DR. RODRIGO FRESCHI BERTOLO
(Orientador)
RESUMO: A terra e o homem, com seus direitos humanos são destaques do que pretendemos desenvolver, haja visto que a terra sempre foi um bem muito significativo desde que a mesma passou a ser um lugar que poderia ser seu. O Estado, a partir desse momento, aparece como órgão de regulamentação, isto é, aquele que visa propiciar o bem comum. Iniciamos a referida proposta com o início da história humana, quando todos viviam em comunidades, buscando o essencial para a sobrevivência de todos. Enfatizamos a história dos diferentes povos e sua relação com a terra. Voltamo-nos com a vivência do homem em terras brasileiras, com a divisão do território brasileiro em grandes lotes, doados a donatários, as sesmarias, que deram origem ao que hoje chamamos de latifúndios. Destacamos as Constituições Federais que foram implementadas no Brasil, enfatizando a Constituição Federal de 1988, que salientou de forma significativa a questão da terra, da Reforma Agrária, das formas de desapropriação. Foram os movimentos sociais e suas características, destacando o MST – Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra. Analisamos a ânsia para a conquista da terra, os assentamentos, as invasões, muitas vezes truculentas, e os pequenos agricultores ambientalistas são expulsos de sua pequena propriedade.
Palavras-Chave: Terra; Homem; Latifúndios; Constituição; Desapropriação.
ABSTRACT: Land and man, with their human rights are highlights of what we intend to develop, since land has always been a very significant asset since it has become a place that could be yours. The State, from that moment, appears as a regulatory body, that is, that which aims to promote the common good. We began this proposal with the beginning of human history, when all lived in communities, seeking the essential for the survival of all. We emphasize the history of different peoples and their relationship with the land. We return with the experience of man in Brazilian lands, with the division of Brazilian territory into large lots, donated to donatarios, the sesmarias, which gave rise to what we now call latifundia. We emphasize the Federal Constitutions that were implemented in Brazil, emphasizing the Federal Constitution of 1988, that emphasized in a significant way the land issue, the Agrarian Reform, the forms of expropriation. It was the social movements and their characteristics, highlighting the MST - Landless Workers' Movement. We look at the craving for land grabbing, settlements, often gruesome invasions, and small-scale environmentalist farmers are driven out of their small property.
Keywords: Constitutions; Agrarian Reform; Property; Invasions.
A terra sempre foi um bem para o homem desde que começou a viver em sociedade. A partir do momento “em que o homem chegou em um pedaço de terra e disse isso aqui é meu, criou-se a propriedade privada”, conforme Rousseau (apud LIBERATO, 2003, p.15). Para viver em sociedade há necessidade da instalação de normas, através de um contrato social, que propicie a vivência harmônica entre os indivíduos. Criam-se então, regras e limites que cerceiam o livre arbítrio da pessoa para que seja possível criar uma paz social.
E, como principal órgão de regulamentação surge o Estado, que visa propiciar o bem comum da coletividade.
O objetivo primordial do que pretendemos enfatizar é analisar as soluções adotadas no Brasil para que os homens que incessantemente lutam por esse bem que é a terra, que desde sempre significou status e riqueza, seja distribuída equitativamente entre os que nela possam trabalhar e produzir riquezas.
Antigamente o possuidor de terras era o grande detentor do poder. Atualmente não é tão diferente, haja visto que existem grandes proprietários de terras, detentores do poder, manipulando milhares de pessoas para poderem alcançar seus objetivos.
Especificamente nos deteremos à análise das várias Constituições Brasileiras que enfocaram o direito à terra e, em particular, vamos analisar os ditames previstos na Constituição Federal de 1988, que ressaltam aspectos significativos da reforma agrária, com a finalidade de buscar soluções relativas aos problemas da terra.
Analisar a política de assentamento proposta pela referida legislação que vai de encontro aos anseios dos movimentos sociais do homem do campo, que luta pela terra é nossa proposta, bem como a constatação de muitos conflitos que envolvem essa busca em todas as regiões brasileiras, e constata os recursos que o governo federal vem utilizando para resolver esse problema socioeconômico e político.
