RESUMO: A Constituição Política da Monarquia Espanhola, produzida nas Cortes de Cádiz (1812), vigeu no Brasil durante a noite do dia 21 de abril e a madrugada do dia seguinte. Este trabalho narra uma sequência de fatos que desencadearam sua outorga e revogação. É apresentado o cenário no qual a própria Constituição de Cádiz fora utilizada para organizar as primeiras eleições gerais da história do Brasil e como uma revolta durante o desenvolvimento dessas eleições fez com que o monarca se visse impelido pela população a tornar a norma Constituição provisória, enquanto não fosse concluída a Constituição portuguesa que deveria valer para todos os reinos da Casa de Bragança. Após, são narrados os acontecimentos violentos da noite de 21 de abril, que culminaram na morte de trinta pessoas e na revogação da Constituição. O cenário político daquele período é apresentado para se determinar a conjuntura que levou aos acontecimentos e, em especial, o provável envolvimento do príncipe Dom Pedro no enfrentando que acabou em combate armado.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição de Cádiz. Constitucionalismo.
ABSTRACT: The Political Constitution of the Spanish Monarchy of 1812 or Constitution of Cadiz, was put into effect in Brazil during the night of April 21 and the morning of the following day. This paper presents the sequence of events that triggered the effect and revocation. It is presented the scenario in which the Constitution of Cadiz had been used to organize the first general elections in the history of Brazil and how a revolt during the development of these elections made the people impels the monarch to put the norm into effect as a temporary Constitution, while it was not concluded the Portuguese Constitution that should be applied to all the kingdoms of the House of Braganza. Then are narrated the violent events of the night of April 21, culminating in the death of thirty people and the abrogation of the Constitution. The political scenario in Brazil during that period is presented to determine the circumstances that led to those events and in particular the likely involvement of the prince Dom Pedro in the confrontation that ended by being an armed combat.
KEYWORDS: Constitution of Cadiz. Constitutionalism.
1 RECORTE JUS-HISTORIOGRÁFICO
A outorga da Constituição de Cádiz é um evento lembrado com frequência nos textos de história do Brasil, mas pouco pesquisado dentro da História do Direito e do Direito Constitucional. Este trabalho pretende trazer uma narrativa dos acontecimentos históricos daquele momento e de como a norma acabou vigendo no Brasil por um período muito breve, durante o final do dia 21 de abril de 1821 e o início do dia seguinte.
O trabalho utiliza método dedutivo e faz uso de fontes primárias, de historiadores do período e atuais para apresentar os acontecimentos e suas circunstâncias. A análise jurídica ocorre nas considerações sobre a vigência da norma e apresentação dos documentos que atestam sua entrada e saída de vigor. O objetivo do trabalho é tratar o acontecimento histórico sob um viés adequado ao Direito, capaz de fundamentar com fatos e fontes a vigência tão curta de uma Constituição estrangeira antes de 1824.
O trabalho será dividido em seis partes, eles buscam seguir a cronologia dos acontecimentos, mas tratam principalmente do ambiente político e dos principais fatos que levaram à vigência da norma. São mostradas as circunstâncias que levaram à ocorrência de eleições gerais no Brasil e como os procedimentos dessa eleição geraram o ambiente para a outorga da Constituição. Ela ocorreu durante a eleição dos representantes brasileiros que deveriam ir a Lisboa ajudar na elaboração da Constituição que seria feita para todos os reinos da Casa de Bragança. A sequência de acontecimentos que gerou a repressão violenta, ocorrida depois que a Constituição já estava em vigor, é igualmente trazida. Também é dada especial atenção às hipóteses que envolvem a participação do príncipe herdeiro Dom Pedro nos acontecimentos.
2 DEPUTADOS BRASILEIROS ÀS CORTES DE PORTUGAL
A Revolução Portuguesa iniciou no ano de 1820 e pretendia forçar a volta de Dom João VI a Portugal, assim como ver o rei limitado por uma Constituição Liberal a ser criada seguindo os modelos liberais. Apesar de alguma dissidência interna no movimento (CUNHA, 2006, p. 167-176), Portugal rapidamente foi unido pela causa. Havia incertezas sobre a volta do monarca, mas pressões começavam a surgir em diversas localidades do Brasil (FRANCO, 1981, p. 159). Portugal era governado pelos revolucionários e o Brasil mostrava simpatia pelo movimento em diversos locais. Não só a elite brasileira conhecia as ideias francesas, mas os acontecimentos daqueles anos já haviam feito surgir insubordinações até no interior do Brasil (HOLANDA, 2011, p. 178).
No final do ano anterior, em 31 de outubro de 1820, havia sido determinada a eleição de representantes da nação portuguesa para a elaboração do texto da Constituição. A eleição seria indireta, teria dois graus. Cada distrito iria votar em eleitores, e esses decidiriam os nomes dos deputados constituintes. A norma publicada já trazia o número de deputados a serem eleitos em Portugal, considerando um censo de 1803. Ela anunciava que suas disposições deveriam ser aplicadas também no Brasil (BERBEL, 2008, p. 230).
