1. Introdução
O Código Tributário Nacional – CTN, artigo 3°, conceitua o tributo como sendo “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Assim, qualquer prestação pecuniária obrigatória que não seja multa, resultante de lei, cobrada com observância do princípio da legalidade, pode ser configurada como tributo, sendo a mais importante receita do Estado.
As taxas correspondem a uma das espécies de tributo classificado como receitas correntes na classificação das receitas públicas, sendo decorrentes do poder impositivo do ente público (HARADA, 2017).
Segundo a Constituição Federal – CF, art. 145, II e o Código Tributário Nacional, art. 77, todos os entes poderão instituir taxas em razão do exercício do poder de polícia ou pela efetiva ou potencial utilização de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua utilização.
Desse modo, concluímos pela existência de duas diferentes modalidades: taxa de polícia e taxa de serviços públicos.
Nessa linha, as taxas são tributos retributivos ou contraprestacioniais (ALEXANDRE, 2020), assim, vinculadas a uma atividade estatal, não podem ser cobradas sem o poder de polícia ou serviço específico e divisível prestado ou posto à disposição do contribuinte.
O ente competente para instituir e cobrar a taxa é aquele que presta o serviço ou que exerce legitimamente o poder de polícia, não podendo cobrar sem tais pré-requisitos, isto é, as duas opções de atividades (FÉLIX; HENRIQUE, 2018).
Posto isso, a necessidade de arrecadar pode provocar em tributos cobrados sem a devida atenção legal. Recentes julgados a respeito de taxas inconstitucionais mudaram rumos jurídicos e podem impactar em taxas consideradas atualmente como constitucionais.
Antes de analisar as ditas taxas inconstitucionais, faz-se relevante primeiramente diferenciar seus tipos.
2 Desenvolvimento
2.1 Da taxa de polícia
Na taxa de polícia, o fato gerador é o exercício regular do poder de polícia (atividade administrativa), fundamentado no princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado (ALEXANDRE, 2020).
O poder de polícia precisa ser regular, desempenhado em consonância com a lei, sem abuso ou desvio de poder. Além disso, não há necessidade de fiscalização in loco para concluir a efetividade do exercício. (FÉLIX; HENRIQUE, 2018).
O Supremo Tribunal Federal – STF já se manifestou nesse sentido, vejamos:
[...] 3. Suposta violação ao artigo 145, inciso II, da Constituição, ao fundamento de não existir comprovação do efetivo exercício do poder de polícia. [...] 5. A regularidade do exercício do poder de polícia é imprescindível para a cobrança da taxa de localização e fiscalização. 6. À luz da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, a existência do órgão administrativo não é condição para o reconhecimento da constitucionalidade da cobrança da taxa de localização e fiscalização, mas constitui um dos elementos admitidos para se inferir o efetivo exercício do poder de polícia, exigido constitucionalmente. Precedentes. [...] 9. É constitucional taxa de renovação de funcionamento e localização municipal, desde que efetivo o exercício do poder de polícia, demonstrado pela existência de órgão e estrutura competentes para o respectivo exercício, tal como verificado na espécie quanto ao Município de Porto Velho/RO. [...] (RE 588322, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 16/06/2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-164 DIVULG 02-09-2010 PUBLIC 03-09-2010 EMENT VOL-02413-04 PP-00885 RTJ VOL-00224-01 PP-00614 RIP v. 12, n. 63, 2010, p. 243-255 RT v. 99, n. 902, 2010, p. 149-157)
(Grifos nossos)
Assim, o STF passou a enxergar constitucionalidade, nesta modalidade de taxa, quando apenas existir o exercício presumido do poder de polícia (NOVAIS, 2018).
2.2 Da taxa de serviços públicos
Na taxa cobrada em virtude da utilização de serviços públicos, o CTN diferencia serviço específico e divisível e utilização efetiva e potencial:
Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o art. 77 consideram-se:
I – utilizados pelo contribuinte:
a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;
b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa
em efetivo funcionamento;
II – específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade
públicas;
III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuário.
(Grifos nossos)
Podemos afirmar por “especificidade” a capacidade de identificar quais serviços públicos são prestados; por “divisibilidade”, as pessoas que individualmente estariam usufruindo deles (NOVAIS, 2018). São requisitos cumulativos.
Quanto à utilização efetiva ou potencial, temos que a (i) utilização efetiva ocorre quando o serviço de fato é utilizado pelo contribuinte e a (ii) potencial, quando, mesmo não utilizado o serviço, considera-se potencialmente utilizado pelo contribuinte ou disponível para potencial uso.
