FLÁVIA MALACHIAS SANTOS SCHADONG[1]
(orientadora)
RESUMO: O artigo demonstra por meio de jurisprudências, princípios, entendimentos doutrinários, documentos e decisões que existe um vácuo legislativo frente às criptomoedas e as moedas virtuais no cenário brasileiro. A não regulamentação das criptomoedas no Brasil demonstra a erma não somente a questão da sua normatização, mas também aplicações em processos de execuções que poderiam incluir a criptomoeda como meio de constrição. A inércia referente a um veredito sobre a regulamentação e a aplicação comprova como o sistema judiciário atual está obsoleto em relação às outras potências que utilizam pacificamente a criptomoeda. Essa estagnação é fruto de uma passividade ao tentar classificar a criotomoeda, pois não há nenhuma decisão a respeito da natureza jurídica da mesma. Não se sabe se pode chamar de moeda, ativo financeiro, título, bem ou patrimônio. Logo, o presente artigo busca, não somente, fazer uma crítica em relação à falta de regulamentação das criptomoedas e moedas virtuais, mas também equipara-las em bens possíveis de constrição, ou seja, reconhecidas juridicamente como bens de valor de mercado.
Palavras-chaves: constrição; criptomoeda; moedas virtuais; regulamentação;
ABSTRACT: The academic article demonstrates by means of case law, principles, doctrinal understandings, documents and decisions that there is a legislative vacuum against cryptocurrencies and virtual currencies in the Brazilian scenario. The fact that cryptocurrencies are not regulated in the country, demonstrates the gap not only with the issue of regulation, but also with applications in execution processes that could include cryptocurrency. The inertia about a regulatory decision and the application shows how the current judicial system is obsolete in relation to other countries that use cryptocurrency peacefully. This stagnation is the result of a passivity in trying to classify cryptocurrency, as there is no decision regarding its legal nature in Brazil. It is not known whether it can be called currency, financial asset, security, asset or equity. Therefore, this article seeks not only to criticize the lack of regulation of cryptocurrencies and virtual currencies, but also to equate them in possible constricting goods, that is, legally recognized as goods of market value.
Key-words: Constricting goods; cryptocurrencies; virtual currencies; regulation;
SUMÁRIO: Introdução. 1- Da natureza juridica da criptomoeda. 2- Jurisprudência aplicada. 3- Legislação estrangeira sobre a moeda virtual. 4- Evolução dos meios de constrição. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Na atual conjuntura, o uso da tecnologia passou a ser um instrumento de suma importância para as relações sociais e comercias entre pessoas. Muito se fala em como a tecnologia se desenvolveu e como facilitou a vida de todos, contudo ainda se observam assuntos relacionados ao tema que não acompanharam tal avanço, que é o caso da falta de legalização das criptomoedas no judiciário brasileiro, e por consequência o seu não reconhecimento como meio executório. Diante da dificuldade de equilíbrio entre a modernidade e o judiciário surge o questionamento: de que forma a constrição de criptomoedas poderia ser uma alternativa para o judiciário?
A principal dificuldade encontrada entre os juristas e doutrinadores é a respeito da classificação da criptomoeda, pois existe uma grande dificuldade em enquadrá-la numa categoria específica de mercado, uma vez que suas características variam dependendo da forma em que é empregada. Logo, definir sua natureza jurídica é uma tarefa árdua.
De acordo com Satoshi Nakamoto, um dos criadores do Bitcoin, as moedas virtuais são grandes cadeias de informações criptografadas que permitem transações sem nenhum intermediário realizadas pelo sistema blockchain, sistema esse que protege a privacidade e a segurança dos transacionadores.
Logo, a criptomoeda compartilha uma série de aspectos similares a outros institutos jurídicos econômicos, podendo então, ser aplicado o princípio da analogia dependendo do modo em que é utilizada. Dessa forma, é possível afirmar que a criptomoeda possui uma natureza jurídica variável dependendo do contexto em que está sendo executada.
