RESUMO: A presente obra trata dos aspectos da Polícia Comunitária e das possíveis dificuldades para sua implementação e sucesso na promoção da segurança pública, muitas vezes trazidas pela falta de confiança e aproximação pacífica e cooperativa entre polícia e sociedade. A pesquisa é do tipo bibliográfica, qualitativa, analítica e descritiva. Foi realizada por meio de mecanismo eletrônicos e ferramentas de busca, diretamente em repositórios de publicações acadêmicas, periódicos especializados e bibliotecas eletrônicas de órgãos governamentais. A questão norteadora da pesquisa que resultou no presente artigo foi à resistência na relação entre polícia e sociedade que dificulta a efetivação do Policiamento Comunitário. A partir deste impasse, o objetivo geral do estudo foi apresentar que há conflitos entre polícia e sociedade que obstam a efetivação da Polícia Comunitária. Partiu-se da hipótese de que existem certas resistências de parte da sociedade com relação à polícia, ainda vista por uma parcela da população como ameaça, como violenta, agressiva e repressiva. A hipótese foi confirmada, pois diferentes experiências de implantação da Polícia Comunitária se depararam com a desaceitação de parte das comunidades em ver na polícia uma parceira na construção da segurança pública. Constatou-se que tal distanciamento e dificuldade de aproximação pacífica e cooperativa é fruto de uma construção histórica e cultural, que justamente a filosofia da Polícia Comunitária é capaz de mudar.
Palavras-chave: Polícia. Segurança. Comunidade. Sociedade.
ABSTRACT: This article deals with the Community Police and the possible difficulties for its implementation and success in promoting public security, brought about by the lack of trust and peaceful and cooperative proximity between police and society. The research is bibliographic, qualitative, analytical and descriptive. It was carried out through electronic mechanisms and search tools directly in repositories of academic publications, specialized journals and electronic libraries of government agencies. The guiding question of the research that resulted in this article was: is there any kind of resistance in the relationship between the police that makes it difficult to implement the Community Police? From this question, the general objective of the article was demonstrated if there are conflicts between society that hinder the implementation of the Community Police and, if there were, point them out. We started from the hypothesis that there are certain resistances on the part of society in relation to the police, still seen by a part of the population as a threat, as violent, aggressive and repressive. The hypothesis was confirmed, since different experiences with the implementation of the Community Police faced the resistance of part of the communities to see the police as a partner in the construction of public security. It was found that such distance and the need for a peaceful and cooperative approach is the result of a historical and cultural construction, which precisely the philosophy of the Community Police is capable of changing.
Keywords: Police. Community Safety. Society.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A POLÍCIA COMUNITÁRIA E A RELAÇÃO POLÍCIA/SOCIEDADE. 3. MATERIAIS E MÉTODOS.4. DISCUSSÃO. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.REFERENCIAS.
A segurança pública é um dos temas mais discutidos, preocupantes e importantes no Brasil. Este assunto permeia todas as áreas da sociedade, desde os meios acadêmicos e políticos até os mais descontraídos encontros sociais, além de ser um tema de recorrência diária na mídia em geral.
A violência é uma das chagas da nossa sociedade, causa medo na população, cerceia a liberdade dos cidadãos, causa prejuízo e sofrimento. Por isso, no âmbito dos órgãos de segurança pública e especificamente da Polícia Militar, o trabalho é incessante para promover segurança à sociedade, mesmo porque esta é a razão de existir destes entes públicos. E na busca de alternativas mais modernas e humanizadas, que sirvam de coadjuvantes ou mesmo de substitutas das práticas ostensivas e repressivas da criminalidade, principalmente como prevenção, têm surgido diversas e diversificadas iniciativas. Uma destas iniciativas, foco deste estudo, é a Polícia Comunitária, que tem sólida base filosófica e sociológica, ao propor a construção compartilhada de segurança pública.
