Resumo: A Constituição Federal tratou como direito fundamental o meio ambiente ecologicamente equilibrado cabendo ao Estado através do seu poder-dever criar instrumentos capazes de controlar o usufruto do meio ambiente. Sob tal escopo surge o licenciamento ambiental como meio de controle para mitigar os impactos ambientais, tendo como principal finalidade avaliar possíveis prejuízos ambientais ao meio ambiente e à coletividade e por meio da discricionariedade que o Estado possui, ponderar os benefícios e malefícios capazes de autorizar ou não a concessão de licenças ambientais. Assim, o Poder Público, através de seus órgãos licenciadores e fiscalizadores concretizam a política ambiental protecionista, capaz de minimizar impactos e aplicar condicionantes aos particulares exploradores. É nessa função que a Administração, mesmo após a concessão de tais licenças, deve fiscalizar e controlar a exploração das obras e atividades licenciadas. O problema surge quando o Poder Público se omite desse dever, passando a compor o polo passivo da ação de reparação, respondendo solidária e objetivamente pelos danos gerados, ressaltando sua execução de forma subsidiária.
Palavras-chaves: Licenciamento Ambiental. Responsabilidade Civil Ambiental do Estado. Omissão Fiscalizatória. Responsabilidade Solidária do Estado. Execução Subsidiária.
Abstract: The Federal Constitution treated the ecologically balanced environment as a fundamental right, and it is up to the State through its power-duty to create instruments capable of controlling the enjoyment of the environment. Under this scope, environmental licensing emerges as a means of control to mitigate environmental impacts, with the main objective of evaluating possible environmental damage to the environment and the community and through the discretion that the State has, to consider the benefits and harms capable of authorizing or not the granting of environmental licenses. Thus, the Government, through its licensing and supervisory bodies, implements protectionist environmental policy, capable of minimizing impacts and applying constraints to particular explorers. It is in this function that the Administration, even after the granting of such licenses, must supervise and control the exploitation of licensed works and activities. The problem arises when the Government omits this duty, starting to make up the passive pole of the repair action, responding solidly and objectively to the damages generated, emphasizing its execution in a subsidiary way.
Keywords: Environmental Licensing. Environmental Civil Liability of the State. Omission in the inspection. Solidarity Responsibility of the State. Subsidiary Execution.
Sumário: 1. Introdução. 2. O licenciamento ambiental como instrumento de proteção e garantia do equilíbrio ecológico. 3. Omissão do Estado e o dever de reparação ambiental. 4. Casos elucidativos da responsabilização do Estado por danos causados ao meio ambiente decorrentes da omissão fiscalizatória do Poder Público em obras ou atividades licenciadas. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
O crescimento e o desenvolvimento das atividades humanas na sociedade capitalista nos leva, cada vez mais, à visão exploradora dos recursos naturais para tal expansão. Em função disto, ao Estado cabe controlar diretamente o acesso e o proveito dos recursos ambientais, surgindo o licenciamento ambiental como principal instrumento deste monitoramento pelo Poder Público, materializando a determinação constitucional de proteção através de tal mecanismo. Assim, ao final do procedimento, o órgão licenciador detém a discricionariedade da concessão das licenças ambientais, estabelecendo limites e impondo aos particulares condições, objetivando a produção mínima de impactos e prejuízos ambientais, baseando-se nos princípios da precaução e da prevenção.
A função do Poder Público de monitorar tais atividades tem como escopo a previsão constitucional no seu artigo 225, no qual assegura a todos o direito de um meio ambiente saudável, cabendo não só ao Estado, mas também à coletividade defendê-lo e preservá-lo. Em continuidade a esse ideal, o legislador determina a realização de estudos prévios de impactos ambientais, incumbindo sua exigência àqueles que pretendam instalar obra ou atividade potencialmente causadora de degradação do meio ambiente, dessa forma, ao longo do procedimento licenciatório há a expedição de três espécies de licenças, sendo em cada etapa, analisadas as circunstâncias para a mitigação dos prejuízos ambientais, devendo ser observado também o cumprimento pelo particular das condicionantes exigidas ao decorrer do processo de licenciamento ambiental.