No início da história humana constatamos que todos viviam em comunidade, utilizando bens e objetos comuns. A terra e os instrumentos de convivência eram utilizados de forma coletiva, todos podiam usufruir, conforme critérios pré-estabelecidos.
A razão de tal fato era em função de que as tribos possuíam uma vida nômade, sem apego aos bens materiais e sem que os mesmos devessem pertence-los. Almejavam uma vida digna para sobreviverem. Buscavam o alimento, fato este que podia causar discórdia entre as pessoas.
As tribos e/ou comunidades chegam a um momento que o sedentarismo toma lugar da situação nômade em que viviam. Este foi o momento em que começam a pensar em delimitar o espaço territorial, principalmente aquele que propiciasse mais facilmente a conquista do alimento.
Conquistando novos espaços, as tribos se organizam em comunidades e começam a elaborar normas intensas, com delimitação de espaços, direitos e obrigações de cada um.
E a família, por dever e por religião fixa-se ao solo tanto como o próprio altar e este fortemente ligado ao solo, estreita relação se estabelece, portanto, entre o solo e a família.
Mais tarde, com a junção das várias comunidades, surge um novo contrato social, com direitos sobre as terras de cada comunidade e de cada pessoa.
No Egito cabia ao faraó, que representava os deuses diante dos homens, a distribuição da terra. A característica principal era o uso coletivo da terra.
Na Babilônia havia o Código de Hamurabi, que continha normas sobre a organização e distribuição da terra.
Tanto na Grécia como em Roma, a agricultura representou o principal modo de produção, sustentando as economias das grandes cidades. O direito à terra estava relacionado com a religião e a família.
Já, no sistema feudal, na Idade Média, vinculava-se o cultivador à terra cultivada, sistema este que se tornou dominante em toda Península Ibérica, durante séculos. A relação de compromissos entre o senhor feudal e o vassalo impedia que este fixasse em terras ainda sem donos. Mas, o direito passa a reconhecer interesse dos socialmente mais fortes.
Os senhores feudais possuíam não só poderes territoriais, como também poderes políticos. Eram os únicos titulares de direitos. Aos vassalos cabia os deveres de trabalhar, guerrear e de fidelidade. Havia uma situação de domínio jurídico-feudal.
Pode-se afirmar que o feudalismo foi o sistema econômico responsável pela concentração da terra e caracterização da propriedade como um direito subjetivo, absoluto, do indivíduo que a possui.
No sistema feudal disputava-se a primazia da terra, reconhecida como a principal fonte geradora de riquezas, cuja propriedade constituía privilégio do clero e da nobreza.
Com a superação do sistema feudal e com o crescimento das cidades, os conflitos passaram a ser mais frequentes, pois praticamente não existiam direitos destinados a uma parcela da população.
Afastou-se a ideia de que a terra possuía um caráter divino, ampliando para um significado de acumulação de riquezas, enfatizada pelo Capitalismo.
Neste momento a terra seria um bem a ser aquisicionado, passando a ter um caráter econômico a ser adquirido.
O capitalismo surge a partir do momento em que o excedente de produção passou a ser comercializado como fonte de renda. Os proprietários passam a utilizar suas terras e sua produção para a acumulação de riquezas. O direito à terra é mantido como um direito exclusivo, ilimitado e perpétuo.
Na Idade Contemporânea, em função de evidentes desigualdades sociais, o direito à terra passa a ter um cunho mais social.
Com a vinda cabralina para o Brasil ficou o clero como um avalista das novas terras e um credor exigente da Coroa Portuguesa.
Joaquim Luiz Osório destaca que os índios eram legítimos senhores do território. No entanto, os reis de Portugal e Espanha, sabedores das terras brasileiras, dividem-na através de um ato jurídico, um tratado internacional em quinze grandes lotes, as chamadas capitanias, instaurando os donatários, que deviam realizar um pagamento do dízimo.
Esse sistema de sesmarias tinha como intuito a colonização da terra recém-descoberta, mas na realidade este regime visava reverter ao poder público lucros, pois os donatários deviam ter posses.