Justamente neste cenário revela-se a importância da filosofia de Polícia Comunitária, qual seja a inflexão organizacional na construção da segurança por meio da gestão compartilhada a partir da interação com a comunidade e entre os diferentes órgãos de segurança e demais políticas públicas que integram à rede de proteção da comunidade. Com efeito, o que se defende é a produção compartilhada da segurança pública entre os diversos atores envolvidos. (BRASIL; SNSP, 2013, p. 7).
Portanto, é certo que de um lado a sociedade clama por segurança e necessita dela e, de outro, a Polícia Militar procura se reinventar, evoluir, criar alternativas para promover a segurança que a sociedade precisa, inclusive abrindo espaço e chamando a participação social para a construção conjunta da tão almeja e necessária paz social e segurança pública.
No entanto, parece haver uma espécie de resistência na relação entre estes dois atores sociais, é o que se pretende investigar e analisar neste artigo. Ainda que haja a necessidade de segurança de um lado e, do outro, a iniciativa para suprir esta necessidade, objetivos que parecem convergir para o mesmo ponto, se houver conflito na relação entre polícia e sociedade, este deve ser reconhecido e solucionado antes de qualquer outro. Sob pena de não se alcançar a tão sonhada paz social e a segurança pública, com prejuízos para os dois lados.
A questão norteadora da pesquisa que resultou no presente artigo foi à existência de algum tipo de resistência na relação entre polícia e sociedade que dificulta a implementação da Polícia Comunitária. A partir desta questão o objetivo desta obra é demonstrar se há conflitos entre polícia e sociedade que dificultam a implementação da Polícia Comunitária e, se houver, apontá-los.
Partiu-se da hipótese de que existem certas resistências de parte da sociedade com relação à polícia, ainda vista por uma parcela da população como ameaça, como violenta, agressiva e repressiva. Para comprovar ou refutar esta hipótese, satisfazendo assim a questão norteadora e o objetivo da pesquisa, empreendeu-se uma pesquisa bibliográfica.
Este artigo é resultado de pesquisa bibliográfica e documental e apresenta um tópico de fundamentação teórica, que traz conceitos e opiniões de especialistas e estudiosos de segurança pública sobre a Polícia Comunitária e a relação polícia/sociedade. Apresenta referências de algumas produções acadêmicas e publicações recentes acerca desta relação, buscando uma visão multidisciplinar. Em outro tópico descreve-se a metodologia da pesquisa e em seguida os resultados são discutidos e analisados e as considerações finais concluem o texto.
Antes de qualquer coisa, é importante conceituar Polícia Comunitária, tomando como base as diretrizes mais recentes do Ministério da Justiça. De acordo com Brasil (2019), anexo à Portaria nº 43, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, de 12 de maio de 2019, que institui a Diretriz Nacional de Polícia Comunitária e cria o Sistema Nacional de Polícia Comunitária,
Polícia Comunitária é uma filosofia e uma estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Tal parceria baseia-se na premissa de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâneos, tais como crime, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e, em geral, a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade geral de vida da área. (BRASIL, 2019, p. 13;apud CERQUEIRA, 2001; TROJANOWICZ; BUCQUEROUX, 1994).
O documento explica que, no entanto, não há uma conceituação exclusiva de Polícia Comunitária no Brasil, mas adota a ideia de Robert Peel (1829), de que “a polícia é o povo e o povo é a polícia”, ou seja, o policial é antes de tudo parte do povo e o povo deve fazer parte da polícia, no sentido de ajudar na construção e manutenção de um ambiente social seguro. A partir deste ponto de vista, o documento coloca a Polícia Comunitária como uma iniciativa que visa a parceria entre população e polícia (BRASIL, 2019, p. 12-13).
Ao se buscar um conceito para compreender Polícia Comunitária, importa saber que não se trata de uma operação da polícia, não é uma divisão da polícia, não é mais uma iniciativa pontual de ação, pode englobar todas estas ideias, mas é mais profunda e abrangente do que isso, trata-se de uma proposta de adoção de uma filosofia de polícia, de segurança pública e de comunidade e da transformação da cultura organizacional da própria polícia como instituição. Nesta filosofia, a segurança pública é vista como uma questão sistêmica, que, por isso, não pode ser alcançada apenas pelo trabalho isolado de uma instituição, mas requer um trabalho de construção contínua de todo o sistema social, envolvendo todos os atores, inclusive cada cidadão e cada cidadã (BRASIL, 2019, p. 13-17). O que requer, portanto, a aproximação da sociedade com a instituição Polícia.
