Administração, para invalidade os atos que lesarem o patrimônio econômico, administrativo, artístico, ambiental ou histórico da comunidade. Reconhece-se, assim, que todo cidadão tem direito subjetivo ao governo honesto.[5]
Destarte, pode-se afirmar que a ação popular, além de ser um meio pelo qual se exerce o controle judicial da Administração Pública, ao lado do mandado de segurança, habeas data, ação civil pública, entre outros, é também uma importante parte do controle social, em sua acepção mais ampla.
Ultrapassadas essas noções iniciais, passa-se à conceituação da ação popular. Hely Lopes Meireles apresenta o seguinte conceito:
É um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros. Por ela não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão a promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a Constituição da República lhe outorga[6].
A doutrina, embora de forma não unânime, aponta que existem alguns elementos essenciais para o conhecimento de uma ação popular: legitimidade para ajuizamento, competência para apreciar o pedido e existência do binômio ilegalidade/lesividade do ato impugnado. Vejamos a seguir cada um desses elementos.
O primeiro requisito intrínseco à ação popular é a legitimidade para ajuizamento. Extrai-se do texto constitucional e da regulamentação legal que somente o cidadão pode figurar no polo ativo de uma ação popular.
Assim, somente pessoas naturais no gozo de seus direitos políticos podem figurar no polo ativo da ação popular. Esse, inclusive, foi o entendimento adotado pela legislação infraconstitucional, ao determinar que a prova da cidadania realiza-se mediante a apresentação do título de eleitor.
Quanto à competência para julgamento das ações populares, o Supremo Tribunal Federal já definiu que a competência para julgar ação popular é do juízo de 1º grau, ainda que o ato impugnado tenha sido praticado pelo Presidente da República, conforme se extrai da seguinte ementa:
“EMENTA: AÇÃO ORIGINÁRIA. QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO POPULAR. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: NÃO-OCORRÊNCIA. PRECEDENTES.
1. A competência para julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade, até mesmo do Presidente da República, é, via de regra, do juízo competente de primeiro grau. Precedentes.
2. Julgado o feito na primeira instância, se ficar configurado o impedimento de mais da metade dos desembargadores para apreciar o recurso voluntário ou a remessa obrigatória, ocorrerá a competência do Supremo Tribunal Federal, com base na letra n do inciso I, segunda parte, do artigo 102 da Constituição Federal.
3. Resolvida a Questão de Ordem para estabelecer a competência de um dos juízes de primeiro grau da Justiça do Estado do Amapá.
(AO-QO 859, ELLEN GRACIE, STF.)
O terceiro requisito apontado pela doutrina relaciona-se à essência do ato impugnado na ação popular. Ao longo do tempo, firmou-se na doutrina a ideia de que deve existir, no ato atacado, o binômio ilegalidade-lesividade.
A ilegalidade, segundo lição de Hely Lopes Meireles, ocorre quando “o ato seja contrário ao Direito, por infringir as normas específicas que regem sua prática ou por se desviar dos princípios gerais que norteiam a Administração Pública”.[7]
A lesividade, por sua vez, vem exemplificada no art. 4º da lei que rege a matéria. No entanto, tal dispositivo não esgota a matéria, e quando se estiver diante de hipótese não elencada, a análise deve ser empírica em cada caso concreto. José Afonso da Silva explica que
Para isso, há o juiz que entrar no mérito da atividade administrativa, para, em confronto com fatores econômicos subjacentes, constatar a efetividade do prejuízo. Nesses casos, a lesão deve ser efetiva, concreta.
[...]