Esse sistema eleitoral inicialmente elaborado pelos portugueses foi mal recebido pelos demais revolucionários. A tensão levou a uma reação militar em 11 de novembro de 1820, à demissão de dois representantes do Porto na junta revolucionária e à proclamação da Constituição de Cádiz em Portugal pelo general Teixeira (FERRANDO BADÍA, 1991, p. 227). Em função desses acontecimentos, em 23 de novembro de 1820, foram publicadas novas instruções. De acordo com elas, a Constituição de Cádiz e seu sistema indireto de quatro graus seriam utilizados para escolha dos representantes. A única alteração significativa é que o artigo 31 da Constituição previa a eleição de um deputado para cada setenta mil habitantes na Espanha (ESPANHA, 1812/1994), e em Portugal seria eleito um para cada trinta mil (PORTO, 2002, p. 22-24).
João VI publicou um manifesto, em 21 de fevereiro de 18211, pressionado pelos acontecimentos no Brasil, em Portugal, pela necessidade de definição imposta pela aliada Inglaterra e membros da família real. (ARMITAGE, 1837, p. 17). O rei afirma que o príncipe Dom Pedro iria a Portugal. O herdeiro da coroa iria ter plena liberdade para auxiliar na criação da nova Constituição, negociando junto dos representantes eleitos.
O desejo dos portugueses com relação ao monarca naquele manifesto, de ver um juramento à nova Constituição, não ocorre. O rei afirma apenas que adotaria no Brasil as partes que achasse conveniente da nova norma, pois uma Constituição não poderia “ser igualmente adaptável e conveniente em todos os seus artigos e partes especiais à povoação, localidade e mais circunstâncias tão penosas como atendíveis deste reino do Brasil” (LEAL, 2002, p. 9-10).
Insatisfeitas, as tropas portuguesas no Brasil reagiram à falta de juramento. A Divisão Auxiliadora Portuguesa marchou na madrugada de 26 de fevereiro de 1821 para o largo do Róssio. José Murilo de Carvalho narra que as exigências trazidas ao rei foram três: (i) demissão de membros do governo; (ii) adoção temporária da Constituição Política da Monarquia Espanhola de 1812 (a Constituição de Cádiz); (iii) e, o juramento incondicionado à Constituição que iria ser elaborada pelas cortes portuguesas.
Foi marcada uma reunião, os príncipes Dom Pedro e Dom Miguel foram os representantes do rei nela. Narra-se que foram recebidos com aclamações ao rei e à Constituição. Eles receberam as exigências e retornaram ao Palácio São Cristóvão para apresentá-las a Dom João VI (LEAL, 2002, p. 11-12). O monarca não outorgou a Constituição de Cádiz, mas os demais termos foram aceitos através de um decreto, conforme o conselho de conde de Palmela, Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (GOMES, 2011, p. 282). O documento jurava fidelidade sem reservas à nova Constituição que iria ser feita, seu texto informava: “hei por bem desde já aprovar a Constituição, que ali se está fazendo e recebê-la no meu reino do Brasil, e nos demais domínios da minha coroa” (BONAVIDES; AMARAL, 1821/2012, p. 12).
Mais tarde monarca compareceu ao local e fez o juramento junto com os outros membros da família real, servidores públicos e outras pessoas célebres (ARMITAGE, 1837, p. 18). É narrado que o rei tinha grande temor pelos acontecimentos que lá ocorreriam, tendo mandado fechar as janelas de seu palácio enquanto decidia como reagir às demandas. Mais tarde, precisaria até mesmo de ajuda para conseguir andar até a janela onde leria o documento (MONTEIRO, 1981, p. 294-297). O dia terminou sem acontecimentos violentos, em meio a uma população que festejava o monarca e a Constituição.
Pouco tempo depois seria enviada uma comunicação dos revolucionários portugueses exigindo a volta de Dom João VI à Portugal. Novamente, com a pressão gerada pelas forças militares portuguesas, o monarca acaba por declarar sua intenção de voltar. No seu lugar, se tornaria regente o príncipe herdeiro, Dom Pedro. Também deveria haver eleições gerais no Brasil para que o país participasse da elaboração da nova norma fundamental (ARMITAGE, 1837, p. 19).
Essas decisões do monarca foram publicadas através do decreto de 7 de março de 1821, essenciais na história que levam à outorga da Constituição de Cádiz no Brasil:
Tendo-se dignado a divina providência, após uma tão longa devastadora guerra, o suspirado benefício da paz geral entre todos os Estados da Europa, e de permitir que se começassem a lançar as bases da felicidade da Monarquia Portuguesa, mediante o ajuntamento das Cortes Gerais, extraordinariamente congregadas na minha muito nobre e leal cidade de Lisboa, para darem a todo o reino unido de Portugal, Brasil e Algarves, uma Constituição política conforme aos princípios liberais que, pelo incremento das luzes, se acham geralmente recebidos por todas as nações; e constando na minha real presença, por pessoas doutas e zelosas do serviço de Deus e meu, que os ânimos dos meus fiéis vassalos, principalmente dos que se achavam neste reino do Brasil, ansiosos de manterem a união e integridade da monarquia, flutuavam de um penoso estado de incerteza, enquanto eu não houvesse por bem declarar de uma maneira solene a minha expressa, absoluta e decisiva aprovação daquela Constituição, para ser geralmente cumprida e executada, sem alteração nem diferença, em todos os estados da minha real Coroa: fui servido de assim o declarar pelo meu Decreto de 24 de fevereiro próximo passado, prestando juntamente com toda a minha real família, povo e prova desta corte, solene juramento de observar, manter e guardar a dita Constituição, nestes e nos mais reinos e domínios da Monarquia, tal como ela for deliberada, feita e acordada pelas mencionadas Cortes Gerais do reino, ordenando outrossim aos governadores e capitães-generais, e autoridades civis, militares e eclesiásticas, em todas as mais províncias prestassem e deferissem a todos os meus súditos e subalternos semelhante juramento, como um novo penhor, vínculo que deve assegurar a união e integridade da Monarquia.