Partindo do princípio de que a Polícia faz este movimento de adoção de uma nova filosofia e cultura, que se propõe a adotar práticas diferenciadas, a capacitar recursos humanos para multiplicar a Polícia Comunitária, a trazer a sociedade para uma parceria na construção da segurança pública, pressupõe-se que antes não era assim, que havia um posicionamento diferente da polícia em ralação ao seu papel frente à sociedade e à segurança pública.
Quanto a isso, Pinheiro (2013), em um artigo que resultou de quatro anos de pesquisa, aponta que
Na sociedade brasileira, compreender o papel delegado aos policiais como “mediadores de conflito” pressupõe duas dificuldades: a primeira, diz respeito à possibilidade de superar o legado de violência ditatorial, incorporado na formação policial; a segunda, diretamente relacionada à primeira, é que as práticas sociais, como uma construção coletiva, estão relacionadas aos valores culturais e sentimentos cognitivos compartilhados no interior dos grupos sociais (PINHEIRO, 2013, p. 324).
A aproximação entre polícia e sociedade na construção da Polícia comunitária pode enfrentar duas dificuldades, as transformações na polícia e as mudanças necessárias na cultura da sociedade. Do lado da polícia, o autor sugere que
[...] os dilemas entre “velhas práticas” e “novas práticas” policiais permitem questionar a constituição de uma “nova polícia” que, no plano da apresentação, pretende cumprir com as determinações do direito facultado aos cidadãos, mas, na prática pode recorrer à violência física ou simbólica na solução dos conflitos sociais. Ao invés dos acordos formais, observamos que, geralmente, em casos de abordagens a grupos ou indivíduos a violência não comedida torna-se, na maioria das vezes, a máxima de um poder, onde os métodos não convencionais são regra e não exceção. Essa lógica tem comprometido as expectativas do processo civilizador que pressupõe o respeito e a obediência aos códigos formais dos princípios estabelecidos pelo estado democrático de direito. (PINHEIRO, 2013, p. 324).
O autor considera um processo de transição de uma “velha prática” policial para uma “nova prática” policial, que enfrenta seus percalços e retrocessos no exercício diário da função, tornando as propostas de métodos não convencionais, onde se poderia colocar a Polícia Comunitária, ainda como uma exceção e não como a regra. Do mesmo modo, a necessária transformação dos valores e da cultura social em ralação à polícia, à vida comunitária e à segurança pública também é um processo, ainda mais complexo e difícil, com avanços e retrocessos. Percebe-se a necessidade de transformação e as dificuldades de ambos os lados, justamente com o propósito de deixarem de ser lados diferentes e até opostos, como propõe a filosofia da Polícia Comunitária.
Ao final da sua pesquisa, Pinheiro (2013, p. 346) concluiu que “A análise das denúncias apresentadas à Corregedoria revela que, para algumas pessoas abordadas nas ruas, ainda existe um sentimento de medo em se tornarem vítimas de agressão por parte de policiais que, sob o ponto de vista legal e legítimo, deveriam prestar segurança ao cidadão”.
Buscando regressar um pouco no tempo para tentar compreender a relação entre polícia e sociedade, retoma-se a pesquisa realizada entre 1985 e 1988, na comunidade Morro da Cruz, em Porto Alegre, cuja população era entre 35 e 40 mil habitantes. Shirley (1997) relata que naquele período, e por quase duas décadas, a comunidade era controlada por uma gangue que se dedicava ao tráfico de drogas, mas que a hostilidade para com a polícia era geral, também por parte dos moradores que não tinham envolvimento com atividades criminosas. “O inimigo comum da comunidade é a polícia. Em três anos, entrevistamos centenas de pessoas e nenhuma tinha uma boa impressão da polícia. Quase ninguém tinha uma palavra de conteúdo positivo quando a ela se referia” (SHIRLEY, 1997, p. 217).