Ainda, destacam-se as duas classificações de serviços públicos: uti universi (universais, coletivos, gerais) ou uti singuli (singulares, individuais).
Nos serviços públicos uti singuli (singulares), os usuários são identificados ou identificáveis e os serviços são prestados apenas a parcela determinada da sociedade. Corresponde ao art. 79, II e III, do CTN. Portanto, os serviços uti singuli são passíveis de cobrança de taxa.
Já nos serviços uti universi (universais), não há identificação dos usuários que tampouco são passíveis de identificação, a exemplo da segurança pública (NOVAIS, 2018). São serviços gerais ou genéricos, devendo ser custeados pelo próprio Poder Público por meio das fontes gerais de receita. Assim, tal forma de serviço impede a cobrança da taxa.
A princípio, ressalta-se que não são poucos os serviços que preenchem os requisitos motivadores da taxa de serviços, como os de luz, gás, esgotamento sanitário, entre outros. No entanto, tais ações estatais são comumente remuneradas por meio de tarifas, sujeitas a regime contratual, isto é, Direito Privado, receita originária (ALEXANDRE, 2020).
A jurisprudência não é uníssona sobre o tema, ora associando tais manifestações ao campo das taxas, ora ao campo das tarifas (SABBAG, 2018).
Não obstante, algumas taxas que não atendiam aos critérios legais estabelecidos eram cobradas, sendo posteriormente consideradas inconstitucionais. Vejamos.
2.3. Da taxa de iluminação pública e COSIP
Conhecida como “TIP”, muitos municípios instituíam e cobravam para o custeio do serviço de iluminação pública local.
Não obstante, considerando tal serviço público como indivisível, pois são prestados para todos e não apenas para os munícipes daquela região, inespecífico e não mensurável (BORBA, 2015), o Supremo decretou sua inconstitucionalidade (RE 231.764 e RE 233.332).
Inicialmente tivemos a edição da Súmula 670, elevada a força vinculante: súmula vinculante 41 – O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa.
É nessa linha que ensina Eduardo Sabbag (2018), o serviço de iluminação pública não é prestado a um número específico de contribuintes, mas a qualquer pessoa sobre a qual incidam os raios de luz, oriundos dos postes de iluminação públicos em áreas públicas.
Posto isso, buscando identificar uma figura tributária adequada ao ressarcimento da atuação estatal do serviço de iluminação pública, foi aprovada em 2002 a Emenda Constitucional n° 39, que criou o art. 149-A e seu parágrafo único, CF, autorizando a cobrança, pelos Municípios e Distrito Federal, de contribuição para o custeio deste serviço público:
Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.
Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.
Temos, então, a Contribuição para Custeio do serviço de Iluminação Pública – CIP ou COSIP. Trata-se de tributo de espécie “contribuições”, como uma contribuição sui generis, com diferença para as demais elencadas no art. 149, caput, da CF: contribuições sociais, corporativas ou interventivas.
A título de curiosidade, muitos municípios instituíram suas COSIPs em uma espécie de “reciclagem normativa”, aproveitando o teor das leis instituidoras das já inconstitucionais “taxas de iluminação pública”, (SABBAG, 2018).
Posto isso, o Projeto de Lei complementar municipal 3/2020[1] em discussão no Município de Criciúma – Santa Catarina, de autoria do vereador Zairo José Casagrande, acrescenta um parágrafo no artigo 421 da Lei Complementar nº 287/2018, que instituiu o Código Tributário do Município de Criciúma.
Pretende-se que os residentes em condomínios deixem de arcar com o custo financeiro da COSIP. Segundo o projeto, o condômino contribui para a "iluminação pública na conta de energia elétrica referente à sua unidade residencial e paga a mesma taxa na conta de energia do condomínio; resultando, neste sentido, recolhimento duplo de uma contribuição que deveria ser única, caracterizando-se por verdadeira injustiça tributária".
Em 24/08/2020, os vereadores aprovaram o projeto que encerra cobrança dupla da COSIP em condomínios, sendo aprovado com unanimidade na segunda discussão e votação no dia 25/08, já encaminhado ao Poder Executivo Municipal no dia seguinte.
2.4. Da taxa de incêndio
Em 2017, o STF declarou inconstitucional a cobrança de taxa de combate a incêndios por municípios[2]. Foi negado provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 643.247, interposto pelo Município de São Paulo contra a decisão do TJSP, sendo reconhecido como repercussão geral n° 16.
Nessa situação, o Tribunal entendeu que a prevenção e o combate a incêndios enquadram na função da segurança pública, que está cargo dos Estados.