Mas, sendo a primeira e sobre todas essencial condição do pacto social, desta maneira aceito e jurado por toda a nação, dever o soberano assentar a sua residência no lugar onde juntarem as cortes, para receberem sem delongas a sua indispensável sanção; exige a escrupulosa religiosidade com que me cumpre preencher ainda os mais árduos deveres que me impõe o prestado juramento, que eu faça ao bem geral de todos os meus povos dos mais custosos sacrifícios, de que é capaz meu paternal e régio coração, separando-me pela segunda vez de vassalos, cuja memória me será sempre saudosa, e cuja prosperidade jamais cessará de ser, em qualquer arte um dos mais assíduos cuidados do meu paternal governo.
Cumpria pois que, cedendo ao dever que me impôs a providência, de tudo sacrificar pela felicidade da nação, eu resolvesse, como tenho resolvido, transferir de novo a minha corte para a cidade de Lisboa, antiga sede e berço original da Monarquia, a fim de ali cooperar com os deputados procuradores dos povos na gloriosa empresa de restituir à briosa nação portuguesa aquele alto grau de esplendor com que tanto se assinalou nos tempos antigos; e deixando nesta corte ao meu muito amado e prezado filho, o príncipe real do reino unido, encarregado do governo provisório deste reino do Brasil, enquanto nele se não achar estabelecida a Constituição geral da nação.
E para que meus povos deste mesmo reino do Brasil possam, quanto antes, participar das vantagens da representação nacional, enviando proporcionado número de deputados procuradores às Cortes Gerais do reino unido: em outro decreto, da data deste, tenho dado as precisas determinações, para que desde logo se comece a proceder em todas as províncias à eleição dos mesmos deputados na forma das instruções, que no reino de Portugal se adotaram para esse mesmo efeito, passando sem demora a esta corte os que sucessivamente forem nomeado nesta província, a fim de me poderem acompanhar os que chegarem antes da minha saída deste reino; tendo eu, aliás, providenciado sobre o transporte dos que depois dessa época, ou das outras províncias do norte, houverem de fazer viagem para aquele seu destino.
Palácio do Rio de Janeiro, aos 7 de março de 1821
Com a rúbrica de Sua Majestade (BONAVIDES, AMARAL, 1821/2012, p. 491-492).
Sobre as eleições, o decreto se refere à outra publicação do mesmo dia, que conteria os detalhes sobre o pleito a ser realizado:
Manda proceder á nomeação dos Deputados ás Côrtes Portuguezas, dando instrucções a respeito. Havendo Eu Proclamado no Meu Real Decreto de 24 de Fevereiro proximo passado a Constituição Geral da Monarchia, qual for deliberada, feita e accordada pelas Côrtes da Nação a esse fim extraordinariamente congregadas na Minha muito nobre e leal Cidade de Lisboa: E cumprindo que de todos os Estados deste Reino Unido concorra um proporcional numero de Deputados a completar a Representação Nacional: Hei por bem ordenar que neste Reino do Brazil e Dominios Ultramarinos se proceda desde logo á nomeação dos respectivos Deputados, na fórma das Instrucções, que para o mesmo effeito foram adoptadas no Reino de Portugal, e que com este Decreto baixam, assignadas por Ignacio da Costa Quintella, Meu Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reino; e aos Governadores e Capitães Generaes das differentes Capitanias, se expedirão as necessarias ordens, para fazerem effectiva a partida dos ditos Deputados á custa da Minha Real Fazenda. O mesmo Ministro e Secretario de Estado o tenha assim entendido e faça executar.
Palacio do Rio de Janeiro em 7 de Março de 1821.
- Com a rubrica de Sua Magestade (BRASIL, 1821)
Seriam, portanto, realizadas eleições gerais no Brasil utilizando as normas da Constituição espanhola, pois eram elas que estavam vigendo em Portugal e o sistema deveria ser o mesmo nos dois reinos. Essas seriam as primeiras eleições gerais. Anteriormente, eleições haviam ocorrido para a escolha de governos locais, especialmente nos municípios. O Brasil adentrava no liberalismo: planejava-se uma Constituição que deslocasse a soberania do monarca para o parlamento. Havia, de acordo com o recenseamento de 1808, 2.323.366 habitantes no Brasil. Em função das normas em vigor, seriam eleitos setenta e dois deputados (FERREIRA, 2001, p. 100).