As organizações policiais não protegem os cidadãos da classe média e abandonam os moradores pobres das favelas. A polícia trata a Vila como território hostil o que de certa forma é real e cujo resultado é um estado de guerra quase declarado entre a polícia e os moradores da Vila apesar do baixo número de mortes. Por não conhecer muito bem essa população, a polícia termina por tratar a todos como inimigos, em especial os jovens negros e pobres. [..] É bom lembrar, no entanto, que a polícia entra regularmente na Vila não a serviço mas como moradores. Como muitos dos policiais são oriundos dos estratos inferiores da sociedade, terminam por ter que morar na comunidade. É comum ver homens vestidos de uniforme cinza pelas redondezas. Se estão fora de serviço são tratados como amigos, vizinhos ou membros da comunidade. Um jovem membro da Divisão de Tráfego da cidade nos contou que raramente fechava as portas de sua casa pois como havia crescido no meio de bandidos sentia-se protegido de qualquer agressão. Embora sejam vistos pela comunidade como perigosos e corruptos, muitos policiais da Delegacia local são conhecidos das gangues podendo ser amigos ou não. [...] A hostilidade com relação à polícia enquanto instituição cria barreiras psicológicas que impedem a busca de apoio fora da comunidade. (SHIRLEY, 1997, p. 218-219).
Este aspecto que a pesquisa apresenta mostra que a hostilidade que foi percebida na comunidade parece que era dirigida à “instituição polícia” e não contra o trabalhador, contra a pessoa do policial, já que muitos moravam no Morro da Cruz e quando não estavam de serviço eram respeitados e conviviam em paz. Além disso, mostra que as barreiras existentes entre polícia e sociedade têm um histórico, um contexto bem específico e são também de caráter psicológico.
A título de enriquecer a abordagem e análise do tema, vale considerar uma experiência oposta, colocada em outro contexto completamente diferente e distante no tempo, geograficamente e socialmente. Trata-se do trabalho de implantação da Polícia Comunitário do bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro.
Segundo Monteiro (2005, p. 140-150), o modelo de patrulha comunitária de Copacabana foi implantado em setembro de 1994 e durou até julho de 1995. O modelo de resolução de conflitos foi inspirado na experiência da cidade de Nova York e seguiu seus os mesmos manuais. No entanto, no caso de Copacabana, a Polícia Militar enfrentou alguns desafios, como a resistência interna da própria corporação e a desconfiança externa, da sociedade, principalmente por ter se dado em um cenário de crise, com desgaste da imagem da polícia, autoritarismo, violência crescente e sensação de insegurança por parte da população. O modelo de policiamento comunitário de Copacabana previa a criação de parcerias entre polícia e comunidade, mas as dificuldades para efetivar estas parcerias e a participação da comunidade entre outros fatores levaram ao enfraquecimento do projeto. Ainda que o esforço de alguns policiais levassem resultados em parcerias concretas e tivessem colaborado para a diminuição da desconfiança da população, isto não significou participação da comunidade.
Mais uma vez se faz presente a resistência e dificuldade de aproximação e da construção de uma relação de confiança e parceria entre polícia e parte das comunidades. O corpo social, sendo uma “classe” maior e mais complexa do que a corporação policial, torna-se mais difícil de mudar sua concepção, visão, imaginário, representação e proceder.
Apontada, portanto, a possibilidade de que uma parcela da sociedade ainda mantém uma visão da polícia como ameaçadora, perigosa, violenta, cabe assinalar a visão do problema a partir da perspectiva dos policiais.