Apesar de não existir o intuito de reforma agrária, os objetivos das sesmarias foram atingidos: retirar todo lucro possível das terras.
Seguindo ao sistema das sesmarias aparece o Regime de Posses. Com este regime o indivíduo entrava na parte da terra, pública ou privada, cultivando-a, realizando melhorias, então, o seu título era reconhecido.
Com a concentração de terras pelas sesmarias, acabou determinando a criação de latifúndios, causando desconforto à população. As terras incultas passam a ser consideradas terras devolutas, isto é, terras sem ocupação, que não possuíram um título de propriedade legitimado pelo Poder Público.
Conforme o Decreto 1.318 de 30/01/1854, as terras devolutas passam a integrar o patrimônio público.
Após a Constituição de 1891, foi legado aos Estados, a competência para distribuição das terras volutas.
Vários movimentos sociais agrários tentam reivindicar as terras devolutas, isto é, objetivam extinguir os latifúndios e ter acesso às terras. Podemos afirmar que esses movimentos buscaram a Reforma Agrária.
Com a proclamação da República, em 1889, pouco mudou essa situação, isto é, grandes fazendas, muitas improdutivas, sem nenhum interesse social da terra, permanecendo como um fator de status e poder dos proprietários.
Sabedores somos que a reforma agrária é um programa constitucional de promoção de igualdade entre cidadãos ou grupos familiares que se dedicam à atividade rural, ou pretendem seguir a atividade rural.
São elementos da Reforma Agrária a terra, a política agrícola e o homem. O homem que deve ser o centro das atenções em qualquer programa de reforma agrário. A reforma agrária não se faz apenas com a distribuição de terra. Implica uma política de desenvolvimento que priorize o homem, dando-lhe condições efetivas de aproveitamento da terra.
Esta foi a primeira Constituição do Brasil – República e em seus ditames dispõe em seu Art. 72 no §17 “ O direito da propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia”.
A constituição do Império de 1824 garantia a propriedade privada de forma absoluta. O proprietário tinha pleno direito de usar, fruir e dispor da propriedade de maneira que lhe aprouvesse, não estando adstrito a qualquer limitação imposta pelo Estado ou pela sociedade. (LIBERATO, 2003, p.49-50).
Agora, com a Constituição Federal de 1891, as terras devolutas, até então “nacionais” passaram a pertencer, igualmente, aos Estados em que estivessem situadas, ressalvadas aquelas incrustadas na faixa de fronteira e necessárias à defesa das fortificações, construções militares e estradas de ferro federais, seriam de domínio da União. Passaram essas terras a ter legislação própria em cada Estado, que baixaram suas leis dispondo sobre suas terras.
“Essa Constituição manteve a plenitude da propriedade privada, tendo restringido, no entanto, o direito absoluto em duas hipóteses, quais sejam a desapropriação por necessidade ou utilidade pública. “ (GODOY, 2003, p. 42).
Essa Constituição inseriu no quadro brasileiro os direitos políticos, rompendo com a estrutura vigente, legando à comunidade uma situação mais socialista. Ampliou o leque das possibilidades de desapropriação da propriedade, não mais encarando a terra como um direito absoluto de seu legítimo possuidor, mas como um direito social adstrito a certos limites impostos pelo Estado.
Então, a referida Constituição enfatizou não só a desapropriação por necessidade e utilidade pública, como também o uso da propriedade particular até onde o bem público o exija, em caso de guerra ou comoção intestina, com o direito de indenização posterior.
A Constituição Federal/1934 inspirou uma conotação social ao direito de propriedade.
A quarta Constituição Brasileira da era republicana e quarta do país foi promulgada a 18/09/1946 e reflete de modo preciso todo o quadro social e político do mundo e do Brasil, quadro decorrente do mais sangrento conflito – a 2ª Guerra Mundial – que a face da Terra jamais conheceu, quando se confrontaram de um lado, o Eixo Berlim – Roma – Tóquio e, de outro lado, os aliados, que se uniram contra o espírito autoritário de Hitler, que pretendia dominar o mundo e impor pela força uma nova ordem, utópica e absurdo Reich de mil anos!