Em 2015 foi apresentado um Projeto de Lei perante a Câmara dos Deputados, PL 2303/2015, no qual dispõe sobre a inclusão das moedas virtuais e programas de milhagens aéreas como “arranjos de pagamento” que serão supervisionados pelo Banco Central. As principais justificativas para o projeto de lei são o destaque nas operações financeiras atuais, os efeitos das transações realizadas por meio desses instrumentos e os potenciais riscos da lavagem de dinheiro e outras atividades ilegais. Ocorre que o Projeto de Lei ainda não foi votado e a lacuna permanece aberta sobre a sua regulamentação.
Podemos ainda, verificar como ocorreu o avanço dos meios de execução na esfera civil e concluir que o principal método utilizado para a constrição é possuir patrimônio, uma vez constatada o valor de mercado de um bem. Logo, como esclarecido no atual ordenamento jurídico, para executar um devedor é necessário a comprovação de bens do mesmo. Dessa forma, questionamos o porquê de não incluir a criptomoeda como patrimônio, uma que existe o reconhecimento econômico e um valor de mercado.
Ademais, observa-se o legal avanço estrangeiro sobre a criptomoeda, exemplo de tal desenvolvimento é o Japão que utiliza a moeda virtual como meio de pagamento plenamente legal de diversos serviços, tendo o mercado passado a se autorregular mediante uma associação criada por 16 exchanges (casas de câmbio).
Outro país que admitiu o uso da criptomoeda foi a Nova Zelândia, na qual permite a aplicação do princípio da analogia entre a moeda e a criptomoeda quando esta se enquadra na definição de serviço financeiro, ou seja, quando a mesma é capaz de desempenhar atividades de gestão de negócios.
Dessa forma, fica clara a necessidade de mecanismos que possam regulamentar a matéria. Além de percebermos que a sociedade está em constante desenvolvimento, o que possibilita novas oportunidades no mercado financeiro.
O trabalho possui natureza básica, pois tem como objetivo gerar novos tópicos de conhecimento e levantamentos de questões para o debate sobre a regulamentação das criptomoedas. A forma de abordagem valer-se-á da qualitativa, uma vez que utiliza métodos específicos, representativos e explicativos como meio informativo do tema.
Além de debater sobre o assunto, o trabalho pretende analisar e discutir com os objetivos explicativos e descritivos, os fatos que determinam a situação atual das criptomoedas bem como explicar o porquê da mesma se encontrar numa situação sem legislação, além de demonstrar as principais suas características.
Os procedimentos técnicos serão por meio bibliográfico e documental, pois emprega artigos já publicados, livros, internet, além de documentos legislativos. O método científico basear-se-á pelo meio dedutivo, pois utiliza uma linha de raciocínio descendente, da análise geral para a particular, até a conclusão do projeto.
1. DA NATUREZA JURÍDICA DA CRIPTOMOEDA
Antes de entender a natureza jurídica da criptomoeda é necessário compreender o conceito da mesma, segundo Luiz Gustavo Doles Silva, a criptomoeda é um meio de pagamento a qual permite que transações nacionais ou internacionais sejam feitas por meio de um computador conectado. Tais transações são realizadas com agilidade e sem burocracia, e pode se dizer até sem a fiscalização de uma lei específica. (Luiz Gustavo Doles Silva, 2018).
O Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF) definiu a moeda virtual como mecanismo que representa um valor utilizado por meio de trocas que não apresenta nenhuma jurisdição. Vejamos:
“Moeda virtual é um representativo digital do valor que pode ser digitalmente negociada e funciona como um meio de troca; e/ou uma unidade de conta; e/ou uma reserva de valor, mas não tem curso legal em qualquer jurisdição. Não é emitido nem garantido por qualquer jurisdição, e cumpre funções acima apenas por acordo no seio da comunidade de utilizadores da moeda virtual”.
Por tanto, entende-se que as criptomoedas são consideradas uma forma de dinheiro, contudo não existem fisicamente em forma material, são totalmente eletrônicas e incorpóreas. De acordo com Satoshi Nakamoto, um dos criadores da moeda virtual Bitcoin, as moedas virtuais são grandes cadeias de informações criptografadas que permitem transações sem nenhum intermediário realizadas pelo sistema blockchain, sistema esse que protege a privacidade e a segurança dos transacionadores.