Ao analisar a perspectiva dos coronéis sobre a Polícia Comunitária, em pesquisa realizada com militares do estado de São Paulo, Mesquita Neto (2004, p.106) explica que, na visão dos coronéis entrevistados, os crimes que mais causam insegurança na população são os crimes violentos, como latrocínio, homicídio, roubo praticado com arma de fogo. Ao serem questionados sobre as causas destes crimes, os coronéis apontaram em primeiro lugar os problemas sociais, econômicos, culturais, principalmente a falta de Políticas Públicas nas áreas de educação, emprego e renda. Dois coronéis apontaram a desestruturação familiar, o egoísmo e o consumismo, potencializados pela ação das mídias, pela fragilidade das leis e pela impunidade. De um grupo de sete coronéis questionados sobre as causas da criminalidade, quatro deles fizeram referências explicitas a problemas relacionados à atuação da polícia. Um deles apontou o distanciamento entre polícia e sociedade; outro, a sub notificação de crimes; outro, o desaparelhamento da polícia; outro, a corrupção no sistema de segurança pública e na justiça criminal. Um dos coronéis apontou a falta de integração entre o governo federal, os governos estaduais e municipais e também a demagogia e a ideologia, na sociedade e no governo, como obstáculos para as políticas públicas para a diminuição da criminalidade e melhoria da segurança pública.
Ao serem questionados sobre as medidas mais eficientes na prevenção dos crimes elencados por eles, os coronéis apontaram medidas na área de políticas públicas e segurança pública, conforme as causas da criminalidade e violência que haviam sugerido anteriormente. “Dois coronéis fazem referência explícita ao policiamento comunitário e “na visão do conjunto dos coronéis, deve haver maior integração das ações governamentais entre a União, os estados e os municípios, tanto na área das políticas econômicas, sociais e culturais quanto na área das políticas de segurança pública e das políticas criminais e penitenciárias” (MESQUITA NETO, 2004, p. 107).
Ao serem questionados especificamente sobre a integração da polícia com a comunidade, os coronéis reconhecem que no policiamento é uma das atividades necessária para a prevenção de crimes, mas isoladamente tem efeitos limitados sobre a segurança pública e contribui melhor quanto há integração com a comunidade “no desenvolvimento de programas de prevenção da criminalidade e gestão local da segurança pública” e apontaram os motivos da eficácia do policiamento comunitário na prevenção de crimes.
As razões pelas quais o policiamento comunitário é considerado eficaz na prevenção do crime são variadas na visão dos coronéis. Primeiro, o policiamento comunitário é um tipo de policiamento voltado para a prevenção criminal, e não apenas para o atendimento de ocorrências e investigação criminal. Segundo, o policiamento comunitário promove a integração dos esforços da polícia e da comunidade na tentativa de eliminar as causas da violência. Terceiro, o policiamento comunitário integra a polícia e a comunidade na definição de prioridades em relação à prevenção criminal e permite a adequação da atuação da polícia às necessidades da comunidade. Quarto, o policiamento comunitário, pela aproximação entre a polícia e a comunidade, é um tipo de policiamento que permite a melhor administração e resolução de conflitos e problemas na sua origem. Quinto, o policiamento comunitário, também pela aproximação entre a polícia e a comunidade, é um tipo de policiamento que a aumenta a segurança e a motivação dos policiais e dos membros da comunidade no enfretamento da criminalidade. (MESQUITA NETO, 2004, p. 107).
Quanto à implantação da Polícia Comunitária, na visão dos coronéis, pode ser considerada implantada no Estado de São Paulo, mas enfatizam que precisa de ajustes e ainda não está consolidada, sendo necessária a difusão de informações sobre a filosofia da Polícia Comunitária, a formações e aperfeiçoamento profissional, formação de parcerias entre polícia e comunidade. Mas alguns coronéis opinaram que o modelo tradicional de polícia ainda prevalece, mesmo sob a roupagem de Polícia Comunitária. Os coronéis apontaram diversas dificuldades na implantação da Polícia Comunitária, entre elas a falta de apoio por parte de setores do governo, da sociedade e da própria polícia; a resistência de oficiais, praças da Polícia Militar e policiais civis, decorrentes da cultura tradicional da polícia e da crença de que o policiamento comunitário é um fenômeno passageiro; dificuldades de gestão, incluindo planejamento, execução, monitoramento e avaliação do processo de implantação; a rotatividade dos policiais; a pressa na implantação, muitas vezes por razões políticas; a diversidade de situações locais e as particularidades de cada comunidade; falta de adequada compreensão da importância da comunidade em matéria de segurança pública, tanto por parte da polícia e quanto por parte da comunidade. Mas apesar das dificuldades, os coronéis consideram que o processo de implantação do policiamento comunitário no Estado foi bem-sucedido, apontando como principais resultados a aproximação entre a Polícia Militar e a comunidade, a formação de parcerias, a redução da criminalidade e o aumento da sensação de segurança (MESQUITA NETO, 2004, p. 108-109).