Deve-se ter como lesiva ao patrimônio das pessoas e entidades sindicáveis (salvo os casos do art. 4º) a oneração desarrazoada do respectivo orçamento, erário ou tesouro, indicando certo favoritismo, imoralidade ou proveito indevido.[8]
Com o advento da Constituição Federal de 1988 e a inclusão da ofensa à moralidade administrativa como fundamento para ajuizamento da ação popular, a doutrina começou a debater se a ação popular poderia ser utilizada para combater atos imorais que não necessariamente tenham sido lesivos ao Erário.[9]
A questão não é de fácil resolução. Como bem explica José Carlos Francisco,
Ocorre que a moralidade administrativa é princípio constitucional cujo elevado grau de abstração desafia sua aplicação aos casos concretos, pois pode ser compreendida de diversas maneiras. A impunidade e a lesão ao interesse ou patrimônio público devem ser combatidas, mas também deve ser repelido o uso da moralidade administrativa como moldura para decorar argumentações vazias ou como instrumento retórico de fanatismos, gerando insegurança nos agentes públicos e expondo suas condutas ao risco de judicializações inconsequentes ou acidentais.[10]
Mancuso entende que a mera demonstração de ofensa à moralidade administrativa é suficiente para acolhimento da pretensão do autor popular. Para o autor, podem existir atos que, em que pese a aparente legalidade formal, são imorais, e, portanto, devem ser controlados judicialmente.[11]
No mesmo sentido é o posicionamento de José dos Santos Carvalho Filho:
[...] por isso, advogamos o entendimento de que o tradicional pressuposto da lesividade, tido como aquele causador de dano efetivo ou presumido ao patrimônio público, restou bastante mitigado diante do novo texto constitucional na medida em que guarda maior adequação à tutela do patrimônio econômico. Quando a Constituição se refere a atos lesivos à moralidade administrativa, deve entender-se que a ação é cabível pelo simples fato de ofender esse princípio, independentemente de haver ou não efetiva lesão patrimonial.[12]
Hely Lopes Meirelles, por sua vez, entende em sentido diametralmente oposto:
Alguns autores e acórdãos quiseram ver na inovação constitucional não só a ampliação do objeto da ação, mas, ainda, a mudança dos requisitos da mesma, dispensando a ilegalidade do ato desde que atentasse contra a moralidade pública.
Na realidade, não nos parece ter sido essa a intenção do legislador, que tão-somente pretendeu valorizar novos interesses não patrimoniais, dando-lhes proteção adequada pela ação popular. [...]
Assim, exige-se o binômio ilegalidade-lesividade para a propositura da ação, dando-se tão-somente sentido mais amplo à lesividade, que pode não importar prejuízo patrimonial, mas lesão a outros valores, protegidos pela Constituição.[13]
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça também divergem sobre esse aspecto. No julgamento do EREsp 1.447.237/MG, em 16.12.2014, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça assim entendeu:
[...]
4. A Ação Popular consiste em um relevante instrumento processual de participação política do cidadão, destinado eminentemente à defesa do patrimônio público, bem como da moralidade administrativa, do meio-ambiente e do patrimônio histórico e cultural; referido instrumento possui pedido imediato de natureza desconstitutiva-condenatória, pois colima, precipuamente, a insubsistência do ato ilegal e lesivo a qualquer um dos bens ou valores enumerados no inciso LXXIII do art. 5o. da CF/88 e, consequentemente, a condenação dos responsáveis e dos beneficiários diretos ao ressarcimento ou às perdas e danos correspondentes.
5. Tem-se, dessa forma, como imprescindível a comprovação do binômio ilegalidade-lesividade, como pressuposto elementar para a a procedência da Ação Popular e consequente condenação dos requeridos no ressarcimento ao erário em face dos prejuízos comprovadamente atestados ou nas perdas e danos correspondentes.
6. Eventual violação à boa-fé e aos valores éticos esperados nas práticas administrativas não configura, por si só, elemento suficiente para ensejar a presunção de lesão ao patrimônio público, conforme sustenta o Tribunal a quo; e assim é porque a responsabilidade dos agentes em face de conduta praticada em detrimento do patrimônio público exige a comprovação e a quantificação do dano, nos termos do art. 14 da Lei 4.717/65; assevera-se, nestes termos, que entendimento contrário implicaria evidente enriquecimento sem causa do Município, que usufruiu dos serviços de publicidade prestados pela empresa de propaganda durante o período de vigência do contrato.
[...]
Entretanto, em precedente mais recente (Recurso Especial nº 1559292), a 2ªTurma do STJ dispensou o requisito da lesividade como pressuposto para conhecimento de ação popular:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. TRANSPORTE URBANO COLETIVO DE PASSAGEIROS. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. CABIMENTO DA AÇÃO POPULAR. PREJUÍZO AO ERÁRIO IN RE IPSA. ADMITIDA A DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI MUNICIPAL. VIOLAÇÃO DA CLÁSULA DE RESERVA DO PLENÁRIO. OFENSA AOS ARTIGOS 480 E 481 DO CPC. SÚMULA VINCULANTE 10/STF.