Apesar de tal preocupação em evitar significativos danos, as nocividades ao meio ambiente nem sempre são evitadas na sua totalidade, o que nos leva à análise da responsabilização civil em matéria ambiental para que haja a efetiva reparação dos danos sofridos pela coletividade. A ênfase do presente estudo se dá sobre os casos em que houve a omissão fiscalizatória do Estado naquelas atividades que, apesar de licenciadas, geraram prejuízos ao meio ambiente, nesses casos, desde já, ressaltamos o posicionamento da composição solidária do polo passivo tanto pelo particular licenciado quanto pelo Estado em observância da omissão fiscalizatória. Logo, quando este tinha o poder-dever de agir no controle perante o particular, não o fez. Ressalta-se que tal responsabilização, quando falamos na execução para a efetiva reparação, ela deve se dar de forma subsidiária em observância ao princípio do poluidor-pagador e da jurisprudência pátria.
Isto posto, analisaremos no presente trabalho hipóteses concretas dessa composição do polo passivo solidário pelo Estado da demanda reparatória ao meio ambiente em casos em que este deixou de atuar de forma eficaz, sendo desenvolvido através da análise legislativa, teórica e bibliográfica acerca dos conceitos e soluções para a reparação ambiental. Bem como com o estudo jurisprudencial de casos concretos em que é possível observar a composição do polo passível pelo Estado e sua execução de forma subsidiária.
2. O LICENCIAMENTO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO E GARANTIA DO EQUILÍBRIO ECOLÓGICO
A Constituição Federal de 1988 considerou o meio ambiente como um direito fundamental aos seres humanos[1], onde o Estado se viu obrigado a criar métodos de preservação para proteger esse direito difuso relativo à proteção e defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. A partir dessa função atribuída ao Poder Público de monitorar as atividades exploradoras do meio ambiente é que surge o instrumento do licenciamento ambiental, através do qual os órgãos licenciadores detêm a discricionariedade da concessão das licenças ambientais, estabelecendo limites e impondo condições com o objetivo da produção mínima de impactos e prejuízos ambientais. Solidifica essa visão, trecho retirado do site OECO, 2013:
O licenciamento ambiental vem, então, como um importante instrumento de gestão da Administração Pública: por meio dele é exercido o necessário controle sobre as atividades humanas que interferem nas condições ambientais. Através dele há a conciliação do desenvolvimento econômico com o uso dos recursos naturais, de modo a assegurar a sustentabilidade do meio ambiente, nos seus aspectos físicos, socioculturais e econômicos.
Com esta passagem, é possível observar a forte interligação do instrumento com diversos princípios do direito ambiental. Primeiramente, é importante a conceituação de alguns destes princípios basilares ao Direito Ambiental que norteiam o ideal de prevenção, reparação e de desenvolvimento sustentável.
O princípio da prevenção consiste na ideia do Estado se abster da concessão de licença ambiental frente a análise e concretude da geração de danos graves e irreversíveis ao meio ambiente. Essa certeza se dá através dos estudos que forem capazes de identificar tais prejuízos. Há então a certeza de que tal obra ou atividade gerará um prejuízo para o meio ambiente no qual a reparação não será suficiente para devolver ao meio ambiente sua qualidade saudável. Logo, trata-se da adoção de medidas antecipatórias a fim de evitar a agressão ao meio ambiente. Quando o Poder Público se depara com tal situação, este tem o dever de abster-se da entrega da licença ambiental frente à consagração do princípio da prevenção. Observamos a conceituação exarada por Tiago C. Vaitekunas Zapater (2020, p. 12) na Enciclopédia Jurídica da PUCSP: “O princípio da prevenção [...] atua nos casos em que, segundo a doutrina, há “conhecimento científico” sobre as consequências de determinada atividade.”
Já o princípio da precaução surge quando há incerteza da ocorrência de danos futuros, dessa forma, se o Poder Público possui dúvidas se certa atividade poderá gerar danos ao meio ambiente, deve abster-se da concessão da licença, daí a discricionariedade que ele possui, é ônus do particular que pretende explorar o meio ambiente demonstrar que sua obra ou atividade não ocasionará prejuízos irreversíveis. O princípio da Precaução foi mencionado na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente no seu Princípio 15, in verbis:
Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observados pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.
Dessa forma, tais princípios denotam ínfima ligação com o o procedimento do licenciamento ambiental. É a partir deste instrumento que o Poder Público será capaz de observar se a obra ou atividade irá gerar prejuízos ao meio ambiente, vale ressaltar a elaboração dos Estudos Prévios de Impactos Ambientais e elaboração do Relatório de Impactos Ambientais, meios de estudos da viabilidade da obra ou atividade. Dessa forma, em se tratando de licenciamento ambiental, Édis Milaré (2001, p. 406) conceitua:
[...] constitui importante instrumento de gestão ambiente, na medida em que, por meio dele, a Administração Pública busca exercer o necessário controle sobre as atividades humanas que interferem nas condições ambientais, de forma a compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação do equilíbrio ecológico.