A Natureza Jurídica de um tema específico pode ser definida como “A afinidade que um Instituto Jurídico tem, em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído a título de classificação.” (DINIZ, Maria Helena, 1998). Ou seja, é por meio da natureza jurídica que se explica os institutos jurídicos, princípios e os elementos que caracterizam um determinado assunto.
Entretanto, a criptomoeda não possui uma natureza jurídica específica no direito positivo, mas compartilha uma série de aspectos similares a outros institutos jurídicos. A incerteza no momento de classificação da moeda gera uma insegurança na aplicação da norma.
Pode-se salientar que a criptomoeda poderia ser considerada um bem ou um patrimônio já que possui relação contábil, e uma vez que a mesma detém um valor de mercado dependendo do quanto alguém está disposto a pagar por ela, ou seja é passível de troca e venda. Poderia ainda ser compreendida como uma moeda, pois a mesma é um instrumento para relações econômicas e transações monetárias. José Tadeu de Chiara define a moeda como meio intermediário para a relação de trocas, reserva de valor e padrão de valor (José Tadeu de Chiara, 1986).
Luiz Carlos Barnabé de Almeida leciona que a moeda é um instrumento ou objeto aceito pela coletividade para intermediar as transações econômicas, para pagamento de bens, serviços e fatores de produção. (Luiz Carlos Barnabé, 2012).
Todavia, se tal teoria fosse aplicada, a mesma estaria sujeita aos princípios regulamentais do BACEN (Banco Central do Brasil) surgindo um impasse na expedição, conforme dispõe o artigo 164 da Constituição Federal:
Art. 164. A competência da União para emitir moeda será exercida exclusivamente pelo Banco Central.
§ 1º É vedado ao Banco Central conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou entidade que não seja instituição financeira.
§ 2º O Banco Central poderá comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros.
§ 3º As disponibilidades de caixa da União serão depositadas no Banco Central; as dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do poder público e das empresas por ele controladas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei.
Além das alternativas mencionas, a criptomoeda poderia ser considerada um ativo financeiro, já que possui uma série de características particulares. Segundo Robert T. Kiyosaki, ativo financeiro é tudo que possa gerar renda para seu possuidor. São exemplos: o câmbio e a moeda, commodities, ações, títulos públicos ou privados, dentre outros. Logo, a criptomoeda pode ser considerada um título de crédito armazenado em bancos de dados eletrônicos. (Robert T. Kiyosaki, 1998).
O Manual de Perguntas e Respostas do Imposto sobre Renda da Pessoa Física, emitido pelo Ministério da Fazenda no ano de 2017 em seu item 447, dispõe que: “As moedas virtuais (bitcoins, por exemplo), muito embora não sejam consideradas como moeda nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas na Ficha Bens e Direitos como “outros bens”, uma vez que podem ser equiparadas a um ativo financeiro. Elas devem ser declaradas pelo valor de aquisição”.
Dessa maneira, compreende-se que a criptomoeda possui uma natureza jurídica instável, pois dependerá do contexto em que será utilizada. Logo, existe a liberdade para interpretar a aplicabilidade do assunto, levando em consideração o caso concreto, a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, conforme o artigo 4° da Lei de Introdução às Normas do Direito: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
2.JURISPRUDÊNCIA APLICADA
Como mencionado anteriormente, não há, no momento, nenhuma legislação a respeito do uso das criptomoedas e moedas virtuais no ordenamento jurídico brasileiro. Existe apenas um projeto de lei de nº 2303/2015, no qual “dispõe sobre a inclusão das moedas virtuais e programas milhagem aéreas na definição de ‘arranjos de pagamento’ sob a supervisão do Banco Central”.
As principais justificativas citadas para a apresentação do projeto de lei giram em torno do desenvolvimento e aumento das operações financeiras, além da falta de regulamentação nas transações realizadas por meio das moedas virtuais.