[...]
2. Sobre a necessidade de comprovação de dano em Ação Popular, é possível aferir que a lesividade ao patrimônio público é in re ipsa. Sendo cabível para a proteção da moralidade administrativa, ainda que inexistente o dano material ao patrimônio público, a Lei 4.717/65 estabelece casos de presunção de lesividade, bastando a prova da prática do ato nas hipóteses descritas para considerá-lo
nulo de pleno direito.
[...]
O Supremo Tribunal Federal, por seu turno, já decidiu em Repercussão Geral (Tema 826 Exigência de comprovação de prejuízo material aos cofres públicos como condição para a propositura de ação popular) que a ação popular prescinde da demonstração de efetiva lesão ao patrimônio público. Consoante se extrai de trecho do voto condutor do aresto ARE 824.781 – MS:
A questão constitucional posta nos autos diz respeito à existência ou não, na Constituição Federal, de lesão ao patrimônio público como condição para a propositura de ação popular e o julgamento de seu mérito.
[...]
Verifico, portanto, que o Tribunal de origem divergiu do entendimento desta Suprema Corte. Destarte, manifesto-me pela repercussão geral da matéria examinada no presente agravo em recurso extraordinário, bem como pela reafirmação da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, segundo a qual não é condição da ação popular a menção na exordial e a prova de prejuízo material aos cofres públicos, posto que o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular e impugnar, ainda que separadamente, ato lesivo ao patrimônio material público ou de entidade de que o Estado participe, ao patrimônio moral, ao cultural e ao histórico.
Em nosso entendimento, o Poder Judiciário deve analisar com cautela ações populares que se fundamentam exclusivamente no princípio da moralidade administrativa, pois diversas ações populares recentemente ajuizadas em verdade visavam promover disputas políticas, sob o pretexto de proteção do princípio da moralidade administrativa.
Quanto ao sujeito passivo da ação popular, a lei determina que a ação poderá ser intentada contra pessoas jurídicas de direito público ou privado, bem como em face de agentes públicos que tenham autorizado, aprovado ou ratificado o ato impugnado. Possibilita, ainda, o ajuizamento contra o beneficiário direto do ato.
Importante previsão consta do parágrafo 3º do art. 6º, que possibilita que a pessoa jurídica de direito público se abstenha de contestar o pedido ou até mesmo migre do polo passivo para o polo ativo da demanda, atuando para coibir a ilegalidade apontada.
O Ministério Público atua como fiscal da lei, e faculta-se a habilitação de qualquer cidadão como litisconsorte ativo. Se o autor desistir da ação popular, serão publicados editais, assegurando-se a qualquer cidadão ou ao Ministério Público promover o prosseguimento da ação.
3. Utilização da ação popular como mero instrumento de judicialização da política
O uso abusivo da ação popular já era preocupação de doutrinadores desde sua previsão na Constituição de 1934. José Afonso da Silva relembra que Clóvis Bevilaqua teceu fortes críticas à criação do instituto, argumentando que “sem negar o caráter democrático dessa ressurreição, receio que nos venham daí inconvenientes, que a boa organização do Ministério Público evita”[14].
Observa-se que o instrumento costumeiramente é utilizado por parlamentares para disputas políticas e ideológicas, e que em tais casos essas ações são ajuizadas por representantes de partidos de oposição ao prolator do ato. Além disso, observa-se o uso para finalidades particulares, como por exemplo, a utilização de ações populares para promoção comercial de escritórios de advocacia.
Tal fato não passou desapercebido pelo Poder Judiciário. Alguns magistrados mais atentos têm se pronunciado expressamente a respeito da desvirtuação da ação popular. Como exemplo, cite-se decisão proferida pelo juízo da 5ª Vara/DF na ação popular nº 1014575-20.2017.4.01.3400, ajuizada por deputado federal:
[...]
Pontuo que a transcrição de matéria jornalística, como o único elemento de prova para se aferir a materialidade do desvio de finalidade, não é meio de prova juridicamente idôneo para a concessão do pedido liminar; principalmente, ponderando a abrangência dos pedidos ventilados na inicial e as consequências decorrentes.