3 REVOLTA LIBERAL
Considerando titulares e suplentes, havia oitenta deputados brasileiros a serem eleitos para ir a Lisboa. Foi durante essa eleição que houve a outorga da Constituição de Cádiz no Brasil.
O sistema eleitoral estabelecia um modelo de quatro graus. Os primeiros dois haviam sido concluídos até meados de abril de 1821. Haviam sido formadas as juntas da paróquia. Nelas, os brasileiros aptos para votar haviam escolhido compromissários e esses haviam decidido quais seriam os eleitores de paróquia. Agora seria a vez de os eleitores de paróquia se reunirem para a escolha dos eleitores de comarca, que mais tarde elegeriam os deputados na capital da província.
Foi feita uma convocação para formar a Junta responsável pelas eleições no dia 20 de fevereiro, a reunião ocorreria no dia seguinte, na Praça do Comércio. Nela se disse que o ato poderia ser assistido por outras pessoas, respeitando o silêncio e o respeito. Houve a incomum possibilidade de qualquer pessoa fazer “algumas reflexões”, contanto que fossem feitas por escrito e oferecidas à Junta.
Na Praça do Comércio havia sido concluída a construção de um prédio luxuoso em outubro de 1819. Ele fora projetado pelo arquiteto da Missão Francesa de Belas-Artes Grandjean de Montigny (HOLANDA, 2011, p. 182) e destinado a receber comerciantes brasileiros e estrangeiros. O prédio estava localizado entre o mar e a boca da Rua do Sabão, tendo a alfândega do seu lado esquerda e diversas barracas do lado direito.
A Constituição de Cádiz seria outorgada no dia 21 de fevereiro de 1821, durante a Congregação dos Eleitores de Paróquia na Praça do Comércio para o pleito dos eleitores de comarca. O colegiado era formado por cento e sessenta membros, mas ao local compareceu grande número de pessoas. Foi permitida a entrada até que o prédio estivesse completamente lotado, havendo pessoas em baixo das cadeiras e construídas bancadas para as pessoas olharem o acontecimento.
Além da votação, deveria haver a leitura de um decreto no qual Dom João VI outorgava a regência ao príncipe Dom Pedro e apontava novos ministros para todas as pastas. Mello Moraes narra que para angariar simpatia da população e garantir a aprovação das medidas, o monarca havia permitida a discussão livre das decisões tomadas naquele documento (1871, p. 45).
O Ministro da Guerra e mentor da ideia de discussão do decreto, Silvestre Pinheiro, diria que construir as bancadas era “perversidade de uns e a inépcia de outros” (LEAL, 2002, p. 15) e havia ficado contrariado com a realização em um local com tantas pessoas. Ele havia arquitetado essa reunião, mas ela fora prevista para ocorrer em uma sala retirada e pouco exposta, provavelmente no interior de uma igreja, com guarda de honra e de polícia, como deveria ocorrer em qualquer reunião presidida pelo Ministro do Reino (MONTEIRO, 1981, p. 323). Em função da recusa do ministro, ela acabou sendo presidida pelo corregedor da Comarca e Presidente do Colégio Eleitoral no moderno prédio da praça.
A reunião começara às quatro horas da tarde, e os eleitores de paróquia se manifestaram com liberdade. A escolha dos eleitores do próximo grau ocorreu sem incidentes. Entre os eleitores estavam pessoas que iriam se distinguirem no serviço do Estado, como magistrados, generais, oficiais superiores, advogados3. A leitura da mensagem do rei, no entanto, deu início a uma revolta no interior do prédio.
A exaltação inicia pela leitura em baixo tom de voz do magistrado que presidia os trabalhos. O general4 Moraes aceitou sair do recinto dos eleitores e começar a ler o texto em um tom que alcançasse todos. Logo surgem os gritos contra as escolhas feitas pelo rei. Cairú narra que a insatisfação se deu com a escolha dos ministros. Começa haver a exigência de que fosse imediatamente proclamada a Constituição de Cádiz no Brasil e a escolha de ministros refeita, agora pela assembleia (CAIRÚ, 1827, p. 45).
Silvestre Pinheiro distinguia três grupos dissonantes nessa reunião:
Um [grupo] receoso da inexperiência do Príncipe e de vê-lo mal cercado, receoso, sobretudo do despotismo europeu, optava por uma junta para funcionar ao seu lado e queria a adoção da Constituição Espanhola; outro, confiante no Conde dos Arcos, esperava que o auxílio dos bons ministros do Príncipe faria renascer a “idade de ouro”’; o terceiro, inimigo do conde e de tudo quanto era brasileiro (MONTEIRO, 1981, p. 324-325)
Leal cita um documento intitulado “Memória”, publicado na Revista do Instituto Histórico, volume 51, de 1888, e sem autoria conhecida. Nele é afirmado que inicialmente o movimento fora insuflado por um pequeno número de pessoas, “uma meia dúzia de homens quasi todos da ultima ralé” (LEAL, 2002, p. 14). O líder deles seria um jovem de 20 anos, filho de um alfaiate francês estabelecido em Lisboa, seu nome seria Luís Duprat. O jovem teria dominado a reunião após impedir a continuidade da leitura da carta do monarca (LUSTOSA, 2006, p. 209-210). Além dele, ainda lideram o movimento o Padre Macamboa; o negociante José Nogueira Soares, suposto aliado de Conte dos Arcos; e o cirurgião Pereira Ramo (MONTEIRO, 1981, p. 324).