Outra definição de licenciamento ambiental pode ser encontrada no artigo 1° da Resolução 237 de 22 de dezembro de 1997 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), bem como o de licença ambiental, fazendo desde já a distinção dos dois conceitos, onde o primeiro por se tratar-se de um procedimento administrativo realizado antes da concessão da licença propriamente dita. Sendo a licença ambiental o ato administrativo praticado ao final de cada procedimento.
O licenciamento ambiental, portanto, é considerado um processo de caráter complexo no qual no seu decorrer têm-se a concessão das licenças prévias (estudo da viabilidade do empreendimento), de instalação (autorização da instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes doa planos, programas e projetos, incluindo medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem o motivo determinante) e por fim a de operação (autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que conta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinadas para operação), tais fases desse procedimento possuem o fito de observar a viabilidade ou não da utilização dos recursos.
Com isto temos o licenciamento ambiental como a forma que o Estado utiliza para garantir o controle da utilização dos recursos ambientais do meio ambiente visando o alcance da determinação de zelo e preservação estipulada pela Constituição Federal, com o objetivo de se alcançar um desenvolvimento econômico de forma sustentável, garantindo o equilíbrio ambiental intergeracional, aquele em que se deve explorar, mas também deve garantir o usufruto dos bens ambientais pelas futuras gerações.
3. OMISSÃO DO ESTADO E O DEVER DE REPARAÇÃO AMBIENTAL
Após todo o procedimento do licenciamento ambiental e as concessões das licenças ambientais pelo Poder Público, o Estado continua tendo o dever de acompanhar tal exploração dos recursos ambientais. Na verdade, trata-se de um poder-dever, onde o Poder Público através do poder de polícia ambiental se torna o ator principal no que tange ao controle e fiscalização da utilização do meio ambiente pelos exploradores.
Este poder-dever é visível quando se entrega à Administração a possibilidade de modificar ou até retirar a licença ambiental anteriormente concedida, essa faculdade está prevista no artigo 19 da Resolução n° 237/1997 do CONAMA. Logo, havendo interesse do Poder Público para manter a proteção ao meio ambiente, pode ele por meio de ato discricionário alterar ou recolher a licença anteriormente concedida. É o que chamamos de precariedade das licenças ambientais, pois o particular explorador não está protegido pelo direito adquirido em detrimento de uma proteção muito mais notável, qual seja, a preservação do meio ambiente.
Assim, é tamanho o dever do Estado de agir quando verificar mudança nas circunstâncias, devendo proceder a revisão, suspensão ou cancelamento da licença, daí que decorre o tal poder de polícia, Édis Milaré (2015, p. 836) bem resume:
[...] “enquanto as condições fixadas pela licença ambiental atenderem ao fim maior que é a preservação do meio ambiente saudável, será mantida; caso deixe de atende-lo, a licença deverá ser revista. Infere-se, portanto, que a licença ambiental é dotada, implicitamente, de uma verdadeira cláusula rebus sic standibus, ou seja, se as condições originais que deram ensejo à concessão da licença mudarem, esta também pode ser alterada ou até retirada.” Sim, porque o Direito Ambiental, para cumprir sua missão de tutela ao interesse público, poderá, a todo tempo, impor medidas antipoluição e instalações em operação, sob pena de se violarem os princípios da precaução e do poluidor-pagador e, in pejus, perpetuar o direito de poluir.
O problema surge quando o Estado não cumpriu ou cumpriu com deficiência seu dever fiscalizatório (omissão) nas obas e atividades licenciadas e estas geraram algum prejuízo ao meio ambiente. Nesses casos, se há a inexistência de cautelas de fiscalização que colabora para a produção do dano ambiental, estará presente o nexo de causalidade do evento que ocasionará na concretude da responsabilidade objetiva do Estado. É o entendimento de que o Estado deve participar do polo passivo da ação reparadora ao meio ambiente quando este deixou de atuar ou atuou de forma falha.