O Coronel Carlos Alberto de Camargo relata que, em 1997, enquanto estava sentado no banco de um tranquilo bosque, com vista para o rio Arno, em Florença, na Itália, recebeu o convite para assumir o cargo de Comandante-Geral da Polícia Militar do estado de São Paulo. Foi aí que começou a trajetória da implantação da filosofia da Polícia Comunitária no estado e tão logo retornou ao Brasil, o Coronel apresentou e pôs em prática seu planejamento, que previa justamente chamar a comunidade para o trabalho de criação do modelo de Polícia Comunitária (CAMARGO, 2015, p. 219).
A dificuldade inicial para a implantação do projeto em São Paulo foi exatamente explicar o que seria essa Polícia Comunitária. [...] As experiências já implantadas no Brasil, por sua vez, consistiam em criação de instalações físicas, aquisição de equipamentos, destinação de efetivos, ou careciam da forte vontade política. Fundamentalmente, eram criadas pela polícia e apresentadas à população, não contavam com a comunidade em sua elaboração tampouco se mostravam centradas na participação cidadã. Assim, foi complexo obter a colaboração da sociedade para a criação de algo que, até então, era pura abstração. [...] Também se mostrou difícil estimular a participação popular. Além de criar oportunidades, foi preciso uma grande capacidade de liderança por parte dos comandantes de unidades territoriais para motivar essa participação, de forma regular e intensa. (CAMARGO, 2015, p. 228).
Segundo Camargo (2015, p. 225-226), a experiência da Polícia Comunitária implantada em São Paulo fez a taxa de homicídios do Jardim Ângela, que na década de 1990 chegou a ser considerada a região mais violenta do mundo pela Organização das Nações Unidas, passar de 112 homicídios por 100 mil habitantes em 1995 para 15,7 homicídios por 100 mil habitantes em 2010.
Assim fica evidente, na opinião de vários especialistas e pesquisadores, de diferentes áreas do conhecimento, tanto da academia como da Polícia Militar, que há resistência em ambos os lados que dificulta a implantação e o sucesso da Polícia Comunitária.
Para responder à questão norteadora e cumprir com o objetivo da pesquisa foi empreendida um revisão bibliográfica, em fontes primárias, legislação e em fontes secundárias, livros, artigos e publicações científicas, conforme explicam Marconi; Lakatos (2003, p.174).
A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de mecanismo eletrônicos e ferramentas de busca como Scientific Electronic Library Online (SciELO), diretamente em repositórios de publicações acadêmicas, periódicos especializados e bibliotecas eletrônicas de órgãos governamentais. A busca foi feita direta e pontualmente sobre o tema da pesquisa, buscando-se referências acerca das relações entre polícia e sociedade e as implicações desta relação na implantação e desenvolvimento da Polícia Comunitária.
Os materiais encontrados foram selecionados primeiramente por meio de leitura superficial, de título e resumo, para determinar aqueles que versavam sobre a temática. Em um segundo momento, o material selecionado passou a ser lido na integra e por meio de fichamento foram organizadas as informações mais relevantes que posteriormente foram incorporadas no presente artigo.