Assim, a cobrança seguiu pelos Estados, baseando-se na Constituição Federal, art. 144, que atribui aos Estados, por meio dos Corpos de Bombeiros Militares, a execução de atividades de defesa civil, incluindo a prevenção e o combate a incêndios.
Por ser serviço essencial, há entendimento no sentido de que a arrecadação deveria se dar por meio de impostos, não cabendo a criação de taxa para esse fim, porém por “serviço essencial”, temos a taxa de coleta de lixo, isto é, taxa.
Nessa linha, algumas discussões passaram a se concentrar na base de cálculo da taxa e na possibilidade de cobrança pela mera disponibilização do serviço, sem necessidade de comprovação do uso individualizado (ALEXANDRE, 2020).
Em decisão no dia 17/08/2020, o STF julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 4411. A Corte declarou inconstitucional a cobrança da taxa de incêndio em Minas Gerais, pedido formulado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.
Destaca-se a possibilidade de declaração do direito a compensação e restituição dos tributos recolhidos nos últimos cincos anos, contados a partir do ajuizamento do processo.
Entendemos que o serviço de prevenção e combate a incêndios não pode ser custeado por taxa pela seguinte questão: o serviço é indivisível, daí a mesma razão para a segurança pública não ser custeada por taxa.
Trata-se, assim, de uma manobra utilizada pelo Estado de Minas Gerais objetivando disfarçar de taxa a cobrança de tributo. Na prática, diversas “pseudotaxas”, que não passavam de impostos disfarçados, eram cobrados por entes que às vezes sequer tinham competência para instituí-los (MACHADO SEGUNDO, 2018).
Tal manobra é resultada da sede arrecadatória da Administração, que visa aumentar a base arrecadatória e, por diversas vezes, vê a figura do pagador de tributos como inimigo a ser combatido e usa a execução fiscal como meio de punição.
Em sentido similar, esperamos que venha a ser superada a súmula 549 do STF, editada em 1969, que considera constitucional a taxa de bombeiro do Estado de Pernambuco.
3. Conclusão
A instituição das taxas deve ser valorada considerando que a despesa pública decorrente dos fatos geradores da taxa não deve ser suportada por toda a coletividade, apenas pelo grupo de indivíduos que provoca ou que com ela se beneficia.
Apesar da base de arrecadação do Município ser a menor, a Administração Pública não deve instituir qualquer tributo para angariar recursos, existem princípios e regras instituídos pela própria Administração.
Se o objetivo é arrecadar mais e, por arrecadar mais, entende-se arrecadar melhor, faz-se necessário estudo sobre a gestão tributária e também sobre a recuperabilidade do crédito tributário, trata-se da ecologia tributária.
Em termos de Administração Tributária, não se deve atentar apenas para o valor arrecadado, deve ser observado também o quanto se gasta para arrecadar, é o custo de oportunidade. Ao instituir um tributo sem o devido cuidado, corre-se o risco de pagar para arrecadar, nos casos em análise, pagar para devolver; é quase um empréstimo feito ao pagador de tributos.
A compensação ou restituição de tributos causa frustração do crédito e sobrecarga de processos judiciais tributários, que já passam anos tramitando, sem a tangível possibilidade de resolução da lide.
Há sérios desastres/prejuízos para os cofres públicos ao devolver recursos dos últimos cinco anos, além dos honorários advocatícios, principalmente em âmbito municipal.
Não nos posicionamos contra a restituição, é direito, visto que foi julgado inconstitucional. O pagador de tributos deve pagar cada centavo devido à Administração, mas deve ser um tributo legal, isto é, constitucional.
Referências
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário. 14 ed. re., atual. e ampl. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
BORBA, Claudio. Direito tributário. 27° ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.
FÉLIX, Gláucia Vieira; HENRIQUE; Márcio Alexandre Ioti. Direito tributário - direito constitucional tributário. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2018.
HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 26° ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de direito tributário. 10° ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018.
NOVAIS, Rafael. Direito tributário facilitado. 3ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.
SABBAG, Eduardo. Código tributário nacional comentado. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.
[1] Para a integralidade do projeto, acessar: https://sc-criciuma-camara.ad.sistemalegislativo.com.br/api/processo-geral-pdf/288cc0ff022877bd3df94bc9360b9c5d. Acesso em 26/08/2020.
[2] Para a integralidade da notícia, acessar: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=344324&tip=UN. Acesso em 26/08/2020.
Bacharel em Direito pela faculdade Imaculada Conceição do Recife - FICR. Pós-graduada em Direito Tributário Municipal pelo IAJUF. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALDAS, Mirela Reis. Taxas inconstitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 set 2020, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/55256/taxas-inconstitucionais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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