Este posicionamento é corroborado, por exemplo, com o julgado no Resp. 1.071/SP, 2ªT.,j.24.04.2009, rel. Min. Herman Benjamin, Dje 16.12.2010, assim emendado:
Danos ambientais. Responsabilidade solidária. A questão em causa diz respeito à responsabilização do Estado por danos ambientais causados pela invasão e construção por particular, em unidade de conservação (parque estadual). A Turma entendeu haver responsabilidade solidária do Estado quando, devem do agir para evitar o dano ambiental, mantém-se inerte ou atua de forma deficiente. A responsabilização decorre da omissão ilícita, a exemplo a falta de fiscalização e de adoção de outras medidas preventivas inerentes ao poder de polícia, as quais, ao menos indiretamente, contribuem para provocar o dano, [...] (grifos nossos)
Assim, nos casos de omissão estatal onde esteja presente a inexistência de cautelas de fiscalização que colaboram para a produção do dano ambiental, estará presente o nexo de causalidade do evento aplicando a ideia da responsabilização objetiva perante o Estado, por expressa determinação legal dos artigos 3º, IV c/c 14, §1º da Lei nº 6.938/81[2] e com apoio do artigo 225, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988[3], ressaltando-se que quando tratamos da reparação do dano em matéria ambiental esta se dar de forma integral.
No que tange a execução do Estado, ela deve ser aplicada de forma Acrescenta-se ainda a aplicação subsidiária, ainda que responda de forma solidária com o poluidor direto. Este raciocínio é que proporciona ao Estado uma limitação na co-responsabilização com o particular, assim o Poder Público integra o título executivo, mas somente será chamado para quitação efetiva da dívida nos casos de insolvência, ausência de patrimônio, incapacidade ou impossibilidade de cumprimento. Isso porque me parece justo que se crie uma ordem de execução, estando em primeira escala de cobrança aquele que prejudicou de forma direta o meio ambiente, cabendo o Estado adentrar na reparação propriamente dita, apenas nos casos em que houve algum defeito no momento da reparação. O Estado, entraria numa posição secundária de execução por ter participado indiretamente do dano ambiental.
Com este entendimento, mitiga-se a possibilidade injusta de punição da própria sociedade quando se transfere a esta o ônus reparatório de um dano causado pela omissão do ente. Confirmando esta elucidação, observa-se o julgamento do Resp. 1.071/SP, 2ªT.,j.24.04.2009, rel. Min. Herman Benjamin, Dje 16.12.2010:
No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência). (...) A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil).
O objetivo, portanto, é estabelecer uma ordem preferencial na cobrança da reparação na execução do crédito ambiental, incluindo o Estado como responsável solidário, mas excluindo-o da “linha de frente” do pagamento compensatório, o que gera a efetiva aplicação do princípio do poluidor-pagador, aproximando a condenação daquele que efetivamente causou a degradação ambiental.
4. CASOS ELUCIDATIVOS DA RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO POR DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBINETE DECORRENTES DA OMISSÃO FISCALIZATÓRIA DO PODER PÚBLICO EM OBRAS OU ATVIDADES LICENCIADAS
Para fortalecer o entendimento exposto pela doutrina acerca do tema, colaciono alguns casos em que é possível observar a aplicação do direito acima evidenciado em casos concretos:
PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ADOÇÃO COMO RAZÕES DE DECIDIR DE PARECER EXARADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 4.771/65. DANO AO MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. ARTS. 3º, IV, C/C 14, § 1º, DA LEI 6.938/81. DEVER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO.
1. A jurisprudência predominante no STJ é no sentido de que, em matéria de proteção ambiental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento do dano causado pelo seu causador direto. Trata-se, todavia, de responsabilidade subsidiária, cuja execução poderá ser promovida caso o degradador direto não cumprir a obrigação, "seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, por qualquer razão, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica, conforme preceitua o art. 50 do Código Civil" (REsp 1.071.741/SP, 2ª T., Min. Herman Benjamin, DJe de 16/12/2010).
2. Examinar se, no caso, a omissão foi ou não "determinante" (vale dizer, causa suficiente ou concorrente) para a "concretização ou o agravamento do dano" é juízo que envolve exame das circunstâncias fáticas da causa, o que encontra óbice na Súmula 07/STJ.
3. Agravos regimentais desprovidos. (grifos nossos)[4]
AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998. DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITO DE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZA SOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. [...]
4. Qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum , da prioridade da reparação in natura , e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. Precedentes do STJ.
5. Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou por culpa, regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorrer de expressa previsão legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/1981, art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, consoante a construção doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional.