Observo que o autor da ação popular é Deputado Federal, e, em que pese poder se valer deste remédio heroico como cidadão, pelo digno cargo que ocupa como parlamentar federal, também possui notório conhecimento de que, apenas em casos extremos e bem comprovados, com provas robustas e idôneas dos fatos alegados, o Poder Judiciário deve adentrar no mérito das deliberações entre os demais Poderes da República.
Neste prisma, restou evidente que o autor não anexou emails, gravações, entre outras produções de provas, que demonstrassem, juridicamente, mesmo de forma indiciária, a articulação e evidência do desvio de finalidade, como estratagema para fins ilícitos.
Embora, em tese, possam ser aduzidas fortes ilações de desvio de finalidade, envolvendo os fatos narrados, reportagens jornalísticas não podem ser o condão para concretização da materialidade probatória no mundo jurídico, sob pena de subverter o fim da própria Ação Popular, vulgarizando a sua interposição.
Fato que, infelizmente, vem ocorrendo, um mesmo autor, ou petições idênticas são interpostas ao mesmo tempo, em vários juízos federais espalhados pelo país, idealizadas por partidos políticos, que, por conseguinte, também interpõem ações no Egrégio STF, com fundamento idêntico e envolvendo temas políticos. O que vem gerando uma grande confusão jurídica e decisões díspares, em alguns casos; desvirtuando o fim do nobre remédio heroico à disposição do cidadão, quando adequadamente utilizado.
Reforço que há grandes distinções entre as ponderações jornalísticas, com base em análises de conjunturas sociais e posições pessoas do formador de opinião, muitas vezes subjetivas e idealistas, o que deveras salutar para o debate democrático, com a comprovação dos fatos no mundo do Direito, do dever-ser, como Ciência Jurídica que exige a produção probatória para a comprovação dos fatos jurídicos, como elemento também de garantia do direito do cidadão e do Estado Democrático de Direito.
É fato notório que a ação popular tem sido utilizada com frequência por grupos de oposição política para questionar, judicialmente, atos eminentemente políticos. Independente do grupo político que esteja no poder, o que se observa é uma utilização frequente pela oposição.
Como exemplo, citamos as ações populares ajuizadas para contestar ato de nomeação de ministros de Estado. A partir do ano de 2016, iniciou-se um movimento de ajuizamento de ações populares em face de atos de nomeação de Ministros de Estados no Brasil. Três casos foram bastante divulgados na mídia: nomeação de Luiz Inácio Lula da Silva como Ministro Chefe da Casa Civil; nomeação de Wellington Moreira Franco como Ministro da Secretaria Especial da Presidência da República e como Ministro de Estado de Minas e Energia; nomeação da Deputada Federal Cristiane Brasil como Ministra do Trabalho e Emprego.
Além desses casos, é possível constatar no sistema eletrônico pje da Justiça Federal da 1ª Região diversas outras ações ajuizadas por parlamentares com o intuito de questionar escolhas políticas dos gestores.
Dessa constatação, surge um primeiro questionamento. Os parlamentares têm legitimidade ativa para ajuizar ação popular em tais situações?
Tanto a Constituição quanto a legislação de regência determinam que a ação popular pode ser ajuizada por qualquer pessoa em gozo de direitos políticos. Para serem eleitos, os parlamentares, como se sabe, necessariamente devem possuir capacidade eleitoral, razão pela qual se inserem no conceito constitucional de cidadão.
Outrossim, não se extrai das normas aplicáveis qualquer limitação a sua legitimidade. Não se pode negar que parlamentares são representantes da população, o que, em tese, poderia fortalecer a sua legitimidade para ajuizamento de ação popular que vise anular ato ilegal (desde que ajuizada para a finalidade prevista pelo legislador).
Destarte, em que pese as evidências de que a ação popular vem sendo sistematicamente utilizada por parlamentares para disputas políticas e ideológicas (que, conforme será exposto adiante, não devem ser travadas perante o Poder Judiciário), não há como negar a plena legitimidade dos parlamentares para ajuizamento, já que são cidadãos em gozo dos direitos políticos.
No entanto, pode-se questionar seu interesse processual (sob o viés da necessidade/utilidade do provimento jurisdicional), quando o que se busca mediante o ajuizamento da ação popular é unicamente levar um debate eminentemente político para o Poder Judiciário. Com efeito, existem outros instrumentos que podem ser utilizados pelos parlamentares para se opor às decisões políticas adotadas pelos mandatários do Poder Executivo e para controlar a Administração. O Congresso Nacional, no contexto do sistema de freios e contrapesos, possui como atribuição fiscalizar os atos da Administração, utilizando-se de diversos mecanismos.