A Carta Magna de 1946 toma como paradigma o modelo delineado em nossa Primeira Constituição da República, conjugada com a orientação da Constituição de 1934.
A Constituição Federal de 1946 veio a inovar a Constituição de 1934, ampliando hipóteses cabíveis para desapropriação.
“A propriedade agora, deveria atender ao bem-estar sociável, isto é, estar consonante com o bem comum, o seu exercício deveria estar aliado aos interesses da sociedade. ” (LIBERATO, 2003, p.59).
A Constituição Federal de 1967 manteve o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, facultando-se ao expropriador aceitar o pagamento em título da dívida pública, com cláusula de exata correção monetária.
Constata-se que com a referida Constituição a função social da propriedade foi concebida como princípio de ordem econômica e social. Confirmemos os ditames do Art. 153, §22: “ é assegurado o direito de propriedade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no Art. 161, facultando-se ao expropriador aceitar o pagamento em títulos da dívida pública, com cláusula de exata correção monetária. Em caso de perigo público iminente, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior”. (LIBERATO, 2003, p.51-52).
“A referida Constituição Federal considerou a propriedade não como um direito absoluto, mas como um direito fundamental adstrito aos ditames impostos pelo poder público. “ (LIBERATO, 2003, p.51-52).
A propriedade deixou de ser considerada como um direito individual ou como uma instituição de direito privado e passou a ser vista como uma instituição de ordem econômica ou como instituição das relações econômicas.
Diferentemente das constituições que antecederam a Carta Magna de 88, que inseriam o direito de propriedade dentro do capítulo dos direitos em geral, inseriu o direito de propriedade no rol dos direitos fundamentais, ressaltando a proteção dada a este direito e a importância do interesse social ínsito na propriedade. (LIBERATO, 2003, p.55).
É previsto que não basta que o indivíduo seja o legítimo proprietário, é preciso, no entanto, que utilize sua propriedade em atendimento à função social.
Nessa Carta Magna, a Reforma Agrária recebeu uma atenção especial. No título VII, Cap.III, trata da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária. A questão agrária recebe um capítulo exclusivo.
Constatemos a seguir:
Art. 184 – Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
§ 1º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
§ 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fim da reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.
§ 3º Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.
§ 4º O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício.
§ 5º São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária. (LIBERATO, 2003, p.55).
O Art. 185 estabelece as propriedades que são insuscetíveis para fim de reforma agrária. O Art. 186 enfatiza o aspecto referente à função social da propriedade, e o Art. 188 prescreve que a destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária. (LIBERATO, 2003, p.56).
O Art. 191 prescreve que aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, aérea de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á propriedade. E em seu parágrafo único estabelece que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (LIBERATO, 2003, p.59).
Conclui-se que, segundo normas da Constituição Federal de 1988, não há garantia da propriedade, mas sim, garantia do interesse da coletividade, haja vista a existência de um caráter limitador da propriedade, qual seja, a função que deve estar adstrita a alguns requisitos para sua ocorrência. (LIBERATO,2003, p.59).
A Constituição Federal garante que o titular de uma propriedade pode usar, gozar e dispor do que lhe pertence. No entanto, o interesse social, às vezes, determina a limitação, supressão ou transferência forçada do objeto da propriedade.
Nesse caso podemos enfatizar o que é desapropriação. Desapropriação seria a ação ou resultado de despojar alguém compulsoriamente, de sua propriedade, retirando-lhe o domínio desta.
A desapropriação seria o ato através do qual a autoridade pública competente, nos casos prefigurados em lei e mediante indenização, determina a transferência da propriedade particular a quem dela vá se utilizar em função da necessidade pública, do interesse social e do interesse social para fins de Reforma Agrária.
Juridicamente, desapropriação constitui o procedimento por meio do qual o Poder Público, utilizando-se do “jus imperii” desapossa alguém de sua propriedade, adquirindo-lhe, compulsoriamente, o domínio, desafetando-a do domínio particular, mediante indenização, por muitos admitida como desapropriação.