6. O dever-poder de controle e fiscalização ambiental (= dever-poder de implementação), além de inerente ao exercício do poder de polícia do Estado, provém diretamente do marco constitucional de garantia dos processos ecológicos essenciais (em especial os arts. 225, 23, VI e VII, e 170, VI) e da legislação, sobretudo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981, arts. 2º, I e V, e 6º) e da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente). [...]
13. A Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu dever de controlar e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento, consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e no campo da improbidade administrativa.
14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência).
15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil). [...]
18. Recurso Especial provido. (grifos nossos)[5]
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE DO CAUSADOR DO DANO – AGENTE QUE EFETUOU A ESCAVAÇÃO IRREGULAR – E DO ENTE PÚBLICO, EM FACE DE SUA INEQUÍVOCA OMISSÃO FISCALIZATÓRIA. EM FACE DA NATURAL/ESPONTÂNEA RECUPERAÇÃO DA VEGETAÇÃO, HÍGIDA A SENTENÇA QUE CONDENOU OS DEMANDADOS À REALIZAÇÃO DE PROJETO DE RECUPERAÇÃO LOCAL, EM COSSONÂNCIA COM AS CONSTATAÇÕES DO PERITO. APELO DESPROVIDO.[6]
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE ESTATAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RESPONSÁVEL DIRETO E INDIRETO. SOLIDARIEDADE. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. ART.
267, IV DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF.
1. Ao compulsar os autos verifica-se que o Tribunal a quo não emitiu
juízo de valor à luz do art. 267 IV do Código de Ritos, e o
recorrente sequer aviou embargos de declaração com o fim de
prequestioná-lo. Tal circunstância atrai a aplicação das Súmulas nº
282 e 356 do STF.
2. O art. 23, inc. VI da Constituição da República fixa a
competência comum para a União, Estados, Distrito Federal e
Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e combate à
poluição em qualquer de suas formas. No mesmo texto, o art. 225, caput, prevê o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
3. O Estado recorrente tem o dever de preservar e fiscalizar a
preservação do meio ambiente. Na hipótese, o Estado, no seu dever de
fiscalização, deveria ter requerido o Estudo de Impacto Ambiental e
seu respectivo relatório, bem como a realização de audiências
públicas acerca do tema, ou até mesmo a paralisação da obra que
causou o dano ambiental.
4. O repasse das verbas pelo Estado do Paraná ao Município de Foz de
Iguaçu (ação), a ausência das cautelas fiscalizatórias no que se
refere às licenças concedidas e as que deveriam ter sido
confeccionadas pelo ente estatal (omissão), concorreram para a
produção do dano ambiental. Tais circunstâncias, pois, são aptas a
caracterizar o nexo de causalidade do evento, e assim, legitimar a
responsabilização objetiva do recorrente.
5. Assim, independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda que indireto (Estado-recorrente) (art. 3º da Lei nº 6.938/81), é obrigado a indenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente (responsabilidade objetiva).
6. Fixada a legitimidade passiva do ente recorrente, eis que
preenchidos os requisitos para a configuração da responsabilidade
civil (ação ou omissão, nexo de causalidade e dano), ressalta-se, também, que tal responsabilidade (objetiva) é solidária, o que
legitima a inclusão das três esferas de poder no polo passivo na
demanda, conforme realizado pelo Ministério Público (litisconsórcio
facultativo).
7. Recurso especial conhecido em parte e improvido.[7]
(grifos nossos)
5. CONCLUSÃO
O meio ambiente preservado e saudável é tratado pelo ordenamento jurídico brasileiro como um direito fundamental do cidadão e, sobretudo, das futuras gerações. Justamente para garantir esta previsão legislativa criou-se o mecanismo do licenciamento ambiental, instrumento realizado pela autoridade competente capaz de conceder ou não as licenças ambientais a fim de controlar a utilização dos recursos naturais disponíveis à exploração.
É notório o interesse da coletividade consubstanciado nesse bem comum, uma vez que o meio ambiente é assegurado pela Lei Maior. Assim, embora a licença ambiental seja um ato administrativo vinculado, no licenciamento ambiental deve haver uma verdadeira discricionariedade pelo ente administrativo concedente, frente aos princípios da Prevenção e da Precaução, uma vez que ao Estado foi atribuído o dever constitucional de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Ressalta-se que para que haja uma verdadeira preocupação com o meio ambiente, estudos de impactos ambientais são importantes para a análise dos possíveis impactos e geração de danos ambientais, dessa forma, através destes é possível a estipulação de condicionantes ao particular e medidas mitigadoras dos prejuízos ao meio ambiente visando sempre o menor impacto ambiental possível, mas sempre ponderando a preservação como desenvolvimento econômico.