Assim, parlamentares podem propor, por exemplo, a sustação de atos que exorbitem o Poder Regulamentar do Poder Executivo. Podem, ainda, convocar Ministros de Estado para “dar explicações”, oficiar órgãos, representar ilegalidades perante o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União, propor projetos de lei e de decretos legislativos, fazer pronunciamentos no Parlamento, sugerir a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito, entre outros.
Há, ainda, a possibilidade de utilização de mídias sociais para fazer uma efetiva pressão social contra atos adotados pelos governantes. Como exemplo, citamos o caso da extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados – RENCA no ano de 2017. Após forte pressão social, o decreto que extinguia tal reserva mineral foi revogado pelo Presidente da República.
Por outro lado, os próprios Partidos Políticos podem ajuizar ações coletivas, como por exemplo, impetrar mandado de segurança diretamente no Supremo Tribunal Federal, o que certamente evitaria a insegurança jurídica causada pelo ajuizamento simultâneo de diversas ações em diferentes regiões da Justiça Federal.
Nesse sentido, já existem precedentes do Supremo Tribunal Federal reconhecendo que os mandados de segurança coletivos impetrados por Partidos Políticos não se limitam a resguardar interesses de seus filiados. Ao deferir a liminar no Mandados de Segurança nº 34.070, o Ministro Gilmar Mendes destacou que
De forma paralela, surge a questão da possibilidade de o partido político usar a ação em defesa de interesses que não são peculiares a seus filiados.
[...]
Percebo que a análise que fiz daquela feita foi excessivamente restritiva. Os partidos políticos têm finalidades institucionais bem diferentes das associações e sindicatos. Representam interesses da sociedade, não apenas dos seus membros. Representam até mesmo aqueles que não lhes destinam voto.
[...]
Assim, não parece correto conferir-lhes o mesmo tratamento dado às associações e indicados. E não foi isso que fez o texto constitucional em vigor. Como já anotei, a exigência de que o mandado de segurança coletivo seja impetrado “em defesa dos interesses de seus membros ou associados” consta apenas da alínea “b” do inciso LXXII do art. 5º. Não consta da alínea “a”, tampouco do próprio inciso.
[...]
A leitura restritiva vem sendo criticada com excelentes argumentos. Teori Zavascki, em obra doutrinária, defende que os partidos políticos têm legitimidade ampla para manejar a ação, independentemente de vinculação com interesse de seus filiados. E vai além, sustentando que a ação pode ser manejada para a tutela de interesses difusos, ligados às finalidades do partido.
Em nosso entendimento, o deferimento de liminares em diferentes regiões da Justiça Federal em ações populares que questionam atos de repercussão nacional gera imensa instabilidade política e jurídica. Acrescido a isso, é extremamente difícil para o cidadão comum compreender a sucessão de liminares e decisões de Presidentes dos Tribunais-Regionais Federais proferidas em suspensão de liminar. Por certo, tais situações acabam gerando incredulidade do cidadão no sistema Judiciário.
Por essa razão, nos parece mais adequado que, em caso de judicialização de questões políticas por partidos políticos e parlamentares, o mandado de segurança coletivo seja utilizado, ao invés da ação popular.
Outro ponto importante a ser analisado neste estudo diz respeito à natureza dos atos que podem ser questionados por ação popular ajuizada por parlamentar. Podem ser controlados por ação popular atos eminentemente políticos, a exemplo do ato de nomeação de ministro de Estado, ou o mérito de atos decorrentes de políticas de Estado, como decisões atinentes a desestatizações (quando não há flagrante ilegalidade), sob o argumento de violação ao princípio da moralidade administrativa?