Além das justificativas sobre projeto de lei, são mencionadas algumas preocupações com o uso desenfreado e sem legislação das referidas moedas. Tais como: a ameaça a estabilidade financeira e sua elevada volatilidade de troca com a moeda real, a falta de supervisão e fiscalização por autoridades deixando o consumidor sem proteção legal e o favorecimento de atividades criminosas, e em especial a lavagem de dinheiro.
É indicado, ainda, o sucesso mundial que o Bitcon teve e a sua capacidade de ser utilizado como moeda para todos os tipos de transações, reforçando a ideia de que o Banco Central e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) possui competência para fiscalizar e regulamentar as moedas.
Sendo assim, projeto de lei tem o objetivo de modificar o artigo 9º, inciso I da lei 12.865/1,3 no qual responsabiliza o Banco Central pela regulação das moedas; acrescentar o §4º do artigo 11 da lei 9.613/98 considerando a possibilidade de atividades ilegais com a moeda; e criar o próprio artigo 3º protegendo o consumidor. Vejamos:
Artigo 1º- Modique-se o inciso I do art. 9º da lei 12.865 de 09 de outubro de 2013:
“Art. 9º, I- disciplinar os arranjos de pagamento, incluindo aqueles baseados em moedas virtuais e programas de milhagens aéreas”.
Artigo 2º- Acrescente-se o seguinte §4º ao art. 11 da Lei 9.613, de 03 de março de 1998:
“Art. 11 §4º- As operações mencionadas no inciso I, incluem aquelas que envolvem moedas virtuais e programas de milhagens aéreas”.
Artigo 3º- Aplicam-se às operações conduzidas no mercado virtual de moedas, no que couber, as disposições da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e suas atribuições.
Artigo 4º- Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Ademais, pelo assunto ainda ser recente não há muitos julgados sobre o tema. Existem algumas poucas decisões no judiciário brasileiro que envolvem a penhora de moedas virtuais. É o caso do Agravo de Instrumento nº 2202157-35.2017.8.26.000, no qual foi requerido o pedido de penhora sobre “bitcoins”, contudo o mesmo foi indeferido. Mas não por não considerar que a moeda virtual não poderia ser penhorada, mas sim porque o agravante não apresentou indícios que o agravado possuía investimentos com Bitcoins.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Execução de título extrajudicial. Penhora de moeda virtual (bitcoin). Indeferimento. Pedido genérico. Ausência de indícios de que os executados sejam titulares de bens dessa natureza. Decisão mantida. Recurso desprovido. (TJ-SP 22021573520178260000 SP 2202157-35.2017.8.26.0000, Relator: Milton Carvalho, Data de Julgamento: 21/11/2017, 36ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/11/2017). “Por se tratar de bem imaterial com conteúdo patrimonial, em tese, não há óbice para que a moeda virtual possa ser penhorada para garantir a execução. Entretanto, a agravante não apresentou sequer indícios de que os agravados tenham investimentos em bitcoins ou, de qualquer outra forma, sejam titulares de bens dessa natureza (...)”. Relator: Milton Carvalho.
Logo, é possível concluir que seria admissível a penhora de moedas virtuais. Isso porque, seria levado em conta o princípio da analogia uma vez que a mesma possui um conteúdo patrimonial, ou seja, um valor de mercado mesmo sendo considerado um bem imaterial.
Por isso, é importante destacar que quando a lei for omissa, o juiz responsável deverá decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, conforme o artigo 4º da Lei de Introdução às Nodas do Direito Brasileiro, nº 4.657/42.
3. LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA SOBRE AS MOEDAS VIRTUAIS
Por mais que o Brasil não tenha nenhuma legislação ou fortes decisões sobre as moedas virtuais, existem decisões vigentes e atuais em outros países do mundo, nos quais já tratam a moeda virtual como instrumentos financeiros e moedas reais.