Os doutrinadores afirmam a existência da desapropriação entre os romanos. Na verdade, se consideramos o grande volume de obras públicas realizadas por aquele povo de conquistadores, razoável é que assim fosse. Entretanto, o direito romano não deu à desapropriação o tratamento sistemático dispensado a outros institutos jurídicos.
Na Idade Média também vigorava o direito do mais forte e o alveário caprichoso dos monarcas. A propriedade se achava em poucas mãos: os nobres e o clero ou corporações religiosas. O conceito de Estado ainda era tênue.
Foi Accursio que lançou as bases de uma teoria de desapropriação, mediante pagamento em caso de necessidade ou utilidade pública. Universalizou-se o princípio, contudo no início da Idade Contemporânea, com a Revolução Francesa.
“No direito brasileiro a desapropriação pode acontecer nos casos de necessidade pública, utilidade pública e interesse social. ” (ROCHA, 1992, p.50).
Assim sendo, os tipos de desapropriação sob o prisma indenizatório, podem ser em dinheiro nos casos de necessidade pública e utilidade pública e título da dívida pública para os casos de interesse social e para os casos de desapropriação por interesse social para fins de Reforma Agrária dos imóveis que não estiverem cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária.
O Art. 184 da Constituição Federal de 1988 dispõe que compete à União desapropriar por interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social mediante indenização de títulos da dívida agrária.
O Art. 185 da Constituição Federal de 1988 dispõe sobre as terras que são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária, sendo a pequena e média propriedade rural, desde que seu proprietário não possua outra e a propriedade seja produtiva.
“Para de definir o verdadeiro intuito de um movimento social, pode-se verificar se ele tem um caráter permanente ou passageiro, o que determina a unidade histórica ou, tão somente, o fato historicamente isolado. ” (LIBERATO, 2003, p.97).
É preciso então, definir o que seria um movimento social ou uma simples reinvindicação.
O conceito de movimentos sociais foi alvo de muitos pensadores, dentre eles Marx, Lenin, Touraine...
Algumas características põem ser observadas nos movimentos sociais, tais como:
- A existência, ou não, de liderança definida;
- A existência de um grupo relativamente organizado;
- Interesses, planos, programas ou objetivos comuns;
- Fundamentação nos mesmos princípios valorativos, doutrina ou ideologia;
- Desenvolvimento de uma consciência de classe ou uma ideologia própria;
- Objetivam um fim específico, uma proposta de transformação social ou uma alteração nos programas sociais vigentes.
Touraine afirma que “os movimentos sociais são os mais importantes comportamentos coletivos. ” (LIBERATO, 2003, p.98).
Constatamos que os movimentos sociais surgem quando um grupo de indivíduos se sentem insatisfeitos com a realidade atual em que vivem. Geralmente grupos desprivilegiados, dominados, subalternos, minorias.
Então, um movimento social vai se manifestar através de ações organizadas a fim de transformar o que almeja ser modificado.
Os participantes destes movimentos organizam associações, formam partidos políticos, participam de sindicatos existentes ou por eles criados.
Atualmente no Brasil podemos destacar vários movimentos sociais, como o dos ambientalistas, operários, estudantes, trabalhadores rurais e muitos outros.
Interessa-nos deter no Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, que constitui hoje, um dos mais significativos movimentos sociais, com uma ideologia norteante e objetivos comuns.
Movimento Popular visando implantar a Reforma Agrária não caracteriza crime contra o Patrimônio. Configura Direito Coletivo, expressão da cidadania, visando implementar programa constante da Constituição da República. A pressão popular é própria do Estado de Direito Democrático”. (HC-5574/SP-97.0010236-O-Relator. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro apud LIBERATO, 2003, p.15).
O movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra surgiu entre 1965 e 1985. O referido movimento constitui um dos mais significativos movimentos sociais atuais. Foi considerado um movimento social haja visto que é imbuído por uma ideologia que o norteia e. de certa forma. É organizado em torno de um objetivo comum.
Sem-terra qualifica uma situação de exclusão social, carente, que não possui acesso à terra. A Reforma Agrária veio de encontro a este grupo, que buscava um direito fundamental do homem, de possuir uma propriedade privada.