Em nosso entendimento, a resposta é negativa. Em primeiro lugar, porque a moralidade administrativa é de difícil conceituação. Como bem ressalta Rodolfo de Camargo Mancuso,
A nosso ver, a questão da moralidade administrativa situa-se na zona fronteiriça entre o Direito (normas de conduta atributivas, coercitivas e exigíveis) e a Moral (normas de conduta aderentes aos sentidos do justo, do equitativo e do senso comum, e daí a dificuldade em conceitua-la [...][15]
Concordamos com José Carlos Francisco quando este argumenta que
Todavia, a utilização entusiasmada da moralidade administrativa pode também abrigar argumentações vazias ou retóricas fanáticas, bem como pode dar ensejo à utilização da ação popular como instrumento de oposição política, gerando insegurança nos agentes públicos e expondo suas condutas ao risco de judicializações inconsequentes ou acidentais.[16]
Ademais, como bem destacado por Marco Henrique Reichelt, “não há como se pretender falar em configuração de ofensa ao princípio da moralidade sem que previamente se tenha ideia do que caracteriza tal princípio e, antes mesmo, a própria Moral”.[17]
Em segundo lugar porque o controle judicial sobre o mérito administrativo deve ser exceção em nosso ordenamento, a fim de que se preserve a devida separação dos poderes. Destarte, somente em casos de expressa violação à legalidade e efetiva violação ao patrimônio público será cabível o ajuizamento de ação popular ajuizada por parlamentar, sob pena de utilização desvirtuada do instituto.
Assim, conclui-se não ser juridicamente adequada a utilização da ação popular para se fazer mera oposição política ao gestor público.
Em sentido contrário ao que aqui se defende, Leon Rogério Gonçalves de Carvalho compreende a ação popular como instrumento a ser utilizado pelas minorias parlamentares para fazer oposição política. Em sua visão,
A ação popular emerge como um dos mais notáveis instrumentos para controle, pelo povo, e aí inclua-se a oposição política, da constitucionalidade e da legalidade das medidas governamentais. Essa proteção, com o advento da Constituição de 1988, ampliou-se sobremaneira, na medida em que passou a abarcar a moralidade administrativa, muitas vezes conspurcada pelo indesejado desvio de finalidade que plasmava a atuação administrativa de dados governantes, circunstância que restava intocável pela fiscalização efetuada pelo Ministério Público e sociedade civil.
Como visto, a democracia requer a atuação vigilante e permanente da oposição sobre os rumos das políticas governamentais, e esse controle político, viabilizado pela ação popular, contribui para a preservação da democracia, dos direitos fundamentais e da própria alternância no Poder.[18]
Para o articulista, a ação popular pode e dever ser utilizada pela minoria parlamentar para controlar os atos de governo, pois a oposição “deve ter à sua disposição todos os meios de fazer valer a crítica e o controle do Governo, bem como a sua própria viabilidade como alternativa política”.
Entende ainda que eventuais atuações aventureiras e irresponsáveis somente serviriam para fortalecer o próprio Governo, fato que traria uma reflexão prévia aos parlamentares que desejassem ajuizar ação popular.
Discordamos, porém, desse entendimento. Com razão o autor ao destacar a importância dos direitos conferidos às minorias parlamentares para fortalecimento da democracia. Como defende a doutrina atual, a democracia acontece pela vontade da maioria, desde que respeitados os direitos das minorias e os direitos e garantias fundamentais[19]
Contudo, a questão deve ser também analisada por outras óticas, de igual relevância social e jurídica.
Em primeiro lugar, não se pode olvidar que o Poder Judiciário há muito vive uma crise decorrente do excessivo número de processos em trâmite. Em recente seminário[20] realizado no Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Luís Felipe Salomão destacou que atualmente existem mais de 100 milhões de processos em trâmite no Brasil. Ressaltou igualmente que anualmente são ajuizadas aproximadamente 30 milhões de novas ações, e que somente no Superior Tribunal de Justiça são distribuídos quase 300 mil recursos por ano.
Não se deve desconsiderar, também, que todo e qualquer processo judicial possui custos, que, nos casos em que há gratuidade de justiça, são suportados por toda a sociedade. São realizados gastos com a manutenção da justiça e de sistemas, salários dos magistrados, dos servidores da justiça e dos advogados públicos, entre outros
Além dos custos diretos, o uso predatório do sistema judiciário gera custos indiretos para a coletividade: com a tramitação lenta decorrente de um poder judiciário excessivamente congestionado, casos em que efetivamente há lesão a direito subjetivo deixam de ser apreciados com a celeridade e atenção necessárias.