Foi formada uma assembleia revolucionária naquele mesmo momento. Houve manifestação unânime dos eleitores de freguesia para que a Constituição de Cádiz fosse proclamada ainda naquela reunião. Mello Moraes (1871, p. 45) e o Visconde do Cairú (1725, p. 78) afirmam que esse consenso pleno só ocorreu por receio dos efeitos de alguma discordância, pois os eleitores temiam pela sua integridade. Nogueira da Gama, que mais tarde seria nomeado Marquês de Baependi, teria afirmado que “o povo não se acomodava de outro modo, estava amotinado e não queria absolutamente ser governado por pessoas da escolha de El-Rei” (MONTEIRO, 1981, p. 326).
Foi feita uma ata das decisões da reunião. Delas, a mais importante era a imposição feita principalmente por Duprat, que nunca falara em público antes, mas não pôde ser superado por nenhum dos altos servidores presentes. A exigência era a adoção temporária da norma espanhola. A ata foi jurada5 e assinada por todos os representantes que se uniriam para a eleição. Nela se proclama a Constituição de Cádiz no Brasil enquanto Portugal não elaborasse o seu próprio texto.
O desembargador Antonio Rodrigues Velloso de Oliveira, o general Joaquim Xavier Curado, o general Manuel José de Moraes e mais dois representantes foram encarregados de ir à Quinta da Boa-Vista dar notícias ao rei (MELLO MORAES, 1871, p. 45). Outras decisões ainda viriam a ser tomadas na reunião daquela noite. Para evitar que o rei saísse do Brasil antes de referendar as decisões da assembleia e levasse o tesouro brasileiro para Portugal, foram enviados militares para as fortalezas de Santa Cruz, Villegaignon e Lage (ARMITAGE, p. 1837, p. 21). Caso o rei conseguisse sair do Brasil, os revoltosos já haviam até encontrado a saída jurídica. Eles fariam uso da Constituição de Cádiz para afirmar que a ausência sem consentimento importaria em abdicação da coroa, conforme o artigo 172, ponto 2, que normatizava que “No puede el Rey ausentarse del reino sin consentimiento de las Cortes; y silo hiciere se entiende que ha abdicado la corona” (ESPANHA, 1812/1994).
4 OUTORGA DA CONSTITUIÇÃO DE CÁDIZ NO BRASIL
Uma noite chuvosa já havia caído quando os representantes da assembleia formada na Praça do Comércio chegaram e pediram a audiência com o monarca. Todos os Ministros do Gabinete foram convocados para relatar a situação e dar completo conhecimento dos fatos. A volta de Dom João VI à Portugal levando todo o tesouro real foi mantida, não havendo possibilidades de negociação sobre esses pontos. Por outro lado, houve a outorga da Constituição de Cádiz conforme haviam pedido os representantes da assembleia.
Silvestre Pinheiro afirma ter defendido acatar com ressalvas a demanda, pois várias partes da norma espanhola seriam incompatíveis com o Brasil7. Os demais ministros presentes, do Reino e da Marinha, concordaram com o fundamento, mas não deram apoio. Eles temiam que fosse ocorrer uma reação semelhante à do dia 26 de fevereiro, quando o rei havia cedido apenas parcialmente ao pedido de jurar à Constituição sendo feita em Portugal e teve uma dura reação dos militares portugueses (MONTEIRO, 1981, p. 329).
O rei João aceitou então plenamente a demanda e elaborou um decreto outorgando a Constituição de Cádiz enquanto não era terminada a elaboração do texto em Portugal. Em 21 de abril de 1821, foi outorgada a norma espanhola no Brasil. O texto do decreto é o seguinte:
Havendo tomado em consideração o termo de juramento que os eleitores parochiaes desta comarca, a instancias e declaração unanime do povo della, prestárão á Constituição hespanhola, e que fizerão subir á minha real presença, para ficar valendo interinamente a dita Constituição hespanhola desde a data do presente decreto até a installação da Constituição em que trabalhão as côrtes actuaes de Lisboa, em que eu houve por bem jurar com toda a minha côrte, povo e tropa, no dia 26 de Fevereiro do anno corrente; sou servido ordenar que de hoje em diante se fique estricta e litteralmente observando neste reino do Brasil a mencionada Constituição deliberada e decidída pelas côrtes de Lisboa.
Palacio da Boa-Vista, aos 21 de Abril de 1821.
- Com a rubrica de Sua Magestade (MELLO MORAES, p. 1871, p. 47).