A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 a luta pela Reforma Agrária se tornou legalizada, pois estava legitimada pela referida legislação em vigor.
Bernardo Mançano Fernandes destaca que:
A luta pela reforma agrária é uma luta mais ampla, que envolve toda a sociedade. A luta pela terra é mais específica, desenvolvida pelos sujeitos interessados. A luta pela reforma agrária contém a luta pela terra. A luta pela terra promove a luta pela reforma agrária. (apud LIBERATO, 2003, p.116).
Como destacamos, com as sesmarias houve uma perpetuação da estrutura fundiária no Brasil, então, os movimentos sociais agrários passaram a ser vistos como subversivos à ordem econômica já estabelecida. A figura do líder foi marginalizada e a ele imputados crimes e os grupos passaram a ser chamados de bandos, quadrilha, esbulho possessório, subversivos.
A violência era, e ainda é, a principal relação entre o trabalhador rural e o proprietário da terra, na qual os jagunços são os principais agentes da truculência no campo.
Desta forma os movimentos sociais passaram a ser punidos e as violações dos direitos tornaram-se abusivas.
Podemos afirmar que a Igreja Católica teve um papel importante no apoio aos trabalhadores rurais pois as paróquias locais do interior do país se tornaram espaços privilegiados de discussão e organização dos mesmos.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) se tornou uma das primeiras organizações de caráter nacional que contribuiu na coordenação da luta contra as grandes propriedades.
Não podemos deixar de reconhecer uma sensível evolução no Direito brasileiro, no que se refere ao compromisso jurídico que deve existir entre o binômio terra-sociedade. Esse compromisso reside no fato de que, mesmo estando a propriedade em mãos particulares, o proprietário tem o dever de dar a essa propriedade destinação adequada e racional, para que a sua produção seja útil à sociedade.
Com a implementação de maquinários constatamos a modernização da agricultura no país. Como consequência muitas pequenas propriedades acabaram sendo vendidas para os vizinhos, grandes proprietários. Outro acontecimento foi o surgimento dos boias-frias, trabalhadores rurais autônomos passam a viajar na boleia de caminhões ou ônibus para realizar os trabalhos nas grandes fazendas.
Vale ressaltar que o Estado, que prima pelo princípio da legalidade, é o primeiro a violar os direitos humanos dos indivíduos, em virtude de um estigma social, pois o mesmo sistema que proporciona direitos fundamentais, os criminaliza quando aplicados na realidade e necessidade social que nos cerca.
É preciso afirmar que os donos de pequenas porções de terra, moradores que vivem de plantações voltadas à conservação do ambiente, da flora e fauna regionais são, muitas vezes, vítimas de “jagunços” armados que os ameaçam. As ameaças são ora com armas de fogo, tortura psicológica, fazendo-os deixar a terra e pedir proteção.
Por outro lado, Cabral dá enfoque a uma invasão realizada pelo MST e afirma que os crimes do movimento não são atos isolados:
Armados com foices, facões, estilingues, bombas, rojões, lanças, machados, paus e escudos, os sem-terra transformaram a Estância do Céu em um inferno. Alimentos e produtos agrícolas foram saqueados... Quatro dias depois, quando a polícia finalmente conseguiu retirar os sem-terra da fazenda, só sobraram ruínas... (CABRAL, 2009, p.46-50).
Bonim enfatiza que
[...] as roupas, os carros e as caminhonetes estacionados ao lado das barracas construídas com toras de madeira revelam hoje que o perfil do MST mudou radicalmente nos últimos anos. É uma geração de invasores, que usa tênis de marca, tem celular, motos e caminhões para ajudar no trabalho pesado. Estão fortemente abastecidos de suprimentos enviados pelas cooperativas ligadas ao movimento. A ocupação é o atalho pelo qual muitos filhos de assentados esperam deixar a casa dos pais para construir o próprio patrimônio. Uma vez assentados, os sem-terra criam os filhos para ser os invasores do amanhã. Então, sempre haverá novos sem-terra e mais invasores. (BONIM, 2014, p.52-55).