Assim, a nosso ver, permitir o ajuizamento de ações populares apenas como instrumento de oposição política contribui ainda mais para a crise do Poder Judiciário. A oposição política deve, assim, ser realizada no âmbito adequado para se discutir decisões políticas e políticas públicas, e não no Poder Judiciário, que possui por atribuição precípua exercer a jurisdição e pacificar os conflitos.
Por outro lado, outros dois aspectos também merecem destaque: os efeitos deletérios decorrentes da judicialização da política e a insegurança jurídica que pode ser gerada pela utilização abusiva de ações populares.
A segurança jurídica é um valor caro ao ordenamento jurídico brasileiro, e sua preservação igualmente deve ser objeto de preocupação dos operadores do Direito. Conforme leciona André Ramos Tavares,
A segurança jurídica decorre diretamente do Estado Constitucional de Direito. Embora comumente se invoque a irretroatividade das leis quando se menciona a segurança jurídica, esta tutela uma gama muito maior de direitos.
Como primeira “densificação” do princípio da segurança jurídica, tem-se: i) a necessidade de certeza, de conhecimento do Direito vigente, e de acesso ao conteúdo desse Direito; ii) a calculabilidade, quer dizer, a possibilidade de conhecer, de antemão, as consequências pelas atividades e pelos atos adotados; iii) a estabilidade da ordem jurídica.[21]
Por essa razão, a segurança jurídica deve igualmente ser preservada como valor essencial à Justiça pelo Poder Judiciário, que deve estar atento à crescente utilização da ação popular como forma de judicialização da política.
4. Conclusão
A ação popular é importante instrumento de controle social, e sua previsão no ordenamento jurídico brasileiro é de extrema importância para fortalecimento da democracia, pois permite a participação direta e efetiva do cidadão no controle dos atos estatais.
Trata-se de mais uma ferramenta de que dispõe o cidadão para participar mais ativamente da gestão pública, podendo controlar atos ilegais que geram lesão ao patrimônio público. Em razão de sua natureza, bem como por ser uma garantia fundamental prevista no texto constitucional, a ação popular não pode ser suprimida do ordenamento jurídico nacional. Ao contrário, deve-se buscar o seu fortalecimento, assim como de todos os meios de controle da Administração Pública.
No entanto, na prática a ação popular tem sido utilizada para finalidades distintas daquelas previstas pelo poder constituinte. Tem se tornado cada vez mais frequente a utilização da ação como meio de levar disputas eminentemente políticas para o Poder Judiciário, intensificando-se a judicialização da política.
Em nossa visão, o instrumento previsto na Constituição não deve ser utilizado para questionamento de atos políticos por parlamentares tão somente pelo fato de não concordarem (mero inconformismo político) com as políticas públicas que estão sendo implementadas pelos mandatários eleitos, salvo em caso de flagrante ilegalidade.
Conquanto os parlamentares detenham legitimidade para ajuizar ação popular, em alguns casos faltar-lhes-á interesse processual, já que o Poder Legislativo possui instrumentos próprios de controle do Poder Executivo, como por exemplo a sustação de atos que exorbitem o poder regulamentar, a instauração de comissão parlamentar de inquérito, a provocação do Tribunal de Contas da União, a impetração de mandado de segurança em defesa de prerrogativa parlamentar, entre outros.
Entendemos também que o Poder Judiciário deve ter cautela na análise dos requisitos essenciais para ajuizamento de ação popular, devendo indeferir liminarmente petições iniciais que se fundamentam em meras disputas políticas.
Por outro lado, embora parte da doutrina reconheça que a ofensa à moralidade pode ser utilizada como causa de pedir exclusiva da ação popular, em nosso entendimento tal argumento tem sido utilizado como fundamento para ações populares manifestamente incabíveis e politizadas.
Destarte, convém que o Poder Judiciário observe seu dever de autocontenção e atue com redobrada cautela quando o princípio da moralidade seja o único fundamento para o ajuizamento da ação popular em análise, a fim de que este não seja utilizado como arena de disputas político-ideológicas.
REFERÊNCIAS
ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. TEIXEIRA, Carla Noura. Ação popular como instrumento do viver democrático na Constituição Federal de 1998: reflexões sobre um direito humano fundamental. In Ação Popular. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 36-47.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 30 ed. São Paulo: Atlas, 2016.