Quanto ao método de abordagem, segue de acordo com a classificação do tipo de pesquisa. Trata-se, portanto, de uma pesquisa bibliográfica, de cunho qualitativo, analítico e descritivo, já que primou pela análise das informações, conceitos e teorias e pela descrição dos resultados e das considerações de tal análise. Foi utilizado o método dialético, confrontando diferentes estudos sobre o tema, com a finalidade de chegar a uma síntese que respondesse à questão da pesquisa. Pois, para Pasold (2000, p. 86), o método dialético, no âmbito da pesquisa científica, significa “estabelecer ou encontrar uma tese, contrapondo a ela uma antítese encontrada ou responsavelmente criada e, em seguida, buscar identificar ou estabelecer uma síntese fundamentada quanto ao fenômeno investigado”. Quanto ao método procedimental, para Bittar (2003, p. 9-10), trata-se do “processo por meio do qual se realiza a pesquisa científica” e foi utilizado o procedimento comparativo, já que para a abordagem dialética houve comparações entre conceitos e definições, estudos e teorias, inclusive a comparação de diferentes experiências de implantação da Polícia Comunitária em diferentes partes do Brasil.
O projeto de Polícia Comunitária, sua filosofia, seu ideal, seu modelo, mostrou ser um avanço, uma evolução em segurança pública e na forma de se “fazer polícia”. Esta interpretação pode não ser consenso e receber críticas, mas existem experiências bem sucedidas, tanto no Brasil como em outros países. Além disso, o modelo tradicional de polícia já se conhece há séculos e seus resultados também são amplamente conhecidos e documentados. Novas experiências, adequadamente geridas, podem ser enriquecedoras.
No entanto, um dos aspectos que esta pesquisa demonstrou é que a implantação do modelo de Polícia Comunitária é um processo, que não aceita bem a pressa e a urgência, pois necessita de mudanças estruturais, filosóficas e culturais, tanto na polícia como na sociedade. Por isso, um dos problemas apontados foi “a pressa na implantação do policiamento comunitário, devido a razões políticas, sendo que, na visão de quase todos, a implantação do policiamento comunitário é um processo lento e de longo prazo” (MESQUITA NETO, 2004, p. 109). A solução, diante desta questão, é que tanto o Estado como a sociedade civil compreendam que um processo desta magnitude e complexidade não se dá do dia para a noite nem de um ano para outro. Como mostrou Camargo (2015), resultados efetivos, como a considerável diminuição do número de homicídios no Jardim Ângela, em São Paulo, se fez sentir ao longo de pelo menos uma década. Portanto, não é com pressa nem sob a pressão de números, índices e políticos que um projeto como a Polícia Comunitária pode ser implantado com solidez e sucesso.
A pesquisa também deixou claro que existe uma certa dificuldade de aproximação entre a polícia e parte da sociedade, que ainda vê a instituição com certa desconfiança, no sentido de colaborarem, de conviverem, de compartilharem e de se corresponsabilizarem pela segurança pública. Este aspecto ficou demonstrado em todas as pesquisas analisadas, inclusive em Monteiro (2005, p. 188), ao relatar que, na experiência de Polícia Comunitária de Belo Horizonte, percebeu-se que a população não havia compreendido e assimilado a essência da proposta, fazendo uma leitura equivocada do modelo, mantendo a desconfiança e o preconceito em relação à polícia. As pessoas ainda tinham muita resistência e medo de se aproximarem dos policiais e tal resistência foi atribuída a concepção que grande parte das pessoas tinham da polícia, como sendo repressiva e envolvida em corrupção. No entanto, Monteiro (2005, p. 233) concluiu, em sua pesquisa, que a Polícia Comunitária traz grandes benefícios para a relação entre polícia e comunidade, diminuindo as distâncias e o isolamento e possibilitando a conquista da confiança de ambos os lados. A mudança de comportamento dos policiais para com as pessoas e comunidade favoreceu a diminuição das tensões e dos estereótipos e o surgimento de atitudes mais cooperativas por parte da comunidade.