Com efeito, sendo dever de o Estado constituir um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a figura do licenciamento de atividades pela Administração Pública acarreta sua responsabilidade pelos danos ambientais, de conformidade com a teoria objetiva, quando presentes os pressupostos da ação ou omissão, dano ambiental, nexo causal e qualidade do agente.
Portanto, levando em consideração que a regra é a responsabilidade objetiva, ao expedir licenças ambientais o Estado estará assumindo a responsabilidade pela reparação dos eventuais danos ambientais decorrentes, ainda que solidariamente com o poluidor direito, frente ao risco assumido na concessão da licença. A presença da legitimidade do ente público assumir o polo passivo para tal reparação do dano encontra-se ainda mais presente quando há a omissão estatal no seu dever de fiscalização e controle da atividade ou obra licenciada.
Assim, em análise a jurisprudência em matéria ambiental dos casos em que se observa a responsabilidade civil do Estado quando há omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar, pode-se concluir que ela se dá de forma objetiva, solidária tendo ainda que demonstrar que a ausência da fiscalização foi determinante para a concretização ou agravamento do dano causado. Uma importante observação a se fazer, é que a execução deste dever reparatório se da de forma subsidiária, deixando assim ao poluidor direito a execução primária a fim de concretizar a utilização do princípio do Poluidor-Pagador.
6. REFERÊNCIAS
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______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível N° 70052956109, Relator: Luiz Felipe Silveira Difini. Primeira Câmara Cível, julgado em 24/04/2013, Dje 07/05/2013. Disponível em:<https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/112852304/apelacao-civel-ac-70052956109-rs> . Acesso em 21 de fevereiro de 2021.
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MILARÉ, Édis Direito do Ambiente - 10 ed. rev. Atual e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
OECO. O que é Licenciamento Ambiental. Dispoível em: <https://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/27321-o-que-e-licenciamento-ambiental/ > Acesso em 21 de fevereiro de 2021.
ZAPATER, Tiago C. Vaitekunas. Princípio da Prevenção e Princípio da Precaução. Enciclopédia Jurídica da PUCSP, tomo VI (recurso eletrônico): direitos difusos e coletivos / coords. Nelson Nery Jr., Georges Abboud, André Luiz Freire- São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2020. Disponível em: < https://enciclopediajuridica.pucsp.br/pdfs/principio-da-prevencao-e-principio-da-precaucao_5f1e37df9afc0.pdf >. Acesso em: 21 de fevereiro de 2021.
NOTAS:
[1] Art. 225, caput da CF. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[2] Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: [...] IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:[...] § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
[3] Art. 225, § 3º da CF: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no RECURSO ESPECIAL N° 1.001.780 – PR (2007/0247653-4). Relator Ministro Teori Albino Zavascki. Primeira Turma, julgado em 27/09/2011, Dje 04/10/2011;Disponível:https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200702476534&dt_publicacao=04/10/2011 Acesso em: 21/11/2017.
[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL N° 1.071.741 – SP (2008/0146043-5). Relator Ministro Herman Benjamin. Segunda Turma, julgado em 24/03/2009; DJe 16/12/2010; Disponível em:https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200801460435&dt_publicacao=16/12/2010;Acesso em: 21/11/2017.
[6] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível N° 70052956109, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Silveira Difini, Julgado em 24/04/2013, Dje 07/05/2013. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/112852304/apelacao-civel-ac-70052956109-rs . Acesso em 21 de fevereiro de 2021.
Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas. Ocupa o cargo efetivo de técnico previdenciário (especialidade administrativa) da MANAUSPREV. Pós graduada em Direito Público pela Universidade do Estado do Amazonas. Pós graduada em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela FAEL - Faculdade Educacional da Lapa.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMORE, ANDREZA ALBUQUERQUE. Responsabilidade civil solidária do Estado nos danos ambientais decorrentes da omissão fiscalizatória no licenciamento ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 mar 2021, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/56239/responsabilidade-civil-solidria-do-estado-nos-danos-ambientais-decorrentes-da-omisso-fiscalizatria-no-licenciamento-ambiental. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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