O decreto deveria ser enviado ao Presidente do Colégio Eleitoral e todos os participantes da reunião deveriam ser dispersados. Afirma Visconde de Cairú8 que o general Moraes voltou e avisou que a manifestação na Praça do Comércio deveria cessar. Uma grande multidão havia esperado até perto da meia-noite por notícias dos representantes do movimento. Apesar de uma diminuição dos presentes com o passar do tempo, ainda havia um grande número de pessoas quando houve o retorno com o decreto. Com o general chegaram ordens para dispersão imediata da reunião, mas apenas algumas pessoas aceitaram se retirar do local.
A partir daquele momento, a Constituição de Cádiz vigia no Brasil. Os efeitos dessa vigência são pequenos, pois ela durou poucas horas. Os principais efeitos daquela Constituição seriam outros, como a influência liberal que acabou sendo trazida até a Constituição de 1824 ou o influxo sobre diversas revoltas liberais que antecederam aquele período. O marco histórico de sua vigência tem a função de demonstrar a enorme influência da norma, tida como o grande símbolo liberal a ser seguido em Portugal, Brasil, Itália e diversos outros países da Europa.
5 CONFRONTO NA PRAÇA DO COMÉRCIO
Os detalhes sobre os acontecimentos nesse momento variam bastante nas fontes da época. Será utilizada a Gazeta do Rio, número 33, de 25 de abril de 1821, por ter uma narração bastante detalhada e ter sido referendada por Mello Moraes (1871, p. 47-48) e ser condizente com o narrado também por Cairú. Detalhes adicionais foram retirados da obra de Tobias Monteiro (1981, p. 323-342).
Era próximo da meia-noite quando houve o retorno com o decreto. Naquela altura haviam muitos boatos sobre uma formação militar organizada para interromper a reunião com violência. O general Moraes afirma que desconhece tal organização. Efetivamente, uma força havia sido organizada no local onde estava o monarca, mas com finalidade defensiva.
No entanto, novas informações foram chegando ao rei e os ministros durante a noite, inclusive o de que a população pretendia capturar o rei. Em função delas, foi decidido que uma força militar se deslocaria ao local para dissolver a reunião. Chegou a ser recebida uma segunda comissão vinda da assembleia, que viera questionar sobre o deslocamento de forças armadas. No entanto, acatando as ordens recebidas, as forças se posicionam na Praça dos Mineiros e na Rua da Direita. Teria havido uma tentativa de fuga por parte de algumas pessoas pela Rua do Sabão e também para lá foram enviados militares. Depois desse posicionamento, se inicia a violência.
Cerca de três horas da manhã, um soldado foi apunhalado. Conforme o Coronel de Milícias Pereira Faro, o golpe havia sido dado pelo negociante Miguel, da Rua de São Pedro, que foi morto logo a seguir por outros militares (MONTEIRO, 1981, p. 334-338). A seguir, uma pistola é disparada por outro amotinado na praça, mas ninguém é atingido. A calma volta a reinar por alguns instantes, até que um dos eleitores foi à porta do edifício e a fechou. A porta foi imediatamente arrombada pelos soldados e foram então disparados quarenta tiros de espingarda sobre os que estavam dentro. Supostamente, os oficiais não teriam sido capazes de conter o movimento dos soldados. Outros amotinados ainda teriam sido mortos por golpes de espada (ferro frio) ou morreriam afogados tentando fugir. Vários fugiram pelas janelas do prédio. Ao todo, trinta pessoas faleceram no episódio (GOMES, 2011, p. 283).
Às cinco horas, duas brigadas são enviadas para o largo do Paço e do Róssio. Apesar dos cuidados, nenhum outro incidente violento ocorreria naquele dia. Na parte de fora do prédio fora escrito “Açougue dos Bragança”. Os comerciantes se recusariam a utilizar o prédio depois do ocorrido e ele acabou sendo a Casa da Arrecadação (CAIRÚ, 1827, p. 82).
A Gazeta do Rio narra ainda que foram encontrados papeis apoiando a proclamação da Constituição de Cádiz com os amotinados, que ainda portavam armas de fogo e espada. É levantada a hipótese de que o movimento e a exigência haviam sido premeditados. No entanto,
nunca foi realizado um procedimento de investigação das armas que supostamente foram encontradas. Nenhum militar envolvido no acontecimento foi julgado (CAIRÚ, 1827, p. 82).
5 REVOGAÇÃO
Cerca de oito horas da manhã, circulava um rascunho de decreto revogando a Constituição de Cádiz. O Ministro Silvestre Pinheiro supostamente se posicionou contra a revogação, porque a declaração do dia anterior teria sido feita com liberdade e antes dos conflitos. O rei havia decidido livremente aceitar a vigência da norma espanhola, mesmo possuindo o poder de interromper a reunião que a exigia, como acabou ocorrendo algumas horas depois. A aceitação havia sido feita em função de uma consulta pacífica e não deveria ser desfeita no dia seguinte. O monarca não atendeu ao pedido do ministro e decidiu revogar seu decreto anterior.