Um dos casos mais conhecidos foi a decisão do juiz federal norte americano Amos L. Mazzant que atua no distrito leste do Texas. O caso baseou-se em um esquema no qual o réu da ação comprava e vendia Bitcoins e posteriormente repassava o dinheiro da venda com um valor bem menor do que havia comprado para seus investidores. O juiz escreveu em sua decisão que o Bitcoin poderia facilmente ser considerado uma moeda, podendo ser utilizado para comprar bens e serviços.
“Está claro que o Bitcoin pode ser usado como dinheiro. Pode ser usado para comprar bens ou serviços e para pagar as despesas de moradia individuais”.
Segundo o site de regulamentação do Bitcoin, “bitcon regulation world”, o Estado do Texas decidiu que somente as transações que envolvem terceiros configuram as normas de transmissão de dinheiro, ou seja, é necessária uma relação de transação para regulamentar se é ou não considerado uma transmissão de moeda.
“Somente as atividades que envolvem terceiros se enquadram nas regras de transmissão de dinheiro, o que significa que depende de como uma transação é estruturada para determinar se constitui ou não transmissão de dinheiro”.
Já no primeiro semestre do ano de 2017, o mais novo país a legalizar o uso do Bitocin foi o Japão. A potência utiliza a moeda virtual como meio de pagamento plenamente legal de diversos serviços. E segundo o site “livecoins” existem até mesmo caixas eletrônicos que fazem a transferência da moeda local, o iene, pelo Bitcoin. Contudo, em outubro de 2018, o mercado de criptomoedas no Japão passou a se autorregular mediante uma associação criada por 16 exchanges (casas de câmbio), chamada de Associação Virtual de Câmbio do Japão (JVCEA tradução em português), que atua em parceria com o governo japonês em relação ao Bitcoin e a moeda nacional.
No mais, seguindo a linha dos países que adotam o uso da criptomoeda encontramos a Nova Zelândia. Segundo o site “bitcoin regulation world”, o país admite que a indústria de criptomoedas possa ser regulamentada em determinados caso pela Lei de Conduta dos Mercados Financeiros de 2013 e também pela Lei de Provedores de Serviços Financeiros (Registro e Resolução de Disputas) de 2008, na qual é utilizada nas trocas de criptomoedas. Logo é necessária a inscrição no Registro de Provedores de Serviços Financeiros (FSPR).
Outro país que é familiarizado com a regulamentação das criptomoedas é Luxemburgo. Com a população de um pouco mais de 610.000 mil habitantes, a nação possui as exchanges regulamentadas pela CSSF (Comissão de Vigilância do Setor Financeiro) que integram as criptomoedas a instituições financeiras. Ainda segundo o site “bitcoin regulation world”, em julho de 2016, o Bitstamp se tornou a primeira bolsa de criptomoeda licenciada nacionalmente, o que significa que eles se tornaram regulamentados pela Lei de Serviços de Pagamentos de Luxemburgo (PSL), colocando a bolsa ao lado de provedores de serviços financeiros tradicionais.
Citando mais um país favorável à moeda virtual, encontramos a Alemanha. Seguindo as informações do site “bitcoin regulation world”, a nação foi considerada a primeira a apresentar um conjunto de regras e classificação sobre o Bitcoin. Em agosto de 2013, o Ministério das Finanças da Alemanha (BaFin) reconheceu oficialmente o Bitcoin como 'dinheiro privado'. Em 2018, foi anunciado pelo Ministério das Finanças da Alemanha, que o Bitcoin não sofria tributação equiparando-se a outros países.
Por outro lado, também existem países que não regulamentam e nem aceitam relações com as criptomoedas. É o caso de algumas regiões na Ásia como o Paquistão, Bangladesh e Catar e outras na África e América, a exemplo de Marrocos e Bolívia respectivamente.
Isso acontece porque muitos países estão amarrados a uma cultura conservadora e não confiam integralmente em um “dinheiro virtual” no qual não podem tocar, além de tentarem proteger seus consumidores. A falta de conhecimento e acesso ao assunto é outro problema bastante recorrente, pois a ausência de uma regulamentação unificada gera suspeita e dúvida.