Entende-se que a esta dificuldade de aproximação, confiança e cooperação não se deve atribuir culpados nem uma causa simples, ela é multifacetada e fruto de uma construção histórica e cultural que se deu ao longo de séculos. Pelo mesmo motivo não pode ser resolvida com pressa, do dia para a noite, nem com soluções paliativas e superficiais. Em todas as experiências bem sucedidas de Polícia Comunitária, a aproximação e relação pacífica passaram por um processo de construção gradativo e se mostrando eficiente e benéfico para todos.
Afirma Wacquant (2001, p. 35), se a polícia não é considerada parte da comunidade, mas uma espécie de “corpo estranho”, algo que vem de fora como uma força estranha, a única coisa que ela poderá fazer é agir de forma repressiva, pois não terá condições de cumprir outro papel. Por isso não tem condições de cumprir o papel exigido pela filosofia da Polícia Comunitária.
A pacificação e democratização na relação polícia/comunidade não traz benefícios apenas para a comunidade, mas também favorece o profissional, contribuindo para melhoria das condições de trabalho e qualidade de vida. Parece bastante evidente que sem inclusão do policial como membro da comunidade e sem a relação de cooperação entre comunidade e polícia, o ideal de Polícia Comunitária não é possível.
Em todas as experiências estudadas e citadas nesta obra, tanto na opinião de estudiosos e pesquisadores civis como na opinião de especialistas em segurança pública militares, que se dedicam à Polícia Comunitária, as tensões existem, sempre são apontadas, assim como a necessidade imprescindível de que sejam superadas para se alcançar a paz social e a segurança pública.
Este artigo teve o intuito de abordar o tema da Polícia Comunitária pelo viés da relação entre a polícia e a sociedade, considerando que existe certa tensão nesta relação, não com toda a sociedade nem com todos os policiais, mas sim, em parte. Considerando ainda que a dificuldade de aproximação entre polícia e comunidade consiste em um entrave para a implementação da filosofia e da prática da Polícia Comunitária. No entanto, ficou claro que, a superação das resistências e a união saudável entre polícia e comunidade consistem em um dos principais fatores responsáveis pelo sucesso da Polícia Comunitária.
Ao longo da pesquisa, comprovaram-se, nas mais diferentes experiências e em diversas regiões do Brasil, que esta é uma situação recorrente nas iniciativas de implantação da Polícia Comunitária. Assim que se pode entender que o estereótipo criado, por parte de certa parcela da sociedade em ralação à polícia, provém de uma construção histórica, cultural e de um imaginário criado a partir de vários fatores.
Longe da intenção de apontar culpas, nem culpados, mas buscando soluções, ainda nos dias de hoje são frequentes, na mídia nacional e internacional, as notícias de violência policial. Este tipo de ocorrência não é uma prática institucionalizada, mas uma iniciativa pessoal e pontual, no entanto acaba manchando a imagem da instituição. Pois como foi visto na pesquisa de Shirley (1997), a resistência e a contrariedade percebida na comunidade eram em relação à polícia e não ao policial, em muitas vezes fazia parte daquela vizinhança e era aceito e respeitado quando não estava de serviço.
Compreende-se que o quadro é complexo e carrega uma interdependência simbiótica, pois a Polícia Comunitária, para ser implementada com sucesso, necessita da aproximação pacífica e cooperativa entre polícia e comunidade e esta aproximação pacífica e cooperativa, para existir, precisa da filosofia da Polícia Comunitária.
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Mestrando em Direito Ambiental, Graduando em Tecnologia de Segurança Pública, Bacharel em Direito, Bacharel em Ciências Militares, Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal, Pós-graduado em Direito Militar, Pós-graduado em Maçonologia, Historia e Filosofia, MBA em Gestão e Inteligência de Segurança Pública, MBA em Segurança e Defesa Cibernética, Oficial do Quadro Oficiais de Estado Maior da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FELL, Renato Rafael de Brito. A Polícia Comunitária e as relações entre polícia e sociedade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 fev 2021, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/56191/a-polcia-comunitria-e-as-relaes-entre-polcia-e-sociedade. Acesso em: 23 dez 2024.
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