Ao meio-dia do dia 22 de abril de 1821 a Constituição de Cádiz deixou de viger no Brasil. Os responsáveis por sua outorga foram chamados de mal-intencionados, desejosos de anarquia. A vigência da norma se deu por um período extremamente curto, sem criar efeitos sobre o ordenamento jurídico ou instituições. Eis o teor do decreto de revogação assinado por João VI:
Subindo ontem à minha real presença uma representação, e dizendo-se ser do povo, por meio de uma deputação e formada dos eleitores das paróquias, a qual me assegurava, que o povo exigiria para a minha felicidade, e dele que eu determinasse, que de ontem em diante este meu reino do Brasil fosse regido pela Constituição espanhola, houve então por bem decretar, que essa Constituição regesse até a chegada da Constituição, que sábia e sossegadamente estão fazendo as Cortes convocadas na minha muito nobre e leal cidade de Lisboa: observando-se porém hoje, que essa representação era mandada fazer por homens mal-intencionados, e que queriam anarquia, e vendo que meu povo se conserva, como eu lhe agradeço, fiel ao juramento que eu com ele de comum acordo prestamos na Praça do Rocio no dia vinte e seis de fevereiro do presente ano: hei por bem determinar, decretar e declarar por nulo todo o ato feito ontem; e que o governo provisório fica até a chegada da Constituição portuguesa, seja da forma que determina o outro decreto, e instruções que mando publicar com a mesma data deste, que meu filho o príncipe real há de cumprir, e sustentar até chegar a mencionada Constituição portuguesa.
Palácio da Boa-vista, aos vinte e dois de abril de mil oitocentos e vinte e um. Rei (BONAVIDES; AMARAL, 1821/2012, p. 494).
Tropas permaneceram no local até as três horas da tarde, quando Dom Pedro veio ler em pessoa o decreto revogando a Constituição. Durante aquela madrugada, haviam sido presos Duprat, Macaboa, além dos Generais Curado e Moraes. Eles seriam soltos no dia 27 de abril (MONTEIRO, 1981, p. 339-340).
7 MOTIVOS PARA A VIOLÊNCIA
As pressões pela volta da família real à Portugal causavam dificuldades desde o início de 1821. O príncipe e o rei queriam permanecer no Brasil. Dom João VI desejara enviar o príncipe Dom Pedro à Portugal quando fez o juramento parcial à Constituição em fevereiro de 1821. Já naquele momento, é narrado que o príncipe desejava ficar e se tornar governante. Aurelino Leal, por exemplo, narra o príncipe recebeu até o conselho de se rebelar contra a decisão do pai.
Nesse cenário, é importante a figura do Conde dos Arcos, que teria papel central nos incentivos à busca pelo poder por parte do príncipe (LEAL, 2002, p. 10-12). Dom Marcos de Noronha e Brito, oitavo Conde dos Arcos, foi o último vice-rei do Brasil e designado governador da Bahia com chegada da família real. Durante a estadia da Casa de Bragança, ele foi nomeado ministro da Marinha e Ultramar, voltando para o Rio de Janeiro e lá permaneceu durante os acontecimentos envolvendo as eleições gerais. Ele era um político experiente e próximo do príncipe Dom Pedro. É narrado que ele recebia visitas diárias do príncipe (MONTEIRO, 1981, p. 315).
A leitura do decreto de João VI no dia 21 de abril, que desencadeou o movimento e resultou na outorga da Constituição de Cádiz, pode ser mais um desenvolvimento ligado à busca de o rei permanecer no Brasil. A leitura seria um meio para que ele pudesse se tornar mais simpático à população (MELLO MORAES, 1171, p. 45) e algum movimento popular exigir sua permanência. Esse seria o desejo do monarca (HOLANDA, 2011, p. 182). Tobias Monteiro escreve que Dom João VI gostava de viver no Brasil, tinha medo de se afastar por temer o mar e havia algum receio de ser traído pelo filho (1981, p. 225 e p. 322).
Tobias Monteiro narra que o rei tomara até conhecimento de um folheto escrito por Francisco Cailhé de Geine, defendendo a permanência de Dom João VI no Brasil. O rei teria autorizado sua divulgação por concordar com o conteúdo (GOMES, 2011, p. 283-284). O acontecimento violento encerrou todas as expectativas de permanecer na América, o monarca embarcaria em seu navio em 25 de abril, apenas três dias após o episódio.
Diversos historiadores atribuem ao príncipe a repressão violenta que selaria a volta de Dom João VI. Isabel Lustosa afirma que a decisão de enviar militares havia sido do rei, mas por insistência do príncipe (2006, p. 211). Gomes afirma que as tropas que atacaram estavam sob mando do príncipe (2011, p. 283), Afonso Arinos de Mello Franco afirma também que o coice das armas contra a população fora dado pelo príncipe (1994, p. 46). Sérgio Buarque de Holanda sequer questiona a autoria do acontecimento, afirmando que o príncipe acabou por mandar a tropa dissolver o comício por impaciência (HOLANDA, 2011, p. 182). Por fim, Tobias Monteiro afirma que o príncipe manda dissolver a assembleia até com o emprego da força (MONTEIRO, 1891, p. 334).
Dentre os historiadores do período Mello Moraes afirma que esse foi um ato intencional de Dom Pedro (1871, p. 46). Armitage tem a mesma opinião, afirmando que o príncipe era o único a desejar a volta do monarca para poder governar e não ser mais subordinado a Dom João VI. Conde de Arcos é acusado de incitar o príncipe com o desejo de angariar poder para si mesmo (ARMITAGE, 1837, p. 22). Em 22 de abril de 1821, o conde conseguiu se tornar o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, mas permaneceria no cargo apenas até 16 de janeiro de 1822, quando tropas exigiram sua demissão logo após o Dia do Fico.