Segundo o site “bitcoin regulation world” a Bolívia proibiu a população de qualquer envolvimento com moedas não legalizadas pelo Estado e quem desobedecesse tal decisão estaria sujeito a uma pena de sete anos de prisão. A decisão foi transmitida pela Autoridade de Supervisão de Sistema Financeiro da Bolívia.
Outro caso de país que aboliu o uso e circulação das criptomoedas foi o Equador. Segundo o site “portal do bitcoin”, o país justificou a decisão tomada por afirmar que pretende criar sua própria criptomoeda que será legalmente regulamentado pelo Banco Central do país. De fato em 2017, o país criou a sua moeda virtual chamada de “Dinero Electrónico”.
Dessa forma, por meio das decisões apresentadas, percebe-se que muitos países aderem o uso das criptomoedas como meios facilitadores e alternativos para o pagamento de serviços e para o próprio uso, pois não há dúvida de que o ativo detém valor monetário.
4.EVOLUÇÃO DOS MEIOS DE EXECUÇÃO
A fim de compreender melhor a execução na esfera civil, partimos para a questão evolutiva da mesma observando as alterações ocorridas.
A antiga Mesopotâmia foi uma das primeiras civilizações a criar uma “norma” para executar alguma obrigação, a lei de Talião, na qual o devedor pagava a dívida com o próprio corpo tornando-se um escravo se não tivesse outros meios de quita-la. Ao passar do tempo, percebeu-se que o meio empregado era extremamente violento e tumultuoso, ferindo assuntos sobre a humanização e dignidade da pessoa. Foi assim que a responsabilidade da dívida passou ao patrimônio do devedor.
Com o passar dos anos, o Direito Romano efetuou grandes mudanças na esfera executória, uma vez que incluia questões como processo, sentença, juízes, credor e devedor. Na época, a intervenção do Estado somente era reconhecida diante de uma sentença condenatória, contudo foi-se atualizando o direito na medida em que os estudos romanísticos foram crescendo, dando espaço para o novo procedimento executório chamado de actio iodicati, no qual segundo Humberto Theodoro Júnior, permitia-se inaugurar a relação processual já na fase executiva. (Humberto Theodoro Júnior, 2009).
Contudo, segundo Júnior Fernando Bellato e Daniela Martins Madrid, no início do século XIX, por influência do direito francês, aconteceu uma verdadeira inversão de valores e ideais, no qual o Código de Napoleão unificou a execução, ou seja, os dois métodos de execução tornaram-se um mesmo instrumento para o cumprimento da obrigação. O principal motivo apontado foi a numerosa quantidade de execuções a títulos de crédito do que as próprias sentenças.
O processo executório no Brasil sofreu grande influência portuguesa por permanecer como colônia por muitos anos. Em Portugal, a principal forma de execução adotada era por meio do Estado, que regia as atividades executivas. O credor deveria ajuizar uma ação com o intuito de receber uma sentença condenatória em face do devedor, para então com título executivo judicial promover a execução. Vale mencionar que a execução recaia sob o patrimônio do devedor.
Como leciona Humberto Theodoro Júnior, em 1939, adveio o primeiro Código de Processo Civil, um código considerado moderno, mas em matéria de execução de títulos extrajudiciais conservou a velha ação executiva. Não havia paridade de efeitos executivos entre os títulos judiciais e os extrajudiciais, ou seja, existia duas linhas distintas de execução, uma por títulos executivos extrajudiciais e outros títulos executivos judiciais.
O Código de Processo Civil vigente apresenta questões sobre títulos executivos judiciais e extrajudicias e a inovação do chamado “cumprimento de sentença”, no qual após o processo de conhecimento entre o devedor e o credor, aplica-se a execução da sentença publicada.
Logo, torna-se necessário entender o que é o processo de execução no âmbito brasileiro. Liebman define execução como a atividade desenvolvida pelos órgãos judiciários para dar atuação à sanção. Já Humberto Theodoro Júnior, entende que o processo de execução no direito processual civil nada mais é do que um mecanismo que proporciona ao devedor um estado de sujeição no qual o seu patrimônio fica a mercê do Estado até que o mesmo satisfaça a sua obrigação frente ao credor. (Humberto Theodoro Júnior, 2009). O Código Processual Civil também menciona quem está sujeito à execução.