CARVALHO, Leon Rogério Gonçalves de Carvalho. A ação popular sob a perspectiva do direito à oposição política. In Ação Popular. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 310-327
FRANCISCO, José Carlos. Ação popular e moralidade administrativa. In Ação Popular. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 21-33.
GARCIA, José Ailton. Ação popular: cabimento com base em apenas um requisito. Revista Forense, volume 411, 2010, p. 457-468.
LORENCINI, Bruno César. A ação popular como instrumento democrático. In Ação Popular. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 21-33.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular: proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente. 7ª ed. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2012.
MAZILLI, Hugo Nigro. O direito das minorias. Disponível em <http://www.mazzilli.com.br/pages/artigos/dirminorias.pdf>
MEIRELES, Hely Lopes. Mandado de Segurança – Ação Popular – Ação Civil Pública – Mandado de Injunção – Habeas Data. 31 ed. Atualizada por Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes, São Paulo: Malheiros, 2008.
REICHELT, Marcos Henrique. Reflexões sobre a tutela jurídica da moralidade. In proteção judicial da probidade pública e da sustentabilidade / Ingo Wolfgang Sarlet , Roberto José Ludwig (organizadores) ; Elaine Harzheim Macedo [et — Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017, p. 11 a 30
[1]Disponível em <https://g1.globo.com/politica/noticia/psol-vai-a-justica-para-anular-posse-de-moreira-franco-como-ministro.ghtml>
<https://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRKBN15I2U4> Acesso em: 12 de maio de 2018
[2] LORENCINI, Bruno César. A ação popular como instrumento democrático. In Ação Popular. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 21-33
[3] Constituição Federal, Art. 5º, XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
[4] ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. TEIXEIRA, Carla Noura. Ação popular como instrumento do viver democrático na Constituição Federal de 1998: reflexões sobre um direito humano fundamental. In Ação Popular. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 36-47.
[5] MEIRELES, Hely Lopes. Mandado de Segurança – Ação Popular – Ação Civil Pública – Mandado de Injunção – Habeas Data. . 31 ed. Atualizada por Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes, São Paulo: Malheiros, 2008, p. 135
[6] Op. cit. p. 127
[7] Op. Cit. p. 129
[8] Op. Cit. p 142
[9] Op. Cit. p. 45.
[10] FRANCISCO, José Carlos. Ação popular e moralidade administrativa. In Ação Popular. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 21-33.
[11] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular: proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente. 7ª ed. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2012, p. 117.
[12] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 30 ed. São Paulo: Atlas, 2016., p. 23
[13] MEIRELES, Hely Lopes. Mandado de Segurança – Ação Popular – Ação Civil Pública – Mandado de Injunção – Habeas Data. 31 ed. Atualizada por Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes, São Paulo: Malheiros, 2008, p. 131-132.
[14] Apud NETO, Joaquim José de Paula. A ação popular como instrumento da Administração Pública e o denuncismo irresponsável.
Disponível em
[15] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular: proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente. 7ª ed. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2012, p. 119
[16] FRANCISCO, José Carlos. Ação popular e moralidade administrativa. In Ação Popular. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 21-33, p. 157
[17] REICHELT, Marcos Henrique. Reflexões sobre a tutela jurídica da moralidade. In proteção judicial da probidade pública e da sustentabilidade / Ingo Wolfgang Sarlet , Roberto José Ludwig (organizadores) ; Elaine Harzheim Macedo [et — Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017, p. 11 a 30
[18] CARVALHO, Leon Rogério Gonçalves de Carvalho. A ação popular sob a perspectiva do direito à oposição política, p. 310-327
[19] MAZILLI, Hugo Nigro. O direito das minorias. Disponível em http://www.mazzilli.com.br/pages/artigos/dirminorias.pdf
[20] Acesso à justiça. O custo do litígio no Brasil e o uso predatório do Sistema de Justiça. Realizado em 21/05/2018
[21] Op. Cit. p. 619
Advogada da União. Especialista em Direito Administrativo pelo IDP-Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOTA, Mariana Munhoz da. Ação popular: reflexões sobre a sua utilização como instrumento de judicialização da política Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52450/acao-popular-reflexoes-sobre-a-sua-utilizacao-como-instrumento-de-judicializacao-da-politica. Acesso em: 31 out 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
Precisa estar logado para fazer comentários.