Segundo Carlos Frederico Máres de Souza Filho:
A terra ainda é sinônimo de vida, apesar de tanta matança ter havido em seu nome. É a vida não só porque oferece frutos que matam a fome, mas porque purifica o ar que se respira e a água que se bebe. Fosse pouco, dá ainda o sentido de viver humano, sua referência, sua história, sua utopia e seu sonho”. (apud LIBERATO, 2003, p.9).
Constata-se que o regime das capitanias hereditárias e das sesmarias deu origem à concentração de grandes porções de terra, e que a Lei de Terras, de 1860, deu continuidade a esta política de exclusão, pois o imigrante e o negro eram impossibilitados de possuí-las.
Consequentemente, até os dias atuais, permanece a concentração de grandes extensões de terra, em poucas mãos. Tal fato nos leva a uma reflexão sobre a evolução da ocupa~]ao territorial brasileira e as consequências atuais. Percebe-se então que esse sistema significou a manutenção dos latifúndios.
A Constituição Federal de 1988 ao definir a reforma agrária como um direito humano fundamental e propor a desapropriação por interesse social, possibilitou aos indivíduos a almejarem a aquisição, com dignidade, da terra.
A política agrícola deve merecer atenção especial dos agentes públicos, pois só vai acontecer a reforma agrária se houver uma distribuição coerente da terra e uma otimização para que seja utilizada de forma correta. A reforma agrária não pode somente visar a distribuição de terra, mas criar condições efetivas para que haja um eficiente aproveitamento da mesma. Concluindo, a reforma agrária deveria buscar condições dignas de vida do homem e da terra.
Constata-se de que a reforma agrária é um direito humano, a pressão popular para que se efetive o referido programa passou a ser visualizado como subversiva à ordem vigente e como consequência os movimentos populares da reforma agrária são visualizados como subversivas e seus partícipes, indivíduos criminalizados, inicialmente apenas a figura do líder e depois todo o movimento social em si é visto como crime e seus integrantes, meros criminosos.
Mas, constitucionalmente, percebe-se que não só a terra, mas também a desapropriação são direitos fundamentais do homem. Então, os movimentos sociais que buscam a reforma agrária são movimentos legítimos frente aos ditames da Carta Magna de 1988.
O Estatuto da Terra surgiu em 1964 e reside em lei efetivamente agrária, que se aplicada convenientemente poderia não só modificar a estrutura social do meio rural brasileiro, como também levaria a mudança do pensamento egoístico e concentrador dos proprietários rurais que preferem conservar seus latifúndios a cedê-los em benefício comum de reforma agrária e consequentemente da sociedade.
O conceito de Reforma Agrária no Estatuto da Terra enfatiza que seria um conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificação no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento da produtividade, estabelecendo relações entre o homem, o uso da terra, para efetivar a justiça social e o bem-estar do trabalhador rural.
Sem dúvida alguma, o Estatuto da Terra representou um grande avanço em nível jurídico, todavia muito pouco à nível jurídico, todavia muito pouco à nível social, vez que o seu objetivo maior que consiste na mudança jurídico-social, não aconteceu. Os proprietários rurais que sempre representaram uma grande força política, intervindo eficientemente junto às autoridades estatais, responsáveis pela implantação do sistema agrário previsto no Estatuto, concorreram para o comprometimento de sua eficácia.
Conclui-se afirmando que é totalmente ilegítima e ilegal qualquer criminalização dos movimentos sociais agrários, haja visto que, estando dentro de um Estado Democrático de Direito, que acolhe a pressão popular como direito fundamental do cidadão, qualquer ruptura nesse interesse difuso constitui verdadeira violação aos direitos humanos, sendo passível de punição a sanção. Outra face da disputa pela terra ainda é evidenciada através de atitudes violentas de grileiros e latifundiários e trabalhadores assentados, em constantes conflitos relativos à posse da terra.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: Bruna. Reforma agrária: o homem em busca da terra Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52987/reforma-agraria-o-homem-em-busca-da-terra. Acesso em: 19 out 2024.
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