Art. 786. A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível consubstanciada em título executivo.
Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.
Logo, pode-se entender que a execução é método utilizado pelo Estado, na forma jurídica, de forçar o cumprimento de uma obrigação celebrada por pessoas naturais ou jurídicas. Existem meios específicos de execução dependendo do que é objeto da lide e de que forma se valeu a obrigação, via judicial ou extrajudicial.
Os títulos executivos judiciais são compreendidos como títulos derivados de uma ação processual, ou seja, uma determinação judicial para que algo seja executado, podendo ser uma sentença ou decisão publicada.
Ademais, existem os títulos executivos extrajudiciais que são títulos particulares ou públicos que autorizam a execução forçada. São considerados todos os documentos escritos que remetam a um ato jurídico e que possuam características líquidas e certas. O CPC também apresenta o rol dos documentos extrajudiciais.
Ora se o objeto da ação é o bem com o valor de mercado, o método executório será por meio de atos expropriatórios sobre o patrimônio do executado. Expropriar é sinônimo de desapropriar, ou seja, retirar da propriedade ou posse do sujeito o bem necessário para satisfazer a obrigação. Vejamos o artigo 824 do Código Processual Civil Brasileiro.
Art. 824. A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais.
Sendo assim, podemos perceber que a execução possui duas maneiras de suceder, uma via título executivo judicial e outra por título executivo extrajudicial. Ademais, a execução recai sobre o patrimônio, ou seja, a execução será realizada frente a um bem do devedor, bem este que possua valor de mercado.
5.CONCLUSÃO
Logo, diante de todas as informações, documentos, decisões e doutrinas exploradas no artigo, é possível concluir que atualmente não existe legislação sobre o uso de moedas virtuais no cenário brasileiro, tão pouco sobre a possibilidade de constrição da mesma no meio executório.
Contudo, é demonstrada a capacidade de inclusão da moeda virtual como um bem imaterial e possível de execução, uma vez que apresenta um valor de mercado, sendo equiparada a uma moeda. É neste ponto que se discute sobre a natureza jurídica, pois dependendo do contexto em que será interpretada, pode-se aplicar o princípio da analogia, os costumes e os principios gerais do direito para a equiparação de um serviço financeiro.
Por mais que não existam muitas decisões sobre a criptomoeda no judiciário brasileiro, o Agravo de Instrumento nº 2202157-35.2017.8.26.000 abriu espaço para futuras conciderações cobre as moedas virtuais, uma vez que o Relator Milton Carvalho concluiu que “Por se tratar de bem imaterial com conteúdo patrimonial, em tese, não há óbice para que a moeda virtual possa ser penhorada para garantir a execução”.
No mais, é demostrado que a sociedade mundial está em constante desenvolvimento econômico e social, por isso o avanço tecnologico é justificado para acompanhar esse crescimento. Tal fato é que alguns países já regulamentam o uso do Bitcoin, como é o caso do Japão, Nova Zelândia e Alemanha.
Por isso é que não há dificuldade em compreender que as criptomoedas foram meios alternativos criados para acompanhar o desenvolvimento virtual mundial. Não há óbice, também, ao verificar que as criptomoedas possuem valor real de mercando, sendo plenamente capazes de transação e investimentos.
Uma vez que possuem valor de mercado, as criptomoedas encaixam-se no principal requisito de execução: possuir bem, patrimônio. Logo, a sua constrição é plenamente capaz para satisfazer a dívida ou obrigação do devedor.
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[1] Especialista em Direito Previdenciário, Direito e Processo do Trabalho. Professora de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins. Advogada. E-mail: [email protected].
Graduada no curso de Direito no Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AGUIAR, Sara Almeida de. A possibilidade de constrição de criptomoedas como meio de execução alternativa no Judiciário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 out 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/55357/a-possibilidade-de-constrio-de-criptomoedas-como-meio-de-execuo-alternativa-no-judicirio-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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