Visconde do Cairú é um dos que se posiciona de outra maneira. Ele não retira a culpa do príncipe, mas afirma que o episódio permaneceria incógnito, um assunto de governo, em que tudo fica entre reis e ministros. Não há indicação de responsabilidades no autor, mas não houve tentativa de afirmar que uma ação política deliberada não pode ter sido planejada (CAIRÚ, 1827, p. 82).
O envolvimento do príncipe Dom Pedro no episódio da repressão parece ter respaldo inclusive por uma correspondência enviada por ele para o pai em 9 de outubro de 1821. Nela, ele afirma: “Tudo mais está acomodado, porque têm medo da tropa portuguesa; bem dizia eu a Vossa Majestade que necessitava da tropa neste país. Espero que eles não queiram ver a peça do pano, do qual viram a amostra no dia 21 de abril”.
Um dos responsáveis por liderar o corpo militar que atuou durante aquela noite, o Major Garcez, ainda teria espalhado na cidade que recebera ordens do príncipe de matar todos os que estivessem no prédio. “Se tivessem executado as ordens do Príncipe, teria morrido muito mais gente, pois ele mandara matar a todos quantos se encontrassem na Bolsa”. Atribui-se essa afirmação, no entanto, apenas ao desejo de não ver recair sobre si a ira dos envolvidos. Tobias Monteiro afirma que a ordem de agir militarmente provavelmente veio do príncipe enquanto o rei e os ministros se mostravam indecisos sobre a ação. Não há, no entanto, nenhum registro do conteúdo dela e tudo indica que qualquer instrução foi feita apenas oralmente (MONTEIRO, 1981, p. 341)
A principal hipótese sobre o ocorrido é a de que a repressão tenha sido planejada para garantir que o João VI não saísse do episódio com um ganho importante de simpatia e isso viabilizasse sua permanência definitiva no Brasil. Os doutrinadores não apontam para documentos que comprovem a hipótese, mas a partida do rei ocorreu três dias depois do episódio. Os acontecimentos haviam criado uma séria dificuldade com relação aos novos ministros apontados pelo monarca, e ele ainda temia por atentados à sua vida. O príncipe Dom Pedro e o Conde dos Arcos haviam sido os maiores vencedores nessa disputa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição de Cádiz vigeu no Brasil por um período muito breve e essa ocorrência não trouxe consequências sérias sobre o ordenamento jurídico ou as instituições brasileiras. Por outro lado, o uso dessa norma demonstra o quanto às ideias liberais haviam se desenvolvido no Brasil. O país ia rapidamente se tornando um adepto das ideias europeias, não era um movimento que afetasse somente as elites, mas também a população desejava uma Constituição.
A escolha da Constituição de Cádiz não foi acidental. Ela era uma das normas mais influentes daquele período e fora extensivamente utilizadas pelos portugueses em sua revolução. Apesar da pouca relevância com a vigência, foram com as suas disposições que ocorreram as primeiras eleições gerais do Brasil e mais tarde, ela ainda teria alguma influência sobre o projeto da Assembleia Constituinte dissolvida. A norma servia de inspiração para a população de diversos países, inclusive o Brasil.
O cenário da outorga apresentado pelos historiadores é conturbado. Os fatos apresentados demonstram um ambiente de instabilidade da família real. A decisão de João VI em discutir sua escolha de ministros com a população dificilmente teria ocorrido sem as pressões por sua volta a Portugal ocorrendo. Por seu lado, parece que as decisões do príncipe Dom Pedro foram fundamentais para que o desenrolar violento do episódio se concretizasse. Os movimentos políticos do início dos anos 1820 foram determinantes para criar o ambiente no qual uma pequena revolta da população fosse o suficiente para que a Constituição espanhola vigesse no Brasil.
A outorga e o curto período de vigência da norma são, em suma, a consequência de fatores importantes na história do Brasil. Devem ser considerados o grande apelo popular que o liberalismo tinha enquanto estavam ocorrendo esses fatos. Logo seria escrita a Constituição do Império, em 1824, ainda sob alguma influência espanhola.
Também é importante demonstrar que a norma da Espanha pode ter sido relevante para a elaboração de outros textos normativos daquele período, pois ela era fonte de inspiração.
O texto espanhol não teve influência direta sobre o ordenamento jurídico brasileiro durante sua vigência, mas indiretamente ele serviu como guia para importantes ideias de liberdade. O Direito Constitucional deve ver na Constituição de Cádiz um marco importante imediatamente anterior à primeira norma fundamental escrita no Brasil e um elemento relevante para a sua compreensão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Acadêmico concluinte do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Matteus Albuquerque. A meteórica vigência da Constituição de Cádiz (1812) no reino do Brasil (1821) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52481/a-meteorica-vigencia-da-constituicao-de-cadiz-1812-no-reino-do-brasil-1821. Acesso em: 30 out 2024.
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